A Sombra do Norte escrita por Remmirath


Capítulo 5
O Pântano dos Mortos




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Os cavalos diminuíram a velocidade ao chegar no terreno pantanoso, mudando para um galope ritmado entre os charcos. A noite caia e o pântano já normalmente enevoado, ficava ainda mais escuro, enchendo de temor o coração de Legolas, que sabia muito bem que local amaldiçoado era aquele. Relembrou as palavras de Frodo, quando o pequeno contara a todos da Sociedade sobre os perigos de sua jornada. "Jazem em todas as poças, rostos pálidos, nas profundas águas escuras. Eu os vi: rostos repugnantes e maus, e rostos nobres e tristes. Muitos rostos altivos e belos, e ervas em seus cabelos prateados. Mas todos nojentos, podres, todos mortos."(1) Um arrepio subiu pela espinha do elfo, que fez o cavalo andar ainda mais devagar, não arriscaria afundar no lodo por um passo dado em falso.

A Sombra à frente guiava o corcel com ainda mais cuidado, evitando que passassem muito próximos de certas poças lodosas de onde um cheiro fétido subia. Seus olhos perscrutavam cada superfície, esperando não ver as luzes fracas que havia apagado na última vez que estivera ali. Aquele local já havia sido uma vasta planície entre os Emyn Muil e Cirith Gorgor, até se tornar a Dagorlad, a Planície da Batalha entre Sauron e a Última Aliança no fim da Segunda Era. Milhares haviam caído naqueles dias, e seus corpos lá permaneceram. Até que a planície tornou-se um pântano, e os pântanos cresceram desde então, engoliram os túmulos, sempre se espalhando. Aquele era o Pântano dos Mortos, onde os mortos ainda podiam ser vistos.

— Foi uma grande batalha – falou a Sombra, quebrando o silêncio enquanto galopavam pelo terreno pantanoso. Podia sentir a preocupação do elfo que a seguia. - Homens, elfos, trolls, orcs e outras criaturas lutaram sobre a planície por dias e meses diante dos Portões Negros.

— Meu avô caiu nesta batalha – Legolas comentou, sombrio, olhando sem ver para o pântano à frente dele.

— Ele lutou bravamente – acrescentou a Sombra. – Oropher foi um grande rei, e sábio, embora seu povo tinha pouco a ver com os outros da Terra-Média, ele respondeu à convocação da Última Aliança. Sabia que não poderia haver paz até que Sauron fosse derrotado.

— Você estava nessa batalha? - o elfo perguntou subitamente.

— Não, nesta não... – respondeu a sombra, escolhendo as palavras.

O silêncio pairou entre os dois por um longo momento, cada um ocupado com seus próprios pensamentos, até que Legolas se pronunciou.

— E agora, estamos em paz? – e voltou o olhar para as costas da Sombra, que se retesaram por um segundo.

— Podemos desfrutar de uma calmaria agora, mas quem poderá dizer quando uma nova tempestade irá despontar? – retrucou ela, simplesmente, continuando a analisar sua volta enquanto os cavalos avançavam.

— Mas então, o que você está procurando? –o elfo emparelhou o cavalo com o dela. Tentou capturar os orbes dourados, mas eles estavam focados em algo muito à frente.

— Não seja tão impaciente, elfo, logo você descobrirá – declarou a Sombra, e então desceu do cavalo, desembainhando sua espada negra e andando por um caminho mais estreito, seguindo uma luz fraca.

Legolas ficou observando a Sombra se distanciar, incerto sobre o que ela procurava entre aqueles túmulos nefastos. Suspirando ao perdê-la de vista, desceu do cavalo e andou pelo mesmo caminho que ela fora.

Aquele pântano era tão agourento e repleto de vapores estranhos, junto com sua vegetação e lodo nojento, que logo as águas começaram a se infiltrar pelas botas do elfo, deixando-o ainda mais enojado com o terreno. "Por Eru(2), o que havia dado na nela para entrar ali?" Sua cabeça chicoteou na direção de um som estranho ao longe, e, armando o arco com uma flecha atirou na luz esverdeada que tremulava pelo ar. Vapores começaram a serpentear a volta dele, lembrando-o terrivelmente uma experiência que preferia ter esquecido.

Engolindo em seco ao perceber que os vapores começavam a tomar forma, Legolas alcançou as luzes esverdeadas que havia tentado acertar com uma flecha antes. Flecha esta que havia sumido entre um monte de algas, atravessando completamente o corpo fantasmagórico que estava à sua frente e parecia não notá-lo, pois estava flutuando em alta velocidade, espada embainhada, para a figura sombria no meio de uma área mais alta do pântano. O elfo arregalou os olhos azuis, sentindo o sangue congelar no corpo ao se dar conta do que estava acontecendo.

Os fantasmas do que um dia foram elfos, agora putrefatos e dilacerados, atacavam com suas espadas longas a sombra, que bloqueava com a agilidade de um elfo, sua lâmina negra dançando contra os seres e fazendo-os se dissolver a cada estocada e golpe que desferia. Para que mais um fantasma esverdeado ou esbranquiçado surgisse das águas, seus gritos se transformando em rajadas de vento. A sombra cortou a cabeça de um e girou antes que outro a atacasse por trás, só então percebendo o elfo petrificado que assistia a cena.

— Volte para os cavalos! Antes que... – mandou a sombra, em tom urgente, mas foi interrompida por um fantasma que a atacou, prendendo seu pescoço com os braços já que não possuía arma para perfurá-la.

