Dear Gringo escrita por Gaby Molina


Capítulo 11
Capítulo 11 - Memórias de um patrimônio histórico




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Allison

Ainda acordada?

O contato fora nomeado "Melhor coisa que já te aconteceu", então de certo Isaac adicionara sem que eu percebesse.

Eu queria dormir, mas meu cérebro não para de falar consigo mesmo.

O que ele tá dizendo?

Isaac

Allison demorou alguns minutos para responder.

Que vc é uma ideia ruim.

Emily acertou um travesseiro em mim.

Turn that shit off! (Desligue essa merda!)

Just a sec. (Só um segundinho).

Pensando em mim, é? Isso é legal. Talvez eu pense em você também.

Legal :) Boa noite, Geymer

Boa noite, Peruzzo. Sonhe cmg

Se isso acontecer, me interne

Pode deixar.

Allison

Passei os dias seguintes almoçando com os amigos hipsters não tão repulsivos de Isaac, apesar de ter de aguentar os olhares Gato de Botas que Bianca me lançava o tempo todo.

— Ainda não acredito que você foi à Paulista de pijama — disse Marina pela vigésima vez.

Isaac riu, passando um braço por meus ombros e encostando minha cabeça num ombro dele. Surpreendi-me com o gesto, porque Isaac nunca encostava em mim, a não ser que quisesse me arrastar para algum lugar ou, você sabe, me jogar na lama ou algo do tipo. Sua camiseta ofensiva/explícita do dia era vermelha com uma cruz, como de salva-vidas, e dizia "Doador de orgasmos". Eu não sabia como diabos ninguém implicava com ele por causa dessas camisetas, porque, mesmo que elas estivessem todas escritas em Inglês, "Orgasm donor" ainda parecia bem explícito a meu ver.

— Você está apenas com inveja porque agimos como retardados em público e mesmo assim as pessoas nos amam. Certo, Peruzzo?

Eu, que ainda estava tentando decidir se deveria afastá-lo ou não, murmurei algo muito inteligente como:

— Hã...

* * *

— Oi! — disse uma garota atrás de mim na hora da saída. Demorei um momento para reconhecê-la.

— Emily?

A irmã de Isaac sorriu.

— Oi, Allison. A professora Helena falou com você?

— Sobre...?

— Sabe, estou bem atrás em História Brasileira, e ela disse que você poderia me ajudar.

— Eu poderia, é?

— Ela escreveu um bilhete também — Emily me entregou um pedaço de papel.

Como se um Geymer já não fosse suficiente...

Emily acabou me convencendo a ir à casa dela depois da aula. Entrar na casa de Isaac parecia totalmente esquisito, mesmo que não fosse a casa dele de verdade. Vi um violino num canto.

— Você toca? — indaguei, sorrindo. — Que legal!

Ela soltou um risadinha.

— Hum, não exatamente...

Sentamo-nos no sofá e eu comecei a calmamente explicar o Primeiro Reinado a Emily, tentando usar palavras simples, porque ela me interrompia toda hora para perguntar o que era tal palavra. Por fim, desisti e obriguei-me a falar em Inglês com ela.

But don't tell your brother (Mas não conte ao seu irmão) — pedi. Ela assentiu.

Uma senhora baixinha de cabelos escuros apareceu na sala.

— Ah, Emily, você trouxe uma amiga? — ela sorriu.

— Mais amiga do Isaac do que minha — Emily deu de ombros. — Mas é. Essa é a Allison. Allison, essa é a Dona Cláudia.

— É um prazer — sorri.

— O mesmo, querida. Vai ficar para o almoço?

— Hum, eu não acho que...

— Por favor! Eu insisto!

— Bem, nesse caso...

— Ótimo! Espero que goste de lasanha! — e voltou animada para a cozinha.

Depois de alguns minutos, a porta da sala se escancarou. Os olhos de Isaac se cravaram diretamente em mim, mas ele se dirigiu à irmã:

Emily, why is Allison Peruzzo in our living room? (Emily, por que Allison Peruzzo está na nossa sala de estar?)

Because she's helping me with History, dummie (Porque ela está me ajudando com História, tolinho) — Emily sorriu. — Oh, and she's staying for lunch (Ah, e ela vai ficar para o almoço).

