Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 30
Não Chore


Notas iniciais do capítulo

Ultimamente é quase um sufoco escrever um capítulo. Eu preciso de TANTA concentração que eu só sobrevivo escrevendo se eu tô escutando umas milhares de playlists do 8tracks pra me manter focada. Por isso eu demoro tanto pra postar, mas está aí. E eu espero que vocês gostem e não me matem se estiver ruim, ao invés disso, me digam delicadamente o que não está bom e eu vou tentar melhorar thank you



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Estou sonhando. É um sonho nevoado, confuso e feliz. Eu sei que é feliz porque sinto que estou sorrindo, mesmo que eu não possa me ver. Do meu lado, uma mulher caminha sorridente, mas não sei como sei disso, pois seu rosto é borrado. Ela mexe as mãos e fala coisas, depois me abraça e me chama de filha dela. O nome dela é Helen Gluck, e depois de me chamar de sua filha, começa a conversar comigo com frases de poemas. Não sei de quem são, mas sei disso. Não sei de nada mas tenho certeza de tudo. Há uma estrada sem fim na nossa frente e eu me sinto filha dela porque ela tira uma barra de chocolate de algum lugar e me dá. Ela ri como uma mulher louca, mas é engraçado e ela é minha mãe então eu rio junto. Não sei do que estamos rindo. Eu abro o chocolate, ela grita "Oh, Sylvia! Oh, Sylvia!" e minha voz é um eco da sua, rodopiando no ar. Caminhamos sem chegar a lugar nenhum, mas não estamos indo para algum lugar específico. Só andamos e o sol está a pinho mas não está quente. Ela volta a falar comigo, falando sobre uma vida preciosa e selvagem, e ela é preciosa por ser minha mãe e selvagem por ser louca, o que eu sei que ela é mas parece absurdamente normal e ordinária andando comigo, me dando chocolate e recitando poemas. Mesmo com o sol, eu estou com frio e ela me dá seu casaco, e quando pergunto se ela está com frio ela responde algo completamente sem nexo que eu aceito como um sim. Nós continuamos andando. Tenho uma sensação esquisita, uma frívola felicidade, repetindo na minha mente sonhadora que ela é minha mãe, e ela me dá chocolate e empresta o seu casaco, mesmo que esteja com frio e continuamos andando, andando, sem achar nada no caminho e a estrada aumenta com nosso campo de visão aumentando, também. Então começa a chover, mas é tão esquisito, porque não é chuva, mas pílulas. Está chovendo pílulas e agora minha mãe está gritando e correndo em frente mas não consigo me mexer. Eu fico para trás, observando ela correr sem sentir a chuva mas conseguindo visualizá-la e ela abre a boca, deixando as pílulas caírem dentro, e no segundo seguinte ela está no chão e alguém está gritando tão alto que eu sinto o pânico me congelar por inteiro, meu coração e meus pulmões, até eu não conseguir respirar, não importa o quanto eu tente, e eu não formulo frases, só desespero, desespero, desespero—

—Diana. —alguém diz. Não é Helen Gluck. Eu abro meus olhos, respirando forte. Minhas costas doem. É Ian. —Você estava tendo um pesadelo?

—Onde a gente está? —eu estou tão confusa. Pessoas passam na minha frente, e é tudo branco.

—No hospital. —ele me explica, me segurando para que eu me sente corretamente e não caia da tontura momentânea.

—Por q...—então eu entendo. Vincent.

Helen Gluck.

—Não se preocupe.

—Cadê ele? Para onde o levaram? —olho em volta, procurando alguma porta que indique para onde ele foi. Só há entradas enormes e fechadas e sinto que vou ficar perdida. Não entendo a calma de Ian, mas deve ser porque estou hiper nervosa com o sonho confuso e a realidade voltando aos poucos. Ele segura meu rosto, obrigando-me a olhar para ele.

—Se acalme. Ele está na sala de cirurgia. —não falo nada, sem saber o que dizer. Os olhos de Ian estão vermelhos e cansados, e quando eu passo meus dedos ao redor deles, ele fecha-os.

—Você dormiu?

—Um pouco.

—Que horas são? —me desencontro da parede, e percebo que estamos sentados no chão do corredor do hospital, por isso meu desconforto. Fecho os olhos e me lembro do sonho, obrigando-me a esquecê-lo.

