Além do Sangue escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 17
Presentes


Notas iniciais do capítulo

Olá! Como eu temia, não tive muito tempo de escrever no meu intercâmbio, e quando cheguei em casa estava tão exausta que precisei de alguns dias para me recuperar... Mas agora, estou aqui e postando novamente! Perdoem-me se deixei de responder algum comentário nesse meio tempo, depois eu dou um jeito nisso. Ainda está tudo uma confusão...
Bem, esse capítulo é dedicado à Ana Flávia (de novo), pela linda recomendação que ela deixou. Muito obrigada



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Ted estaria chegando em breve.

Sentada no peitoril da janela de uma das salas do primeiro andar, onde sempre esperava sua chegada, Andrômeda olhava para os jardins do lado de fora, iluminados pela luz da lua e das estrelas. Estava uma noite tão linda... e, quando Ted chegasse, estaria perfeita.

Ouviu passos atrás de si, e se virou. Um vulto estava parado na soleira da porta, e Andrômeda sorriu ao vê-lo.

– Por que está nas sombras, Ted? Aproxime-se. – Disse, divertida. O vulto deu alguns passos para frente, até que a luz foi o suficiente para dar para distinguir suas feições.

O sorriso dela foi substituído por uma expressão de medo. O vulto não era de Ted.

Era de Norman.

Você. – Sussurrou.

– Eu. – Concordou ele. – Surpresa? – Ele andou pela sala lentamente, examinando o local com olhos críticos, como se nunca antes tivesse tido aulas lá. O examinava como o lugar de encontro de Andrômeda e Ted, não mais como uma sala de aula. – Tudo bem, eu a entendo. Não era por mim que estava esperando, não é mesmo? Eu só me pergunto por quem era... Talvez por Madeleine? Ou por Nerida? Ou por... – Norman parou do lado de um armário de livros que ficava no canto da sala e fez um instante de suspense. -... ele?

Quando ele falou aquilo, um vento soprou, tão forte que fez as portas do armário se abrirem. E não havia livros dentro dele – apenas o corpo de Ted, pendurado pelo pescoço por uma corda presa no teto...

Andrômeda abriu os olhos.

Estava escuro, muito escuro. Ela não conseguia enxergar nada, mas sentia que estava deitada – será que teria desmaiado ao ver o corpo de Ted? Não se lembrava do que tinha acontecido depois disso. Sentia que algo estava em torno de seu corpo, prendendo-a, sufocando-a, e ela também não fazia ideia do que era. Assustada, começou a chutar, fazendo o objeto se desenrolar do corpo dela e ser empurrado para longe.

Só então conseguiu respirar fundo, e se sentou.

Percebeu que não podia estar no chão da sala de aula, pois estava sobre algo macio. Esperou, com o coração disparado, que seus olhos se acostumassem à escuridão, e constatou que aquilo era o colchão de sua cama, e o que ela tinha acabado de chutar para longe, somente seu cobertor. Estava no seu dormitório.

E aquilo que acontecera com Ted não passava de um sonho.

Com um profundo suspiro, deixou-se desabar na cama outra vez. Fechou os olhos e esperou que as batidas de seu coração voltassem a um ritmo normal, enquanto repetia dentro de sua cabeça que tudo estava bem, nada havia acontecido, só tinha tido mais um pesadelo... Pensou em voltar a dormir, mas já estava completamente acordada. Não seria tão fácil.

Abriu os olhos novamente, e puxou a cortina de sua cama. Por serem nas masmorras, os dormitórios da Sonserina não tinham janelas, de modo que não era possível ver se ainda era madrugada ou se o dia já nascia – só pôde supor que ainda era cedo porque Madeleine e Nerida dormiam em suas camas, com as cortinas cerradas. Ela achava que lá poderia haver janelas falsas, enfeitiçadas para mostrar o dia lá fora, como o teto do Salão Principal era. Seria prático, principalmente porque aí os alunos não precisariam acender velas para iluminar os dormitórios mesmo de dia.

Tateou por sobre sua mesinha de cabeceira até sentir sua varinha, e a pegou.

