Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 26
Selvagem & Preciosa


Notas iniciais do capítulo

walk up in da club like WHATS UP I JUST KILLED YA



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Me diga, o que mais eu deveria ter feito?

Tudo morre no final, cedo demais, não morre?

Me diga o que é que você pretende fazer

com a sua vida selvagem e preciosa?

—Ela é uma das únicas poetas que conseguem balancear a contemporaneidade e a tragédia clássica. É como se Shakespeare existisse no século XXI.

Mary Oliver.

Uma das poetisas condutoras das missões de Vivian.

Uma poetisa que faz todo mundo ficar feliz em dias de chuva,

e também a poetisa sobre quem eu, Becker e Gordon faremos nosso trabalho final de literatura. É por isso que o professor Fawkes fala sobre ela para nós, colocando detalhes e soltando frases de sua autoria para nos ajudar. A verdade é que somos meio nerds, então resolvemos ficar no contra-período para ter uma aula de literatura especial. Costumava ser para os SATs, mas não podemos esquecer que o professor Fawkes não é a melhor pessoa do mundo e ainda nos cobra sobre um trabalho de cinco páginas, uma análise sobre algum poeta. Escolhemos Mary Oliver, porque foi a última poetisa recebida (na verdade, a última foi Elizabeth Bishop. Pesquisando mais tarde descobri que o poema que Victoria recitou para nós na varanda da sua casa se chama Cirque D'Hiver... da Elizabeth Bishop, mas Mary Oliver era mais otimista e escrever sobre Cirque D'Hiver traria emoções que não quero sentir). então escolhemos o caminho mais fácil, porque quando você está em época de provas finais, é isso que precisa fazer para sobreviver. E apesar de saber que o professor Fawkes me odeia, ele não consegue negar aulas extras sobre a sua matéria para os ÚNICOS alunos que vieram procurá-lo. Então ele dá aulas extras e nós escrevemos nossos trabalhos.

—Em A Viagem, nós começamos a expedição nos sentindo em um espaço tão grande e nos sentindo tão perdidos, mas logo que descobrimos que o nosso coração é o mapa natural para nos guiar pela viagem, e que todos nós somos equipados com essa capacidade, a sensação de estar perdido rapidamente passa para uma paz transitória entre o desconhecido e a descoberta de nós mesmos. —adiciona o professor. Agora, estou em minha própria bolha, me alimentando de cada palavra e sentindo aquela queimação de sempre quando falo sobre esse assunto. Aquela fascinação. Para Gordon, o assunto é diferente. Ele se inclina em minha direção e pergunta baixinho:

—Ele está chapadão?

O professor Fawkes lança um olhar mortal e para de escrever no quadro, e nós três paralisamos.

—Isso se chama paixão. É isso que você precisa para se formar. Paixão.

—É, Gordon. —o olhar de Becker diz que ele é um idiota. Gordon encolhe os ombros.

—Se você quer passar em literatura, ou começar uma carreira com base disso, precisa se desfazer dos paradigmas sociais e as pretensões. Ninguém leva alguém que só brinca a sério.

—Foi mal. —com a voz baixa, Gordon mostra remorso. O professor Fawkes assente e continua. Eu sei que já devo ter mencionado que ele é um bom professor, e terei que repetir outra vez. Ele não é Vivian, mas é bom. Ele ama ensinar tanto quanto ela parecia amar.

—Prestem atenção.

—Você não acha que Mary Oliver é um pouquinho mais otimista que Shakespeare? —indago. —E também, os poemas dela falam dos sentimentos de uma maneira bem mais óbvia que as obras de Shakespeare.

—Shakespeare escreveu a maior parte de suas obras em uma idade muito jovem. Ele começou com a idade de vocês, meros dezoito a vinte anos. Há um estudo que diz que Shakespeare era, na verdade, um grupo de pessoas que usavam um nome só, porque não havia como alguém tão novo saber tanto sobre a vida e descrevê-la com tamanha intensidade. Mas eu acredito, —diz o professor —que ele existiu mesmo. Perguntem a si mesmos sobre o que sentem. A diferença entre Hemingway e Fitzgerald e Shakespeare e a forma como retratam paixões é os dois primeiros já estavam quase completando seus trinta anos quando atingiram o sucesso. Mas comparando o relacionamento entre Daisy e Gatsby e Hamlet e Ofélia, em qual você consegue achar mais intensidade? Shakespeare era jovem, mas a essência do sentimento era presente em todas as suas obras. Escondidas ou óbvias.

—Onde Mary Oliver se encaixa em tudo isso?

