Série Auror - Primeira Temporada escrita por Van Vet


Capítulo 6
Capítulo 6




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Hospital Municipal de Inverness...

Em um das dezenas de corredores do Hospital Municipal de Inverness, dois rapazes caminhavam em passos apressados. Com seus jalecos branquíssimos de sarja e estetoscópios precisos ao redor do pescoço, nenhum dos passantes entre funcionários e pacientes, desconfiava da procedência dos jovens supostos doutores. Uma enfermeira de rostinho rosado havia informado a aqueles novos residentes qual o andar e o quarto do qual o homem tirado do lago, havia sido internado.

— Ele não diz coisa com coisa. Há horas atrás insistia ter visto um homem no seu quarto... — a enfermeira alertou. Mas o mais baixo dos dois, de óculos e cabelos espetados, limitou-se a sorrir de modo nervoso e afirmar que conhecia bem o histórico do paciente em questão.

Apenas quando conseguiram chegar ao desértico corredor do quinto andar, na ala dos internados, foi que Harry e Ron despiram-se de seus disfarces teatrais de dois profissionais da saúde, desorientados no cumprir do ofício.

— Seria um alívio se arrumássemos formas melhores de nós disfarçarmos — comentou Ron olhando por cima dos ombros para o fim do corredor. Ninguém à vista. — Invisibilidade, pó escurecedor instantâneo... Não que não seja interessante, hum, ser médico trouxa, mas eu acho que economizaríamos tempo e repertório.

— Não creio que os trouxas esbarrarem em algo invisível no corredor de um hospital seja a melhor forma... — disse Harry, verificando o número das portas por cada quarto fechado que passavam. — Quarto sessenta e três, este aqui! — Cauteloso, envolveu a mão na maçaneta da porta e abriu-a lentamente.

O quarto era pequeno e escuro, possuía duas camas vazias perto da porta, mas ao fundo, embaixo da janela, uma terceira cama jazia. Sobre ela um corpo magro e curvado, debaixo de lençóis brancos, respirava com dificuldade.

Os dois aurores aproximaram-se cautelosos. Na penumbra do quarto observaram atentamente as feições do homem deitado sob leito, seu rosto era mais macilento e ossudo do que na fotografia do arquivo, mas não havia como negar, estavam diante de Alfred Flood. Ele dormia num sono inquieto e ruidoso e Harry tocou-o de leve, na altura dos ombros a fim de chamá-lo. Seus olhos de olheiras profundas e arroxeadas, abriram instantaneamente.

— Boa Noite senhor... — sussurrou Harry. Alfred não respondeu.

— Viemos atrás do senhor, Sr. Flood. — disse Ron.

A expressão do bruxo continuava impassível, mas tensa. E encolhendo seu corpo mirrado contra o colchão sibilou algo indecifrável, com temor na voz.

— O que disse? — perguntou Harry aproximando-se. Alfred apenas o estudou, silenciosamente.

— Somos do Ministério, aurores! — respondeu Ron, impacientado.

— A Sra. Flood está preocupada. — Alfred continuava com seus estranhos olhos negros, opacos, fitando-os. — O senhor pode nos ouvir?

Nada. Nenhuma resposta.

— Harry... — cochichou Ron chamando o amigo a um canto afastado da cama — Eu acho que o trouxa no bar estava certo. Algo congelou os miolos dele.

— Ele... está... lá — disse a voz arfante do bruxo no leito.

Harry e Ron voltaram-se para Alfred.

– Como disse, Sr. Flood?

— Esperamos de dia... mas ele veio a noite... Eu disse que precisávamos de um barco maior.

— Esperou o que vir a noite e com quem? ― interpelou Harry.

Alfred quietou-se outra vez. Olhos agora vidrados.

― Alfred, por favor, nos diga ― insistiu Harry ― Pessoas estão sumindo. Onde estão seus colegas, Teddy e Daniels?

― Escute aqui Sr. Flood, nós somos autoridades ministeriais, e se não começar a desembuchar, sinto informar, mas as coisas começaram a se complicar...

― UM BARCO! UM BARCO MAIOR! EU PEDI UM BARCO MAIOR! — berrou Alfred inesperadamente, num guincho perturbador, cheio de agonia.

— Acalme-se Sr. Flood, eu não tive... — tentou o ruivo, mas num repente, sentiu seu corpo ser violentamente impelido para longe dali.

