Existia uma vantagem no meio de vinte desvantagens de estar grávida. Tinha uma vantagem que eu estava me aproveitando: desejos.

Eram quase quatro da manhã e fazia tempo que estávamos dormindo. Ouvi um barulho vindo da cozinha e acordei, tinha tido um sonho no qual eu comia torta de morango. Minha barriga roncou e eu decidi que iria até a cozinha ver o que era o barulho e ver se tinha algo para comer.

Cada degrau que eu pisava, rangia. Eu estava tentando fazer o máximo de silêncio possível para pegar no flagra o ladrão.

Se Zooey Deschanel como Jessica Day me visse naquele momento, me xingaria de diversos nomes diferentes. Ela que disse “Sabe aqueles filmes de terror? Quando a garota fala: ‘Meu Deus, há algo no porão! Deixa eu ver o que é, vou lá de calcinha no escuro’, e você pensa ‘Chame a polícia! Qual é o seu problema?’.”

Era meu pai. Esquentando o leite, com seus óculos de seis graus e um roupão listrado. Sorri e desci mais rápido.

— Quer um copo? — perguntou.

Funguei e neguei com a cabeça.

— O que faz acordado?

— Insônia. Muitos pensamentos sobre... — ele apontou pra minha barriga. Deu as costas para mim e desligou o fogo colocando o leite dentro da xícara. Eu sabia que não ficaria fácil do jeito que tinha parecido ser.

— Meu filho. — murmurei.

— Por que fez isso? — ele disse. — Eu admiro isso no Waxler. Ele não tem pressa, sabe que isso só vai atrasar a vida dele.

Nossa.

— Ele só não encontrou alguém. Pai, eu tenho vinte e seis. Não sou mais uma pré-adolescente recém-formada. Sou adulta, tenho um emprego e uma casa.

Ele sentou na cadeira com a xícara na mão e suspirou. Pra ele, eu ainda tinha dezessete e pedia permissão pra dormir na casa da Duda. Aproximei dele e repousei a mão no ombro quente dele, ele me olhou.

— Eu consigo fazer isso, só preciso que você fique do meu lado.

Ele sorriu e bebericou um pouco do leite.

— Sua mãe vai gostar de “Beaux”. — riu.

Eu ri também. Minha mãe tinha ideias terríveis para nomes, Waxler, por exemplo. Charlize, por outro exemplo. Talvez por vingança, por se chamar Texer.

— Papai — quase sussurei. —, quero torta de morango. Com cobertura de baunilha.

Ele se levantou e correu escada acima. Abriu a porta do quarto onde Friedrich estava dormindo e o derrubou da cama. Ele gritou. Eu não sabia o que estava acontecendo, dei de ombros e abri a geladeira. Amendoim, pasta de amendoim, sorvete de amendoim e balas de amendoim. Era a forma como ele me recebia.

Meu pai segurava a gola da camiseta de Friedrich, que parecia mais um zumbi, os olhos mal abriam, o cabelo todo bagunçado e resmungando algo inaudível.

— Por que o senhor acordou-o?

— Porque você quer torta de morango! — choramingou Friedrich, chateado. — Ele não quer que Beaux tenha cara de torta. Redondo, vermelho e com gosto de morango e baunilha. UMA HORA DESSAS, CHARLIZE?

Segurei o riso. Ele subiu novamente e acordou as meninas que pareciam preocupadas ao descer a escada. Não que precisasse daquele alvoroço todo, mas eu realmente precisava comer uma torta de morango.

Violet era a única que sabia fazer tortas. Afinal, trabalhava numa confeitaria. Ela olhou se tinha todos os ingredientes e colocou-os em cima da mesa. Começou a conferi-los.

— Fred e Bob... — falou olhando-os. — Preciso que comprem morango.

Friedrich olhou o relógio e faltou pouco para engolir Violet.

— São 4h12 da manhã! Não tem nada aberto. — vociferou.

Waxler e Ringo apareceram, Wax odiava ser acordado, então, estava de mal humor.

— Que porcaria de gritaria é essa, seus imbecis?

— Sua irmã — Friedrich trincou os dentes — quer torta de morango, sendo que não tem morangos.

Wax fez um estalo com a boca e cruzou os braços.

— Não tem um morangueiro ao lado do celeiro?

— Quem prestou atenção em árvores quando Kimi estava passado por lá, Richard?

— Calem-se. Nada do que você fala serve para algo, Waxler. — grunhiu Duda. — vão, andem, peguem os morangos.

Bob pegou a espingarda e perguntou quem iria com ele, Friedrich foi forçado a ir já que ninguém voluntariou-se.

Som de tiro e dez minutos depois Friedrich apareceu ofegante. Sem meu pai.

Eu matei meu pai. Pensei. Que ideia fazer uma torta de madrugada eu tinha tido, só resultou na morte do meu pai. Porém, ele apareceu com uma sacola cheia de morangos. Senti o cheiro e sorri.

— Era o espantalho, Fred.

— Atirou no espantalho?

— Atirei. Seu namorado achou que era um estuprador.

Eu ri e somente eu.

— Se não fosse quase cinco da manhã eu até iria rir. — informou Ringo, todos assentiram.

Violet estava com a massa pronta, fez o recheio e a cobertura.

Enquanto o bolo estava no forno, falei para meu pai que ele devia revestir sua geladeira de amendoim. E ele me informou que tinha colhido maçãs para mim no dia anterior. Estavam numa cesta, dentro do armário. Comi uma. Começamos a sentir o cheiro do bolo, sinal de que estava quase pronto. Mais meia hora se passou e o bolo ficou finalmente pronto. Violet colocou a cobertura. Estava lindo, cheiroso e...

E eu havia perdido totalmente a vontade de comer.

Sério.

— Mais tarde comerei. — falei. Eles todos franziram o cenho e abriram a boca. Friedrich urrou e disse um palavrão.

— VOCÊ TEM PROBLEMAS, CHARLIZE.

Ninguém se movia, só ele. Pegou uma faca e cortou uma fatia do bolo, colocou num prato, pegou um garfo e sentou do meu lado.

— Olha o aviãozinho! — ele disse com a voz afetada e levando o garfo até a minha boca. Apertei a boca, trancando-a.

Ele jogou o garfo no prato e eu vi todos subindo a escada.

— Só não te dou um murro porque não quero correr o risco de perder o Beaux.

Eu estava achando engraçado. Não só eles todos bravos subindo a escada batendo os pés, como também, todos eles falando como se meu filho fosse um menino e realmente fosse ter o nome Beaux. Eles subiram e bateram a porta de seus devidos quartos. Fiquei sozinha.

Desperdício, realmente. Uma torta linda, suculenta, quentinha... Comi um pedaço e depois outro. Pronto, agora meu filho não iria nascer com rosto de torta.

Coloquei o prato na pia. E ri lembrando a cena, decidida de que, pediria peixe no dia seguinte.