Série Auror - Primeira Temporada escrita por Van Vet


Capítulo 7
Capítulo Final




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Algodões cinzentos avançavam furiosamente do céu para cidade de Inverness, carregados das águas remotas do Mar do Norte. Embora não passasse de uma da tarde, o sol estava tão ocultado pelo nublado que antecedia o temporal, que parecia que o crepúsculo chegaria mais cedo àquele dia.

Sentindo o vento impiedoso açoitar-lhe o rosto, Ron avançou a pelo caminho de pedras que levava as ruínas do Castelo de Urquhart, as margens do Lago Ness, um ponto afastado da cidade, onde Alfred havia sido encontrado pelo grupo de pescadores.

Como o Castelo de Urquhart, ou o que sobrou dele ao longo dos séculos, era um ponto turístico em Inverness, não foi uma surpresa ao auror encontrar algum trouxa pelas redondezas, na vigília do local.

—Hoje não está aberto à visitação, filho! — informou um homem trouxa de rosto corado, vestindo uma capa de chuva azul royal. —Está vindo um temporal daqueles pra cá. — alertou, debaixo do som retumbante dos trovões ecoantes do horizonte.

Obliviate! — disse Ron bruscamente, na direção do trouxa. Sentia muito ter que usar aquele tipo de recurso, mas não havia tempo a perder.

Depois de passar pelo trouxa desmemoriado, ele entrou a passos apressados nas ruínas reais. Uma vez lá dentro subiu por uma escadaria de tijolo desgastada pelo tempo, indo parar sob o patamar pedregoso do que um dia havia ido a panorâmica ameia daquele castelo.

Era a primeira vez que ficava face a face para o Lago Ness, e tinha que confessar, a sensação não era das mais reconfortantes. Talvez fosse pela chuva violenta que viria a seguir, mas o fato era que suas águas estavam negras e revoltas. E ele ainda tinha que pensar num modo prático e seguro de nadar até a profundeza dele e procurar uma caverna sinistra em busca de Harry. Era como cair em um buraco negro.

Não há um modo seguro de fazer isso! Pensou angustiado.

Ser imprudente também não era a atitude correta ali. Deveria existir outro meio. Daniels certamente não atravessava a nado todo o lago a cada vez que queria voltar para a tal caverna. Resoluto em procurar uma gruta, um fosso, ou qualquer outra forma de chegar às profundezes de Ness, Ron voltou a descer a escadaria e saiu das ruínas. Então, a chuva desabou! Mas as gotas violentas e ininterruptas, e principalmente geladas, não iriam pará-lo. Desgrudando os cabelos molhados dos olhos e da testa, Ron foi até as margens com a finalidade de contornar-lo por alguns metros que fosse. Se não achasse alguma entrada no caminho de um quilometro, se lançaria sobre a água e que Merlin o ajudasse.

Pé ante pé, desceu com extremo cuidado as pedras encharcadas e escorregadias, mas no mesmo instante que se firmou em um rochedo relativamente esférico, seu pé escapou para a direita, enroscou-se entre duas pedras e torceu na altura do tornozelo. A dor lancinante atingiu-o primeiro, depois ele se desequilibrou e caiu, e quando na queda a cabeça chocou-se contra outro rochedo, tudo escureceu.

Ron perdeu os sentidos.

***

Ele sentia mais raiva do que medo. E a raiva aumentou quando Daniels Carlyle — que ele ainda não entendia o porquê de estar fazendo aquilo — jogou o corpo desacordado de Ron no rochedo úmido ao lado.

O amigo não estava morto, para seu grande alívio. Mas também não parecia bem. Um corte grande o suficiente para interná-lo no St.Mungus por algumas horas, exibia-se no alto da testa entremeada de cabelos ensopados como toda sua vestimenta. Ao olhar-lo, as esperanças de Harry ruíram. Ron era sua única chance de sair da tremenda enrascada da qual descuidadamente de metera.