—O ponto chave é que ela tem a idade dos avós de vocês agora, mas ela ainda escreve. E no que ela escreve você captura o sentimento da mesma forma que captura lendo uma obra de Shakespeare. É sutil, o que não quer dizer que não seja intenso.

—Então ser óbvio não diminui o romantismo?

—Algo assim. Mas é relativo. O romantismo que está presente se difunde com as boas sensações que ela passa. A viagem, Ganso selvagem, Os girassóis, todos eles são ótimos remédios para a alma porque falam sobre coisas felizes. Romantismo e felicidade nem sempre combinam.

Fico chocada com a veracidade disso e pela primeira vez, minha admiração pelo professor Fawkes se torna quase tão grande quanto minha admiração por Vivian. No final da aula, eu paro ele na porta da sala, querendo me expressar. Ele revira os olhos, esperando algum comentário idiota, e lembro do motivo de não gostar dele.

—A aula acabou, senhorita Novak.

—Eu sei. Eu só queria dizer obrigada.

—É o meu trabalho. —ele soa irritado e como se tivesse dito algo plenamente óbvio e eu começo a me fazer perguntas completamente frustradas.

—Por que você não gosta de mim? Eu faço tudo que você pede para fazer.

—Você é minha aluna. Não há motivos para ódio.—replica ele.

—Olhe como você me trata. Como se eu fosse burra ou algo assim.

Ele me encara por um segundo antes de cruzar os braços, parecendo sério. E nesse momento ele não é meu professor —é um homem, decepcionado comigo. E por essa relação de decepção-homem, eu fico com medo ao mesmo tempo que sinto os limites de mim mesma apertando-se contra si, como se dissessem ataque, ataque, ataque, me defender antes das palavras afiadas que ele vai jogar contra mim, porque lembra meu pai. É uma conexão idiota mas verdadeira. Ele se assemelha ao meu pai em idade e humor, apenas perdendo quando lembro de fúria.

—Vou ser honesto com você, Diana. Quando vim trabalhar aqui, esperava mais vindo de você. Você tem potencial, mas não o usa. Por quê? Você é uma boa escritora, mas nos seus trabalhos, aquilo não é você.

—Sou eu, sim. É o que você queria ouvir. Você mesmo disse que eu deveria deixar de usar a voz que usava com a professora Winter porque não era o que você queria.—não acredito na traição em minha voz. Frustrado, ele nega e minha mente grita COMO ASSIM? mesmo que não receba resposta. Continua, continua, continua.

—Aquilo não era a sua voz. Vivian conhecia a sua voz, por isso entendia. Mas você tem que aprender a manter essa voz linearmente não importa quem a supervisione. Você nunca terá apenas um editor ou chefe a vida toda e precisa se adaptar sem afetar o modo como se expressa. Você tem potencial, como eu disse. Só não o usa. A aula acabou.

Não sei se deveria estar surpresa ou irritada ou frustrada, mas tenho um pressentimento de que estou sentindo os três ao mesmo tempo. A impossibilidade de algum dia me entender com ele e que nossas vozes entrem em sintonia me atinge como um raio. Eu nem o que a "voz" significa. Eu não sei o que ele quer de mim e não sei o que eu vou fazer da vida se eu nunca puder ter aulas com Vivian Winter de novo. Ele desvia o olhar e eu observo a sala, como se alguma solução fosse aparecer em meio aos livros na mesa e os cartazes nas paredes. Respiro fundo, três vezes, esperando me acalmar. Vivian sempre disse que uma longa inspiração podia relaxar o seu corpo e espero que seja verdade, pois estou muito perto de bater em alguém para extravasar a raiva. Talvez, se fosse Becker quem estivesse dirigindo hoje, eu pediria para ela me levar até aquele campo e gritaria tão forte que meus pulmões rasgariam e eu conseguiria respirar a profundidade do mundo em si, virando parte dele quase quimicamente. Recolho minhas coisas e bato a porta com força, meus passos fazendo buracos imaginários no chão pela força com que bato os pés nele e corro escada abaixo sem nenhuma interrupção, porque não há nenhum aluno depois do horário a não ser os que já estão lá fora —Becker e Gordon. Ele logo vai embora, restando apenas Becker e eu, esperando por Ian ou Eric aparecerem para nos levarem para o karaokê. Estou tão frustrada e ela está tão imersa nas conversas por mensagem de texto que troca com Robbie no seu celular que não trocamos nenhuma palavra. O silêncio não incomoda, apenas me consome a certo ponto que quando avistamos o carro de Ian adentrar o estacionamento, não consigo nem me sentir constrangida ou tímida ou o que seja, me limitando a caminhar em direção ao carro e entrar no banco da frente no maior rompante, ganhando um olhar estranho de Ian, mas sem ceder e permaneço com meu olhar fixo na nossa frente.