Ron abriu os olhos e arfou. Com as mãos nos joelhos deixou a sensação de tontura dissipar-se e, só então, estudou o ambiente a sua volta. Encontrava-se na beira de uma estrada escura e fria. Um carro passou chiando os pneus no asfalto e ele acompanhou o veículo com os olhos enquanto o mal estar iam embora. Ao lado, um vulto perambulava, inquieto — Harry.

— Porque nos aparatou? — questionou, aborrecido. Ele odiava ser aparatado sem aviso prévio, sua cabeça sempre ficava zonza e seu estômago enjoava quando isso acontecia.

— Porque com o seu jeito especial de questionar as pessoas, se ele continuasse gritando daquele jeito, logo logo os trouxas apareceriam...

— Não importa agora, o cara tá maluco mesmo. — concluiu o outro já totalmente livre do mal estar. — Aonde estamos?

— Há alguns metros da estalagem. Vamos dar este dia por encerrado Ron, afinal, bem ou mal encontramos o tal Alfred. Amanhã é outro dia e temos que descobrir como tirar ele daquele hospital trouxa e removê-lo para Londres.

***

O smoking negro, milimetricamente engomado, ajustou-se perfeitamente ao seu corpo magro, mas levemente torneado. Uma gravata borboleta roxa dava um toque irreverente a vestimenta formal, embora ele continuasse muitíssimo elegante. Seu irmão Gui surgiu na porta perguntado se estava pronto, porque todos os convidados já esperavam, inclusive Hermione.

Ron desceu as escadas e chegou aos jardins com as pernas trêmulas e o coração agitado. Havia muitas, muitas pessoas embaixo das tendas, prontas para ver a cerimônia. Ele passou pelo corredor inacabável que levava até o altar, tenso de nervosismo com tantos olhares em cima dele, e ver a noiva tão linda num longo vestido branco e rendado, parada sob o primeiro degrau, apenas aumentou sua ansiedade.

Então ele aproximou-se e Hermione, a noiva, apenas sorriu-lhe de modo formal, voltando a olhar, cheia de expectativa, para o corredor...

Ele estava prestes a perguntar por que ela continuava a fitar o lado oposto se ele já estava lá, quando mãos ágeis o puxaram pelo colarinho fazendo a gravata borboleta entortar. Irritado, viu Neville Longbottom repreender-lhe dizendo que ali era o lugar do noivo. E ouviu sua própria voz contrariada gritar “Eu sou o noivo!”

Mas nem Neville, nem ninguém mais, poderiam escutá-lo agora, pois as pessoas, todas elas, num coletivo histérico, começaram a aplaudir. Sentindo que seus ouvidos não poderiam aguentar muito mais, Ron tapou-os com as mãos e sem entender, virou-se novamente para a noiva Hermione. Seu coração congelou. Ela não estava mais solitária no altar. Outro homem tomava seu lugar e agora eles se beijavam e acenavam como dois recém casados, para a imensa platéia. O homem virou na direção de Ron e seus cabelos loiros só não refulgiram mais do que seus olhos azuis. Era Thomas Jones. Hermione também se virou, e seu rosto de felicidade, fitou-o como um mero coadjuvante. Os aplausos tornaram-se ensurdecedores!

Ao abrir os olhos Ron viu-se num aposento solitário. Com todos os músculos rijos e empapados de suor, embaixo de várias camadas de coberta, deu-se conta que tivera apenas um pesadelo.

Parecia real, mas graças a Merlin, era somente um maldito pesadelo!

Massageou as têmporas lentamente suspirando no ar frio do quarto e só então percebeu um barulho insistente à sua esquerda. Ao olhar na direção do som espantou-se ao ver uma coruja de igreja bicar obstinadamente o vidro da janela pelo lado de fora.

— Então era você que não parava de aplaudir no meu sonho?! — argumentou ele, fatigado.

Espreguiçando-se rapidamente, Ron olhou para a cama a direita e onde deveria estar Harry havia apenas um embolado de cobertores e travesseiro. Concluindo que o amigo já deveria ter descido para o café - afinal os primeiros raios pálidos da manhã iluminavam o quarto – foi até a janela e deixou a luz e a coruja entrarem de vez. O animal voou irritado por alguns segundos no teto e deixou titicas generosas pelo chão, numa forma de protesto pelo atraso no atendimento. Ron aguentou tudo com paciência e sonolência, sentindo que todas as suas forças haviam se extinguindo naquele sonho maluco com Hermione e Thomas se casando.

