Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 5
Boas Intenções




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—Quando você lê um romance, a sua atenção primária é com relação a progressão do tempo. A medida em que os fatos acontecem e se desenvolvem durante o tempo. Mas quando você lê um poema lírico —como Canção da manhã — o claro objetivo é... parar o tempo ou parar no tempo. Diminuir sua velocidade, para capturar um momento de percepção. Às vezes, um momento de confusão, clareza emocional ou intelectual. Para mim, essa é a principal virtude da poesia, especialmente a poesia lírica. A sua habilidade de me fazer parar no tempo, e prestar atenção na vida. Um professor meu na faculdade disse uma vez que um poema é escrito quando algo bloqueia a progressão do nosso tempo, então precisamos escrever sobre ele. Se você está bloqueando essa progressão por causa de um luto, você vai escrever sobre o luto até conseguir voltar a linha do tempo normal. Se você está bloqueando a linha do tempo por causa de um copo de vinho que quebrou, você vai escrever sobre vinho —funcionou para Neil Young —Todos riem, e Vivian continua. —A principal causa, fonte de inspiração para esses bloqueios são um coração partido. Você com certeza vai escrever sobre isso. Posso garantir que metade da vasta gama de poemas que temos hoje em dia veio de casos de amor conturbados ou que terminaram de forma horrenda. Pode-se dizer que nenhum poema seria escrito se as pessoas estivessem, ao invés disso, fazendo amor, então... —Mais risadas —Esse mesmo professor disse que essa pausa na progressão do tempo é o que os biologistas chamam de atividade deslocada. Aparentemente, chipanzés também ficando frustrados com o amor, então eles começaram a cavar buracos no chão. Vocês sabem, homens criam guerras, mulheres tomam sorvete, chipanzés cavam buracos e poetas escrevem poemas. —Ela joga os braços para cima. —O que Plath capturou no tempo com Canção da manhã foi um momento, congelado no seu tempo, sobre insônia. Ela não conseguia dormir, e resolveu criar um poema sobre isso, parando esse momento, esse tempo. Obviamente, insônia não é o principal tema. Na verdade, não é tema nenhum, é só a razão pela qual ela estava escrevendo essa poema. O tema se torna óbvio já na primeira frase, O amor te põe pra funcionar, relógio de ouro puro. Ela está falando sobre a criança. O amor, a concepção e consumação do amor entre ela e o marido cria uma nova vida, um relógio de puro ouro, uma alusão à vida. Ao tempo de vida. Essa pausa no tempo captura o tempo em si, porque na minha opinião, Canção da manhã retrata a percepção da mãe sobre o tempo de vida daquela criança. Ela é sua filha, mas ao mesmo tempo, é um ser humano, com uma vida pela frente. Com o tempo ao seu dispor. Não sou mais sua mãe, Do que a nuvem que desfaz o espelho que a reflete, Rabisco lento na mão do vento. Aí é que você percebe que a mãe entende que apesar de ter criado aquele filho com sua substância, ele não é de sua posse, pois vai crescer para ocupar seu próprio período de tempo. A criança está crescendo e aprendendo a falar, usando suas palavras para se distanciar da mãe, criar uma certa independência — como vogais claras sobem feito balões. ela recita a última frase do poema, então deixa alguns segundos no vazio, esperando que suas palavras entrem em nós —Canção da manhã é um poema que pode justificar alguns aspectos da vida de Plath, coisas como loucura e depressão. Sobre aquela pausa no tempo real, em que ela entra em uma dimensão criativa que poucos de nós conseguem entrar. Naquele estado de profunda absorção onde a criatividade se torna monstruosa. Críticos e estudiosos dos poemas de Plath —e de muitos outros —veem uma relação de criatividade e doença, loucura. Muitos poetas sofreram de depressão, bipolaridade e outros problemas psicológicos, mas ainda assim, são considerados os melhores poetas do século vinte. Esses poetas conseguem capturar exatamente a pausa na progressão do tempo, mas eles sofrem ainda mais para se retirar desse lugar. Eles são obrigados a voltar para o nosso mundo, onde muitas vezes a realidade não é bonita. Essa incógnita é o que as pessoas usam para justificar, por exemplo, porque Sylvia Plath colocou a cabeça em um forno. —Ninguém ri. —Em seu diário, ela certa vez escreveu: eu desejo as coisas que vão me destruir no final. Eu adiciono, dizendo que todos nós desejamos as coisas que vão destruí-la no final. A poesia de Plath é a única razão pela qual estamos todos aqui hoje. Talvez alguns forçados, mas estão aqui. Ela escreveu aqueles poemas em Ariel na fase mais criativa de sua carreira e na fase mais depressiva da sua vida pessoal. Ela tinha acabado de se mudar para um apartamento com Nicholas e Frida, seus filhos, após separar-se do marido devido a uma traição. Plath estava vivendo um dos momentos mais intensos da sua vida, mas infelizmente não sobreviveu ao impacto da pausa do tempo, da percepção das pequenas coisas que ela capturava com frequência, e que acabavam destruindo-a. Então, em 1963, algumas semanas antes de A Redoma de Vidro ser publicado no Reino Unido, Plath suicidou-se. Ela entrou permanentemente naquele estado onde o tempo havia parado. E só podemos imaginar como deve ter se sentido. Eu não quero terminar aí. Eu quero terminar analisando o título da obra, Ariel. Plath considerou muitos títulos para esse livro, alguns títulos de seus poemas. Mas Ariel, apesar de ser o título de um dos melhores poemas que ela já escreveu, foi inspirado em Ariel da obra de Shakespeare, A Tempestade. Ariel era um ser místico assexuado, então não dá para saber se é homem ou mulher, nem se Plath estava falando dela mesma na forma de Ariel —já que ela faz muitas comparações durante o livro — mas esse ser possuía várias habilidades. Ariel conseguia mudar de forma, desaparecer, voar, dominar os elementos. E isso é considerado uma representação da criatividade. Mas também, Ariel foi a primeira peça que Plath assistiu com a mãe, então trouxe essa lembrança para o livro, para torná-lo uma característica a mais da poesia confessional que era a sua especialidade. Eu gosto de pensar que Sylvia Plath se via como Ariel, um ser que possuia tamanha curiosidade e criatividade capaz de ser uma das maiores poetas que o mundo já conheceu.