—E aí, Ian. —comenta Becker, antes de entrar no carro, erguendo a sobrancelha em minha direção.

—Como você está, Becker? —responde, neutro.

—Exuberante. —ela responde, abrindo a porta de trás, sentando-se do lado de Eric. Não falo nada a viagem inteira e ninguém me pergunta nada, o que ajuda. Então chegamos ao karaokê e eu estou pronta para confrontar Ariel, exceto pela surpresa que ela trouxe, lendo minha frustração e usando-o como escudo.

—O famoso Harry Potter! —diz Becker.

Sou feita de choque ao observar que no meio do incrivelmente alto Bobby Fieldman e da incrivelmente baixinha, excêntrica e irritante Ariel Fieldman, há uma pequena intersecção dos dois em tamanho normal, loiro como o pai, oriental como a mãe, jovem, meio vidrado no celular e em seguida assustado por Becker jogar seus braços ao redor dele e abraçá-lo. Mesmo irritada com Ariel não consigo evitar ficar maravilhada com a família na minha frente. Com a unicidade e a dinâmica diferente, porque nunca imaginei uma pessoa como Ariel tento um filho e fazendo coisas que pessoas normais fazem. Esse é o significado de extraordinário, bem na minha frente. Estou vendo acontecer. Bobby dá um tapinha nas costas da esposa e eles se levantam, nos abraçando.

—Posso falar com você a sós? —pergunto a ela. Seu rosto fica curioso e assente, então vamos até o lado de fora, observando o estacionamento e os vaga-lumes a distância. Ela joga o cabelo azul para trás e eu vejo quão adulta ela é quando suas linhas de expressão se mostram tensas e cruzo os braços, me prometendo que não vou me irritar com ela especificamente, não importa o que ela deixar de me contar, porque esse é o seu jeito.

—Você sabia que a gente não sabia sobre Vincent?

—Sim. —responde ela, simplesmente. Não consigo lê-la.

—Então por que disse para continuarmos? —ela pergunta o que aconteceu no segundo que eu recomeço a fala, respondendo antecipadamente. —Porque eu não fui lá para descobrir que o irmão mais novo de Vivian é um idiota egoísta.

Choque.

—O que aconteceu lá?

—Isso não importa.

—Não, Diana, importa sim. Me conte. —sua voz é precisa, fazendo-me suspirar.

—Fomos lá, ele começou a xingar Vivian e descontar a raiva em todo mundo então fomos embora. —sua boca se abre em choque e raiva. Ela está ultrajada!

—Essa era a última coisa que deveriam ter feito! —exclama. O que mais deveríamos ter feito? Tamparmos nossos ouvidos e deixar ele falar?

Com licença?

—Diana! Uma lição muito importante que aprendi na vida é que a única maneira de se lidar com raiva é com amor e paciência. São duas coisas fundamentais. Vocês não deveriam ter ido embora.

—Mas olhe para o Ian. Foi ele que disse para irmos. Você acha que é certo para ele ficar esperando por alguém que não nutre nada de bom por ele? —tão injusto, tão injusto, tão injusto. —E as tias dele! Eu estava lá com elas! Elas sentem falta dele. E ele não liga!

—Não, não, não, Diana. Pare. Pare já. —ela se aproxima, colocando as mãos no meu rosto. Há uma urgência no seu olhar que faz meu coração acelerar, como se ela estivesse prestes a me dar uma notícia ruim. —Eu disse que isso ia acontecer. Você não pode fazer isso. Não.

—Eu não estou com raiva. —explico, lembrando da conversa que tive que com Ian no dia que fomos ao Cirque D'Hiver. Ela balança a cabeça.

—Você é boa, Diana. Um coração bom, mesmo que tenha passado por situações difíceis. Consigo ver isso em você. Você tem fé nas pessoas. Você acredita nelas. Daria tudo por todo mundo, se fosse preciso. Você sente demais. E mesmo que isso pareça uma coisa ruim, não é. Poucas pessoas conseguem sentir como você sente e eu faria o impossível para que continuasse assim, porque é tão fácil chegar no limite e desistir das pessoas. E uma vez que isso acontece, é muito difícil voltar a ser como era antes. É isso que acontece com o Vincent. Você pode ter ficado com raiva de Vivian quando ela morreu, mas a saudade e a falta dela eram maiores que tudo isso. Com Vincent foi o contrário. Ele deixou a raiva consumi-lo.

—O que eu tenho que fazer, então?

Perdoe-o.

—Dê uma chance a ele. —ela me solta. Meu coração sangra porque estou em uma encruzilhada, mas algumas palavras caem sussurradas na minha mente, um tanto familiar. Dizendo para que eu concorde.

