Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 25
A Dinâmica da Amizade


Notas iniciais do capítulo

nada de muito BOOM acontece nesse capítulo mas ele ainda é meio importante e idk espero que gostem
btw fiz uma playlist pra essa história (http://8tracks.com/lolathenolan/untitled-mix-3) e (http://8tracks.com/lolathenolan/paper-women) ENTÃO SE VC TEM O MESMO GOSTO MUSICAL QUE EU ENJOY



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Nos próximos dias, eu e Becker passamos quase todas as tardes juntas. Meus pais entraram em uma bolha particular onde ninguém me pergunta nada, ninguém repreende meus atos e eu poderia chegar em casa as três da manhã que não receberia nem um olhar vindo deles e eu uso minha liberdade para fazer o que eu quiser.Não acho que eles me deram tanta liberdade, e mesmo não me adaptando, eu a uso como quero, esperando o momento que eles vão me repreender. É uma maravilha nos primeiros dias, até que minha primeira carta de admissão chega.

Isso atrai a atenção do meu pai.

Boston e Rice me mandam cartas de aplicação. Meu pai as recebeu, e só foi me avisar quando resolvi almoçar em casa em uma quarta feira. Ele jogou as cartas na mesa. Literalmente.

—Você não vai para o Texas.

Aconteceu com quase todas as cartas. Ele nem me olha nos olha quando fala, apenas murmura que eu "não vou para o Tennessee", "não vou para Virginia" Nem Ohio. Nem o Maine. Nem Oregon.

O engraçado é que ele nem sabe no que eu quero me formar. Um dia desses, ele me estendeu uma carta de Nebraska, sem falar nada. Por alguma razão, a universidade de medicina me queria. E eu tenho quase certeza que não mandei nenhuma informação para eles, então sei que meu pai tem seus planos para mim.

—Não vou para o Nebraska. —finalmente digo à ele. É um pouco mais assustador conversar sem minha mãe por perto, porque é como se uma parede não existisse entre nós e ele pudesse me atingir como quisesse.

—Não é você que vai pagar.

—Mas eu posso pagar, pai.

—Com o dinheiro que eu lhe dei? —sua voz é ácida.

—Com o dinheiro do banco. Estou pensando em ir para Nova York.

—E fazer o quê lá? Vender cachorro quente? Você não sabe como é ser adulta, Diana. —Eu ignoro o comentário. Ele puxa o laptop da mala e coloca em cima da mesa da cozinha, enquanto eu fico em pé, observando.

—Eu já pesquisei algumas faculdades. Rochester. Union. Barnard.

—E o que você pensa em fazer lá?

—Inglês. Literatura.

—Você não ganha dinheiro com isso. Não seja infantil, Diana.

—Bem, —eu reúno coragem o suficiente, então respiro fundo algumas vezes, esperando até me sentir confiante o bastante. —esse é o meu plano.

Meu pai então levanta os olhos para mim e eu congelo até a alma, com as palavras me desculpe presas na minha garganta.

Mas.

Não as profiro.

—Deixe-me perguntar, onde você vai morar quando for para Rochester ou Union ou Barnard?

Ele me pegou. Eu não tinha pensado nisso, mas tenho uma resposta.

—Dormitórios. Talvez eu alugue um apartamento.

—Outra pergunta, você tem um emprego? —sua voz é tão insuportavelmente doce e calma, como se ele se importasse, como se ele estivesse interessado, como se ele fosse uma boa pessoa.

Como se ele fosse um pai.

—Não. Não ainda. Vou procurar algo em Nova York.

—Como você conseguiria se sustentar, se, digamos, eu congelasse a sua conta?

Me pergunto se ele percebe que eu estou ficando vermelha, mas seus olhos já se voltam para a tela do laptop. Cadê a minha mãe?

—Não faria muita diferença. —contra-ataco, me sentindo horrível pela sensação maravilhosa de ter uma vantagem nesse assunto. —Eu costumo transferir ou sacar o dinheiro para gerar movimentação na minha conta e o próprio banco não congelar. Nunca se sabe esses dias. —tento soar casual, mas o ar parece rarefeito depois das minhas palavras.

