Além do Sangue escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 16
Reforço


Notas iniciais do capítulo

Dedico esse capítulo à minha amiga Ana Flávia



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Já era do saber de Andrômeda que muitas coisas que no começo pareciam muito ruins podiam, no final, provarem-se boas de uma maneira ou de outra.

Ela só não esperava que as aulas de reforço para os N.I.E.M.s que teria de dar seriam uma dessas coisas.

Inicialmente, ela fora completamente contra a ideia, mesmo após ter sido forçada a ceder por causa de Norman. Tinha sido com má-vontade que, no começo de fevereiro, fora falar com o Professor Slughorn e perguntou – torcendo para receber uma resposta negativa – se podia usar a sala de aula de Poções no horário depois das aulas para dar reforço para o sétimo ano da Sonserina, duas vezes por semana.

Infelizmente, ele ficou extasiado com a ideia. Não só concordou em emprestar a sala como também chamou Andrômeda para seu escritório, dizendo que queria dar-lhe dicas para os planos de aula, o que acabou em um tagarelar maçante sobre como, na opinião dele, o reforço deveria ser. Mesmo que ela não estivesse dizendo quase uma palavra, e somente assentisse como resposta para tudo que ele falava, quando Professor Slughorn enfim liberou-a para voltar para o Salão Comunal da Sonserina, horas já tinham se passado, e Hogwarts já estava escura e silenciosa. Sem ter a menor noção de que Andrômeda era mais do que acostumada a vagar pelo castelo após todos terem ido dormir, o professor escreveu um bilhete explicando o que tinha acontecido para que ela entregasse a Filch caso ele a encontrasse. Não aconteceu, e o bilhete terminou guardado no meio das coisas dela.

No dia seguinte, quando Andrômeda foi planejar sua primeira aula, reconheceu que as opiniões de Professor Slughorn sobre o reforço foram úteis, por pior que tivesse sido ouvi-las. Se não tivesse sido por ele, ela não teria conseguido elaborar nada, de tamanha que era sua vontade de não dar as aulas. Foi só seguindo as dicas dele que conseguiu planejar uma aula decente, e outra depois desta, e então mais outra...

Demorou poucas semanas para perceber que aquilo tinha, de certa forma, tornado-se sua salvação: Andrômeda andava com a mente tão ocupada com aquilo que não tinha tempo para outros assuntos. Começara a dormir um pouco melhor de noite, ter mais ânimo para comer, conseguir se concentrar melhor nas aulas do dia, e todas as vezes que seus pensamentos iam para Ted – não eram poucas – ela simplesmente se forçava a voltar a pensar no reforço.

Era uma pena que não fosse tão fácil manipular seus pensamentos enquanto dormia. Como em um protesto de seu subconsciente, que estava constantemente tentando fazê-la enxergar a verdade que ela conhecia, mas descobrira que era melhor ignorar, ele acabava com todas as chances de Andrômeda de esquecer Ted.

Não havia uma só noite em que ela fechasse os olhos e não se visse na sala de visitas da casa dos tios, com Ted caído no chão, gritando enquanto era assassinado friamente por Belatriz, e com todos os rostos dos ancestrais de Andrômeda estampados na árvore genealógica dos Black rindo sem parar. Ou então, na sua casa, onde seu pai lhe dizia que tinha encontrado um pretendente perfeito para ela, que no final era uma lesma gigante usando vestes bruxas.

Mas o pior pesadelo certamente era o em que ela tinha se casado com Ted, e tinha com ele dois filhos pequenos. Ela o deixava com as crianças em casa e saía para fazer alguma coisa, e ao voltar, encontrava a Marca Negra – o símbolo dos Comensais da Morte – flutuando sobre sua casa, deixando implícita sua sombria mensagem: todos que estiveram dentro da casa estavam, então, mortos.

Madeleine e Nerida tinham ficado tão acostumadas com Andrômeda acordando aos gritos em meio à madrugada que sequer se incomodavam mais, continuando a dormir normalmente.

Março chegou junto com um pedido do Professor Slughorn: ele queria que Andrômeda “expandisse seus horizontes” dando aula para alunos de outras casas também.

Não era segredo para ninguém que Slughorn tinha favoritos, e que mesmo que ele fosse o diretor da Sonserina, muitos deles eram de outras casas. Mas nenhum dos sonserinos para quem Andrômeda dava aula era igualmente receptivo, e foi mais uma dor de cabeça convencê-los a deixar alunos de outras casas participarem do reforço. Só conseguiu resolver o assunto quando os mandou reclamarem com Slughorn, não com ela: não só nenhum deles foi, como também ninguém disse mais uma palavra.

