Dear Gringo escrita por Gaby Molina


Capítulo 10
Capítulo 10 - Pijamas na Paulista




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Allison

Podia sentir todos os olhares em mim enquanto eu atravessava a cantina. Os cochichos ritmados, a atenção desconfortável. Tudo o que eu queria era sair correndo e me trancar no banheiro até o fim do último período, mas aguentei firme.

— Ei! Peruzzo!

Aquela voz me surpreendeu. Parado ali na mesa com seu grupo estava Pedro Giorno, e ele estava acenando.

— Senta aqui! — acrescentou Marina.

Eu franzi o cenho, tentando antever uma pegadinha. Encarei Isaac, que abriu um leve sorriso e apontou com os olhos para o lugar vazio ao seu lado.

Sentei-me, mantendo a guarda alta.

— Oi — falei baixinho.

— É isso aí, garota! — Felipe Grassi estendeu a mão, e demos um high-five.

Aquilo foi estranho.

— Eu... perdi alguma coisa? — ergui uma sobrancelha.

— A gente viu sua discussão com aquela loira lá — disse Isaac com a boca meio cheia. Um pouco de alface caiu de seu sanduíche, e ele xingou em sua língua nativa. — Bom, todo mundo viu.

— Você destruiu a vadia, cara — Pedro se animou. — Não se metam com a Peruzzo!

I've got 99 problems, but a bitch ain't one — Isaac concordou. Todos olharam para ele com a melhor cara de paisagem. — A música, gente. 99 Problems? Jay-Z?

— Então por que você não cantou a música? — Marina revirou os olhos.

— Porque eu não canto.

— Você cantou I Lived — recordei. — No carro.

— Mas foi diferente — ele retrucou. — Só você estava lá.

— Então você tem vergonha da gente, Pequeno Isaac? — Pedro provocou. — Sinto-me completamente ofendido.

Isaac

Eles se juntaram para tirar sarro de mim, e Allison se juntou a eles, o que foi bom. Pelo menos o clima não estava tenso. Exceto por Clara, que não falara nada desde que nos sentáramos ali.

* * *

Estávamos sentados em duplas na aula de Português, fazendo uma tarefa de semântica. Clara continuava quieta.

— Qual a definição de perfeição? — indaguei, fitando-a. — Ah, não, espere. Estou olhando para ela.

Clara escondeu um sorriso e continuou fazendo os exercícios.

—... Qual é — insisti. — Eu fiz alguma coisa? — Ela fez que não com a cabeça. — Claraa...

— Depois, Isaac. Depois.

— No pátio depois da aula?

Ela hesitou, mas assentiu.

* * *

Clara foi bem direta, e eu admirei isso.

— Isaac, não posso mais fazer isso.

Isso?

— Nós. Eu. Você. Não consigo. Precisamos ser só amigos.

Ergui uma sobrancelha.

— Aconteceu alguma coisa?

— Eu... Não é sua culpa, Isaac. É que... tem outra pessoa.

— Ah — soltei, surpreso. — Eu... Ok.

— Mesmo?

— Claro — menti.

Como que para presenciar minha desgraça, Rebeca Trebian se aproximou. Ela fitou Clara.

— Tem um minuto?

Clara hesitou, então eu respondi:

— Claro, já acabamos aqui.

A morena me lançou um pedido de desculpas silencioso e se afastou com Rebeca.

Esperei alguns segundos, e depois as segui. Rebeca de certo convencera Clara a me dispensar.

Quando as encontrei, descobri que Rebeca de fato era o problema. Mas não da forma que eu havia imaginado.

Porque eu tinha quase certeza de que amigas não se beijavam.

* * *

Saí correndo de lá antes que alguém me visse, enquanto juntava os quebra-cabeças na minha mente. Rebeca tinha ciúme de mim. Eu fora trocado por uma garota.

Puta merda, eu fora trocado por uma garota. Só consegui pensar em uma pessoa que estava se sentindo tão miserável quanto eu, então peguei o Fiesta e dirigi até a casa dos Peruzzo.

Esmurrei a porta por dez minutos antes de Allison abri-la. Seus cabelos escuros estavam bagunçados e ela estava vestindo um pijama do Bob Esponja. Os olhos grandes se estreitaram ao me ver.

— Geymer, o que diabos...?

Pity party? (Festa de autopiedade?) — arrisquei, com um leve sorriso no rosto.

— Basicamente — ela deu de ombros. — O que você quer?

— Clara me dispensou.

Ela arregalou os olhos.

— Ela disse por quê? — perguntou. Hesitei. Ela começou a rir. — Ai meu Deus, você descobriu, não foi?

— Você já sabia?!

— Bem, os boatos correm soltos, sabe.

Suspirei.

— E então eu pensei... Eu fui trocado por uma garota. E você também foi trocada por uma garota. Então deveríamos comemorar.

Ela ergueu uma sobrancelha.

— Não sei se percebeu, mas eu não estava planejando sair mais de casa hoje.

— Não sei se percebeu — sorri. —, mas eu não ligo.