—Tudo bem, se acalme Ariel. —ao ouvir minhas palavras, Ariel começa a relaxar.

—Vocês, crianças... —arruma meu cabelo, me puxando para um abraço. Fico meio perdida no seu cabelo azul e eu me pergunto se ela era loira ou morena antes, porque Harry é loiro. E asiático. Dá uma ótima combinação. Eu fecho meus olhos e eu esqueço sobre as coisas ruins de que estamos falando para substitui-las pelas sensações de agora, de ser abraçada por alguém que se importa comigo, tendo a idade da minha mãe, aproximadamente. Isso me faz pensar nos meus pais, e se eu deveria ter esperanças de eles mudarem.

Eu tenho.

—Não se preocupe, Ariel.

—Eu me preocupo. É claro que eu me preocupo.

—Posso fazer uma pergunta?

—É claro. —ela ainda me abraça e eu a amo por isso.

—Você já sabia sobre nós? Antes da gente aparecer? Sobre Ian? Becker? Eric?

Alguns segundo de silêncio se passam.

—Eu sabia sobre Ian, claro. Eu não sabia sobre Becker e Eric, mas graças à Deus que eles existem.

Não posso discordar.

—E sobre mim? —minha voz falha.

—Eu sabia sobre você.

—É? —pergunto, sem ter tanta certeza. Preciso ser constantemente relembrada dessas pequenas coisas para não deixar as coisas boas irem. É uma batalha diária.

—Ela falava sobre você, Diana. Talvez porque você lembrava ela dela mesma em épocas que ela se perdia.

—Eu não sou nada parecida com ela. —contra-ataco, levemente incrédula.

—Vocês são mais parecidas do que você imagina.

Os braços dela me soltam e eu não entendo. É uma confusão total como essas comparações com Vivian estão se juntando e formando uma bola de neve na minha mente, e eu sinto que todo mundo vê algo que eu não vejo. Eles não veem minhas lágrimas constantes ou meu pessimismo silencioso. Eles não veem meu silêncio ou as mentiras que eu conto para os meus pais, eles não levam em consideração o fato de eu preferir a família das outras pessoas a minha própria. Ou minhas fugas. Minha negação. Minha fraqueza. Sempre quieta. Sempre a vítima. Não havia uma pessoa que não visse Vivian e sentisse as vibrações vigorosas que emanavam dela e a energia e aquelas aulas que te inspiravam. Eu sei. Ela se matou. Mas ela foi forte por tanto tempo e eu não aguento cinco segundos sem partir em milhares de pedaços.

—Não.

—Becker me disse que você queria que ela fosse a sua mãe. De coração, ela era. Ela falava de você como se você fosse sua filha. Ela sentia orgulho e sofria por você. É por isso que ela te colocou nesse esconde-esconde maluco. Ela se importava com você e acho que, por mais que isso seja mórbido, queria que se cuidasse depois que ela partisse. Viver a vida. Seguir em frente. Bons corações tocam-se com intensidade e ela devia saber que você sentiria falta dela. Mas já faz um ano.

—Tudo bem. —Cedo, mas há questões sem respostas ainda. —Só que se eu faço parte dessa missão, por que ninguém veio procurar por mim? Eu sou tipo... a primeira? Foi um erro de planejamento? —ela olha severamente, não gostando do sarcasmo em minha voz. Me sinto mal imediatamente.

—Como isso começou?

—Um poema da Sylvia Plath.

—Quem lhe deu?

—Ian.

—Essa é sua resposta. Ian veio te procurar.

—Não. Eu procurei ele.

—Mas você não vê? Ele é parte disso também.

—Então por que ninguém procurou ele?

Quando ela não responde, sei que está escondendo alguma coisa. E se esconde é porque não quer falar. Imagino que tenha algo a ver com as pessoas que ela encontrou que tornaram o caminho não tão agradável depois de Vincent e a curiosidade flamejante volta, inutilmente, pois não vou perguntar à Ariel. É hora de seguir em frente, eu sei. E mesmo se quisesse saber, conheço ela bem o suficiente para ter certeza que nunca me contaria. Não vejo razão em tentar.

—É uma boa pergunta.

Mentirosa. Entretanto, não me demoro no assunto. Com todas essas lembranças dos meus pais e como proceder e o que sentir, lembro do lado negro de tudo isso, que me força à mágoa e ressentimento. Meu pai. Minha universidade. Minha vida. Talvez a única razão pela qual eu fico tão presa a morte de Vivian é que na verdade, só estou com medo de pensar na vida. Na minha vida, cheia de decisões que ainda não tomei e uma linha do tempo que ainda corre contra o relógio. Assustador. Estou prestes a perguntar para Ariel como ela consegue ser adulta e ela mesma ao mesmo tempo, quando Becker aparece na porta, com as bochechas vermelhas e ofegante.