— Você é a coruja do ministério, é? — perguntou ele, quando finalmente conseguiu pega-la e desamarrar o pergaminho de sua perna. — Se voou de Londres até aqui deve estar faminta. — A coruja piou fragilmente e esticou a cabeça para que ele coçasse suas penas castanhas — Eu sei o que quer. Deixe-me ler esta carta que prometo buscar algo para você no refeitório, lá embaixo.

Curioso demais pela resposta do ministério, Ron resolve não esperar para estar junto de Harry e abriu a carta de uma vez. As palavras eram poucas, mas respondiam suas dúvidas quanto a Carlyle.

Resultado da pesquisa sobre a árvore genealógica de Daniels Carlyle:

Os Carlyle possuem descendência monarca escocesa a partir do século XII. Seus descendentes medievais são remotos, de forma que o ministério só tem conhecimento de três gerações antes da de Daniels Carlyle.

Kelvin Carlyle & Elizabeth Tunner

Hector Carlyle & Laise Palton

Marie Carlyle Antony Carlyle & Sarah Walter

Daniels Carlyle

Empolgado e curioso com esta nova informação em mãos, de que Daniels era mesmo parente do bruxo acusado pelo ministério em 1923, Hector Carlyle, Ron vestiu-se rapidamente e saiu para o andar debaixo. Ao chegar no refeitório da estalagem encontrou apenas o recepcionista mal-humorado do turno da noite, tomando café enquanto assistia televisão. Confuso quanto ao paradeiro de Harry, o ruivo beliscou um pedaço de bolo com suco, guardou uma quantidade generosa de pão dentro do casaco e voltou a subir para o quarto.

Enquanto alimentava a coruja viajante com as migalhas do pão, Ron via os minutos passarem rapidamente no relógio de ponteiro instalado na parede. Uma vez ou outra ele espiava pela janela a estrada pouco movimentada, recortado pelas montanhas enevoadas de Stirling, mas não havia sinal de Harry lá fora também.

Foi quando a coruja levantou voo janela afora e já passava das nove da manhã, que ele realmente se inquietou.

— Mas que droga, Harry! Onde você foi parar? — murmurou, indo conferir na janela pela sétima vez.

Entrementes, recapitulando o dia de ontem e o desfecho dele, lembrou-se da última conversa que tivera com o amigo antes de embalarem no sono. Harry havia dito que na essência eles completaram o caso já que descobriram o paradeiro de Alfred. As implicações que vieram disso, como o sumiço de seus companheiros e o atual estado dele, agora era uma decisão do departamento, qual rumo tomar. Era isso! Harry certamente foi mandar um correio-coruja em Ormsary ao Departamento, sobre os acontecimentos de ontem.

Mais despreocupado até arriscou ligar a televisão e distrair-se com um pouco de conteúdo trouxa pra variar. Entre os poucos canais disponíveis, os piores eram um de televendas e uma espécie de seriado romântico que só serviu para relembrá-lo de sua atual situação com Hermione, e do horrível pesadelo daquela manhã. Ele talvez houvesse exagerado na discussão e não via-se nem um pouco disposto a enfrentar mais uma noite de pesadelo por causa de um peso na consciência.

Não achava correto pedir desculpas por um aviso de patrono ou um correio-coruja, da mesma forma que não se sentia suficientemente humilde para fazer isto olho no olho. Lembrando do telefone no saguão da estalagem, decidiu que o melhor seria fazer aquilo por telefone e de uma vez. Mas, após pedir autorização para a recepcionista da manhã, bem mais simpática que o sujeito da noite, sua coragem minguou. Precisava de outro motivo para iniciar a conversa com Hermione. Seu orgulho sempre berrava alto demais em certos momentos. E havia aquela história do estandarte escocês, poderia ser algo banal, mas ainda assim era um modo de não dar o braço a torcer logo de cara.

— Alô? — perguntou uma voz feminina do outro lado da linha, quando ele terminou de discar para a casa dos Grangers.

― ... Alô! Sra. Granger?