Allison

A escala de egoísmo ia de zero a Isaac Geymer, e adivinhe só com quem eu estava presa em um carro?

Foi tão fácil para ele me jogar em seus ombros como um saco de farinha e depois me atirar no banco de trás que era quase como se ele sequestrasse garotas melancólicas de pijama o tempo todo. Até onde eu sabia, podia ser verdade.

Acabamos em um lugar um pouco próximo do centro da cidade. Era um prédio vermelho, sem placa na frente. Eu não entendia como Isaac podia conhecer aquele local e eu não, mas ele parecia bem certo de onde estava.

— Vamos — falou, e não soou como um pedido.

Tudo o que eu ouvia era o barulho incessante de porcelana se quebrando. Isaac bateu na porta, que foi aberta por um homem alto e esguio.

— Dez pratas cada — exigiu.

Para minha surpresa, Isaac tirou vinte pratas do bolso. O homem nos deu licença e o louro me lançou um olhar que não identifiquei antes de entrar no lugar. Fui atrás.

A cena que vi depois era o tipo de coisa que se via em filmes ou em alguma série adolescente. Pilhas e pilhas de pratos sobre bancadas. Do outro lado das bancadas, a uma distância considerável, havia um alvo, como aqueles de atirar dardos, porém maior.

Isaac me entregou um prato.

— Seu coração está quebrado, então imaginei que fosse apreciar o ato de quebrar alguma outra coisa.

— No caso, pratos? — ergui uma sobrancelha. — Isso não é um pouco infantil?

— Os gregos faziam isso o tempo todo.

— Nunca ouvi nada sobre isso.

Isaac abriu seu típico sorriso entretido.

— Faça uma tentativa. Prometo que vai se sentir melhor.

Revirei os olhos.

— Como um prato pode...?

Isaac segurou meu pulso e o empurrou para frente com força, me fazendo lançar o prato. Observei enquanto este se estatelava no centro do alvo. Sorri. Merda, aquilo era bom. Olhei para a pilha de pratos ao meu lado e comecei a atirá-los no alvo.

— É como um grande foda-se para todo mundo que já te deixou para baixo — disse Isaac, jogando um prato também. — Foda-se a adolescência!

Joguei um prato.

— Foda-se todos que já te apunhalaram pelas costas!

Ele jogou outro prato.

— Foda-se quando você achou que era mais importante para alguém do que realmente era!

E então começou.

— Foda-se os pais que acham que sabem o que é melhor!

— Foda-se os professores e todas as suas expectativas altas em você!

— Foda-se qualquer um que já tentou te dizer o que fazer!

— Foda-se qualquer coisa que entrar no caminho da sua felicidade!

— Foda-se cometer erros!

— Foda-se ser humano!

Peguei o último prato e atirei-o contra a parede com a maior força que consegui.

— Foda-se ter emoções!

Eu e ele nos encaramos por um longo minuto.

— É bom, não é? — ele abriu um meio sorriso. Assenti. — É como uma lavagem de alma.

— Eu não estava esperando por isso — admiti.

— Você odeia surpresas, e eu acho isso triste.

Revirei os olhos.

— Por que é tão ruim que eu queira planejar as coisas?

— Bem, é claro que dá para viver planejando tudo — ele admitiu, sem desviar o olhar. — Mas você acaba perdendo toda a diversão. Estou com sede.

— Eu não tenho dinheiro.

— Eu sei, tudo bem. Fui eu quem tirou você de casa, certo? Vem, tem um Starbucks a uma quadra daqui.

Isaac me puxou para fora do lugar e começamos a andar. As pessoas nos encaravam, provavelmente porque eu estava andando pelo centro de pijama.

Isaac

— Isaac — Allison me chamou quando chegamos ao Starbucks.

— Sim?

— Tudo bem você me sequestrar e tal, mas com uma condição.

— Qual?

— Não fique dando em cima das pessoas. E não diga que sou sua irmã.

Eu ri.

— Como quiser, Mr. Krabs.

— É Senhor Sirigueijo, babaca — ela corrigiu. — E também não faça piadas sobre Bob Esponja.

— Aí já são três condições.

Ela me empurrou e eu ri, abrindo a porta do Starbucks e soltando depois de passar, deixando a porta pesada voar nela.

Ouvi um xingamento, mas ignorei. Fui até o balcão apenas para descobrir que ninguém falava Inglês ali, mas tudo bem, porque os tamanhos das bebidas eram confusos em qualquer língua.

— Então... Hum... O tall é o grande? — indaguei.

A moça balançou a cabeça.

Tall é o pequeno. O maior se chama venti.

— Ahh... E o médio?

Grande.

— Isso não faz nenhum fucking sentido! — protestei. Depois suspirei e baixei o tom de voz. — Quero um grande, por favor.

* * *

— Ela me deu um venti.

— Estou vendo.

— Mas eu pedi um grande.

— Esse é o grande.

Bati com a cabeça na mesa repetidas vezes.

— Não sei se eu já disse, mas odeio a minha vida.

Allison abriu um leve sorriso.

— Um brinde a isso.

