Além do Sangue escrita por Giullia Lepiane


Capítulo 10
Acordo


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/459044/chapter/10

Nas portas dos vagões do Expresso de Hogwarts, havia uma pequena janela que permitia que alguém que estivesse do lado de fora olhasse para o interior deles, e foi olhando por uma delas que Andrômeda soube que tinha chegado ao vagão que pretendia ir.

Após se deter por um segundo, assistindo Madeleine Marshall, Nerida Mulciber, Norman Parkinson, Francis Greengrass e Julius Erikson – todos do seu ano e da sua casa – conversando e rindo enquanto comiam os doces que tinham acabado de comprar, Andrômeda abriu a porta.

Todos os olhares foram para ela instantaneamente, mas os risos e a conversas só cessaram um instante depois. Madeleine, Francis, Nerida e Julius pareceram confusos, curiosos, incomodados – o que ela estava fazendo ali, depois de tudo? – mas Andrômeda só deu atenção à Norman, que a olhou com uma sobrancelha erguida e desprezo no olhar.

– Preciso falar com você. – Ela anunciou, a voz mais confiante do que realmente se sentia.

– O que você quer, Black? – Perguntou ele, ríspido.

– Falar com você. – Repetiu. Norman ergueu mais as sobrancelhas. Andrômeda já acreditava que ele se recusaria a ir e que teria de usar um argumento mais convincente quando o garoto se levantou e espreguiçou-se.

– Você vai mesmo com ela, Norman? – Perguntou Julius, franzindo o cenho.

– Vou. Acho que, para a amante de sangues-ruins vir até aqui depois daquilo que aconteceu no sexto ano, ela deve querer falar algo importante... Ou no mínimo, algo que diminua o meu tédio.

E com um sorriso debochado, ele a seguiu para fora do vagão e fechou a porta.

O espaço entre os vagões era pequeno e alguém poderia passar por lá a qualquer momento, mas era o único lugar em que eles poderiam conversar a sós – se os outros não tivessem colado os ouvidos na porta para tentar saber o que diziam, o que Andrômeda apostava que tinham feito. Ela encostou-se na parede, cruzando os braços para disfarçar que as mãos tremiam levemente, e Norman fez um gesto largo, abrindo os braços.

– E então?

– Vim lhe propor um acordo. – Anunciou.

– Não faço acordos com traidores. – Com isso, ele parecia querer encerrar o assunto e fez menção de voltar para o vagão, mas Andrômeda falou primeiro:

– Você faz o que quiser, mas isso não o impede de ouvir o que tenho a dizer, já que não há traidores por aqui. – O desprezo da voz dela era igual ao dele; ninguém poderia dizer que eles não tinham nada em comum.

– Ah, não? Pensei que você assumia a alcunha de traidora com orgulho, se fosse pelo seu amado Tonks.

– Não consigo decidir o que é mais inacreditável: essa história em si ou o fato de tantas pessoas acharem que ela é verdade. – Essa mentira já fora tão repetida que ela sequer hesitava mais para contá-la. Até o suspiro teatral que dava depois já parecia natural. – Estava ignorando na escola, mas até mais pais...

– Os seus pais souberam? – Norman continuou sem sorrir, mas seus olhos brilharam com maldade ao saber do azar dela.

– Dos boatos. – Reforçou. – E não acreditariam em mim se eu dissesse simplesmente a verdade, de que nunca tinha trocado mais de duas palavras com o Tonks. Então, tive de contar que nós... eu e você tínhamos voltado a namorar.

Enfim o rosto dele se abriu em um sorriso, mas Andrômeda já conhecia bem aquele tipo de expressão. Sua irmã Belatriz a fazia com frequência – um sorriso sem gentileza, sem bondade. Ela preferiu prosseguir antes que ele falasse:

– Meus pais escreveram uma carta para os seus perguntando sobre isso. E a minha proposta é a seguinte: você conta para os seus pais que nós voltamos a namorar, e...

– Por que contaria? O que você vai me dar em troca, Black? – Mas ainda assim, parecia indicava que ele não pretendia nem um pouco atender ao pedido dela.

– Eu já ia chegar lá, se você me deixasse falar. Você conta isso para os seus pais, e eu vou te ajudar a estudar para os N.I.E.M.s. Que tal a sua “troca”?

– Vamos fazer assim – Ele deu um largo passo para frente, o que naquele estreito corredor significava que ele ficou bem à sua frente. Andrômeda se arrependeu de ter se encostado na parede; não tinha como ir mais para longe de Norman, o que a deixava ainda mais nervosa. Procurou se acalmar, lembrando a si mesma de que ele gostava de intimidar menininhos nascidos-trouxas bem mais novos que ele. Ele também devia estar apenas querendo intimidá-la. – eu escrevo a carta dizendo que nós voltamos, mas não haverá mentira nisso. Se eu o fizer, nós voltaremos de verdade.