Lumos. – Disse, e a ponta dela se acendeu com uma luz azulada. Usou-a para se guiar pelo quarto até o banheiro, onde se trancou.

A primeira coisa que fez lá foi ir até a pia, onde pôde jogar um pouco de água gelada em seu rosto. Seu pesadelo tinha sido tão real e dinâmico que, no momento em que acordara, sentira-se cheia de energia, mas agora essa sensação ia embora para dar lugar a uma horrível fadiga. Andrômeda estava ficando tão cansada como se não tivesse pregado o olho a noite inteira, mas não se permitiria fechar os olhos por nem um instante – as imagens do sonho pareciam estar gravadas no interior de suas pálpebras, e não conseguiria assisti-las de novo.

A água gelada no rosto não fez muito efeito, e ela teve de ser mais radical, indo até a banheira e a enchendo com água fria. Mesmo que não estivesse quente, Andrômeda tinha acordado com a pele coberta por uma fina camada de suor devido ao nervosismo pelo qual passara em seu pesadelo, e imaginou que um banho gelado pudesse fazer bem a ela.

Em parte, tinha razão – aquilo a fez sentir-se mais desperta e mais ligada à vida real, onde Ted estava no dormitório dele, provavelmente dormindo tranquilamente, e Norman não tinha matado ninguém. Mas por outro lado, a fez sentir-se pior, porque na vida real ela e Ted não se encontravam mais, e teria de aguentar mais um longo dia fingindo ser a namorada de Norman...

De nada adiantava acordar, pensou Andrômeda, se durante o dia os seus demônios mudavam, mas continuavam existindo. Seus pesadelos não terminavam quando ela abria os olhos, como costumava acontecer quando ela era criança – agora parecia que jamais acabariam, não importava o que ela fizesse.

Vendo o caminho pelo o qual seus pensamentos estavam vagando, Andrômeda sentiu que deveria pensar em outra coisa, senão iria acabar de novo na Ala Hospitalar da escola com professores preocupados com ela. Procurou pensar na próxima aula de reforço que daria – já tinha tudo planejado para várias aulas, mas não custava recapitular o que iria passar, o que iria dizer... Isso ajudava a manter sua cabeça longe dos assuntos que se relacionavam a Ted e Norman.

No entanto, devia ter ficado tempo demais na banheira pensando sobre isso, pois em determinado momento ouviu batidas na porta do banheiro, seguidas da voz de Nerida, alterada pela rouquidão de quem havia acabado de acordar:

– Você está aí, Andrômeda...? Saia rápido, preciso usar o banheiro...

– Já estou indo. – Ela respondeu.

Mas ainda tinha de sair da banheira, secar-se e se arrumar, e mesmo que estivesse tentando ser rápida, tudo aquilo levou pelo menos mais vinte minutos. No final, Nerida já estava batucando incessantemente na porta, o que certamente renderia uma dor de cabeça para Andrômeda durante todo o resto do dia.

Conferiu no espelho como estavam seus cabelos mais uma vez – tinha-os prendido ainda molhados, o que significava que depois ficariam feiamente marcados, mas não poderia esperar que secassem com Nerida fazendo todo aquele barulho – pegou sua varinha, que tinha deixado sobre a bancada, e abriu a porta do banheiro. Quase atingiu Nerida, que estava logo atrás da porta, mas ela não pareceu se importar – até pareceu aliviada quando correu para dentro no mesmo segundo, dizendo um “até que enfim”.

Um longo bocejo veio da cama de Madeleine. Ela tinha aberto as cortinas e afastado as cobertas, mas continuava deitada, com os olhos fechados e os cabelos loiros espalhados de forma desorganizada pelo travesseiro e caindo em seu rosto. Quando Andrômeda fora dormir na noite anterior, Madeleine ainda não tinha sequer ido para o dormitório – não era de se espantar que parecesse tão exausta.

Ela abriu os olhos para olhar Andrômeda, e sorriu fracamente.