Mas, talvez, tudo não estivesse definitivamente perdido. Parcialmente oculto pela capa negra do amigo, na altura da cintura, podia-se enxergar a varinha dele, pronta para entrar em ação!

Harry esticou o braço na direção do amigo, mesmo sabendo o quanto inútil era aquela tentativa. Seu pulso direito continuava firmemente enlaçado ao anel metálico da corrente pesada sob o rochedo.

—Ron... —chamou Harry, baixinho para não ser escutado por Daniels. —Rooon...!

Nada. Harry começou a temer por algo pior.

Pensado num recurso mais dinâmico para acordar o parceiro, Harry agachou-se rente ao rochedo e esticou o braço o máximo que conseguiu até as pedrinhas escuras do chão úmido.

—RON! Acorda, droga! Nós vamos morrer aqui... acorda! —insistiu, jogando duas pedrinhas na direção dele.

Ruídos rastejantes e um murmúrio semelhante à voz rouca de Daniels nasceram na bifurcação cavernal adiante. A agitação no seu peito deu lugar ao desespero. Ele estava chegando e, feliz ou infelizmente, Harry já fora apresentado aos seus planos. Aquele que era seria ofertado a uma fera faminta...

—ROOONNN!!!

—Não desperdice sua voz, Potter. —alertou a voz, rompante como um agouro de morte, de Daniels.

Não havia mais escapatória. Era tarde demais para qualquer tentativa de sobreviver. E mesmo a criatura não estando presente ao lado de Carlyle, Harry sentia sua presença a poucos metros na bifurcação.

—Tudo ficaria apenas entre nós, mas seu amigo, nos fez o favor de brindar-nos com sua companhia. Um sangue adicional, um puro e corajoso, é uma tentação a Ele. E, claro, um fortalecimento extra de grande valia.

Ele significava aquilo do qual Harry já fora obrigado a ver.

—Porque está fazendo isso? Porque está do lado dessa coisa? Onde foi parar o sujeito inimigo declarado dos comensais? Onde está seu lado auror??? —questionou Harry, mais com a finalidade de ganhar tempo do que persuadir o oponente.

—Rapaz, rapaz. — balbuciou o velho — O que lhe sobra de impetuosidade, lhe falta de experiência. Acha mesmo, Potter, que existem lados? Não. O que existem são momentos e situações. As pessoas não estão do lado do bem ou do mal, se é que isso existe. Elas defendem e escolhem o lado do qual melhor lhes convém. De onde se podem tirar vantagem, ou se estar protegido.

—É nisso que acredita, então?!

—Não. Essa é a verdade. Mas agora a situação é inversa, aqui tudo me favorece.

—Estava de caso pensado desde o início? —insistiu ele.

Daniels acomodou-se no rochedo mais próximo. A satisfação transbordava em seu peito velho. Ele havia esperado muitos anos por aquele momento e agora que tudo estava prestes a se concretizar, porque apressar as coisas? Queria mais que tudo, apreciar seu trunfo, e que forma melhor de fazer isso do que ter alguém para se gabar e orgulhar.

—Certo, eu estava. —sorriu.

Sem que ambos notassem, Ron gemeu baixinho e abriu os olhos lentamente. Com o corpo rijo de apreensão e a cabeça latejando de dor, demorou segundos até que percebesse onde se encontrava e o que acontecia. Pensou em chamar a atenção de Harry — graças a Merlin ainda vivo —, há poucos metros dele, mas decidiu que seria arriscado por enquanto, Daniels perceber alguma movimentação. Primeiro precisava ter plena certeza que não iria cair de tonteira se precisasse dinamizar uma fuga. O outro motivo era simples: Carlyle iria desembuchar. Uma das regras dos aurores, deixe o inimigo confessar!

— Existia um rumor, numa das minhas muitas viagens para Escócia, sobre esse Lago. Uma história fascinante contada apenas nas tavernas mais sinistras das Terras Altas.