— É mesmo? — agora ele falava comigo, erguendo uma sobrancelha. — E ainda dizem que aboliram a escravidão.

— O que é "abolir"? — indagou Emily.

God, Peruzzo, você não ensinou nada a ela?

Encarei-o.

— Ou ajuda ou cai fora.

— Não pode me expulsar da minha própria casa.

— Não é sua casa.

Ele suspirou.

— Vou para o meu quarto.

E então ele desapareceu pelas escadas.

* * *

— Então, como vocês se conheceram? Emily mencionou que são amigos — Dona Cláudia fitou eu e Isaac.

Isaac enfiou um pedaço de lasanha na boca.

— Allison foi designada como minha escrava particular.

— Ei — protestei. Ele ergueu uma sobrancelha. Suspirei. — É, a democracia não presta. É isso o que acontece quando se aprende mais do que deveria. E sou sua babá, isso sim.

Ele deu de ombros.

— Se é assim que você define nosso relacionamento especial.

O sarcasmo era tão sutil em seu tom de voz que demorei para entendê-lo, o que quase causou um ataque de tosse.

— Acabei — disse ele com a boca meio cheia, cruzando os talheres no prato. — Vou para o meu quarto.

E então ele foi. Quando terminei de comer, Cláudia disse:

— Allison, pode pedir a Isaac para vir tirar o prato dele?

Assenti e subi as escadas, batendo numa porta aleatória. Havia música clássica tocando dentro, então de certo não era o de Isaac. Quando eu comecei a me afastar, a porta se abriu.

— Allison?

Parado ali estava Isaac, descalço e sem óculos, com um violino em mãos. Arregalei os olhos.

— Você toca?! — foi minha primeira reação. — Achei que a música estivesse vindo de um CD! Você é muito bom!

— Tá, Peruzzo. Quer alguma coisa?

— Cláudia pediu para você tirar o seu prato da mesa.

Whatever — ele revirou os olhos e jogou o violino em cima da própria cama antes de descer as escadas parecendo mais hostil do que o normal.

Mesmo sabendo que era uma péssima ideia, coloquei a cabeça para dentro do quarto de Isaac e Emily. Não havia muitos pertences além de camisetas e calças jogadas no chão, camas desarrumadas e o violino.

— O que você acha que está fazendo?!

Virei-me para fitar Isaac.

— Eu só... Hum...

— Você não pode só fazer isso, sabia? Entrar na casa das pessoas, no quarto das pessoas, na vida das pessoas! Não pode simplesmente fazer isso.

— Por que nunca me contou que tocava violino?

— Porque eu não queria que você soubesse! É pessoal!

— Eu não vou tirar sarro de você, na verdade, eu acho incrível e...

Ele se aproximou, os olhos acizentados cravados nos meus.

— Pare bem aí. Nós não somos BFFs, Peruzzo. Se eu quiser que você saiba de alguma coisa da minha vida, eu vou te contar. Você não pode ficar fuçando nas minhas coisas.

Revirei os olhos.

— Meu Deus, Geymer, eu só...

O olhar selvagem no rosto dele me fez calar a boca. Eu esperaria qualquer coisa dele naquele momento, e nenhuma opção que passava pela minha cabeça parecia viável, então apenas suspirei e falei:

— Bem, fique sozinho com as suas coisas, então. Seja feliz.

* * *

Depois de um ônibus fedido e alguma caminhada, cheguei em casa. Abri a porta lentamente para não fazer barulho, mas meu pai estava sentado na poltrona da sala. Merda, ele não deveria estar no trabalho?!

— Fiquei esperando você para o almoço. Onde estava?

— Na casa de uma amiga. E já almocei. A mãe dela ficou insistindo, e eu achei que seria rude recusar.

— Poderia ter ligado.

— Eu não sabia que você estaria em casa.

Meu pai revirou os olhos.

— Sempre uma desculpa. Está de castigo.

Ergui uma sobrancelha.

— Como é?

— Vai ficar no seu quarto e se concentrar nos estudos. Tem saído demais nos últimos dias.

— Você tem de estar brincando comigo — murmurei, mas subi para o meu quarto.