—Diana, nós precisamos ir. —é algo ruim, é meu primeiro pensamento. Eu pergunto o que aconteceu, e ela responde:—Ian recebeu uma ligação de alguém e ficou super puto da vida, então chamou o Eric e disse algo sobre alguma vadia e me mandou te chamar. —Becker está completamente confusa.

Eu não.

—A Vadia!

—Eu não sei se eu gosto do linguajar das senhoritas. —Ariel corta a minha euforia. Puxo ela e Becker para fora e corro para onde Eric e Ian estão pegando nossas coisas, enquanto Harry e Bobby observam sem entender nada.

—Mas nem começamos. —diz Bobby.

—Meninos, o que é tudo isso? Alguém vai me explicar?

—Ariel, você sabe, jovens e suas aventuras. —replica Eric, e não sei dizer se está zoando com a cara dela, mesmo com sua expressão séria. Vira-se para Bobby. —Desculpe, cara. Mas é tipo, urgente.

—Tiff?

—Yasha está na cidade. Ele ligou para mim um tempo atrás porque sabe onde os dois estão. Então estamos indo.

—Mas, ei! Esperem! Vocês não ficaram nem cinco segundos! —Ariel exclama, totalmente indignada. Dou-lhe um beijo na bochecha e aperto a mão de Harry, desejando ter mais tempo para falar com ele.

—Venha novamente. —Becker o avisa, complementando com um olhar significativo à Bobby, que assente. —Obrigada por hoje! — Só consigo acenar e ser puxada por Ian para dentro do carro, sentindo meu coração acelerar. Capturo a silhueta de Ariel e da família uma última vez e sei que é uma imagem que vai ficar para sempre na minha mente, de pessoas que sempre vou me inspirar, mesmo que na maior parte do tempo me irritem constantemente. Consigo sentir o amor. Conforme a imagem some, adrenalina toma conta de mim, mesmo sem saber o que vamos fazer.

—Qual é o plano?

—Vamos lá e fazemos alguma merda. —conta Eric. Nós rimos e Ian acelera, avançando pelas ruas como se soubesse o endereço de cabeça, mas às vezes ele para, perguntando que rua pegar. Me sinto em uma corrida policial ou fazendo algo ilegal, o que, julgando pelos pensamentos de Eric, talvez seja verdade. Está escuro e eu seguro na porta para aliviar a ansiedade contando os segundos e meus batimentos cardíacos e eu quero gritar, pular, cantar pela tamanha energia que se passa por mim. Eu esqueço tudo que aconteceu hoje e me concentro apenas nas vozes dos meus amigos e nos planos que eles fazem, as palavras acelerando cada vez mais meu coração a ponto de ele voar pela janela quando o carro para em uma rua escura. O bairro é normal, não de luxo com casas enormes mas não é como a Richmond. Saímos do carro sem fazer nenhum barulho e os ventos de primavera atacam, obrigando-me a colocar o casaco e apertá-lo contra meu corpo, aquecendo-me por fora enquanto meu coração me aquece por dentro.

—O que fazemos agora? —Becker sussurra, puxando as mangas do seu cardigã de bolinhas.

—Esperamos.

—Pelo quê? Eles?

—Não, pelo meu primo.

Ouvimos passos. Não consigo ver nada a não ser as luzes das casas, mas ficamos apoiados contra o carro, esperando. Meu coração bate tão forte que me pergunto se ninguém mais consegue ouvi-lo. Em seguida, Yasha sai das sombras. Ainda lembro dele e ele me reconhece, porque se aproxima e acena com a cabeça em minha direção.

—Oi, Yasha. —sorrio.

—E aí. Ei, cara. —murmura baixinho para Eric e eles trocam um aperto de mão esquisito. Ele cumprimenta Becker e estapeia Ian, que estapeia ele de volta. Mesmo sendo um cumprimento mais estranho que o de Eric, consigo sentir a aproximação deles. —Então é o seguinte. Aquele ex-namorado da Vadia? Chapadão. Ela está lá com Jake mas deve estar ocupada porque ouvi coisas inapropriadas para menores de dezoito anos.

Faço uma careta.

—Especifique.

—Sexo animal. Agora vejo porque ficou com ela por tanto tempo, Ian.

—Ninguém quer saber. —Becker replica, lançando um olhar para mim.

Está tudo bem, retribuo.

—Cale a boca e continue, babaca. —Ian também parece irritado e isso me conforta um pouco, mesmo que me recuse a encará-lo.