—Três da manhã. —ele olha no celular. Depois para mim. —Você está bem?

—Eu... —eu não quero contar, porque parece ridículo eu ficar tão assustada com algo que não é real, mas sinto que se falar em voz alta, de alguma maneira, vou conseguir exonerá-lo. —eu tive um sonho estranho.

—Você estava se mexendo muito. Quer me contar? —um bocejo me escapa e eu limpo meus olhos, mas o horário me derruba e eu sinto o sono e a exaustão voltando. Não desisto. Tenho que fazer algumas perguntas.

—Primeiro, o que aconteceu enquanto eu dormia? Cadê a Becker? Você ouviu algo sobre Helen? —só de fazer tantas perguntas eu fico mais cansada ainda. Minha voz fica lenta e confusa. Ele percebe e me acolhe nos braços, minha cabeça aconchegando-se no seu peito e coloco uma mão no seu coração. Ele coloca a mão dele em cima da minha, e fecho os olhos, esperando as respostas para finalmente poder voltar a dormir, mesmo com medo do sonho voltar. Não quero voltar ao pânico. Não quero voltar para o mundo onde meu subconsciente acha que Helen Gluck é minha mãe, mas é um pensamento interessante. Algo que eu não consigo conectar pelo cansaço, nem quero.

—Ele sofreu uma hemorragia, eles o levaram para a sala de emergência. Estão lá até agora. A enfermeira disse que ele não sofre risco crítico, mas que tudo pode acontecer. —estremeço. —Eu liguei para Eric e ele buscou Becker, porque ela não estava em estado para dirigir sozinha. —com isso, a vontade de chorar bate. Ela viria uma hora ou outra, mas é pior por imaginar como Becker deve estar. Se eu não estivesse tão cansada, iria atrás dela.

—Ela estava tão assustada.

—Sim. —depois de uma pausa, ele adiciona: —Eu liguei Victoria.

—Você contou sobre ele?

—Só disse que ele estava no hospital e que eu precisava de ajuda. Ela vai chegar pela manhã. —eu faço que sim, mexendo no tecido da camiseta dele.

—Eu sonhei que Helen era minha mãe. —sussurro. Ele não responde, ou talvez não saiba o que responder e fica em silêncio, e o sono me envolve novamente. Ian beija minha testa, me aperta e eu volto para a névoa dentro da minha mente, sem Helen.

Acordo com agitação. Abro os olhos e vejo um rosto familiar que demora um segundo para se encaixar com minhas lembranças. Victoria me balança delicadamente até eu acordar completamente. Me olha atentamente.

—Você acordou?

—Sim, uh... —limpo os olhos, perdida nas minhas palavras.

—Levante daí, querida, isso vai acabar com a sua coluna. —ela segura minha mão e me força a levantar. Eu fico tonta, e demora alguns segundos para me adaptar ao cenário. Faço uma lista na minha mente, garantindo que minhas informações estão certas. Hospital. Vincent. Helen. Sangue. Eu não consigo lembrar o que aconteceu exatamente, mas sei que Vincent se machucou e estamos aqui por ele. Minha mente está um pouco zonza. —Yasha, traga um café para a Diana. —ela me pergunta alguma coisa, mas não consigo entender e peço para que repita. Sua expressão suaviza-se. —Perguntei como você está.

—Bem, não se preocupe. —ela parece bem também. Olho ao redor, procurando por Ian, mas não consigo achá-lo. Volto para Victoria, que me encara cuidadosamente. —Minha cabeça ainda está dormindo. —eu explico.

—Acho que você não vai pra escola hoje. —ela diz, e eu faço que sim. —Você já viu ele?

—Quem?

—Meu irmão. —entro em pânico internamente, sem saber se mentir é necessário. Por sorte, Yasha traz meu café, mas isso só a distrai por alguns segundos. Ela continua olhando para mim.

—Não desde que viemos para o hospital. Eles o levaram para algum lugar por causa de alguma coisa. Você já falou com o Ian? Ele sabe mais que eu.

