POV Gina

–Mamãe, mas eu não queria ir à praia hoje, sinceramente. – Argumentei novamente, enquanto pegava meu biquíni dentro da gaveta e já começava a vesti-lo.

D. Molly nunca foi de se deixar abater quando colocava uma ideia na cabeça. E de certa forma ela tinha razão quanto a ser falta de consideração com Lily, que estava tão empolgada com esse nosso piquenique a tarde.

–Gina, não seja infantil. – Ralhou comigo em tom brincadeira e nós rimos. – Será divertido.

Eu apenas ri enquanto me virava para que ela amarrasse meu sutiã e não fiz nenhum outro comentário. Não tinha a intenção de entrar no mar, então coloquei um vestido curto e solto ao invés de saída de praia.

–Aann, nós vamos todos no mesmo carro? – Perguntei despretensiosamente.

–Não, será gente demais dentro de um carro. – Explicou empolgada. – Vamos no nosso carro e eles no deles.

Assenti com indiferença enquanto suspirava de alívio pela reposta dela. Pelo menos o caminho de ida e volta seria tranquilo...

–Você está linda. – Elogiou enquanto se levantava e saía. – Não demore, estamos te esperando. Nos divertiremos muito! – Exclamou animada.

Eu nunca quebraria essas expectativas da minha mãe, mas duvido que qualquer coisa que envolva a presença de Harry Potter seja divertida. O cara era arrogante, encrenqueiro e tinha um sorriso de canto idiota no rosto a maior parte do tempo. A única qualidade que o cara tinha, e quando digo única não é força de expressão, é ser insuportavelmente bonito.

Quando desci, já de cabelo preso e segurando os óculos escuros, todos estavam sentados na sala me esperando. Meu pai e minha mãe se levantaram e começaram a ir em direção à garagem assim que entrei. Lily e James sorriram para mim antes de acompanha-los e, como não podia ser pior, lá ficou o insuportável, com aquele sorriso ainda mais insuportável, me olhando com deboche.

–Pelo tempo que demorou eu esperava algo melhor, sinceramente. – Zombou assim que passei e ele começou a andar atrás de mim.

Ignorei sua presença e sua frase e continuei andando. Assim que chegamos à garagem eu parei de repente e ele quase esbarrou em minhas costas, e ignorei também o palavrão baixo que ele soltou.

–Não me diga que essa prancha de surf é pra você? – Perguntei com o mesmo tom de zombaria que ela tinha usado ao falar da minha roupa.

–Na verdade, é sim. Impressionada, é? – Ironizou.

–Claro que não, idiota! Deus queira que você surfe tão bem quanto andava de skate. Assim não vai durar nem dois minutos dentro do mar. – Finalizei como uma prece e entrei no banco de trás do carro dos meus pais, enquanto ele fazia o mesmo no carro ao lado.

E quase como uma predição, o caminho foi, de fato, a única parte legal desse passeio de araque em que me enfiaram. Enquanto comíamos, eu e Harry nos ignoramos mutuamente, como era na maior parte do tempo, e os pais dele foram tão amáveis quanto eram na maior parte do tempo. Sinceramente, olhando para James e Lily dava para ver como a natureza havia sido cruel com o filho deles.

Depois de um tempo conversando nossos pais foram para uma sombra que havia um pouco afastado de onde estávamos e se sentaram lá, continuando a conversa como quatro adolescentes. Quando ficamos só os dois eu me afastei e tirei o vestido para tomar um pouco de sol, enquanto ele se dirigia até o carro em busca da tal prancha que, segundo minhas esperanças, o mataria em breve.

E para minha decepção, e surpresa, ele até que surfava bem. Óbvio que não haviam aquelas manobras arriscadas que se via na televisão, até porque eu duvidava que ele fosse capaz de tanto, mas ele conseguia se manter em pé e só isso já era de se espantar.

De onde eu estava conseguia vê-lo bem, e os óculos escuros não me denunciariam, então eu fiquei olhando. De longe, sem falar nada, e sem me olhar, ele até que era uma visão bem interessante. Houve alguns tombos também, que me fizeram rir e logo disfarçar, mas no geral foi bem gracioso. E um pouco irritante, porque apesar de não falar comigo, não me olhar e não estar rindo como um idiota, ele ainda estava respirando.

Uma mão no meu ombro e a voz familiar da minha mãe me fizeram interromper esses pensamentos.

–Gina, Lily quer nos levar a um parque perto da casa dela. – Olhei ao redor e vi os outros três já se dirigindo ao carro do meu pai.

–Ta bom, mamãe. Vamos então. – Falei já me levantando e pegando meu vestido.

–Não, querida. – Ela me interrompeu rindo. – James perguntou se você se importaria em esperar o Harry terminar e acompanhá-lo, e nós dissemos que você com certeza não se importaria...

–Mas...

– ... E alem disso você não iria gostar, é tudo calmo demais por lá, segundo Lily. Então é melhor mesmo que você fique e se divirta um pouco mais aqui.– Finalizou sorrindo animada e me dando um beijo na bochecha. – Não vão embora muito tarde, porque aparentemente vai chover bastante hoje. E se cuidem.