— Exato... é o Ron? — quis ela saber.

— Sim, sim, ele mesmo! — confirmou — Tudo bem com a senhora?

― Tudo ótimo, querido. ― respondeu a mulher — Você quer falar com a Mione?

— É. Ela está por perto?

— Hum, agora ela está no ministério.

— Oh, verdade! Tinha me esquecido que estamos em plena quinta-feira. — lembrou-se. — Ligo mais tarde então.

— Tudo bem. Falo que você ligou.

Ron desligou o telefone praguejando esquecer-se disso. Em sua mente agora estava 1x0 para Hermione. Ela saberia que ele não aguentou, e ligou. Numa irritação somada pelo telefonema e a demora de Harry, o ruivo sentiu que precisava sair. Espairecer. Voltou ao quarto, buscou mais um casaco grosso e saiu da estalagem trouxa, aparatando no lugar no mais improvável: A biblioteca bruxa de Ormsary.

Uma vez entre suas estantes repletas e intermináveis a sessão de cultura nacional era seu objetivo. Deste modo passaria o tempo até Harry resolver aparecer para lhe dar alguma explicação e ainda poderia tentar descobrir a história do misterioso de rei Guilherme, sem que para isso precisasse de Hermione.

Não houve demora para encontrar o livro que almejava ler, afinal já o tinha visto de relance na tarde anterior quando viera com Harry. Com o grosso exemplar de Nossas Realezas debaixo do braço, sentou-se numa mesa solitária para pesquisar sossegado. Se houvesse alguma citação sobre Guilherme seria naquele livro grosso e cheio de gravuras cintilantes, que Ron encontraria.

Após passar o capítulo de reis e príncipes do século XI, finalmente o tópico sobre os senhores que dominaram o século XII, chegou. Havia Thomas, o rei usurpador — aquele nome estava perseguindo — e seu irmão, o príncipe Philip, ambos homens cruéis, que empunham seu reinado com violência e impostos altos. Mas foi somente com o filho de Philip, o rei Guilherme I, que o reino da escócia conheceu um líder justo. E foi a partir deste tópico que Ron embarcou na leitura...

GUILHERME, O CAÇADOR DE DRAGÕES

O final do século XII na Escócia, foi marcado pelo início da era monarca bruxa. Philip I era o último rei de uma linhagem de trouxas que terminou com sua morte no ano de 1182. De sua união com a monarca bruxa, Meredith de Afonsini, nasceu o que viria a ser o primeiro rei bruxo da história escocesa, Guilherme I.

Guilherme cresceu sobre os cuidados da rainha e do tio, também nomeado seu escudeiro,Ryan de Afonsini, ficando a cargo dele todo o aprendizado digno de um monarca que o jovem rei viria a receber.

Na sua adolescência, Guilherme já coroado, constantemente deixava o trono a cargo da rainha, sua mãe, para sair em excursões pela Europa com o tio. Os Afonsini que vinham de uma grande família de adoradores de Dragões, deixaram em Guilherme I o legado do gosto pela caça, de forma que não era incomum durante todo o reinado dele, já na vida adulta, se ausentar dos deveres reais para caçar com filhos e intendentes.

Toda via, diferente de seu tio Thomas I e seu pai Philip I, Guilherme usava a magia, de forma oculta e eficiente, para governar o reinado trouxa e abastecer o reino, ficando conhecido entre o povo sem magia como Guilherme, O Justo.

Seu reinado perdurou por longos quarenta anos e deve fim apenas numa das caçadas do rei, a caçada que o deixou conhecido entre os bruxos como Guilherme, O Caçador de Dragões.

Já idoso, mas ainda dotado do mesmo espírito perseverante e teimoso, o rei saiu sozinho numa caçada arriscada, a um lendário Meteoro-Chinês vivente dos Alpes austrais. Semanas depois, voltou mutilado pelo ataque da fera, mas com o feito cumprido – trazia consigo, para expor em seu imenso salão de caça nas masmorras do castelo, a cabeça do temível dragão.

Assim, impressionados com a bravura do pai, seus filhos criativamente criaram um estandarte que seria o símbolo de toda escócia. Nele Guilherme aniquilava uma fera dantesca que cuspia fogo pela boca e narinas, e todos que vissem a flâmula lembrariam da perseverança astuta do melhor rei que a escócia já tivera.