“Alguma coisa morava aqui, disso eu tinha certeza, mas o que eu fiquei sabendo foi realmente tentador. Basicamente quem oferenda dois humanos, nascidos bruxos, puros ou não, ao monstro que vive nesse Lago, ganhara sua força.

— E você acreditou nisso? — questionou Harry.

— Claro que acreditei. — respondeu Daniels, desviando os olhos dos dele de um modo peculiar. Harry sentiu por fagulhas de segundos que ele mentia em algo — E arriscar poderia custar o quê? Meus ossos velhos e porosos? Sim, eu estava disposto.

“Sabendo da oferenda, agora precisava de mais dois. A tarefa foi mais fácil do que imaginei. Tinha o Alfred, o mestiço mais covarde que já conheci. E Scotfield. Confesso que fiquei meio receoso quanto a este. Seu sangue tinha tanto álcool impregnado que temi que o Monstro não reconhecesse o cheiro de bruxo... Mas aquela noite foi um sucesso, —balbuciou com um sorriso débil — ou quase... — completou de modo rabugento. — Alfred fugiu.

— E porque ele não o usou, então? Porque não atacou-o? — insistiu Harry, tentando por todo custo desvencilhar-se da algema, as mãos ocultadas atrás das costas.

— Eu estava o ajudado. Porque faria isso?

—Porque não faria? Ele era um Monstro. Monstros não costumam pensar! E porque diabos, ele precisava de sangue bruxo? Apenas para te ajudar?

Carlyle ignorou deliberadamente as duas primeiras perguntas, ficando evidente a Harry que ele sabidamente mentia, mas respondeu a terceira com a voz palpitando de orgulho.

— Potter, ele não é simplesmente um Monstro. Ele é muito mais que isso. É um homem, um rei.

— Está delirando... — ofegou, já sem esperanças de escapar. Foi então que viu Ron abrir os olhos, apenas duas fendas enigmáticas. Estava acordado e ao fitar-lo parecia dizer: Temos que agir!

Daniels não notou aquelas olhadelas conspiratórias, pois continuava compenetrado demais no seu monólogo.

—Não rapaz. Ele vive há séculos, muitos, nessas águas. Quando sua forma era uma humana ele fora o primeiro rei escocês bruxo. Era um exímio caçador de dragões e um governante brilhante. Os trouxas o amavam, não se travava apenas de um título... ­

Embora Harry não, Ron já conhecia a história. Aproveitou aquele momento, talvez o clímax para Daniels, e com extrema cautela levou a mão direita a base da varinha, presa ao cinto. Sentia o tornozelo, torcido, horas antes, extremamente dolorido, sabia que teria de exigir bastante dele quando levanta-se de supetão para azarar Carlyle, soltar Harry e fugir sob toneladas de água.

—... mas naquela noite ele sentiu-se traído por todos, e com razão. — continuava Daniels — E um homem traído é capaz de tudo, até mesmo fundir sua alma a de um dragão morto, atirar-se no lago sob a forma de uma fera aquática imensa, e declarar morte a todo trouxa que nadasse sob as águas do Ness.

“O dragão, o Meteoro Chinês, mesmo tendo sido assassinado por suas próprias mãos, aceitou ajudá-lo, pois como todo ser, desejava a vida mais que tudo, ainda que fosse uma compartilhada com seu homicida. Entretanto, ele exigiu um preço. Eles sairiam das profundezas do Lago para atacar a cada 80 anos, já que o Meteoro agora, possuía mais sede de viver do que de sangue.

“Os séculos passaram e lentamente, a alma do Rei, muito mais forte, perseverante e complexa, extinguiu por completo a do dragão.

“Sobrando uma alma humana numa carcaça animalesca, o desejo de voltar a ser homem de corpo e espírito voltou e quando o primeiro bruxo nadou no Ness depois de um ciclo de oitenta anos ele fez uma vez mais, fez outro pacto. Precisava de sangue, sangue de sua raça para voltar a ser o que era. Pediu para que o bruxo atrai-se outros dois para uma emboscada, e em troca repassaria sua força quando se transmutasse.