—Fique aqui com Yasha. —ele aponta para o filho, que não parece muito animado. Victoria se afasta. Tomo um gole do café quente e forte, e deixo minha mente acordar com o doce do líquido e o gosto estranho. Acorde, me ordeno. Mas a lentidão parece grudar em mim. Quero minha cama e quero dormir, mas preciso estar aqui para o que precisarem. Pelo Vincent. Mas cadê ele? Cadê o Ian? Questiono Yasha sobre o horário, e ele diz seis da manhã. De alguma maneira, meu corpo fica mais cansado só de ouvir isso. Cedo demais. Porém, o hospital já está acordado. Recosto na cadeira e uma enfermeira passa por mim correndo, me dando um olhar solidário que deve dar para muitas pessoas. Conforme o café vai fazendo seu efeito, e eu fico sentada do lado de Yasha enquanto o mundo parece girar sem nós, a realidade começa a penetrar as paredes da minha mente. O pânico. Um sentimento que não consigo nominar. É como estar sozinha em uma floresta em chamas, sabendo que há uma saída em algum lugar, mas sem conseguir ver nada além do meu nariz. Solidão. Me pergunto se é assim que as pessoas se sentem em hospitais, naquelas fotos e cenas de filmes. Só que no final dos filmes, sempre tem um final feliz. E aqui há Vincent, e não tenho notícias dele desde que chegamos e não sei se Victoria já sabe de alguma coisa e senão, como vamos contar para ela?

Alguém vai se magoar no final.

Cadê o Ian?

Becker.

Eric.

Helen Gluck.

Helen. Gluck. Eu vou vomitar. Três minutos infernais se passam, de náusea completa até eu não conseguir aguentar e perguntar para alguém onde fica o banheiro, depois ir correndo. Eu não consigo vomitar, tonta. Não sai nada, mas o enjoo fica, a vontade se prende. Eu fecho meus olhos e vejo Vincent deitado no chão, cheio de sangue, as mãos ensanguentadas de Becker, o desespero de Ian. SE ACALME.

Se acalme. —sussurro para mim mesma, em voz alta, sendo acolhida com silêncio. Eu encosto na parede gelada, tentando impedir minha mente de ir à loucura, mas tenho quase certeza que estou ficando louca. Me sinto louca. Me sinto doente, louca e culpada. Pesada. Isso não é bom. Quero sair, mas eu não tenho forças mentais ou físicas para me mexer, então fico encarando a outra parede, permitindo que a confusão acabe com cada célula que tenho. O banheiro é um silêncio mortal, e as informações ficam confusas sobre Helen, Vincent, Vivian. Três nomes que se confundem entre si. É um redemoinho que gira, gira, gira até que... nada. Silêncio —dentro e fora —e vazio.

Saio do banheiro antes que eu comece a chorar, depois de lavar a boca e arranjar uma bala de menta em algum lugar.

Quando eu volto, Yasha não está sozinho. Ian está com ele, tirando algo da carteira e estendendo ao primo. Minhas esperanças de eles ignorarem meu rosto inchado são jogadas fora quando ambos franzem o cenho, preocupados. Começo a falar antes de qualquer comentário deles, mesmo com a voz fraca.

—Victoria? —minha voz está horrível.

—Levei ela para ver Vincent. —faço uma pausa, me perguntando se é pessoal demais fazer minha próxima pergunta.

—Posso... vê-lo? —encaro Ian, depois Yasha, depois Ian novamente. Ele me olha como se eu estivesse escondendo alguma coisa —algo que não sei o que é —por um longo tempo e eu tenho que me segurar para não desistir e me entregar as lágrimas que estão lutando para sair, desviando os olhos. Ian aquiesce e diz para Yasha que já voltamos, e pergunto se Yasha quer vir junto.

—Eu nem lembro dele. —ele comenta, impessoal e eu lembro que Vincent se excluiu da família, o que me deixa mais curiosa para saber da reação de Victoria ao encontrá-lo, e curiosa para saber do seu estado. Tão ansiosa quanto nervosa, porque ainda não me recuperei e é difícil esconder o que acontece dentro da minha cabeça na frente dos outros, especialmente quando as consequências me deixam tão enjoada a ponto de ter que correr para o banheiro. Ian aponta para para um corredor e adentramos, desviando de algumas pessoas. Não há muita agitação, mas todos que passam —principalmente os médicos —passam correndo, e não deixo de pensar que estão correndo para salvar alguém, e imagino como esse alguém se machucou e como está sua família e me sinto hipócrita, mas rezo para Deus que fique tudo bem para cada um deles.