Consternado com a homenagem e inflado de jubilo, o rei mandou que promovessem um baile para toda corte onde ele exibiria a flâmula e a cabeça do dragão aos convidados, independentes se fossem bruxos ou não. O que aconteceu foi que na noite do baile, seu conselho composta por uma maioria eclesiástica trouxa, decidiu que o povo reagiria mal à constatação da existência de tal fera e sem aviso trocaram a flâmula e a cabeça do dragão, por uma figura e uma cabeça de Leão.

Os registros que remontam essa história são muito vagos, mas alguns pergaminhos recuperados nas masmorras do castelo admitem uma versão sombria para o que houve depois desse baile.

Guilherme, até então um bruxo de magia branca que jamais se versara as trevas, acordou no meio de uma noite e sussurrou a rainha que iria fazer justiça. Então, sozinho, partiu na escuridão gélida da madrugada e desapareceu para sempre. Muitos dias após, houve desaparecimentos misteriosos dos aldeões trouxas locais, e algumas pessoas chegaram a associar os sumiços com o Lago Ness.

Tal fato levantou a suposição de que Guilherme realizou na noite de seu desaparecimento uma magia das trevas, a beira do Lago. Nada nunca foi confirmado, mas a cabeça do Meteoro-Chinês também desapareceu misteriosamente na mesma noite que Guilherme partiu.

Intuitivamente, Ron sentiu que havia algum elo partido naquela história e relativamente o sumiço de Guilherme, lenda ou não, adentrava nas suposições que rondavam o mistério de Ness. Ocorreu-lhe a seguir uma conjectura absurda, levando-o a analisar a carta do ministério outra vez.

Os Carlyle possuem descendência monarca escocesa a partir do século XII. — releu o trecho inicial da carta e rapidamente voltou para a parte que lhe interessava no livro — O final do século XII na Escócia, foi marcado pelo inicio da era monarca bruxa [...] O primeiro rei bruxo da história escocesa, Guilherme I [...]

Isso seria mais do que coincidência...!

― Está satisfeito com a leitura ou precisa de algum livro em especifico, senhor? ― perguntou um idoso bibliotecário que ajeitava livros flutuantes numa estante próxima dele. — Trabalho aqui desde garoto e conheço essa biblioteca como a palma da minha mão enrugada.

― Na verdade eu tenho interesse sim. ― aceitou o ruivo, extasiado demais com a possibilidade que lhe havia chegado — Eu estou atrás de um livro que fale sobre reis escoceses e suas linhagens, mais especificamente sobre os do século XII.

― “A Árvore Genealógica Real” deve ser o exemplar ideal para este tipo de pesquisa... Aguarde um momento, por favor.

Quando o homem voltou com livrinho pequeno de páginas amareladas, Ron folheou rapidamente até capítulo desejado: um tópico pequeno que remontava a árvore genealógica a partir de Guilherme I e Meredith Afonsini, e atravessava séculos na linha de descendentes até encerrar com o nascimento do primeiro descendente não monarca, no século XVII, Dalton Carlyle!!!

Imediatamente Ron despediu-se do idoso bibliotecário com um aceno frenético e aparatou extasiado de volta para estalagem. Ao consultar o relógio da recepção viu o quanto já passava das onze, então, certamente, Harry haveria de ter chegado. Porém, quando abriu a porta do quarto encontrou-o vazio.

― A senhora por acaso sabe me informar a que horas meu amigo saiu esta manhã? ― perguntou um Ron inquieto, de volta a recepção.

— Oh, Meu Deus! Esqueci completamente de te avisar... — disse a mulher, levando as mãos à cabeça — Ele recebeu uma correspondência de um mensageiro de Inverness quando desceu para tomar café. Parecia grave porque saiu desembalado pela porta, pedindo para que eu avisasse você que aconteceu um acidente com... Alfred. — Ron ficou entre o desejo de lançar um feitiço na mulher esquecida e agradecê-la por, pelo menos, lhe dar o tempo de realizar uma pesquisa útil.

Preocupado, agradeceu o recado atrasado e saiu outra vez pela sem porta, sem olhar para trás...

— Ei moço, vocês estão de carro? — gritou a mulher em vão. Ron já havia saído. — Tá vendo, Joseph, ele fez que nem o outro... Saem desembalados pela porta como se um helicóptero estivesse esperando por eles na esquina mais próxima, para levá-los à Inverness.