Fiquei lendo algum livro aleatório pela sexta vez por pelo menos uma hora antes de uma pedra atravessar o meu quarto. Um pouco assustada — porém curiosa —, corri até a janela, apenas para encontrar Isaac com uma pedra na mão.

— Geymer! — soltei um sussurro gritado. — Você jogou uma pedra na minha janela?!

— De que outra forma poderia chamar sua atenção? Além do mais, a janela sequer estava fechada.

Suspirei.

— O que está fazendo aqui?

— Bem, primariamente eu vim devolver o estojo que você esqueceu lá em casa, mas seu pai não me deixou entrar, então supus que ele havia te aprisionado e eu vim te salvar. Mas antes trouxe toda a gangue junto, eles estão esperando no carro de fuga.

Ergui uma sobrancelha.

— Você... O quê?

— Você está de castigo, ou algo do tipo?

— É, meu pai acha que estou saindo demais, então me trancou aqui para que eu me concentre nos estudos.

Isaac me estudou por um momento.

— A janela é baixa, dá para pular.

Soltei um riso.

— Isaac, está louco? Não posso sair daqui.

— Por que não? Essa é sempre sua resposta. "Não posso, não devo". Que inferno! Faça a merda que você quiser, quem liga? Roube um banco, pare de comer, saia e mude o mundo ou queime sua casa até o chão! Jogue suas mãos para o alto porque você apenas não se importa! Pelo amor de Deus, respire essa porra de ar e vá viver a sua vida.

Isaac tinha o costume de dar esses discursos revolucionários em momentos aleatórios, e eu gostava deles. Depois daquilo, não consegui pensar em mais nenhum argumento, então apenas disse:

— Promete que não vai deixar eu me estatelar no chão?

Isaac riu.

— Pode deixar.

Sentei-me na janela, prendi a respiração e pulei, caindo, graças a Deus, nos braços de Isaac. Cambaleamos e quase caímos em cima de umas plantas que mamãe mantinha no jardim. Ele cravou os olhos acizentados em mim.

— Vamos.

E então me puxou pela mão até o carro de fuga, que estava quase na esquina. Nos esprememos no banco de trás com Felipe e Clara. Pedro, que estava no banco do motorista, sorriu e disse:

— E aí, Peruzzo?

— Giorno, acelere essa merda! — recordou Isaac, e logo estávamos bem longe dali.

— Você é uma ideia ruim, Isaac — murmurei, meio para mim mesma, meio para ele. — Uma ideia bastante ruim.

— Quando eu sou bom, eu sou muito bom — replicou ele. — Mas quando eu sou ruim, sou ainda melhor.

Revirei os olhos. Pedro aumentou o volume do rádio e começou a cantar "SO MAKE ME UP WHEN IT'S OH LOVER!" enquanto Isaac berrava a correção por cima, parando apenas para suspirar e murmurar:

For fuck's sake...

Acabamos perto do Ibirapuera, porque Isaac nunca tinha ido lá, então todos concordamos que ele tinha de ir lá. Pedro parou o carro perto do Monumento À Bandeira, que estava sem crianças em cima dele (se você é paulista, sabe que isso é um belo de um milagre), e disse:

— Eu costumava subir nele quando era criança. Fingia que era o Zorro ou sei lá.

— Cara, isso é um monumento histórico importantíssimo representando a conquista dos bandeirantes sobre as terras indígenas, e... — comecei.

— Deveríamos subir — argumentou Felipe.

Como Felipe nunca dizia nada e, de repente, ele dera uma ideia, não pudemos fazer nada além de aceitar. Antes que eu percebesse, estávamos em cima do monumento.

Caso você não esteja familiarizado com o monumento, recomendo procurar no Google, mas vou resumir. Há homens com cavalos na frente — os bandeirantes —, e atrás deles há índios e negros, empurrando toda a carga e fazendo todo o serviço pesado. Isaac me arrastou até a parte da frente do monumento, longe dos outros, onde me fitou e disse:

— Eu não deveria ter dito aquilo mais cedo. No meu quarto. Eu não quis dizer de verdade nada daquilo.

— Tudo bem.

— Não. Sério. Eu abri a porta, você não teve nada a ver com isso. Eu só... Quando eu precisar que você saiba de algo, eu vou contar, está bem?

— Ok.