Por essa ela não esperava. O que ele queria com ela depois de tudo que havia acontecido? Por um momento, Andrômeda encarou-o, sem palavras.

– Pensei que...

– Pensou certo. – Confirmou Norman, e ela teve de engolir a ironia para não perguntar se ele podia ler a sua mente. – Eu não gosto de você. Mas gosto do seu sobrenome, e se eu for obrigado a namorar você para me envolver com os Black, que seja.

Andrômeda não sabia porque tinha ficado tão surpresa. Tinha se acostumado demais com o seu relacionamento com Ted, mas estava cansada de saber que nos relacionamentos de membros de famílias tradicionais de puro-sangue, o amor não tinha relevância. E assim seguia a perpetuação de uma raça triste.

– Tudo bem, mas não vai dar. – Avisou ela.

– E por que não? Eu entenderia se você estivesse recusando porque já tem um namorado... Mas parece que você não tem nada a perder, não é?

Ela não precisou pensar muito para entender o jogo que ele estava fazendo.

– Talvez eu só não queira namorar um garoto que gosta de azarar primeiranistas da Lufa-Lufa.

– Talvez eu não queira escrever carta nenhuma.

Era pegar ou largar, e Norman não parecia estar disposto a esperar muito mais tempo. Andrômeda sentiu um bolo se formar em sua garganta e pigarreou para conseguir falar:

– Certo, eu... concordo com os seus termos. Mas você vai escrever essa carta agora. E eu quero lê-la antes de enviá-la. – Queria soar autoritária e despreocupada, mas acabou parecendo uma menininha assustada.

– Vou escrevê-la de acordo com seus termos. – Ele falou, caçoando da maneira formal como ela falava. – Mas se você acha que poderá terminar comigo novamente depois, lembre-se que também posso escrever uma outra carta desmentindo aquela.

Talvez Norman realmente pudesse ler a sua mente, pensou ela.

– Vá pegar sua bagagem, onde quer que ela esteja, e venha ficar no meu vagão. Não é apropriado que minha namorada sente-se tão longe de mim. – Completou o garoto, antes de entrar novamente no vagão onde estava.

Ouvi-lo chamando-a de “minha namorada” primeiramente deu-lhe nojo, mas depois que o garoto saiu, tudo o que lhe restou foi vontade de chorar como no dia em que tivera seu segredo revelado aos pais. Contudo, dessa vez, não seria um choro por sua família, e sim por Ted.

Mas não era só nisso que os choros se diferenciariam: por sua família, ela chorara por medo do que aconteceria com ela e da reação de seus pais. Por Ted, a coisa não tinha mais a ver com ela, e sim exclusivamente com ele. Andrômeda tinha aguentado por muito tempo pessoas chamando-a de traidora, mas nunca tinha se sentido uma até então. A possibilidade de trair Ted, seu Ted, era pior do que qualquer “traição do seu próprio sangue”. E ela teria de fazê-lo, e por quem? Sua família?

Sentiu uma vontade súbita de ir até Norman e dizer que ele não precisava escrever carta nenhuma, e ela mesma escrever aos pais contando toda a verdade. Então, logo quando terminasse os estudos, casaria com Ted e nunca mais teria de aguentar alguma pressão do tipo.

Porém, ela não o fez. E também não chorou – apenas retornou ao vagão onde estivera, ignorando o olhar dos corvinos sobre ela enquanto pegava seus pertences para mudar de vagão. Todos sabiam que ela se sentava com eles justamente por não ter nenhum lugar que fosse mais apropriado para ficar, e estava claro que se perguntavam para onde iria se saísse. Isso fez Andrômeda se perguntar quanto tempo demoraria para uma notícia como a de que ela voltara a namorar Norman se espalhasse – e, principalmente, quanto tempo demoraria para isso chegar aos ouvidos de Ted. Tinham de conversar, e rápido. Ela estava perdida, sozinha, confusa, e o amor que sentia por ele parecia ser a única certeza que tinha no momento.

Mas nos últimos quinze dias sem ele tinham acontecido muitas coisas que a obrigaram – e estavam obrigando – a agir sozinha, e embora as decisões que estava tomando tivessem até agora a salvado da fúria de sua família, estavam afastando-a cada vez mais daquela certeza.