O recepcionista da noite aproximou-se do balcão.

— Nem helicóptero, nem carro. Eu não vi nenhum meio de transporte com eles. — resmungou Joseph, o recepcionista mal-humorado — Talvez estejam usando algum meio mágico para se transportarem para lá tão rapidamente. — ironizou o homem.

***

Ron não pensou muito nas conseqüências quando aparatou no corredor do quinto andar do hospital de Inverness. Normalmente a sorte não gostava de virar a seu favor, mas naquele instante ela abriu uma exceção. Ao surgir num estrépito ecoante no meio do corredor, não tinha ou apareceu, viva-alma trouxa para reclamar pelo barulho. Sem ficar para constatar se estava mesmo num momento afortunado, o ruivo entrou feito uma raposa ágil no quarto sessenta e três. Imediatamente a forma cadavérica de Alfred ergueu-se debaixo dos lençóis hospitalares.

Algo está terrivelmente errado!

— Cadê o Harry? —quis ele saber.

Para a irritação de Ron, Alfred fez o que era esperado. Arregalou os olhos do seu rosto ossudo e covarde, mas continuou calado. Certo, ele ainda lembrava daquela aula no quartel dos aurores de como persuadir um oponente...

Depois de feitiços mentais e dois movimentos rápidos com a varinha na direção da porta e paredes, o auror voltou-se inflado de determinação para o suposto moribundo, Alfred Flood. Algo em Ron dizia que as aparências enganavam.

— Agora vamos ser diretos e rápidos, Sr. Flood — disse, aproximando-se da cama —O cara que veio aqui ontem comigo, e que certamente você deve conhecer muito bem pelo nome de Harry Potter, é meu amigo e parceiro de trabalho. Acontece que há três dias estamos com os traseiros congelando nessa terra de ninguém só para encontrarmos seu paradeiro. E hoje de manhã, quando finalmente iríamos despachá-lo para sua casa, o Harry some. E, olhe que estranho, ele disse que estava vindo até aqui. Portanto, eu pergunto, cadê o HARRY?

— O BARCO! HAVIA UM BARCO!!! —gritou Flood, a plenos pulmões.

O ruivo pegou-o pelo colarinho e com dois puxões bruscos, alertou-o:

— Você pode gritar o dia inteiro, Alfred! A porta está com um feitiço que nenhum trouxa conseguirá abrir antes do Sol se pôr e todo o quarto foi vedado para que qualquer som fique aqui dentro... Agora você vai colaborar ou não?

Por um momento Ron teve a impressão que o bruxo estivesse realmente muito enfermo e fosse sucumbir pelo choque da pressão, afinal tudo ainda era um blefe. Mas quando sua expressão esmoreceu e no segundo seguinte ele desabou em choro, Ron concluiu que se via somente diante de um maldito covarde.

— Não há mais na-nada que se possa... fazer —grunhiu Alfred aos soluços. — Harry Potter já está morto mesmo...

— Hã? Como assim? — perguntou Ron, controlando o pânico. Ainda havia chance de estar falando com um louco.

– Ele o pegou. Atraio-o até aqui... e o pegou. —continuou a choramingar.

Longe agora de sua racionalidade, o ruivo trocou o colarinho de Alfred pelo pescoço, e as palavras ríspidas pelos gritos enraivecidos.

—FALE AGORA ONDE ESTÁ HARRY, SEU TRASGO DE UMA FIGA! QUEM O LEVOU? AONDE?




—DANIELS! DANIELS O LEVOU! —berrou o outro, histérico de temor —Não me machuque, por favor.




—Daniels? Então ele não está desaparecido? —interpelou, confuso, afrouxando o aberto na garganta do homem.

—Não. Não... Oh, Merlin! Ele vai me matar por estar tendo esta conversa com você...



—Eu que darei um jeito em você, se não começar a desembuchar tudo o que sabe! —ameaçou o ruivo, empunhando a varinha contra o peito de Flood. —Então aquela gritaria de ontem era tudo encenação?

Um Alfred trêmulo, concordou com a cabeça.



—Daniels está vivo, afinal? E onde está o outro, Teddy Scotfield?

—Morto.

—Morto como Harry?