– Andrômeda... Feliz aniversário... – Disse, emendando a última sílaba de “aniversário” com mais um bocejo. Voltou a fechar os olhos, e Andrômeda a olhou com confusão.

– Aniversário? – Perguntou. Daquela vez Madeleine não abriu os olhos para responder:

– Sim, sim... Seu aniversário é hoje, não é...? Dezesseis de março...

Num primeiro momento, ela desconfiou que Madeleine ainda estivesse sonhando. Seu aniversário era realmente em dezesseis de março, mas não podia ser aquele dia – podia? Tentou se lembrar da data. Era meados de março, isso era certo. Pensou na aula que daria em dois dias – a tinha marcado para o dia dezoito, então, só podia ser dezesseis.

Naquele dia, estava completando dezoito anos.

Precisou de alguns segundos para se acostumar com a ideia. Seus dezessete anos tinham passado tão rápido – parecia que tinha sido ainda ontem que sentira o gosto da maioridade pela primeira vez, e um ano tinha se passado desde então.

Ter dezoito, no entanto, não tinha um gosto diferente. Andrômeda se sentia exatamente da mesma maneira de quando fora dormir no dia anterior. Não havia a empolgação de saber que poderia começar a fazer magia fora da escola, ou que não seria mais tratada como criança. Era só um número diferente.

Quando os alunos faziam aniversário, os presentes enviados para eles simplesmente estavam em suas camas pela manhã, assim como diziam que acontecia no natal (Andrômeda nunca ficara para ver se era verdade), e ela foi até a sua para ver o que tinha recebido naquele ano. Afastou a cortina, e encontrou vários pacotes coloridos de presentes de aniversário. Pelo visto, fora a única a se esquecer da data, o que a fez se sentir ainda mais tola.

Sentou-se na cama e pegou o primeiro presente. Era uma caixa de madeira escura, entalhada com vários desenhos e, na tampa, o lema da família Black, “Toujours Pur”. Sempre puro.

Andrômeda passou a mão pela caixa, sentindo o relevo dos desenhos, até ter coragem de abri-la. De antemão, só podia afirmar que o que quer que estivesse lá dentro deixava a caixa muito pesada.

Esse conteúdo, descobriu, era ouro. Mesmo estando acostumada com riquezas, não pode evitar prender a respiração ao ver os vários galeões dourados que abarrotavam a caixa – devia ter por volta de cento e cinquenta –, com uma carta pousada na superfície.

Pegou-a, já tendo uma boa ideia de quem tinha mandado-lhe tão valioso presente. Suas suspeitas se confirmaram ao ver a mensagem escrita com a letra de sua mãe:

Andrômeda,

Estamos te mandando esta caixa e algum ouro como uma lembrança pelo seu aniversário de dezoito anos.

Contamos com o seu bom-senso para a utilização dos galeões, e desejamos-lhe um feliz aniversário.

Mamãe e papai.

Andrômeda ainda não tinha conseguido escrever a carta em que contaria para os pais que preferia não se casar e dedicar sua vida à educação, e viu naquilo um excelente pretexto para dar a notícia. Poda contá-la casualmente na carta de agradecimento que enviaria para eles. Seria bem mais fácil.

Deixou a caixa de lado para abrir seus próximos presentes: um par de brincos de diamante de seus avós e vestes de seda verde-esmeralda de tio Orion e tia Walburga, que a fez desejar que Nerida não estivesse trancada no banheiro – adoraria experimentá-las. Era uma das vestes mais lindas que já tinha ganhado.

O embrulho que pegou em seguida tinha o formato de um livro. No bilhete preso a ele, lia-se:

Para Andrômeda,

Que já tem idade o suficiente para saber os detalhes sórdidos que todos os outros querem esquecer.

Do seu tio,

Black

Aquela única frase que tio Alfardo tinha escrito despertou a curiosidade de Andrômeda como nenhum texto enorme poderia. À quais detalhes sórdidos ele se referira? Rasgou o embrulho e descobriu um grosso livro, com capa marrom, lombada dourada e o sugestivo título de Nas Entrelinhas da Pureza: A história de bruxos desonrados, banidos e esquecidos.