Acordando de seu transe e percebendo que tinha que fazer alguma coisa, Legolas armou seu arco e atirou uma flecha.

Que só atravessou direto a testa do fantasma. Isso despertou a atenção dos atacantes para ele.

— Maldição – praguejou a sombra, enfiando a espada negra para trás e acertando a barriga do fantasma, que se dissolveu com o ar. Ela nem esperou para ver, correndo e golpeando os fantasmas que convergiam para o elfo. – Corre!

— Não posso te deixar – exclamou Legolas, mesmo assim dando passos vacilantes para trás.

Soltando um grunhido impaciente, ela golpeou mais um fantasma com uma mão, usando a outra para tirar a aljava das suas costas, jogando rapidamente para Legolas antes de voltar a estocar. Mesmo achando que seria inútil, alguns segundos depois o elfo atirou uma das flechas dela em um fantasma ao lado. E ele se dissolveu. Sorrindo fechado com a realização, não pensou duas vezes em continuar atirando nos fantasmas que surgiam e que a sombra estava longe de golpear, até que ficou sem alvos. Era isso, então? Eles haviam vencido?

... O que havia acabado de acontecer? Franziu o cenho, voltando o olhar para a Sombra, e ela lhe lançou um olhar repreensor ao guardar a espada na bainha, com uma leve fadiga pela luta.

— O que aconteceu? – perguntou Legolas finalmente, olhando a volta sem entender. E então lhe oferecendo de volta a aljava com flechas de pena negra.

— Só algumas criaturas que já deveriam estar mortas – ela tirou algumas flechas de penas negras antes de colocar a aljava nas costas. Então as entregou a ele. – Fique, talvez você ainda precise. E... – acrescentou, encarando-o. – para o seu bem, é melhor não comentar isso com ninguém.

Legolas assentiu solenemente, enquanto guardava as flechas em sua própria aljava. Não duvidava que questionariam sua sanidade se comentasse o ocorrido, ele mesmo ainda não acreditava, apesar de o medo que sentira ser bem real.

— Isso... me lembrou os fantasmas de homens que assombravam a Senda dos Mortos – o elfo comentou em tom baixo. Ainda não acreditava no que havia acontecido. A adrenalina da luta permanecia em suas veias.

— De certa forma, mas são de outra espécie – confirmou a Sombra, calmamente, dando meia volta e andando para os cavalos.

Legolas a seguiu, quase divertido ao pensar que Gimli estaria correndo sem parar aquela hora, se estivesse na possibilidade de encontrar novamente um fantasma. Então balançou a cabeça espantando o pensamento, afinal, ele não se saíra muito melhor.

— Era isso que procurava?

— Talvez. De qualquer forma, eles me encontraram.

— Fantasmas do passado lhe perseguem – comentou o elfo, recebendo um olhar estranho da Sombra. Permaneceu com o rosto impassível até chegarem aos cavalos e montarem. – E então, para onde agora?

— Longe desse pântano maldito. E então eu seguirei por noroeste – Os olhos âmbares calcularam a posição das estrelas no céu, antes de incitar o cavalo pela direção falada.

— Noroeste... – repetiu Legolas, arqueando as sobrancelhas quando uma realização chegou ao seu rosto. Apertou os flancos do cavalo para seguir o dela, apesar do aviso claro no ar que ela estava indo sozinha. – Que negócios você tem na Floresta das Folhas Verdes, Sombra?

— Não são de sua conta, elfo.

— Devo dizer que uma vez que meu pai governa parte daquelas terras, eles são, sim – declarou o louro, sorrindo sarcástico para as costas dela. Retrucá-la era quase tão revigorante quanto implicar com seu amigo anão. – Além do mais, somente quem conhece bem aquela floresta conseguiria se localizar.

— Não é a primeira vez que estarei naquelas paragens – ponteou a sombra, os ouvidos alertas para qualquer possível ameaça que pudesse surgir no caminho deles. Apesar de seus sentidos lhe dizerem que finalmente aquela área estava limpa.

— Nossas defesas foram redobradas, vai precisar de um elfo silvestre para conseguir passagem, seja lá para onde esteja indo – Legolas declarou, sustentando seus argumentos mais do que válidos.

— Que assim seja, então – a sombra resignou-se ao seu destino. Não adiantava tentar fugir da tecelã do tempo(3), o caminho daquele elfo já devia ter sido costurado com o dela há muitas eras, então, só esperava que ele fosse de alguma ajuda. – Estamos indo em direção à Dol Guldur, ou como agora é chamada, Amon Lanc.

Legolas sorriu fechado por sua vontade ter vencido, apenas por alguns segundos, já que ela direcionou os orbes âmbares para ele, silenciando-o. Bem, ao menos aquela jornada agourenta entre os pântanos poderia se mostrar divertida para o elfo, sem falar que ele estava indo visitar a sua floresta tão adorada, sua casa. Só faltava ele descobrir o que ela estava indo fazer na antiga Colina da Feitiçaria – esperava que fantasmas não mais estivessem envolvidos - e principalmente, qual era o nome dela.

 

 


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Notas finais do capítulo

[1] Citação de Frodo em A Passagem dos Pântanos - As Duas Torres
[2]Eru Iluvatar – Deus, Senhor criador de todos
[3] Vairé é a esposa de Mandos, Senhora dos Valar, e é responsável por tecer a história do mundo.



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