—Estava pensando e as melhores opções são: ou você chama o seu primo policial para dar um susto neles ou a gente fode completamente com o carro que o Jake trouxe.

—Segunda opção. —aceita Eric. —Meu primo está no jantar da família e minha mãe me expulsa de casa se eu tirar ele de lá agora. —todo mundo o encara até ele perceber e encolher os ombros. —Que foi? Lá em casa a gente leva esse lançe de família muito a sério, não é minha culpa. O que eu quero dizer é que não podemos tirar ele do jantar então foder o carro é melhor.

Solto risinhos pelo significado duplo da frase e ele olha para mim, fingindo choque. Me dou um tapa mental.

—E eu pensando que você era tão inocente, Diana!

—Sh! —sussurra Becker, mas ela está reprimindo um riso também. Ian sorri.

—Continuando. Eu sempre quis foder com o carro dele desde que Ian me levou para conhecer a formosa dama que lhe fazia companhia nas horas mais convenientes.

—Cara, pare de falar desse jeito. —avisa Ian.

—Sem violência, amoreco, eu sei que você tem um pé de cabra no porta malas que pode ser útil. —ele levanta um dedo e Ian destranca o carro. Eric pega o pé de cabra e outras coisas que não consigo identificar e eu me pergunto se eles andam com um kit para estragar o carro de alguém para todos os lugares, para o caso de precisarem. Como hoje. É estranho pois além do pé de cabra e outras coisas, há uma bola de basquete e um monte de DVDs e eu reconheço alguns daqueles potes de plástico que vi no carro de Visia aquele dia em Sterling Lake. Tenho que perguntar o que é isso.

—Agora, silêncio. —diz Yasha. Ele puxa a touca mais perto dos olhos e nós adentramos a rua lentamente. Abaixamo-nos quando passamos pela janela da casa onde Yasha aponta e vamos até o carro, estacionado no ponto morto da rua. Ele estava certo, consigo ouvir gemidos daqui. Por um segundo, fico com vontade de vomitar porque nunca ouvi nada como isso e é meio perturbador. Eric se abaixa e começa a mexer no pneu do carro. Todos nós ficamos observando, confusos. Meu nervosismo aumenta e eu olho para a porta da casa de cinco em cinco minutos enquanto não estou observando Yasha riscar a tintura do carro. Não é um modelo novo. É meio decadente e antigo, então estamos mais fazendo um favor do que piorando a situação. Mesmo assim, uma sensação ruim se instala em mim, sabendo que isso é errado.

Ela passa quando eu olho para Ian, e ele está distante, encarando a casa e respondendo algumas coisas que Eric pergunta. Eu vou para o seu lado, querendo saber como ele está ao saber que as pessoas que contribuíram para fazer a sua vida uma merda estão lá dentro, sem remorso nenhum. Ele estende o braço e eu vou para o seu abraço sem hesitar, em parte protegendo-me do frio. Ele nos balança para um lado e para o outro levemente, como eu faço quando tento fazer Claire dormir. Aperto ele para perto de mim, e eu sinto sua respiração no meu cabelo. Eric ensina Becker a furar pneus e nos quinze minutos seguintes, enquanto estou de olhos fechados aproveitando minhas sensações, eles furam todos eles. Eric foi um criminal em outra vida.

Quando abro meus olhos, com a intenção de perguntar o que fazer com o pé de cabra, Yasha o segura e sem dizer nenhuma palavra e para minha total surpresa, quebra uma janela. Uns cachorros latem algumas casas a diante, mas ele não parece muito preocupado. Espero alguém sair da casa mas ninguém aparece. Ele estende para mim. Nos abaixamos quando ouvimos movimentação na casa, e meu coração vai para meus ouvidos até Yasha aquiescer e se levantar novamente. O suspiro aliviado que eu dou não dá conta da calma que isso traz. Isso é tão novo para mim e não sou acostumada com esse tipo de coisa e vou estragar tudo e vamos ser descobertos.

Ou eu não vou nem conseguir quebrar o vidro.

Boom.

—Eu?

—Você merece.

—Mas... —meu Deus, não. —mas isso não é errado? —Yasha ri e meu coração acelera pela quinta vez essa noite. Ian me vira e eu estou frente a frente com ele. Ele encosta nossas testas e me olha no fundo dos olhos quando começa a falar.

—Diana?

—Sim?

—Com todo o respeito, ela é uma vadia. E eu nunca chamaria uma mulher de vadia a menos que ela realmente merecesse. E esse carro deve custar menos que o seu celular roubado.

—Então está tudo bem? —consigo sentir o hálito dele e a julgar pelo olhar dele, sabe.