Ian caminha a uma distância considerável, meu coração aperta —ele está bravo comigo? —até perceber que meus braços estão cobrindo meu corpo, quase como se eu me protegesse. Sou eu quem estou pedindo distância. Solto a mim mesma e seguro seus dedos, sem saber como ele vai reagir. Ele continua meu movimento até estarmos de mãos dadas, e olha para nossas mãos antes de olhar para mim com aquele mesmo olhar, que agora diz me conte, eu estou assustado também, e eu desisto e começo a soluçar, no meio do corredor, não me importando quem esteja vendo, ou se estamos perto do quarto de Vincent ou não. Não quero que Victoria me veja assim, não quero estar perto de Vincent desse jeito, mesmo se ele estiver inconsciente. Tudo que sei é que meu coração está explodindo e escapando e não sei se isso é possível, se tudo dentro de mim dói tanto. Com os olhos fechados, eu lembro do medo e do pânico daqueles três minutos segurando Vincent, e dos três minutos de hoje esperando alguém no corredor, e eu quero sair do meu corpo e morrer, parar de pensar, imaginar, trazer de volta memórias dolorosas que me matam por dentro, pare, pare, pare, sua masoquista.

Então Ian está perto, o que me faz chorar mais, e ele beija toda a pele que ele consegue encontrar —minhas bochechas, testa, olhos e minha boca —e me sinto idiota porque não consigo parar de soluçar, mesmo com a proximidade dele e culpada porque ele pode achar que isso não é o suficiente. Que eu tenho um desespero enorme que nem ele consegue silenciar, mas pode. Só não agora.

—Ele está bem, Diana. Eu prometo. —E depois? Quando ele sair daqui?E a Helen? —Está me ouvindo? Ele está bem, não foi sua culpa. Se acalme, vai ficar tudo bem.

Eu não quero ouvir isso, então eu o beijo tão profundamente e é rápido e demorado, como mergulhar em água fria em um dia quente, a quietude do fundo do mar, eu me prendo à ele, observando minha mente zunir, correr, fugir para lugares que eu nem sabia que existia e eu sinto o gosto dele e vejo Vivian e fragmentos de memórias perdidas, cores, sons, vozes, a língua dele e eu estou naquela boate novamente, no inferno e no paraíso, queimando, sofrendo, me libertando para voltar ao mundo real em menos de um segundo e boom.

—Vocês jovens não tem o mínimo de respeito, não? —escutamos uma voz e me desprendo dele a tempo de ver uma enfermeira nos encarando furiosa. Meu rosto queima, meu coração bate forte e ela vê meus olhos vermelhos, o que faz a sobrancelha erguida sumir e ela nos ultrapassar balançando a cabeça. Envergonhada, tento recobrar meu fôlego.

—Desculpe. —eu digo para Ian, porque não foi culpa dele.

—Foda-se ela, eu quero saber se você me entendeu.

Faço que sim.

—Eu não quero soar insensível, eu sei que isso é horrível e deu um susto em todo mundo, mas preciso que você se acalme antes de ir lá. Victoria não está no melhor estado, não quero que nenhuma das duas fique pior. Entende? —faço que sim de novo, limpando meus olhos. As pessoas que passam não olham para nós, e essa deve ser a cena mais comum do mundo —uma pessoa chorando. —Pronta?

—Acho que sim. —ele recaptura minha mão.

—Um dia você vai ter que me beijar desse jeito sem estar chorando. —eu cedo um sorriso fraco, sem achar graça nenhuma, mas ele entende. Eu estou melhor, só não recuperada. Ele limpa os olhos, cansado, e recomeçamos nosso caminho. Ian nos para em uma porta aberta —ordens dos médicos, ele sussurra para mim, por causa do que Helen fez —e conseguimos ver Victoria lá dentro. Com um Vincent inconsciente.

Todo meu corpo congela. Eu não sei se ela sabe que estamos observando. Por um segundo, não consigo desviar os olhos de Vincent, com os olhos fechados, a roupa do hospital, pálido, roxo. Ele parece morto.

Mas ele não está. Se acalme.