As luzes acendem. Vivian fica para ali.

Só que não é ela.

É o senhor Fawkes. E a bolha estoura.

—...nossa. —Becker murmura do meu lado. Todos nós ficamos em silêncio, os amantes de literatura. Por mais que eu sinta como se estivesse traindo Vivian, tenho que admitir que o professor Fawkes é bom. Muito bom. Alguns alunos bocejam, então levantam-se. É triste que mais da metade da nossa sala odeie ler e não sinta a mesma emoção que eu sinto aprendendo sobre isso, mas não dá para agradar todo mundo. Becker sai com Gordon e se vira para me chamar, mas eu faço um movimento mandando eles irem na frente enquanto me dirijo até o professor Fawkes.

Ele não parece muito feliz em saber que eu sou a última no auditório e começa a guardar seus papeis mais rápido. Sou tão ruim assim?

—Eu preciso de ajuda. —começo.

—Só pra esclarecer, eu sou o professor Fawkes. Não a sua antiga e amada professora Vivian.

—Eu sei quem você é, obrigada.

—O que você precisa, Diana? —esse humor dele é diário, mas está menos pior desde que eu entreguei minha reportagem jornalística do jeito que ele queria. É muito fácil manter uma boa relação com seus professores, é só fazer tudo que eles quiserem do jeito que eles quiserem.

Mesmo que isso pareça sacrificar uma pessoa querida, Vivian.

—Eu preciso de informação sobre... Anne Sexton.

—Procure na internet.

—Eu não confio na internet.

—Todos os jovens confiam na internet. —reviro os olhos. Odeio essa generalização sobre jovens, sobre como temos que ser uma coisa ou outra, sem meio termo. Só porque eu gosto de ter meu computador não significa que virei ignorante e burra o suficiente para ignorar que metade das informações da internet são falsas.

—Bem, eu sou especial. —retruco; o professor Fawkes me olha com humor, mas ao mesmo tempo não achando graça nenhuma.

—Biografia ou bibliografia?

—Os dois... eu acho.

Se você vai pesquisar, Vivian diz, em minha mente, saiba de tudo que puder, aceite qualquer oferta. O professor Fawkes pondera por um segundo.

—Assim como Sylvia Plath, ela nasceu em Boston. Em 1928. Se matou em 74. Era muito bonita, na verdade, mas sofreu de depressão boa parte da vida dela e isso é evidente em suas obras. Sexton é o sobrenome do marido dela. O sobrenome de solteira dela era Harvey. Hmm. Escreveu muitos livros de poesia e outros com textos dela. A sua obra mais conhecida pode ser Anne Sexton: A Self Portrait in Letters.