— Mudando de assunto... Qual é a do seu pai?

— Hum?

— Quando estávamos quebrando pratos, você disse "foda-se os pais que acham que sabem o que é melhor". Seus pais pegam muito no seu pé?

— Eu... Érrr... Meus pais não... se dão muito bem ultimamente, então minha mãe pega turnos extras no hospital para não ter de vê-lo. Ele é meio... frio. Eu meio que vejo o lado dele. Ele não sabe nada sobre a minha vida, então não tem nenhum motivo para confiar em mim. Eu só... Droga, faz muito tempo que não conto essa história.

— Quanto tempo?

Apertei os lábios. Eu não admitiria que nunca havia contado aquela história. Isaac se aproximou mais, e eu encostei minha cabeça em seu ombro.

— Não quero ser intrometido. É que às vezes eu sinto como se precisasse de você da forma mais inocente possível, Allison. Eu preciso te acompanhar até em casa, e te proteger de todos os babacas, e ficar ao seu lado para ter certeza de que você está bem. Mas, ao mesmo tempo, eu passo muito tempo apenas imaginando como seria beijar você.

Meu queixo caiu involuntariamente. Isaac tomou algum tempo para olhar em meus olhos, e parecia estar decidindo alguma coisa quando Marina gritou:

— EI! VOCÊS DOIS! DESÇAM LOGO, EU QUERO COMER!

Isaac me fitou como se tivéssemos um segredo só nosso.

— Acha que podemos pedir um casal de minutos?

— Acho que não — admiti, escondendo um sorriso, e descemos do patrimônio histórico.

Caminhamos durante trinta minutos tortuosos até o Burger King, onde pedimos os lanches e estávamos prestes a nos sentar quando me lembrei de que havia esquecido os canudos. Desci as escadas às pressas e parei ao lado de Isaac, que pegava um refil de Pepsi. Houve um momento um pouco embaraçoso de silêncio até subirmos de volta e nos sentarmos à mesa.

Isaac

Veja bem, eu estava em um momento pós-traumático depois de possivelmente quase beijar Allison Peruzzo. Quero dizer, o que eu tinha na cabeça? Claro, ela era esperta. E o cabelo dela era brilhante. E os olhos dela eram grandes e interessantes, e observavam o mundo de um jeito diferente. Mas isso não queria dizer que eu desejava beijá-la, nada disso. Imaginar como seria não é a mesma coisa que querer. Quero dizer, eu já imaginara como seria viver como uma criança na África, e isso não quer dizer que eu queria que se tornasse realidade.

Isso faz sentido? Provavelmente não. Devorei as batatas com queijo, e caminhamos os malditos trinta minutos de volta ao monumento.

— Eu quero suco — choramingou Pedro.

— Você tem que estar brincando — Felipe inspirou fundo.

— Podemos entrar no parque para buscar?

— Que seja — Marina revirou os olhos.

— Eu alcanço vocês, só preciso de um casal de minutos — falei, subindo no monumento sem pensar.

Eles deram de ombros e se afastaram. Allison pareceu perceber a indireta, porque ficou e sentou-se ao meu lado.

— Deus, isso é errado — murmurou ela, e demorei um momento para perceber que ela se referia a subir no monumento.

— Os espertos podem ter os cérebros, mas os idiotas têm as bolas.

— As bolas? — ela franziu o cenho. — Ah. The balls. Certo. Hum, a gente não usa muito essa expressão.

— Que expressão usam?

— Culhões. Os idiotas têm os culhões.

— "Culhões" não é uma palavra nem um pouco mais bonita do que "bolas".

Ela soltou uma risada.

— Vejo seu ponto.

Allison

— Ainda está apaixonadinha pelo Will? — indagou Isaac do nada. Ou, bem, talvez não fosse "do nada", eu apenas nunca acompanhava o raciocínio dele.

— Não, claro que não.

— Ótimo — ele murmurou, e então me puxou pela cintura e me beijou nos lábios.

O que ele estava fazendo?! Merda, eu tinha de afastá-lo. Não seria só mais uma da longa lista de Isaac Geymer. Recusava-me a tal coisa. Não, não, não. Eu era melhor do que isso. Ele provavelmente tinha herpes. Sim, talvez tivesse.