A ultima frase foi dita enquanto ela jogava a chave e os documentos do carro do Sr. Potter em cima de mim e corria em direção aos outros. Eu até tentei argumentar, mas foi completamente em vão.

Durante pelo menos cinco minutos eu permaneci sentada digerindo o fato de que se aquela mulher não fosse minha mãe eu a afogaria. Quando olhei para o mar novamente Harry havia acabado de levar outro tombo e se levantava sobre a prancha, aparentemente sem nenhuma preocupação, apenas se divertindo. E acrescentei: e se esse homem não fosse filho de pessoas tão legais e que o amavam tanto, eu o afogaria também.

Resignada, eu me deitei novamente na areia e continuei como estava antes da interrupção da minha mãe. Aos poucos, o céu acima de nós foi passando de ensolarado para nublado.

E ele não saia da água.

Uma eternidade depois, de acordo com as minhas contas, O nublado acima foi se tornando nuvens carregadas que ameaçavam causar pelo menos um tsunami. Mas eu não iria chamá-lo, afinal não era babá de marmanjo nenhum. Ele que se tocasse que já era hora de ir embora.

Mas ele continuava se divertindo.

Eu já havia me vestido novamente e estava sentada encarando aquele idiota sem nenhum bom senso com a maior raiva do mundo.

“Eu vou deixá-lo aqui e vou embora!”. Pensei de súbito quando senti a primeira gota, ainda pequena, cair no meu braço.

Mas seria uma puta falta de consideração com James e Lily. E meus pais me matariam!

Então eu continuei onde estava, ponderando se seria viável dar ao menos um gritinho para que ele se tocasse, mas não foi necessário! Finalmente eu o vi remando de volta para a praia.

–Nossa, está chovendo! – Exclamou quando chegou perto de mim.

A essa altura a chuva já caia em forma de uma garoa grossa.

–Ah, não diga! – Respondi me levantando e começando a andar. – Vamos embora. – Anunciei jogando a chave e o documento em sua mão, sem olhar para ele.

–Cadê meus pais? – Perguntou em duvida, mas andando atrás de mim.

–Foram embora há pelo menos umas duas horas. – Respondi sem querer prolongar o assunto.

–E você ficou só para poder me olhar a vontade? – Perguntou com a mesma arrogância de sempre.

Parei ao lado da porta do passageiro e me virei para ele pela primeira vez.

–Eu fiquei porque seus pais são muito amáveis, e me pediram. Agora amarra logo essa merda aí em cima e vamos antes que chova mais. – Falei abrindo a porta e já entrando.

Não vi sua expressão, e antes que ele entrasse eu já havia ligado o rádio em uma musica que eu gostava. Assim que ele se sentou ao meu lado, a primeira coisa que fez foi trocar de estação para uma musica que eu odiava.

–Carro do meu pai. Eu escolho a musica. – Deu de ombros enquanto ligava o carro.

Durante os primeiros quilômetros do percurso a chuva aumentou até virar uma tempestade que não nos permitia ver quase nada. E não segurei a vontade de falar, a cada cinco minutos, que se ele não fosse tão sem noção a ponto de ver que ia chover já estaríamos em casa.

Nas três primeiras vezes que falei, ele até respondeu, decentemente, por incrível que pareça, que se distraiu e só percebeu quando a chuva aumentou. Daí para a frente ele passou a me ignorar e aumentar um pouco o volume do rádio sempre que eu falava algo.

Faltando apenas um pequeno percurso até a estrada principal, ele freou bruscamente e antes de xinga-lo eu percebi que havia uma pequena inundação pela qual certamente não conseguiríamos passar. Ele me olhou como quem se desculpa, e antes que eu pudesse responder qualquer coisa, meu celular tocou e o identificador de chamadas indicou que era minha mãe.

–Oi mãe. – Atendi levando o telefone ao ouvido e ela disparou a falar, como sempre.

–Gina, você e Harry já saíram da praia? Espero que não! – Tomou fôlego brevemente antes de continuar. – Procurem uma pousadinha ou qualquer coisa por ai mesmo, a estrada principal está completamente interditada por conta de algumas arvores que caíram e vocês não conseguirão passar, então é melhor ficarem por ai.

Antes que ela terminasse de falar eu já estava com as mãos apoiadas no rosto, quase sem acreditar no que ouvia e ele me olhava com ar de duvida.

–Está bem, mamãe. Beijos. – Nos despedimos e desliguei.

–A estrada está interditada. – Falei me virando para ele. – Caíram algumas arvores e não da para passar.

Quando ele fez menção de falar algo eu o interrompi e continuei.

–Dá para voltar daqui para algum lugar que tenha um hotel? – Perguntei pedindo a Deus que a resposta fosse sim.

–Com certeza não, se logo ali já está alagado, para trás deve estar ainda pior. É melhor ficar onde estamos. – Respondeu demonstrando a mesma indignação.

Eu cobri o rosto com as mãos novamente e a única coisa que consegui pensar foi: Ótimo! Eu estava presa, no meio de uma estradinha deserta, com a pessoa que certamente deveria ser a pior companhia do mundo. O que mais poderia acontecer agora para ficar pior?