—Transição para onde?

—Outra conta. Sou a única movimentadora. —costumava não ser assim. Quando eles expulsaram Gwen de casa, eu criei essa conta porque meus pais congelaram a de Gwen. Desse modo, eu poderia transferir o dinheiro da minha conta para que ela pudesse se sustentar naqueles dias sozinha em Washington. Mandei algum dinheiro para essa conta com o propósito de dar à ela por alguns meses, mas ela logo parou de sacar qualquer coisa e em seguida avisou que não queria que eu mandasse mais nada, porque ela já conseguia o bastante. Continuei mandando o dinheiro, mas porque o que aconteceu com Gwen me fez pensar no que os meus pais poderiam fazer comigo —como meu pai está fazendo agora. Na época me senti culpada, agora é minha salvação.

—Você paga seguro? Do seu carro? De vida? Você paga imposto?

—Não se preocupe, estou pensando nisso.

—Como você espera sobreviver em Nova York, com esses custos? Já deu uma olhada na economia?

—Eu tenho que aprender, pai. Em primeira mão.

Ele não entende. Ele não entende, ele não entende, ele não entende.

—Aprender não significa cometer erros propositalmente. Se está fazendo isso como um ato de rebelião, pode parar. Não vai beneficiar sua vida futuramente e não precisamos desse joguinho.

—Eu quero mesmo ir para Nova York.

—Se você vai para Nova York procurando estabilidade apenas porque é perto de casa, estou mandando você desistir, porque no segundo que entrar em qualquer uma daquelas escolas, não vamos te acolher quando tudo der errado.

—Se as coisas derem errado você vai ser o último a saber. Pode confiar em mim.

Ele levanta os olhos e os conecta com os meus por três segundos. São três segundos rápidos como um pássaro, voando para longe mas consigo sentir sua raiva. Ele não só me lembra o avô-terrorista, como também Vincent. A agressividade.

—Nossa conversa terminou.

—Obrigada pelo almoço, pai. —ele comprou sushi, mas não comeu comigo na mesa. Ficou no escritório. Como eu já esperava, ele não responde, então saio a caminho da casa de Ian. Ele e Eric estão planejando os últimos detalhes do ataque a Tiff e Jake. Por mais que eu nutra uma raiva incompreensível por eles, não me interesso muito por isso, então eu pego meus livros e estudo. Só estão eu e os meninos, porque Becker e Robbie tinham algum compromisso juntos. Os dois sentam no chão da sala e eu deito no sofá, concentrada em Química. A tranquilidade me magnetiza. O conforto, a normalidade de me deitar aqui e ouvir as risadas deles, ou quando algum deles me pergunta o que eu gostaria que eles dissessem quando forem socar Jake ou quantas cervejas eles tem que obrigar ele a comprar para mim. Eu guardo essa sensação no fundo do meu coração, plantando sementes, crescendo raízes. Às vezes eu olho pela janela, observando a igreja e imaginando o que o padre estaria fazendo. Não tenho pensado muito em Vivian. Ou talvez eu tenha, mas é como estar de luto. Uma loucura. Peço emprestado o celular de Ian, para ligar para Gwen.

—Pode ser uma ligação demorada. —aviso.

—Vá em frente.

Quando eu ligo, ela atende numa voz que só posso traduzir com pontos de exclamação.

—Diana! Onde você se meteu?

—Roubaram meu celular.

—Quem? Há quanto tempo?

—Um idiota. Estamos tentando recuperar.

—Nas últimas duas semanas eu venho ligando como uma louca e você não atende. Nem responde e-mails.

—Não entrei no meu e-mail. Me desculpe.

—Mas... espere um segundo. —ela faz uma pausa dramática. —"Estamos tentando recuperar". Quem está? Mamãe e papai?

Ela está a vinte segundos de entrar no modo eufórico.

—Uh, meus amigos.

—Amigos. —repete ela, neutra. —De quem é esse número?

—Do meu amigo.

—Amigo.