—Se você não quer fazer não precisa. Mas ninguém vai te culpar se fizer. Eu posso até insistir. —coloca as mãos nas minhas bochechas.

Fecho meus olhos, respiro fundo e me distancio de Ian. Eu vou fazer isso, vou fazer isso, vou fazer isso. Com mãos trêmulas, eu o levanto, em alerta.

—Eu não posso ser presa por isso, não é? —quando eles riem mais ainda, levo isso como um não.

—Você consegue. —minha amiga encoraja.

Então.

Boom.

Eu acabei de quebrar a janela de um carro.

Eu! Acabei! De! Quebrar! A! Janela! De! Um! Carro!

—Ei! —alguém grita. Da porta daquela casa.

Merda.

—Merda.

Por que as coisas ruins só acontecem quando eu faço a coisa errada?

—Corram! —exclama Yasha. Eu vejo um cara enorme sair da casa e congelo, sentindo minhas pernas como gelatina. Não é Jake, é mil vezes pior. Meus amigos gritam pelo meu nome até que alguém começa a me puxar. O homem da porta corre atrás de nós, abotoando a calça e atrás dele vejo os irmãos. Tiff está só de sutiã e calcinha. Mas que diabos?

—Corre, Diana, corre. —alguém comanda.

Então eu me viro para frente e corro o mais rápido que eu posso. Um, dois, três, um, dois, três, um, dois, três.

—Seus filhos da puta! Desgraçados de merda! Venham aqui! —isso me faz correr mais rápido. —Eu vou matar vocês seus pedaços de merda! —o cara continua a gritar e eu continuo a correr, seguindo os cabelos ruivos de Becker. Chegamos ao carro e Eric já está ligando-o e por sorte, Ian me puxa para dentro no segundo que o carro começa a andar, de modo que eu caio em seu colo, ofegante.

Demora três segundos pra todo mundo começar a rir, nervosos, sem fôlego e seus corpos envolvidos de energia, sem acreditar no que acabou de aconteceu. É o som mais bonito que eu já ouvi em toda minha vida. É quase tão bom quanto as risadas de Claire e me enche de vida.

Mas eu não consigo rir. Consigo apenas recobrar o fôlego, porém rir é uma opção inviável pois estou nervosa. Não sou a única em silêncio. Eu olho para Ian, e ele está respirando forte, completamente sério, olhando para mim também. Estou sentada no colo dele.

Por que eu não estou saindo do colo dele?

Não consigo olhar em outra direção. Sinto meu rosto corar e murmuro "foi mal" e faço movimento para sair do colo dele, mas ele acaba me empurrando para o outro lado, contra a porta do carro, afastando-se o suficiente para que eu consiga sentar mas o seu corpo colado no meu e eu não consigo entender até o momento onde todas as conversas se perdem no ar e eu paro de escutá-las porque uma mão de Ian está no meu pescoço e ele me beija.

É.

Tão.

Simples.

E.

Tão.

Calmo.

E.

Tão.

Rápido.

Apenas lábios molhados e suavidade tão extrema, como se a boca dele fosse feita de seda, como se ele não conseguisse ficar ainda melhor. Um segundo. É isso que demora —apenas um segundo —mas eu sinto aqui dentro de mim, aquela mágica queimando, aquela sensação que tenho quando acho um bom livro, um bom poema e o mundo fica um pouquinho melhor. Ela dura até eu abrir meus olhos com a quebra de conexão e toda a gravidade, toda a pressão somem e eu olho para ele para encontrá-lo já olhando para mim e no segundo seguinte, interpretando minha expressão confusa, seus olhos me dizem que é o nosso segredo porque ninguém mais viu e não vamos contar para ninguém, mas ele sorri e segura o meu cabelo, que voa pela janela com o carro em alta velocidade e o coloca para frente, virando-se para frente quando sua expressão fica ainda mais gloriosa e lambe os lábios.

É isso que ele faz.

Então eu me enterro contra ele, descansando a cabeça em seu ombro e observando as cores lá fora se misturarem com as luzes fazendo tudo parecer arte abstrata e Becker estende os braços para fora da janela capturando o vento em suas mãos e ri mais um pouco e meu coração —que já estava completamente aberto —se incha um pouquinho mais com essa imagem pois ela parece tão feliz e eu observo Yasha inclinar-se para frente para fazer uma piada com o Eric e mesmo que eu não escute qual foi, sinto o corpo de Ian estremecer com as risadas e ecoa as vozes dos outros.

—Eu vou ser um ninja quando crescer. —diz Eric, e depois: —Para onde vamos agora?