Victoria Winter se inclina sobre o corpo do irmão e num ato quase sagrado, beija a testa dele. E algo no seu toque a fez chorar, ela toca os dedos nos lábios e seu rosto forma uma careta, tentando se segurar. Não sei o quanto Ian contou, mas agora sei que sabe sobre Vincent —Lucille. E se foi difícil para mim, eu imagino a onda que está a partindo por dentro. Não há respirações suficientes para recompensar o vazio nos seus pulmões, ela continua respirando cada vez mais profundamente. O Vincent que ela conhecia não existe mais. É estranho, porque ele não está de peruca, revelando o cabelo quase inexistente, e a maquiagem saindo aos poucos, mas ainda é ela. Vincent nos mostrou Lucille tantas vezes, consequentemente tornou-se ela aos nossos olhos. Talvez todos façamos isso —eu, a primeira na lista —fingimos ser outra pessoa, achando que nos tornamos alguém diferente. Mas requer tanto esforço para criarmos um ser estranho ao que nós pensamos que somos, que na verdade, é tudo uma parte de nós mesmos. Vivian, também. São esses pedaços de um todo, grandes ou menores, que não conseguimos ver e outros que estão na nossa frente, e manipulamos cada um deles para nos tornamos quem somos.

É diferente ver Victoria chorar. Ela deixa de ser a que cuida de todos os filhos, ou quem cuida de Ian quando a mãe dele não está mais aqui, que briga com o avô-terrorista e bota ordem na casa e se torna a irmã do meio. A que ficou para trás, a que ama Vincent como amava Vivian e a que jogou o amor fora pelos dois, porque eu acredito que, vendo-a derramar lágrimas, com medo de tocar outra vez em Vincent, ela acha que ele está morto. Eu solto a mão de Ian e vou ao seu encontro, apertando seu ombro, e ela vira-se surpresa, desviando o olhar logo depois tentando esconder as lágrimas, mas não quero que faça isso. Eu quero que ela chore. Eu quero que ela lembre o quanto ele significa para ela, mesmo depois dos anos de silêncio. Ela se apoia na cama dele e me abraça de lado com o outro braço, olhando para o irmão.

—Ele vai ficar bem. —minha voz treme, mas estou convicta e ela sabe disso, pois assente. Respira fundo, tentando retomar o controle das suas emoções olhando para cima, secando as lágrimas. Ian aparece e se apoia atrás dela, inclinando sua cabeça para descansá-la no ombro da tia com os olhos viramos para mim. Nos damos um olhar solidário.

—No que vocês se meteram? —Victoria fecha os olhos. —No que ele se meteu, Ian? O que você não me contou?

—Eu prometo que explico mais tarde.

—Desde quando ele está... desse jeito?

—Desde que saiu de casa. —ela desmorona mais um pouco, se encolhendo. A dor irradia dela como se fosse algo físico, como eu gostaria que fosse. Alguém daria um jeito de tirá-la dali. Eu faria qualquer coisa. Eu lembro como é ter uma família. Não sabia que lembrava, mas conheço a sensação de pertencer, e uma queimação que não se iguala à dor, mas à desolação de não poder fazer nada. Eu senti com Gwen e lembro de uma vez que senti com a minha mãe, observando meu pai se afastar dela. Eu só quero ajudar, fazer Victoria esquecer e desacreditar que a vida dela é uma onda de coisas ruins que sempre voltam. Ela merece ter o final feliz que a irmã não teve. Vincent merece.

Todos eles merecem tudo.

—Eu quero falar com o médico. Ian, chame o médico? —Victoria murmura, a voz estremecida.

—Eu chamo. —digo, porque não quero que Ian deixe Victoria sozinha, mesmo que eu esteja aqui. Ele a conhece melhor que eu. O corredor começa a ficar cheio de pessoas e eu avisto Yasha no fim do corredor, sentado no chão, mexendo no celular. Alheio ao sofrimento da mãe. Eu quero chorar novamente mas me viro e chamo uma enfermeira. Ela me diz que vai chamar o médico e eu dou o número do quarto de Vincent. Ao invés de voltar, eu vou ao encontro de Yasha. Ele tira os fones de ouvido e olha para cima, e com um movimento da cabeça, digo levante-se.

—O que foi?

—Sua mãe. Fique com ela. —é o mínimo que eu consigo dizer, pois as palavras ficam presas na minha garganta e sai apenas esse discurso cortado em metades. O que eu realmente queria dizer era sua mãe precisa de apoio, você precisa conhecer o seu tio, não importa em que circunstâncias, então vá, fique com ela e faça tudo dar certo porque você é filho dela e eu sou apenas uma garota que ela conheceu uma vez que não pode fazer nada de verdade.