—Pare de repetir tudo que eu digo! —mas não estou brava. Senti falta da minha irmã e estou mandando todo meu amor pela nossa conversa. Especialmente quando começo a contar para ela sobre nossas aventuras. O padre Jonah. Ariel. Até Vincent. Eu conto para ela sobre conhecer a família de Vivian, conto para ela sobre Tiff e Jake e as brigas com o papai. O humor dela varia a cada tópico, se adaptando ao que eu digo e respondendo com ênfase em certos assuntos (ela pira quando eu falo que eu REALMENTE FUI PARA ALGUM LUGAR COM UM GAROTO e fica triste quando sabe que o papai CONTINUA UM BABACA). Conversamos por um longo tempo, porque ela está no trabalho sem muita coisa para fazer e ela me conta das coisas que Claire aprende a fazer na escola, me fazendo gargalhar e nessas horas sinto o olhar de Ian sobre mim, mas não olho em sua direção porque sei que ia ficar desconcentrada no que Gwen diz.

—Então quando você vem? Visitar? —pergunto, quando nossa conversa está quase no fim. Ouço ela suspirar.

—Quando a hora chegar, talvez. Quero te ver antes da faculdade começar, quero ver os seus, hm, amigos.

—Amigos. —imito a sua voz.

—É óbvio! Você nunca teve amigos, no plural. Só a Becker, que Deus a abençoa. —isso me lembra o padre Jonah.

—Bem, se resolver vir é só ligar para esse número ou para Becker, mas provavelmente vou ter arranjado um celular novo.

—Como anda a vida no tempo das cavernas?

—O mundo fica tão brilhante sem a luz da tela do celular. É como descobrir uma terra nova. —faço piada e escuto ela rir. —Tudo bem, é melhor eu desligar.

—Falo com você quando resolver entrar no seu e-mail.

—Claro. —Uma pausa para recobrar coragem. Uma inspiração profunda. —Ei, Gwen, eu te amo.

Ela não responde nada por um certo tempo.

—Eu... eu também te amo, Diana.

Não sabemos o que dizer, e eu encaro a parede do quarto de hóspedes. É decorada com papel de parede com várias flores, e eu fico contando elas sincronizando com os segundos que se passam. Vinte e seis.

—Eu te amo mesmo.

—Eu sei, Gwen.

—Se você precisar de qualquer coisa, estou aqui.

—Eu sei.

Eu desligo, indo para a sala. Na TV, um filme está passando e lá fora começa a escurecer então eu me sento no sofá, seguida por Ian. Eric aparece um tempo depois com dois potes de sorvete e duas colheres e me olha surpreso.

—Ah, não sabia que você tinha voltado pra cá.

—Cada um de vocês vai tomar um pote inteiro de sorvete? —Eric não entende minha incredulidade.

—É isso aí. —apenas balanço a cabeça e ele entrega um pote para Ian. —Vou pegar uma colher pra você.

—Podemos dividir. —diz Ian, me fazendo corar. Não é como se nunca tivéssemos compartilhado saliva antes.

—Uh, tudo bem. Que filme é esse?

—Tubarão.

—Aquele de terror? —eles caem na risada. —O que foi?

—Terror! Não é de terror. Você nunca viu? —faço que não.

—Não acredito! —exclama Ian, com a boca cheia de sorvete. —Sente aí e preste atenção. É uma ordem.

Então eu sento e presto atenção, mesmo apavorada a cada segundo. Eu e Ian revezamos a colher de sorvete e eu me concentro no filme e em todo o sangue e suspense nele. Às vezes, quando a música de suspense toca, ouço Ian rir da minha expressão amedrontada mas apenas jogo uma almofada nele, sem desgrudar os olhos da tela. Em uma certa cena, quando o cara mergulha e descobre um barco, Eric me avisa:

—O tubarão aparece na janelinha. Fique olhando.

Três segundos depois, a cabeça decapitada de um cara flutua pela janelinha mencionada e eu solto um grito.

Eles gargalham.

—Seus. Idiotas. —É tudo que eu consigo falar. —Ai meu Deus, meu coração.