“A emboscada deu errado e teve que esperar outros oitenta anos para tentar, e novamente outros oitentas, e outros, e outros. Mas nesse tempo, o pacto se consolidou entre os sobreviventes.

“Ao longo das décadas Potter, outros tentaram, mas quem conseguirá serei eu.

— Como...

— Ah, chega dessa parte onde você tem que fazer com que eu confesse tudo. — debochou Daniels — Eu já fui auror, esqueceu?! Agora é chegado o momento...

ESTUPEFAÇA! — agiu Ron, pondo-se de pé em um salto, ignorando a dor no tornozelo.

Daniels arregalou os olhos surpreso e voou três metros, batendo violentamente contra as paredes da caverna. O teto todo pareceu se mexer.

— Me tire daqui! — berrou Harry.

—Não consegue aparatar? —perguntou ele ao mesmo tempo lançava um feitiço para abrir a algema no pulso do parceiro.

—Daniels colocou um feitiço de proteção em todo o lugar... ELE ESTÁ VINDO, DROGA!!! — disse Harry apontando para a bifurcação na caverna. O ex-auror continuava bem desmaiado, mas o que vinha a seguir não.

Um ruído rastejante aumentou na bifurcação. Era sutil, mas nem por isso menos horripilante. E, quando sua sombra disforme, sustentada por dois archotes precários nos corredores surgiu, Harry reencontrou as palavras e elas se avolumaram sussurrantes nos seus lábios.

—Merlin! A transmutação já se iniciou...

Ele era uma aberração. Um semi-humano, dantesco e disforme, modelado da mesma argila da qual os seres mitológicos são esculpidos. Rastejava lentamente o membro anterior pelos rochedos - seu braço escamoso de nuances azul e verde, púrpuro. Garras ferozes envergavam-se da base dos metacarpos, arranhando as pedras a cada novo passo.

Sua respiração continuava dificultada com o gradil costal de dragão, abaloado e viscoso, erguendo-se cheio de espasmos a cada nova respiração.

A cauda de serpente, brotada de espinhos, ainda estava lá Harry notou, mas numa proporção muito menor.

A metamorfose realmente estava acontecendo.

Mas o pior era sua cabeça. Seus olhos. Metade humano, frio e rancoroso. Metade dragão, enigmático e temeroso. E no meio da face eles não saberiam dizer se era o homem virando dragão ou dragão engolindo o homem.

—Sangue... — o homem-fera sibilou, fitando-os. —Sangue bruxo e audacioso...

De um modo bizarro, ele abriu a boca e dentes, caninos desproporcionalmente hediondos, saltaram para fora. Ron teve que se controlar para não berrar de pavor, e racionalizar. O homem-fera então, como se tivesse ganhado um novo incentivo ao vê-los, avançou agilmente por sob as pedras.

Avada Kedavra! —disse Ron mais afobado do qualquer outra coisa.

O raio esverdeado saltou da ponta da varinha e ricocheteou no corpo escamoso do atacante, atingindo outro rochedo na parede, que começou a ruir.

—Ohh... Droga!

—Não adianta, não adianta. Ele é imune a feitiços! —alertou Harry enquanto a fera avançando...

Harry e Ron encolheram-se contra a parede, e Ron freneticamente lançou feitiços e mais feitiços. Todos com o único poder de atiçar mais o homem-fera. Entretanto, no último instante, quando encurralado na caverna escura, os dois aurores tiveram a certeza que tudo havia acabado, o ruivo mudou tudo com uma tentativa.

—Confringo! —berrou ele.

A caverna ruiu de vez. As paredes tremeram como tambores numa guerra, água começou a infiltrar-se por todas as brechas rachadas, ganhando pressão e rapidez. O homem-fera ainda fitou-os a poucos metros, antes que a estrutura cavernal se desestabilizasse por completo, quando um teto maciço de rochedo desabou sobre ele.