— Isaac — sussurrei.

— Sim? — ele abriu os olhos, fitando-me.

— Quantas garotas você já beijou?

Ele franziu o cenho, surpreso, e pareceu estar contando mentalmente. Começou a usar os dedos para ajudar.

— Quando você diz beijo...

Suspirei.

— Não. Deixe para lá. Eu não quero saber.

Ele entendeu aquilo como um sinal verde de volta para os meus lábios. Antes que eu percebesse, aquele piercing idiota estava dançando pela minha boca. Foi aí que percebi que era tarde demais. Então por que eu estava correspondendo ao beijo? Não era possível que eu estivesse gostando. Ou...

Shit.

Ele sorriu quando percebeu que eu desistira de combater a vontade, e grudou ainda mais nossos corpos, acariciando meu cabelo com uma das mãos. Imaginei que o piercing me machucaria, mas ao invés disso eu gostava da sensação de tê-lo roçando em minha língua. Deus, havia algo muito errado comigo.

Quase caí para frente, direto na grama, em uma ocasião, mas Isaac me puxou de volta, sorrindo.

— Opa, calma aí — ele ergueu uma sobrancelha. — Damn it, Peruzzo, onde diabos você aprendeu a beijar assim?

Minha resposta foi um grande "Hãã...", primeiro porque eu não fazia ideia de qual era a resposta, e segundo porque ele usara o mesmo tom de voz grave e sussurrado que usava com as garotas em quem frequentemente dava em cima. Como se eu fosse uma das garotas dele. Merda, eu totalmente era uma das garotas dele! Então por que eu não estava me sentindo mal com isso?

Certo, definitivamente havia algo muito errado comigo.

Ouvimos um pigarreio. Parado ali ao lado do monumento, inocentemente tomando suco de uva, estava Pedro, tentando esconder o sorriso malicioso.

— E aí? — ele acenou.

Eu e Isaac nos entreolhamos e descemos do patrimônio histórico. Tudo em que eu conseguia pensar era que, se meus filhos me perguntassem onde eu dei meu primeiro beijo, eu teria de admitir que fora perto da bunda dos cavalos dos bandeirantes em um dos pontos turísticos e culturais mais importantes de São Paulo.

Ao menos, não acho que haja muitas pessoas que possam dizer isso.

* * *

— Agora sim ficarei de castigo para sempre — dei de ombros quando paramos em frente à minha casa.

— Não pode dizer que foi sequestrada por um psicopata gringo louro e extremamente atraente?

— É, não acho que vai colar.

— Tenho uma ideia! — sugeriu Pedro. — Eu toco a campainha e distraio o seu pai enquanto você entra pela porta dos fundos.

— Essa é... uma ideia bem ruim — argumentou Isaac.

— Estou dentro — dei de ombros.

Isaac ergueu uma sobrancelha, mas apenas disse:

— Mande uma mensagem quando chegar ao seu quarto.

Assenti e corri pela lateral da casa enquanto ouvia Pedro conversar com meu pai:

Olá! Tem um minuto para ouvir a palavra de Jeová?

— Onde está sua Bíblia, garoto?

— Ah, senhor, no meu celular! Hoje é tudo digitalizado, sabe. Apesar de eu achar que essa coisa toda de tecnologia piorou muitas coisas, como...

Girei a chave na fechadura e abri a porta devagar, depois correndo desembestada até meu quarto. Joguei-me em minha cama e mandei uma mensagem para Isaac.

Missão cumprida.

:)) mas vc está perdendo Pedro fingindo que sabe alguma coisa de religião. Tenho certeza de que ele está confundindo Jeová com Jesus, ou "o cara da cruz", como ele gentilmente apelidou.

E logo depois:

Estou indo agora. Tente não pensar muito no fato de que vc — uau — subiu em um monumento na cidade onde é basicamente uma norma cultural subir naquele monumento.

Respondi alguma coisa aleatória, mas não conseguia parar de pensar que as coisas pareciam estar dando certo. Quero dizer, tudo naquele dia estava predestinado a dar errado, mas acabou se ajeitando de um jeito imprevisível. Percebi que Isaac estava certo quanto a uma coisa: surpresas eram mesmo agradáveis às vezes.


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