Yasha diz que precisa ir para casa e Ian tenta convencê-lo a ficar, mas ele insiste em voltar. Como agradecimento por tudo, compro a passagem dele e peço que ligue para o Ian quando chegar, para ninguém daqui ficar preocupado. Quando nos despedimos, eu vejo um lampejo nos seus olhos e sei que ele viu o que aconteceu entre Ian e eu, principalmente quando murmura algo para Ian quando se despede dele. Então no final, acabamos em um drive-in de comida japonesa e comemos no carro, até que Ian leva cada um de nós para casa. Quando ficamos só nós, ele dirige enquanto fico deitada na parte de trás porque tudo isso realmente cansa, a corrida, adrenalina e medo. Acabo dormindo porque ele me acorda quando para na frente da minha casa, me puxando delicadamente. Murmuro algo incoerente, e ele para de puxar meu casaco quando eu me sento.

—Acordei, acordei. —aviso.

—Só vou acreditar quando você abrir os olhos.

Eu abro, mas faço uma careta por causa da luz do poste. Grunho.

—Me pergunto se é assim que você fica quando está bêbada. —comenta ele, apoiando um braço no carro.

—Essa é uma ótima pergunta. Nunca fiquei bêbada. Provavelmente começaria a chorar ou algo do gênero.

—Nunca ficou bêbada? Isso é engraçado.

—É estranho isso ser engraçado.

—Não, —pausa —é engraçado porque uma das minhas teorias para explicar suas lágrimas naquela boate era que você estava bêbada.

—Não estava bêbada. Você estava bêbado?

—Negativo.

—Então por que me beijou? —minhas bochechas ficam vermelhas e eu escondo meu rosto com as minhas mãos.

—Por que estava chorando?

—É idiota. —ele não diz nada, forçando minhas palavras para fora com seu silêncio. —Eu odeio aquele lugar e eu me sentia horrível porque eu não consigo me divertir como todas aquelas pessoas. E eu pensava na Vivian e que ela não ia mais estar lá para me ouvir contar sobre minha experiência frustrada porque ela sempre me pressionava para ir me divertir como as outras pessoas. Mas aquilo era uma merda. Aquela música era uma merda e eu estava me sentindo uma merda e minha vida... —as palavras se perdem no caminho e não sai mais nada. Talvez porque não há mais nada a dizer.

—Aí está a sua resposta. —lhe dou um olhar vazio e cansado. Ele se explica. —Você estava fazendo a única coisa que eu queria estar fazendo naquele momento.

—Se sentir uma merda?

—Você não está olhando para mim. De agora em diante só vou falar com você se você realmente me olhar nos olhos. —revirando os olhos, me forço a olhar para ele diretamente, mesmo que o assunto da nossa conversa seja desconfortável e eu queira me esconder em algum lugar. Ele está sério. —Além disso, você parecia, uh, gostosa e bêbada então eu não teria que me preocupar com stalkers malucas que me procuram no dia seguinte.

—Acho que isso não deu muito certo.

—Pensei que você não fosse uma stalker.

—Pare de me confundir, eu estou com sono. —grunho outra vez, porém me sinto mais acordada. Ele me ajuda a levantar e me estende minha bolsa. Fico o encarando meio idiota, sem saber o que fazer. Sua sobrancelha arqueia-se.

—Quer um aperto de mão?

Dou meu melhor olhar irritado e ele explode em risinhos, até eu sorrir também. Fico na ponta dos pés e eu toco minha boca a dele, como uma despedida. Volto para o chão novamente e, dando um passo para trás, estendo minha mão. Ele sorri, tão calmo e relaxado e estende o braço, então sinto os seus dedos tocando os meus. Ele usa a conexão para me puxar para perto novamente. Suas mãos estão nas minhas bochechas e a língua dele está na minha. Há dentes e há saliva e há calor. É doce e afetuoso e inocente. Uma urgência que beira a desespero, mas não é rápido. É lento e demorado e tudo que eu poderia sonhar, com os olhos fechados e a sensação das mãos dele no meu rosto, puxando-me para mais perto. Ele nos separa para tentar respirar mas nossos lábios se recusam a deixarem de se tocar. Envolvo meus braços no seu pescoço e o beijo de todo meu coração, com todo o meu amor e esperança e tudo que existe dentro de mim. Ele passa suas mãos para minha cintura, me apertando, e eu estou ficando sem ar, mas meu coração está tão leve e lá no fundo, devagarinho, consigo sentir aquela sensação tão desejada. Consegue sentir, coração?

Eu estou

flutuando

flutuando

flutuando.


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Notas finais do capítulo

vcs não fazem ideia do número de vezes que eu reescrevi esse capítulo mas espero que tenham gostado
boom