Quer casar com Ted, e mesmo assim tenta esconder seu relacionamento de sua família. O que você está querendo, Andrômeda?, ela pensou consigo mesma, infeliz, enquanto seguia para o vagão de Norman. Mas não foi um pensamento totalmente justo – ela sabia sim, muito bem, o que queria, mas tinha medo disso. Uma bela razão para eu não ter ido para a Grifinória, pensou, em seguida, lembrando-se de uma vez em que Sirius lhe perguntara como ela podia ser legal e da Sonserina ao mesmo tempo.

Ao chegar ao vagão, viu que Norman provavelmente já tinha contado aos amigos o que tinha acontecido entre eles – apesar de ela não poder saber se apenas parcialmente ou a história inteira – porque todos receberam ela um tanto mais calorosamente quando voltou. Ela os cumprimentou em voz baixa e sentou-se ao lado de Madeleine, que não era a sua pessoa preferida no mundo, mas era a menos má do vagão. Assim, também, ficava bem em frente à Norman, que segurava um pergaminho e uma pena e escrevia. Andrômeda não tinha dúvidas de que era a carta dela, mas se preocupava com a escolha de palavras que ele poderia estar fazendo. Estava prestes a perguntar quando Madeleine disse:

– Você está tão pálida, Andrômeda. Você comeu? – Sem esperar resposta, ela jogou-lhe um bolo de caldeirão que tinha comprado com a bruxa dos doces.

– Obrigada. – Disse ela, abrindo o pacote do bolo. Estivera sim com fome alguns minutos antes, mas agora sentia que não conseguiria comer nada. No entanto, também sentia que não conseguiria explicar o porquê disso para Madeleine sem se entregar, de modo que mordiscou o alimento, consolando-se com a ideia de que não poderia falar com eles enquanto comesse.

O que, no entanto, não impediu Francis Greengrass de perguntar-lhe:

– E então, Black, parou de simpatizar com sangues-ruins?

– Ah, fala sério, Francis. – Madeleine interveio, antes que Andrômeda pudesse decidir se responderia ou não – Não me diga que você realmente acreditava nessa história da Drômeda ter um caso com o Tonks.

– Claro que não. – Negou ele – Eu acreditava que era bem mais do que um caso.

Até Madeleine riu, e Andrômeda reconheceu facilmente o olhar que os dois trocaram. Já tinha o visto outras vezes no rosto de Narcisa quando esta olhava para Lúcio Malfoy e no rosto de Ted, nas cada vez mais raras ocasiões em que eles se encontravam a sós.

No entanto, a graça não durou muito – assim que a porta do vagão se abriu e uma primeiranista da Grifinória entrou (Andrômeda se lembrava de já ter falado com ela antes, embora não se recordasse muito bem de seu nome. Suspeitava que o sobrenome “Evans”, ou algum parecido), todos ficaram em silêncio e olharam para ela com hostilidade.

A menina murmurou algo que soou como “só estou de passagem” e atravessou o vagão, saindo pela outra porta. Os companheiros de Andrômeda reviraram os olhos e bufaram.

– Falamos de sangues-ruins e um deles aparece. Temos de tomar mais cuidado com nossas palavras. – Comentou Nerida.

– Ah, mas essa grifina eu odeio particularmente. – Disse Madeleine – Ela fica andando com aquele Snape, do primeiro ano da Sonserina. Como se ela tivesse o direito de se envolver com um de nós.

– Bem, não podemos ignorar que Severo Snape é mestiço. – Observou Nerida, com evidente desagrado.

Então, começou-se uma discussão sobre se mestiços tinham ou não o direito de ser da Sonserina, da qual apenas Andrômeda e Norman não participaram – ela por motivos óbvios e ele, por estar terminando a carta.

Mas Norman não se demorou muito mais na atividade – logo, punha um ponto final na mensagem e a entregava para ser lida por Andrômeda.

Ela já sabia que o garoto não era muito bom com as palavras, mas pelo menos os garranchos deixavam bem claro que os dois estavam juntos novamente. Sem se incomodar com nada mais além disso, ela lhe devolveu a carta dizendo um “está bom”, já que não achou que “obrigada” soava apropriado.

Enquanto ele amarrava a carta na perna de sua coruja, para que ela levasse-a para seus pais, Andrômeda se perguntou se continuar com tudo aquilo era mesmo o ideal. E no fundo, tudo que ela queria era estar nos braços de Ted, em um lugar bem longe da sua família, dos sonserinos e todos aqueles problemas.

Ela estava descobrindo que quanto mais ela lutava para sair inteira daquela bola de neve em que tinha se metido, mais enrolada ela ficava.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Além do Sangue" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.