O que inicialmente havia sido uma cartada de sorte agora se tornava outra preocupação. O pavor de ser devorado deu lugar à agonia, quando os dois sentiram as águas congeladas do lago Ness penetrar através das roupas para dentro da pele, fazendo ambos experimentarem até seus sangues se enregelarem. Rapidamente Ron, o único que portava sua varinha, lançou nele e em Harry feitiços Cabeça-de-Bolha e eles resolveram encarar as águas de negrume do lago, passando através do buraco no teto de uma caverna reduzida a escombros de rochedos inundados.

O ruivo colocou sua varinha em Lumus e a dupla nadou sem parar em direção a superfície. Algo, porém, dizia a Harry que ela estava muito longe. Não obstante, Ron sentiu uma fisgada dura no tornozelo, algo que o fez regredir. A água contribuiu para que a luxação no tornozelo houvesse piorado para algo tão horrível quanto uma cãibra.

Harry voltou a nadar junto do amigo enquanto ele ia afundando na direção dos escombros outra vez, e enlaçando seu braço no dele, incentivou-o a subir. Ron gritou qualquer coisa através da bolha, de que a perna continuava a doer demais e eles afundaram mais um metro. Quando Harry se deu conta, estavam novamente na caverna tão negra quanto uma noite sem estrelas...

Ron passou a varinha para o amigo e concentrou-se na dor, que viera no pior momento. Agora era oficial: estava tendo uma cãibra horrorosa por causa da temperatura da água.

Harry, com a varinha do amigo na mão, pensou em algum feitiço para tirá-los de lá, mas nada veio. O que veio foi uma movimentação à direita, onde minutos antes o homem-fera havia sido esmagado pelos escombros. Imediatamente ele apontou a varinha na direção e sob a luz fraca do Lumus viu o corpo estropiado de Daniels começar a submergir. Um ferimento enorme existia em sua cabeça, por onde o sangue escorria copiosamente. Estava morto. Morto e ainda com a varinha dele presa ao cinto.

Harry fez sinal a Ron de que iria resgatar a varinha e nadou em direção ao cadáver. Viu um Daniels sem vida, de olhos fechados e expressão calma. Um marujo abatido. Em outra ocasião sentiria pena da ambição daquele homem, mas continuava ocupado demais em salvar sua varinha e sua vida.

O que aconteceu a seguir foi rápido demais. As ondas vibratórias da água trouxeram os gritos de Ron aos ouvidos de Harry. Ao iluminar o amigo, o viu no mesmo lugar, ainda com a mão no tornozelo, mas a outra apontava freneticamente para exatamente um ponto acima dele. Harry virou lentamente... muito lentamente para trás, e nunca desejou tanto que o feitiço Lumus não existisse para que ele não pudesse ver o que o encarava a menos de um metro. Não era mais um homem-fera. Era só uma fera... Como tinha que ser quando rodeada de água, brutal e irracional.

Olhos amarelos e ferinos o esquadrinharam e seu pescoço alongado cercou-o parcialmente. Harry nem conseguiria imaginar o tamanho do Monstro, mas era tão imenso que suas pupilas podiam ser tranquilamente comparadas em comprimento, ao corpo dele.

O que adiantava duas varinhas na mão e nenhum feitiço capaz de reverter ser engolido vivo?

Harry fechou os olhos e deixou que o destino seguisse seu curso natural... e ele seguiu.

O Monstro abriu a boca, ou melhor, um buraco negro e agridoce, e numa única fisgada engoliu-o. Engoliu o corpo sem vida de Daniels Carlyle. Harry sentiu uma mão firme o puxando para longe, enquanto o Monstro do Lago Ness mastigava ossos e músculos com prazer. Ao olhar, viu seu parceiro, de certo recuperado da cãibra, apontando, com um sorriso nos lábios, para o animal marinho.