—Uma biografia?

—Cartas. Você tem que ler pra descobrir. Ela ganhou o pulitzer em 67. Na verdade, dez anos antes ela havia conhecido Sylvia Plath. Quando Plath se matou, Sexton escreveu-lhe um poema chamado A morte de Sylvia. É incrível.

—Todos os livros dela... eu consigo achar? —diga sim. Estarei um passo mais perto de estar no caminho certo, com um objetivo na minha vida.

—Sim. Alguns são mais raros do que os outros, mas dá pra achar.

—Obrigada.

—Era só isso? —faço que sim. —Então pode ir.

Eu vou. Passo o resto das aulas inquieta, como se meu destino não estivesse me esperando assim que eu tivesse algum tempo livre, e consigo sentir o tempo escapar dos meus dedos, cada vez mais devagar, rastejando até chegar a hora de ir embora. Impaciência sempre foi algo que eu nunca consegui controlar; é como se —se eu esperasse demais —aquilo que eu estivesse esperando escaparia, e eu perderia minha chance. Quantas histórias eu já ouvi sobre o timing errado? Eu não posso perder minha chance, que pode ser a única. Sinto-me como se jogasse minha vida fora, esperando por alguma coisa enquanto vivendo a vida que vivo todos os dias. É hora de começar a procurar.

Eu tenho que fazer isso.

A aula acaba, e eu me encontro sentada no banco do meu carro, com as janelas fechadas para fugir do frio, mesmo que sinta meu peito ardendo —de esperança. E agora?

Vou pela lógica.

Ela escreveu no livro dela. Então... eu tenho que... achar o livro. Qualquer livro que seja. Da Anne Sexton. Que seja de Vivian.

Meu estômago estremece assim que eu percebo o que terei que fazer —falar com Ian novamente —mas não me dou chance de pensar.

Olá, Vivian, aqui é Diana. Essa sou eu, tentando não ser fraca. Espero que você não me decepcione, minha mente avisa. Não seja fraca. Por favor.

Bato na porta. Os segundos que se passam depois disso são cortantes, tirando todo o oxigênio de mim, fazendo-me questionar meu próprio nervosismo.

É só um cara.

Ninguém abre a porta. Bato novamente, mais forte, por mais tempo. Considero gritar, mas seria muito estranho. Eu só quero que ele abra a porta, eu só preciso que ele abre a porta. Mais nada.

O resto eu faço sozinha. Eu só preciso começar em algum lugar.

Só. Apenas isso — ele abre a porta. Ian. Ian Winter abre a porta, e é a mesma porta que abre todas as possibilidades se estendendo na minha frente, como aquelas fotos antigas das jovens deitadas na praia. O cheiro de loção pós barba me atinge, e vejo seu cabelo molhado, chegando a conclusão de que ele estava tomando banho.

Dessa vez, não fico surpresa. Agora é diferente —para mim. Ele ainda faz sua cara surpresa, entretanto, muito menos feroz que da última vez. Inofensivo. Por um segundo, alguém alcançável, vulnerável.

—Você...

—Eu sei que eu provavelmente disse que eu não voltaria mais, mas eu preciso de uma coisa.

—...de novo. —termina Ian. Fico vermelha de tão constrangida. Não arrependida —só envergonhada. Eu vim. Isso é grande. Estou orgulhosa.

—Eu preciso de sua ajuda.

—Eu não acho que eu possa te ajudar com alguma coisa. —Ele levanta as mãos, parando minha animação, permitindo-me respirar por alguns segundos, voltando ao normal.

—Sua mãe. Ela tinha uma biblioteca, não tinha? —seguro Ariel contra meu peito, e eu estou tão perto de poder flutuar...

—Tinha. —Ian me encara confuso.

—O que aconteceu com a biblioteca?

—Nós mandamos para uma velha amiga dela, para que guardasse os livros. Ela escreveu o endereço para mandarmos.

Não. Na minha mente, visualizo todos os meus sonhos virando areia que as ondas levam para longe.

—Você sabe quem? —aperto o livro com mais força. Ele nota e a desconfiança aumenta.

—Por que?

Abro a boca para falar.

Ele me acharia louca se eu contasse —estou procurando uma página de um livro que eu nem sei qual é nem por qual motivo?