—Não, o Potter está praticamente morto. Já Teddy, morto de verdade. Eu... vi. — e com outro acesso de covardia descambou-se a chorar —Não me pergunte mais! Daniels vai me... matar. Eu já sou um homem morto, alias. Deveria ter desaparecido ontem, mas ainda estou sem forças para aparatar daqui.

—Se não me falar nada, sua sentença de morte estará dada certamente. Mas se colaborar comigo, que é o mesmo que colaborar com o Ministério, talvez haja uma chance, Flood. Agora me diga, e diga sem choro e voltas: porque Daniels iria lhe matar? E onde está Harry?

A falta de coragem era algo deplorável. Há muitos anos, na época que não passava de uma criança, Ron acreditou estar sendo covarde quando entrou aos trancos e protestos na floresta proibida com Harry, seguindo um caminho de aranhas peludas e assassinas. Mas não. Covardia era aquilo, era ver um homem adulto como Alfred Flood, não se importar em salvar a vida de pessoas inocentes em nome dos próprios medos.



Mas agora ele não tinha escapatória, impotente e encurralado, depois de duas ou três soluçadas considerou a proposta de Ron e desabafou:

—Certo, se o Daniels e aquela criatura vierem atrás de mim depois disso, que fique constatado que eu fiz algo de bom nos meus últimos momentos em vida. — resmungou, enquanto sentava na cama — Bem, deixa eu começar pelo começo...

“Já fazia uns meses que não falava com Daniels. Ele sumia vez por outra sem deixar rastro. Isso era um hábito. Então, fiquei sabendo de outro cara que também era engajado na caça... Um bêbado inveterado chamado Scotfield. Saímos para umas três caçadas até constatar que o cara era um idiota!

“Aí Daniels voltou de sei lá onde e numa noite bateu na porta de casa. Aquilo por si só já me chocou, o Carlyle nunca ia atrás de ninguém, pedir nada. Pois bem, mas ele estava lá, e foi breve. Disse que havia uma caçada nova, que iria nos enriquecer de verdade.

“Fiquei duplamente feliz. Ficar rico e não ter que aguentar o Scotfield parecia um sonho. Mas o Daniels disse: Leva esse tal de Teddy também. E eu falei: Não, ele é um idiota! Vamos só nós dois e não precisamos dividir o dinheiro da caçada em mais partes. Não adiantou. Ele disse que o serviço era pesado, para no mínimo três e que se o cara vivia mesmo com álcool na cabeça, não ia dar muito trabalho no momento da repartição.



“Mesmo contrariado falei com Teddy e aceitamos. Só que quando nos encontramos um dia antes da partida, para acertar os detalhes, Daniels solta à bomba: Queria caçar O Monstro do Lago Ness.

“Scotfield ficou uma meia hora rindo e isso deixou Carlyle bem irritado. Mas eu não ri não. — disse ele sombriamente — Já havia ouvido outros rumores sobre aquele lago e eles não eram dos mais animadores. Estávamos brincando com desconhecido...

“Pois bem, aceitamos, principalmente quando Daniels disse que rumores afirmavam que o tal animal tinha a pele todinha revestida de briba. Certas coisas até valem o risco... Mas minha coragem minguou no momento que cruzamos o Lago com um barquinho a remo, no meio da madrugada.

“E percebi tarde demais, que exagerei na ganância.

— E o que houve a seguir?



—Teddy se desequilibrou, caiu na água e não subiu mais — Alfred suspirou fundo, antes de prosseguir — Foi quando a fera apareceu.



—Ela é real, então? —quis o ruivo saber, sentindo a garganta secar de apreensão.

—Como cada célula do meu corpo... — afirmou ele.

—Mas vocês a combateram?

Alfred exibiu um riso de dentes podres e sem emoção.

—Esta é a pior parte... Não houve luta. O monstro, aquela coisa do inferno, reconheceu Daniels. E acredite em mim ou não, eles começaram a se comunicar! —disse com convicção — Não através de uma fala especifica, apenas com gestos e olhares. Daniels apontou para o lago e a fera afirmou com a sua cabeçorra esverdeada.



“Minha fala morreu na garganta de tanto pavor, mas, não sei como, ainda consegui reunir força para perguntar o que ele estava fazendo. E sabe o que o maldito fez? Ele simplesmente virou-se para mim e me estuporou!