Allison

O telefone de Isaac tocou.

— E aí, fagot*? — foi como ele atendeu. — Isso quer dizer parceiro. Aham. — Engoli um riso. — Pera, vocês estão aonde? Sério mesmo? — Pausa. — Bem, eu preciso ver com a Peruzzo, mas depois te ligo. É. Tchau, Giorno.

Ele desligou o telefone e cravou os olhos cinzentos em mim, baixando um pouco os óculos.

— Escuta, o Giorno e os outros estão no Burger King aqui perto.

— E a gente vai lá?

— Você quer ir lá?

— Está pedindo minha opinião? Sério mesmo?

Isaac deu de ombros, desviando o olhar.

— Bem... Eu já tirei você de casa, já te arrastei até aqui no seu pijama do Bob Esponja... Não quero abusar nem nada. Não precisa ir se não quiser.

— A Clara vai estar lá?

— Vai. Mas tudo bem.

— Bem... O Giorno vai ficar dando em cima da Marina, e a Clara não é muito amiga do Felipe, então...

Ele ergueu os olhos, abrindo um sorriso de canto entretido.

— Então você está dentro?

Levantei-me.

— É, Geymer. Estou dentro.

* * *

Pedro tentou demonstrar seu amor por Marina salvando-a de um mendigo na Avenida Paulista, o que eu achei bem digno, porque alguns mendigos da Paulista eram bastante assustadores. Isaac estava grudado na gente, com as mãos nos bolsos, a respiração acelerada e os olhos inquietos rondando em todas as direções à procura de ladrões.

— Acha que eu deveria esconder meus óculos? Talvez eles roubem meus óculos.

A seriedade com a qual ele disse aquilo me fez sorrir.

— Ouvi dizer que eles roubam meias também — tentei soar o mais séria que consegui.

Shit, isso não estava no panfleto do Intercâmbio...

Isaac

— Por que você sempre xinga em Inglês? — perguntou Allison.

— Costume, ué.

— É engraçado.

— Você acha completamente charmoso, eu sei.

— Até parece.

— Você não me engana, Peruzzo.

Ela sorriu.

— Cale a boca ou eu vou te largar tendo conversas embaraçosas com a Clara.

— Justo — concordei.

— Ceeeeerto, chegamos — Marina sorriu e nos empurrou para dentro de um prédio aparentemente aleatório.

Subimos todas as escadas, até chegar a uma espécie de terraço no telhado da construção. Olhando para baixo, havia centenas de carros correndo pela avenida. Todo o som de buzinas, pessoas, carros, trânsito, vida, parecia distante. Como uma realidade inalcançável.

— Isto é o máximo — Allison admirou-se, se aproximando da borda. A grade ia até pouco acima do umbigo dela, e ela podia muito bem se jogar dali sem esforço.

— Você está perto demais para alguém que sempre tem medo de cair.

— Não tenho medo de cair. Tenho medo de levar alguém comigo quando eu o fizer.

Aproximei-me dela.

— E o que mudou?

Ela deu de ombros.

— Percebi que não tenho ninguém.

— Isso não é verdade.

— Ei, dois — Pedro nos encarou. — Vamos pegar um sanduíche no apartamento da tia da Marina, vocês vêm?

— Precisamos de mais um casal de minutos — falei.

Allison abriu um sorriso entretido.

— Um casal de minutos?

— É. Dois minutos.

— Ah! A couple of minutes. Nunca havia pensado nisso assim. Ninguém fala isso. "Um casal de minutos" — ela pareceu avaliar. — Gostei.

— Bem, vou indo — disse Pedro, e se afastou com os outros.

Eu e Allison ficamos em silêncio por um minuto, observando os carros passarem.

— Você é um bom amigo, Isaac — disse ela de repente.

Arregalei os olhos, surpreso.

— Ah, é?

— Quando eu penso direito, sim. Obrigada.

— Por ser seu amigo?

— Quando todo mundo foi embora, você ficou. Me seguiu até o banheiro quando me viu chorando. Me incluiu no seu grupo de amigos para que eu não ficasse sozinha. Foi legal, gringo. Eu não estava esperando por isso.

Enrubesci.

— É, quando você fala desse jeito... E, bem, nunca gostei daquele Will.

— É. Quem dera fosse fácil assim.

— Não pense em pessoas que não pensam em você. Elas não valem o seu tempo, porque você obviamente não vale o delas.

Allison

— É que é um pouco difícil crescer acreditando em alguma coisa, e descobrir que era tudo uma mentira.

— Acha mesmo? Porque eu acho incrível a sensação de descobrir que o mundo é maior do que você pensava — ele sorriu, fitando um avião que atravessava o céu.

— Isaac.

— Sim?

— Por que você veio para o Brasil?

— Para procurar o Grande Talvez, é claro.

— Não venha com Rabelais pra cima de mim.

— Estou falando sério, Peruzzo. Venha, nosso casal de minutos já deve ter acabado.

Assenti e juntos saímos do telhado.


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Notas finais do capítulo

*gíria em Inglês para bicha, viado