Daniels Carlyle se tornou indigesto. O monstro se contorceu, esbugalhou os olhos e arfou duas labaredas mínimas pela narina. Então, gradualmente foi diminuindo. As escamas esverdeadas vergaram para dentro do corpo, os membros se encurtaram e o tronco também. A cabeçorra, ganhou nariz, lábios, têmporas, cabelos e olhos. E como se uma mágica de grande envergadura houvesse acontecido ali, a fera foi-se de vez e um homem surgiu.

Sua tez confusa esquadrinhou os aurores. Tinha certa idade, mas era bonito e atlético. Estupefato, começou a apalpar-se incansavelmente como se quisesse ter certeza de que seu corpo era humano, dando atenção especial ao braço. Ao novamente fitar Harry e Ron, ele sorriu cheio de ternura, como se nunca houvesse assassinado ninguém...

E o sorriso desapareceu no mesmo instante. Levando as duas mãos a garganta, debateu-se na água, parecendo estar sob influência de grande dor. Abriu a boca, e labaredas voltou a expelir. Esticou-se inteiro, todos os músculos rijos... e então... um calor emanou de dentro de seu corpo e ele foi consumido por uma chama laranja, reduzindo-se a cinzas.

***

Ao chegarem à superfície, depois do que pareceu anos cruzando o Lago Ness a nado, Harry e Ron apoiaram-se exaustos sob dois rochedos convidativos. Deitaram de costas, respirando com dificuldade, e deixando as energias aos poucos voltarem.

Harry viu a luz fraca e esperançosa da manhã surgir ao horizonte. Estava mais um dia vivo e ele não saberia como agradecer aos deuses por sua sorte.

—Ron...?

—Humm

—Algo me diz que você estava mais por dentro da história de Carlyle do que eu, lá embaixo.

—É, eu estava mesmo. — disse o amigo de forma cansada — A carta do ministério chegou e andei fazendo pesquisa. — sorriu. Pesquisa fazia o ruivo lembrar-se de Hermione, que o arrematava ao fato de que em breve voltaria a vê-la.

—Então me diga por que sorriu quando viu o Monstro devorando Carlyle. Não creio que seu ódio por ele fosse tão intenso.

Depois de um momento de silêncio, Ron disse:

— Alguns feitiços de magia negra não admitem misturar sangue do próprio sangue. Lembra disso? Caiu no exame do nosso primeiro trimestre no quartel.

— É, eu lembro. Era um caso família, então?

—Provavelmente o pai do Daniels confiou essa tarefa a ele. Antes dele, seu avô havia tentado. Hector Carlyle.Todos descendentes legítimos do nosso homem que virou pó ali embaixo.

Mais silêncio.

— Só por curiosidade Ron, qual era o nome dele?

— Dele quem?

— Do monstro, do homem lá embaixo, do tal rei...?

—Ah, Guilherme. Guilherme I era como ele fora conhecido.

***

St. Mungus, Londres...

Duas mulheres entraram a passos rápidos no hospital bruxo St.Mungus. Aparentemente elas não tinham nada em comum, exceto que suas expressões mostravam-se muito preocupadas. A morena trajava um terninho azul marinho, sapatos de saltos pretos e exibia um coque perfeito no alto da cabeça. A ruiva tinha as madeixas compridas, presas numa trança justa e prática. Seu vestuário compunha-se de calça, blusa e capa carregando o nome do HarpiasHolyhead, além das joelheiras de couro.

Quando se livraram da burocracia na recepção e subiram os sete andares até a ala dos internados recentes, sentiram que seus corações não aguentariam muito mais de preocupação. E foi ao abrirem a porta do quarto que reencontraram à tão sonhada paz de espírito.

Gina avistou Harry com grande alívio. Ele parecia bem demais para quem correu grandes riscos de vida nas últimas 48 horas. Tomava suco de laranja no canudinho e tinha os cabelos espetados de um modo displicente.

—Harry... — gemeu a ruiva, lançando-se ao pescoço do marido. — Fiquei tão preocupada...