Eles ainda riem, e eu boto uma mão no peito, sentindo o martelar voar para fora. Olho irritada para Eric mas ele joga a cabeça para trás ainda rindo então olho irritada para Ian, e ele me dá um beijo gelado na bochecha, rindo também. Depois se joga no encosto do sofá novamente e me estende a colher e o sorvete. Eu pego, tomo meu sorvete, e eu seguro até a hora em que Ian está vidrado em outra cena de suspense, então, quando a música de suspense parece quase explodir sonoramente, eu toco no pescoço dele com a colher gelada, dessa vez fazendo ele dar um grito. Eric olha assustado e Ian me olha irado, se esquecendo do filme. Não sei porquê fiz isso, mas não consigo parar de soltar risinhos como uma criancinha. Ian tenta me segurar, mas eu saio correndo e seguro o pote de sorvete como uma proteção.

—O QUE VOCÊS TEM NA CABEÇA? —grita Eric, da sala. Eu vou para um lado da mesa da cozinha e Ian fica em outro, me olhando como se eu fosse uma presa. Ouço o volume do filme sendo aumentado, talvez para abafar meus risinhos e gritinhos idiotas que eu dou quando Ian ameaça me pegar. Me sinto com sete anos brincando de esconde esconde. —VOCÊS ESTÃO PERDENDO O FILME!

—FODA-SE. —grita Ian. —Você ficou doida?

—Vingança. Agora você sabe como é. —ele ameaça correr para a direita, e eu dou alguns passos para o lado. Ele não parece bravo realmente, mas eu desconfio quando ele mostra uma expressão neutra e encosta na bancada da cozinha, cruzando os braços, esperando por nada. —O que você está fazendo?

—Eu não vou agir como um bebê aqui.

—Então você vai deixar eu passar para voltar a assistir o filme?

—Não.

—Mas você vai ficar parado?

—Se chama tortura psicológica.

—Eu não estou me sentindo torturada.

—Vamos falar dos seus pais, Diana...

—Cale a boca. —replico, dessa vez realmente irritada. Posso escutar o diálogo dos personagens do filme e alguns sustos. Olho para baixo e vejo que minha camiseta ficou toda molhada por causa do sorvete e o coloco na mesa. Apoio as mãos na mesa, esperando algum movimento. —Vamos voltar, isso é idiota.

—Primeiro as damas. —estreito os olhos. Ele sabe que não tenho coragem de passar por ele, mesmo não sabendo a razão, já que tenho certeza de que ele não iria me machucar. Acho que é a bolha de euforia e o calor do momento, da brincadeira, que estão fazendo efeito em mim. E por alguma razão, depois de tudo que eu estou sentindo ultimamente com relação à Vivian e a meus pais, essa interação é bem vinda. E eu sei que para Ian também, porque ele fica com o humor melhor perto de Eric e de outras pessoas.

Fico completamente séria e digo, na voz mais impaciente que eu consigo:

—É sério, Ian.

Mas ele estoura em riso. Então eu aproveito a distração e corro para fora sem olhar para trás. Como eu já imaginava, ele me alcança, e eu fecho os olhos como reflexo e fico parada, me encolhendo automaticamente.De algum modo, ele consegue me carregar até o sofá e me joga, fazendo cócegas.

—O que acha da vingança agora?

—Pare. Pare. Pare. —digo em meio as risadas nervosas. Fico dando tapinhas no ar desesperada até que ele para subitamente e eu percebo que o ar estava faltando. Sinto minhas bochechas vermelhas e a fumaça da irritação subir ao meu redor mas ele só dá um tapinha de leve no meu rosto e pula no sofá novamente. Suspiro em frustração.

—Isso é hormônios ou idiotice? —comenta Eric.

Mostro meu dedo do meio com a unha rosa, o que não causa o efeito que eu esperava. Não estou completamente recuperada.

—Diana? —pergunta Ian, e eu acho que ele está preocupado mesmo, mas quando mostro meu dedo do meio para ele também sem olhar em sua direção, ri outra vez.

—Depois dizem que eu que sou o retardado aqui.

—Mas você é.

—Voltemos ao filme, senhoras e senhores. —Eric diz, retorquindo o comentário de Ian. Volto a respirar normalmente e o filme acaba. Sem dizer nada, Eric se despede de nós e vai embora. Procuro uma explicação com Ian, e ele encolhe os ombros, parecendo quase envergonhado, a brincadeira de minutos antes esquecida.