“Acordei não sei quanto tempo depois, numa espécie de caverna limosa e fria. Estava muito escuro lá dentro, o que só fez eu ficar mais horrorizado. Mas havia uma luzinha muito fraca a alguns metros de mim... Como me sentia completamente zonzo na ocasião, só posso supor que deveria ser algum archote mais ao fundo da caverna. Às vezes eu preferia que estivesse tudo escuro. O que aquele resquício de iluminação me deixou ver, eu prefiro não pensar...—com as mãos trêmulas agora, Alfred tentou continuar — Eu vi Teddy. Seu corpo seco como um galho verde. Aquela coisa, eu tenho certeza que foi ela, chupou-o até a última gota de sangue!



“Eu também tinha com um furo, na altura do ombro – e erguendo a blusa mostrou dois buracos profundos e parcialmente cicatrizados onde presas afiadas deveriam ter cravado – mas a criatura deve não ter gostado muito do meu sabor.

“Continuei quieto por um tempo, apenas tentando escutar algum som que não fosse da água pressionando as paredes da caverna. E sem ouvir um ruído se quer por horas, senti que havia uma chance de fuga.



Rastejei até a saída e para meu desespero descobri que estava numa espécie de gruta submersa no lago e embora lá dentro a água não inundasse devido, certamente, a alguma magia, depois que atravessasse o véu de água que ocultava a entrada, seria completamente submergido pelas águas geladas do Ness.

“Eu tinha que arriscar. Estava no ninho daquela coisa, tenho certeza, e cedo ou tarde morreria. Com um pouco de estômago encontrei a varinha de Teddy ainda presa ao seu cinto e realizei um feitiço Cabeça-de-Bolha, atravessei o véu de água. Quase morri de hipotermia subindo o Lago e por um milagre fui resgatado pelos trouxas.

—O que tudo isso tem haver com Harry, afinal? —impacientou-se o ruivo, preocupado com cada minuto a mais que passava e ele não tinha uma dica do paradeiro de Harry.



—Eu vou chegar lá agora.—balbuciou o bruxo de forma petulante. —Fugir da caverna do Monstro não me livrou de Daniels. Dias depois ele me achou e ousadamente veio até este quarto.

“Gritei com toda a força que meus pulmões conseguiram, atraindo os trouxas e o afastando por hora. Mas depois, quando eu achei que teria um pouco de paz, quem veio foram vocês. Com o ministério atrás de mim, achei que se bancasse o louco e usa-se a mesma técnica da histeria que usei com Daniels, eu os afastaria.

—Achou errado! —exasperou-se Ron. Alfred o ignorou.

—E advinha, assim que me livrei da dupla de aurores, Daniels ressurge! Ele não me atacou ou algo assim, mas aquele sujeito não precisa me ameaçar para me assustar...



“O que ele me fez foi um pedido. Em nome dos bons e velho tempos, ele disse. Pediu para eu continuar exatamente o que eu fazia: bancar o louco e afirmar que ele e Teddy haviam se afogado. Disse ainda que graças a mim havia encontrado outro, um melhor! Não quis nem saber pra que... mas nem tive este trabalho. Ele se gabou de que Harry Potter era mais do que perfeito, foram essas suas palavras.

—Então... Daniels armou uma armadilha para Harry?

—É esperto, rapaz. —argumentou Alfred num risinho larápio — Você é um daqueles da família Weasley? O cabelo sabe...



—Ele armou uma cilada para o Harry e você não iria me dizer nada?!— brandiu Ron, indignado. A preocupação havia se transformado em desespero. —Você o ajudou? O que vocês fizeram com ele?



—Hey, Hey! Eu só fiquei no meu quarto com sempre, esperando ele chegar! Se o Potter foi muito burro para cair na cilada do Carlyle, não tenho nada haver com...



SOC!



— Por todas as fadas mordentes! —exclamou Alfred atônito, enquanto sua bochecha doía loucamente onde Ron acabara de socar —Porque diabos você me bateu???



—Para não te estuporar! Me leve até onde o Harry está... até aquela caverna! AGORA!!!



—Não! — rebateu o outro convicto, um hematoma crescendo em sua face macilenta.



—Isso não é uma opção.



—Pois para mim é viver ou morrer... O máximo que posso fazer por você é te indicar!


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