Na aula que se seguiu a esta conversa, mais quatro alunos se juntaram à turma: três da Lufa-Lufa – inclusive o amigo de Ted que estava com ele, Amy Rogers e a outra garota no Três Vassouras no dia em que tinham ido para Hogsmeade (Andrômeda descobrira que se chamava Steven Mcmillan) – e um da Corvinal, que parecia profundamente infeliz por estar lá. Andrômeda fingiu não ter reparado nele, por mais que tivesse ficado se perguntando depois o que devia ter acontecido. Os alunos da Corvinal eram geralmente os mais inteligentes de Hogwarts.

Ela estivera esperando por mais dois alunos, ambos da Grifinória, mas ao contrário do que Professor Slughorn lhe dissera, nenhum dos dois apareceu. Andrômeda não se surpreendeu – grifinos aceitando ser ensinados por uma sonserina lhe parecera uma ideia risível desde o princípio.

Não foi difícil para ela se adaptar a uma turma maior, apesar de parecer difícil para eles se adaptarem uns aos outros. Todavia, Andrômeda estava levando tudo aquilo tão bem que parou para pensar se não tinha encontrado sua vocação.

Em busca de outras opiniões, conversou com os professores com quem mais simpatizava, e todos lhe aconselharam para que se tornasse professora no futuro, se era aquilo mesmo que queria fazer, pois potencial para aquilo não lhe faltava.

A questão era que ela nunca tinha sonhado em ser professora antes. Podia ter mudado muito de sua infância até os dias atuais, mas no fundo tudo o que ela sempre quis para seu futuro era se casar com alguém que amasse e ter filhos. E a pessoa que ela amava – ou amou, ela não sabia dizer ao certo, já que seria mentira se dissesse que não o amava mais, mas não fazia sentido amá-lo na presente situação – estava mais inalcançável do que nunca. Mas se era para ter de se casar com Norman, ela preferia muito mais ser solteira para sempre e passar seu conhecimento para as novas gerações de bruxos que viriam, então decidiu que se tornar professora seria sua única escapatória.

Tomada esta decisão, ela ainda precisava comunicá-la aos seus pais. Achava que não iriam se irritar por causa dela, pois não seria a primeira Black a optar não se casar – desde que não se envolvesse com nascidos-trouxas e gente do tipo, todo o resto estava valendo.

O problema era como iria contar para eles.

Faltava poucos minutos para as seis horas, horário em que a aula de reforço daquele dia estava marcada para começar, e ela já estava na sala de Poções – sempre chegava mais cedo para organizar suas coisas –, sentada em frente à mesa do professor com uma pena em mãos e um pergaminho aberto em frente a si, em cujo topo estavam escritas as palavras “Caros mãe e pai”. Não encontrava as palavras certas para continuar a carta, por mais que estivesse passando tanto tempo contemplando-a nos últimos dias, desde que decidira escrevê-la.

Tantos problemas, e todos podem ser resolvidos com a junção de algumas palavras..., pensou, imaginando o quão bom seria poder ir até Norman e pedir para que ele a deixasse em paz, ainda mais com a benção de seus pais. Ser uma professora parecia o caminho mais adequado para ela, mesmo que no fundo, não o certo. Tenho de parar de pensar em Ted, é Norman ou Hogwarts agora, não há terceira opção...

A porta da sala se abriu, quebrando sua atenção. Os três lufanos que participavam da aula entraram conversando, e a cumprimentaram antes de escolherem seus assentos. Andrômeda retribuiu o cumprimento e dobrou cuidadosamente o pergaminho onde escrevia a carta, para depois guardá-lo dentro da bolsa. Pensaria melhor naquilo mais tarde.

Não muito depois, os sonserinos e o corvino chegaram, o que significava que ela podia começar a aula do dia.

Ela se levantou, fazendo as conversas cessarem. Andou até a lousa antes de falar:

– Bom, agora que nós já terminamos de fazer o reconhecimento das plantas mágicas medicinais para Herbologia, creio que devamos começar a estudar para Defesa Contra as Artes das Trevas. – Ela bateu sua varinha na superfície do quadro negro, usando o feitiço não-verbal que Professor Slughorn tinha lhe ensina para fazer surgir lá as palavras “As Maldições Imperdoáveis” e os tópicos “Imperius”, “Cruciatus” e “Avada Kedavra”.

Os sonserinos riram com desdém.

– Todos já sabemos essa matéria de cor e salteado. Podemos passar para outra. – Falou Julius Erikson.