—É só uma coisa. —ele arqueira uma sobrancelha —Um projeto.

—Você está mentindo. —Ele sabe. A única coisa que me recorre é a verdade, então percebo que serei obrigada a contar. Riscos —você precisa assumi-los.

—Eu acho que a sua mãe está tentando me mostrar alguma coisa.

Ian fica pálido.

—Tipo o quê?

—Eu não faço a menor ideia. Por isso eu preciso dos livros dela. Olha, eu explico tudo para você depois, se você me falar onde essa... essa amiga dela mora. Por favor? —Eu desejo por isso tão ardentemente que sinto meu sangue ferver. Meus músculos trabalhem, toda a força de vontade concentrada nesse momento.

Ele coloca um moletom grosso, e eu lembro de que está frio lá fora.

—Jesus Cristo. —Reclama ele, fazendo minha culpa aumentar um pouquinho. Imagino como deve ser para ele, ter essa garota das duas lembranças esquecidas voltando sempre e querendo saber da sua própria mãe. Queria não vir. Queria ter opções que não fossem incomodá-lo. Mas não tenho. —Entra. Você vai ficar gripada com esse frio todo. —consigo sentir sua frustração, e quero me esconder nessa fortaleza novamente, impedir que tudo me atinga. Essas emoções poderosas. Ele vai até a cozinha e procura algo nos papéis grudados com imãs na geladeira. Quando acha, volta até mim e me estende o papel.

Bridgette Kowki. St. Mara, NY.

Tem um número de telefone também.

—Isso é tipo, duas horas de viagem. —sussurro para mim mesma, mas ele escuta.

—Sim. Você vai?

Seu tom é quase entediado. Impaciente, gritando para que eu vá embora.

Penso bem.

—Sim. —Quando, eu não sei. Nem como, mas essas perguntas eu deixo para depois, quando a emoção de estar um passo avante passar. —Quer vir também? —indago por educação. Afinal, ele é filho dela. Talvez queira saber.

Ian parece... ofendido. A expressão feroz aparece. Sei que ele não vai me bater nem nada assim, mas ainda fico com medo. Não reajo bem a raiva das pessoas.

—Por que eu iria querer? Eu nem te conheço.

—É só que... você é filho dela.

—Foda-se. —Frieza.

—Me desculpe. —respondo, prontamente, sem parecer sobressaltada. Apesar de me sentir assim. Ele está furioso.

—Você vem aqui e só porque eu te peguei em uma boate e era aluna dela não significa que pode me incluir em alguma aventura literária que é a cara dela tentar me envolver. Tudo bem? Pode ir agora.

—Eu só...

—Só porque ela era minha mãe, não quer dizer que eu sinto alguma coisa por ela. Só estou aqui porque ela me deixou tudo isso e eu estou tentando descobrir o que fazer. —Ele aponta para o seu redor. Ele não ama Vivian? Como isso é possível?

—Me desculpe. Mesmo.

—Por favor, vá. —ele diz em um tom mais baixo. Minha garganta arde.

Nada significa muito para os garotos, Gwen me disse, se acostume.

—Eu estou indo. —coloco o endereço entre as páginas do livro. —Obrigada pela informação. De verdade. —ofereço um sorriso fraco e me viro rapidamente, para ele não ver quando me desfaço dele. Entro no carro e fico encarando o pedaço de papel.

St. Mara. Tiro meu celular e procuro no Google Maps, até achar... mato. O que está acontecendo aqui?

Encaro o número de de telefone, mas não tenho coragem de ligar. Não agora. Talvez eu peça para Becker ligar ou algo assim. Continuo a encarar, até recobrar a consciência e perceber que meu carro está estacionado na frente da casa dos Winter —ainda. Balanço a cabeça, esperando espantar e levar para fora todas essas atribulações na minha mente e ligo o carro —sentindo-me perdida e ao mesmo tempo indo exatamente para o lugar certo. É aquela montanha russa começando a viagem, guiando-me, dessa vez, para onde eu quero ir.


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Notas finais do capítulo

gostaria de deixar claro que o texto do começo, sobre a Sylvia Plath e depois sobre Anne Sexton são coisas que professores falaram mesmo e eu só passei do meu áudio para o papel [no caso, o word] então não fui eu que inventei o texto da aula. e se vocês gostam de poesia, ou querem ler poesia ou sei lá leiam o poema anna who was mad e again and again da anne sexton e vocês vão se apaixonar prometo espero que tenham gostado he he bye



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