Ele me olha irritado, já que não conseguiu escutar o discurso inteiro na minha mente. Mas sei o que deve estar pensando. Quem ela pensa que é para me dar ordens?

E eu replico, são seis da manhã e eu estou emocionalmente exausta e fisicamente gasta, então corte o drama, Winter. E ele vai, e eu sento no chão no lugar onde ele estava e fecho meus olhos. Tento achar a vontade de dormir, agora inexistente. Tenho uma estranha hesitação de fechar os olhos e entrar em outro mundo. Quase medo. O que no fim se torna bom, porque eu não consigo dormir de qualquer jeito. Minha mente trabalha rápido demais e não arranja uma brecha para se desligar, nem eu, com o poder da consciência, consigo acalmá-la. O problema é que eu não quero pensar em nada. Eu quero aquela paz. Obrigo minha mente a trazer lembranças das minhas memórias felizes, e vejo Claire com Gwen, brincando no banco da praça, e Gwen rindo quando a bola de sorvete da filha cai e meu coração exclama sim! Deixe-me sentir isso!

Algo me impede, interrompe a conexão entre meu coração e minha mente e não importa o quanto eu deseje sentir aquele calor da emoção, a sensação de flutuar, sair daqui, me mantenho presa ao mundo real. E mesmo com os olhos fechados e os pensamentos tocando como uma música no replay —tão alto —eu escuto o barulho dos passos, das pessoas, das macas atravessando o corredor. O barulho da máquina de café, das conversas preocupadas e pequenas palavras que médicos trocam com as enfermeiras. Estou presa no pesadelo e quero sair. Ei, Vivian?

Nada.

Vivian?

Silêncio.

Estou cansada demais até para imaginar minha professora morta falando comigo.

Pare de pensar, pare de pensar.

Por favor, não chore no meio do corredor. Não vá falar com o Ian desse jeito.

Você tem que ligar para Becker! Ela deve estar pior do que você!

E o Eric. Ele vai embora hoje. Não chore.

Por que você não escuta a si mesma?

Pare de pensar.

Querida, temos a sala de espera se você quiser. —uma médica parecida com Ariel se abaixa e me olha nos olhos. Olhando para ela, sei que ela é uma ótima pessoa. Deve amar o seu emprego.

—Eu não quero esperar. —ela acha graça, mesmo que eu esteja falando a verdade, e só reprime o sorriso por respeito —meu rosto deve estar horrível e refletindo a confusão por trás dele —só assente.

—Você está se sentindo bem?

—Sim.

Não.

—Você deve ficar com a sua família por perto, tudo bem? Não é um hospital muito grande, mas você não está com uma cara muito boa.

Aquiesço. Ela se levanta e estende uma mão, me ajudando a levantar também. Dá um sorriso educado e sai andando, e faço meu caminho até o quarto de Vincent. Hesitante, olho dentro para encontrar Ian sentado na cadeira, do outro lado do quarto e Victoria na janela, abraçando Yasha, falando no telefone. Reconheço o nome de Visia na conversa, e meus olhos cruzam-se com os de Ian. Ele não se mexe, só me encara, e eu vou até o seu lado. Do lado da cadeira, as roupas de Vincent estão empilhadas em uma mesinha. o vestido, salto, bolsa. Ian toca meu braço, me chamando para mais perto, mas eu passo minhas mãos pelo vestido de Vincent, que parece tão complicado assim quanto no corpo dele, uma bagunça que não entendo nem saberia vestir. Acho o sutiã dele, mas deixo escondido embaixo da roupa porque é estranho demais pensar nisso. Minha mão para no bolso do vestido, e eu sinto papel. Eu nem penso ao tirar dali o que quer que seja, é um ato tão comum que acaba quando percebo o que é.

Ah, não.

Não sou acolhida com poema algum, porque abri a folha do lado errado. Não tenho tempo de me preparar. É a letra de Vivian. Sei que foi Vincent que achou isso, ou Helen, em alguns momentos de lucidez, lhe deu.

Não, não, não.

O nome: Richard.

Fawkes.


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Notas finais do capítulo

ughhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh e ai?