Ela quase ficou sem ar. Onde o tio tinha arranjado aquilo? Olhou na contracapa, encontrando as palavras volume único. Além de tudo, aquele era o único exemplar existente.

Sem perder tempo, abriu o livro e folheou-o. Suas letras eram douradas, e havia desenhos em todos os capítulos, de bruxos que estavam, em sua maior parte, mortos fazia décadas. Todos tendo sido “desonrados, banidos e esquecidos”.

Parou ao chegar ao capítulo chamado Isla Hitchens (Nascida Black). Sua tia-tataravó que tinha sido deserdada por se casar com um nascido-trouxa.

O desenho do capítulo era de uma garota mais ou menos da idade de Andrômeda, de cabelos longos, lisos e escuros e olhar triste. Era tão real que parecia que o desenhista tinha realmente conhecido-a.

Andrômeda queria ler o texto imediatamente, mas decidiu que teria tempo para fazer isso com calma mais tarde. Decidiu também que ninguém precisava saber daquele presente, por isso, ao invés de guardá-lo com seus outros livros, o escondeu bem no fundo de seu baú.

Restavam ainda alguns presentes para serem abertos. Um, com um embrulho malfeito e preso por fitas muito apertadas, ela precisou usar um pouco de magia para abrir. Acabou que era um pacote de Feijõezinhos de Todos os Sabores enviado por Sirius e, mesmo que fosse um presente simples, ela ficou feliz por tê-lo recebido.

O presente que pegou em seguida era uma caixinha de veludo azul-marinho. Pegou-a com despreocupação, mas gelou ao ver o símbolo dos Parkinson gravado na tampa.

De repente, Andrômeda não tinha dúvidas a respeito do que se tratava o conteúdo da caixinha, mesmo sem vê-lo. Não queria acreditar naquilo – devia ser alguma pegadinha. Era tão ruim que poderia até mesmo ser a continuação do sonho em que Ted morria...

Mas como ela não acordou em seguida, só pôde admitir que aquilo fosse real. Achava-se muito estúpida. Devia ter escrito antes aquela carta para os pais dizendo que não se casaria, devia ter falado com Norman antes... Que lhe restava agora? O que poderia fazer?

Madeleine enfim sentou-se na cama e esfregou os olhos.

– Ganhou muitos presentes? – Perguntou, ainda com a voz sonolenta. Como Andrômeda não respondeu, ela mesma levantou e foi até sua cama dar uma olhada.

Os olhos da garota brilharam ao ver os brincos de diamante, e ela os pegou, para então correr para o espelho do quarto e colocá-los nas próprias orelhas. Andrômeda não se importou – só estava pensando naquela caixa, em como teria de abri-la e não sabia o que fazer depois...

– Esses brincos são maravilhosos. Quem deu para você? – Disse, admirando seu reflexo. – Você tem de me emprestá-los qualquer dia desses.

Andrômeda não respondeu mais uma vez, e Madeleine enfim percebeu de que havia algo de errado. Foi até ela e, ao ver a caixinha de veludo em suas mãos, abriu um sorriso.

– Isso não é o que eu estou pensando que é, é? – Perguntou. Bem que Andrômeda queria que não fosse. Madeleine sentou ao seu lado. – Vamos, Drômeda, abra!

Ela obedeceu – não tinha outra opção. E viu, lá dentro, um anel de ouro branco com uma grande esmeralda. Devia ser infinitamente mais caro do que o anel simples que Ted tinha lhe dado, mas foi o pior presente que podia receber.

Norman estava lhe pedindo em casamento.

– Por que Francis também não me dá um desses? – Madeleine suspirou. – Veja, Norman também te mandou flores!

Ela olhou para o lado. Realmente havia um último presente em sua cama – um belo buquê de cravos vermelhos. O examinou, e não encontrou nenhuma assinatura ou bilhete. Mas sabia que, ao contrário do que Madeleine achava, aquilo não era presente de Norman.

Norman já tinha lhe dito que detestava flores.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo!



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