—Calma querida, eu tô inteirão. —suavizou ele, abraçando-a com vontade também.

—Inteirão? Hermione ficou sabendo pela boca de Thomas Jones o que houve com vocês na Escócia. Que tipo de serviço é esse?

— Do tipo que a gente tem que cutucar na ferida até sangrar, pintar até borrar, remexer até fe...

—Tá, entendi! — interrompeu Gina que não podendo ficar zangada por muito mais tempo com Harry, voltou a cobri-lhe de beijos. — Você vai me pagar por me deixar assim...

—Mal posso esperar. — respondeu ele, risonho, retribuindo os beijos incessantes da esposa.

Hermione aproximou-se com cautela da cama de Ron. Ele estava bem acordado, com seus penetrantes olhos de expectativa para cima dela. Certamente queria que ela se jogasse em seus braços como Gina fez com Harry. Vontade não faltava, ainda mais porque ele tinha um ferimento que o amigo não tinha: um tornozelo enfaixado. Mas Hermione aguentou firme, ou melhor, seu orgulho a segurou, e o máximo que a morena se permitiu fazer, foi sentar eretamente ao lado dele.

—Como você está? — perguntou numa voz impassível.

—Bem. — respondeu Ron com uma vozinha murcha —Então ficou sabendo de nós por Thomas, eh? Andou conversando muito com ele esses dias? — disse, buscando não elevar a voz a um tom inquisitório.

—Eu venho te visitar e essa é a primei...

—Desculpe, Mione! Desculpe-me por favor!!! — pediu ele inesperadamente, agarrando as mãos de sua noiva com paixão. — Você não é um pesadelo. É a mulher que eu amo.

Até o orgulho de Hermione tinha limite perante aquelas palavras e aquele olhar...

—Oh, Ron... nem consegui dormir essas noite de tanto medo — desabou ela, abraçando-o de forma avassaladora. Ron aproveitou o abraço e arrematou um beijo em sua nuca quente e perfumada.Estava louco pela chegada deste momento.

***

Depois de algumas horas, Harry e Ron encontraram-se sozinhos outra vez naquele aposento. Embora insistissem estar bem, a medi-bruxa responsável informou que era protocolo os pacientes internados pernoitarem por pelo menos uma noite.

E em meio ao tédio que o quarto se transformou, sem a presença das duas mulheres, ou de qualquer outra visita, Ron voltou a recapitular mentalmente os acontecimentos do caso. Logo lembrou de algo do qual não teve a oportunidade de perguntar ao parceiro. Algo que o deixara muito incomodado.

—Harry? Está acordado? — perguntou, vendo o amigo deitado para o outro lado.

—Muito. — resmungou ele entediado, virando-se para o ruivo.

—Tenho uma pergunta. Porque não me chamou no quarto quando recebeu o suposto telegrama do Hospital de Inverness sobre Alfred Flood? Porque deixou o recado a uma trouxa?

—Olhe, Ron — começou Harry, pego desprevenidamente — o recado era muito urgente e eu acreditei não haver, sequer, tempo para te acordar.

—Eu não gostei disso. — confessou o amigo. — Somos parceiros, entende o significado isso? Chega de abraçar tudo para si, Harry.

— Eu não estava abraçando tudo para mim! — irritou-se.

— Sim, estava! —reforçou o outro — Você poderia ter morrido e seu cadáver, nunca ter sido encontrado. — fitou-o duramente. Harry desviou o olhar.

Não precisava daquele sermão. Muitas palavras também entupiam sua garganta. A verdade, aos olhos dele, era que a investigação serviu para mostrar como Ron ainda continuava acomodado e cheio dos velhos hábitos. Se Ron tivesse acordado cedo, talvez ele não tivesse que ter saído sem dizer nada, para começar. Pensou Harry.

Mas ele estava cansado demais para argumentar e discutir.

— Vou ao banheiro. — resmungou, erguendo-se da cama.

Deixando no ruivo um sentimento do qual ele detestava: ser deixado de lado.


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