Ele não estava mentindo. Mesmo que o estudo das Maldições Imperdoáveis só fosse permitido pelo Ministério da Magia para o sétimo ano – de acordo com eles, era só neste ano que os alunos podiam ser considerados maduros o suficiente para entender coisas tão cruéis quanto as maldições –, naqueles tempos aparecia todos os dias no jornal casos de bruxos e trouxas que tinham sido torturados ou mortos pelos Comensais da Morte, a pedido d’Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Até crianças entendiam bem do assunto.

Andrômeda, pessoalmente, bem que queria não entender. Aí, quem sabe, ela poderia ter boas noites de sono, sem os terríveis sonhos em que Ted era amaldiçoado.

Só de se lembrar dos sonhos ela já se sentiu mal, e encarou Julius com uma expressão vazia por alguns segundos, até conseguir recuperar a linha do que estava acontecendo na aula. Podia seguir a sugestão dele, mas isso a deixaria com o resto da aula vaga, já que se adiantasse alguma outra matéria, teria de refazer todo o seu cronograma.

Ia continuar o que estava fazendo. Ainda que fosse uma matéria desconfortável mesmo para ela, tinha se proposto a ajudar todos naquela turma para os N.I.E.M.s, e perguntas sobre as Maldições Imperdoáveis eram frequentes nos testes.

– Hm, Mcmillan, diga o que você sabe sobre as maldições. – Ela pediu para o lufano, por o nome dele ter sido o primeiro que lhe tinha vindo à cabeça. Não tinha muito o hábito de pedir a participação dos outros na aula, só o tinha feito para esquivar-se do comentário de Julius, e isso visivelmente deixou Steven Mcmillan um tanto desconsertado.

– Eu? – Perguntou, mas ao ver que era estúpido dizer algo do tipo em uma sala cheia de sonserinos esperando um mínimo deslize para darem-lhe uma resposta irônica, continuou depressa: – Bem, as Maldições Imperdoáveis são as três que você colocou na lousa, o Imperius, o Cruciatus e o Avada Kedavra. A primeira, o Imperius, é usada para se controlar as pessoas. Sob o efeito da maldição, ela fará tudo o que a pessoa que a amaldiçoou mandar, sem poder reagir ou ter nenhuma vontade própria. Já o Cruciatus causa uma dor imensa, de forma que é a maldição da tortura...

– E o melhor remédio contra sangues-ruins. – Sussurrou Norman, fingindo pretender que só Julius ouvisse, mas “acidentalmente” acabando por falar alto demais. Julius riu, Nerida e Francis sorriram e os outros apenas os olharam em silêncio. Andrômeda sentiu os cantos de seus lábios se retorcerem.

– Continue. – Pediu para Steven, depois de mais uns instantes.

– O Avada Kedavra é a pior de todas. A maldição da morte. Mata instantaneamente qualquer um que for amaldiçoado, sem exceções. – Ele concluiu, ainda olhando feio para Norman, de canto de olho.

– E qual é a penalidade para o uso de qualquer uma dessas maldições em qualquer criatura viva? – Perguntou ela, como uma forma indireta de repreender a brincadeira que Norman tinha feito.

– Uma prisão perpétua em Azkaban, no mínimo. – Respondeu Steven Mcmillan prontamente.

– Obrigada. E agora que nós já falamos disso, nós podemos passar para...

– Mas já vamos mudar de assunto? – Interrompeu-a Nerida.

– Sim, não vamos nem ver os feitiços na prática? – Disse Norman. Houve algumas risadinhas dos sonserinos enquanto Andrômeda marchou até a mesa do professor e pegou um enorme e pesado livro de DCAT que tinha pegado na biblioteca dois dias antes para ter uma base melhor para preparar aquela aula.

A página onde tinha uma figura de uma pessoa que sendo torturada pela maldição Cruciatus tinha sido anteriormente marcada, e foi fácil para Andrômeda achá-la. O bruxo representado na imagem se contorcia, sua boca escancarada indicando que estava gritando a plenos pulmões. Ela foi de volta para a frente da lousa e ergueu o livro aberto para que todos pudessem ver.

– Isso é uma pessoa sendo torturada com o Cruciatus. Talvez a agonia dela não pareça nada demais, se não é você ou alguém que você ame nesta situação... Mas o grande problema é que, um dia, pode vir a ser. Acho que é próprio que isso seja, então, tratado com seriedade. – Falou. Ninguém riu ou falou algo. – Se não têm mais comentários, vamos encerrar aqui por hoje.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo!



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