—Eu tenho A.A. —comunica, quase tímido.

Tudo se encaixa, e meu coração se aquece. Subitamente, tenho vontade de abraçá-lo outra vez.

—Ah! Certo. Só me deixe pegar minhas chaves. —digo, afastando o desejo para longe, porque ia ser esquisito.

—Eu não preciso ir hoje, você pode ficar.

—Não tem problema. Eu quero que você vá.

—Nossa, muito obrigado.

—Eu quero o seu melhor, Ian.

—Você soa como a minha tia. —o pensamento me faz sorrir, mas outro assunto escurece minha mente.

—Você está bem? Com relação à... Vincent? —Ele encosta em um lado do sofá e eu em outro.

—Consigo lidar com a raiva depois de um tempo. Quando eu me acalmo.

—É difícil ficar com raiva de alguém que se matou.

—Então porque eu tenho tanta? —ele já sabe da resposta.

—Às vezes quando você age como um babaca, eu também tenho muita raiva de você, então isso é natural. Do ser humano. —caímos em um silêncio estranho, até que ele faz uma pergunta do nada.

—Ela me amava?

Me dói porque não saber responder isso mesmo se a resposta automática for sim. E esse sim leva a um monte de porquês e explicações que eu não tenho. Um detalhe incomodo passa pela minha cabeça, que eu nem sabia o nome do filho de Vivian até depois da sua morte. Ela nunca falava disso.

—Você é muito fácil de amar, mas acho que é hora de pararmos de procurar amor em pessoas que não estão mais aqui.

E eu espero que tenha sido uma boa resposta.

—Eu não sou fácil de amar. —a sua expressão me diz que está quase ofendido.

—Você é, —eu lhe asseguro. —mesmo quando está triste ou puto da vida. E quer saber?

—O quê?

—Eu tenho uma quedinha por você por causa disso.

Ele para. Eu paro.

Espere um segundo. Minhas próprias palavras ecoam dentro de mim.

Ah, não.

O que foi que eu acabei de falar?

—Eu estou brincando. —rapidamente reverto a situação, em pânico.

—Você não está brincando. —ele balança a cabeça veemente, e eu não consigo ler as expressões do seu rosto. É complicado demais. Não sei o que fazer, para onde olhar.

—Não. —admito. —Mas... finja que eu nunca disse isso?

—Eu não vou fingir que você nunca disse isso. Foi a melhor coisa que eu ouvi hoje.

—Você está rindo de mim? —reviro os olhos, me levantando. Ele segura a minha mão, impedindo minha saída. Meu rosto está vermelho e eu só quero sentar no meu carro e raciocinar as minhas palavras. E tentar descobrir o que tem de errado comigo, para sair falando coisas assim. Não sou desse jeito. Não falo dessa maneira. E eu não estou em uma encenação, fazendo papel da Diana-Ela, confiante nem nada. Essa sou eu.

Falando.

Que mágica acabou de acontecer?

—Tenho que admitir que eu estou um pouquinho, internamente.

—Me deixe ir.

—Não.

—Só... por favor.

—Então repita. Você sabe do que eu estou falando. —ele adiciona quando abro a boca para argumentar. Eu fecho-a novamente, sentindo meu rosto em chamas piorar a situação.

—Com que objetivo? Você está rindo de mim. —então, Ian segura minha mão contra o seu rosto e me olha de baixo, meio sério.

—Diana? Está vendo? Não estou mais rindo. Por favor, repita.

—Você nem é tão bonito. É mais uma quedinha pelo seu cérebro. —eu minto, porque ele é bonito. Mas honestamente, para uma garota como eu, o cérebro faz toda a diferença. Mesmo que nesse exato momento ele aja como um babaca.

—Mentirosa. Você tem uma quedinha por mim. A Diana tem uma quedinha por mim. A DIANA TEM UMA —minha mão livre para na boca dele, em menos de um segundo.

—Eu não acredito que você está rindo de mim.

Me sinto boba ao ouvir minha voz magoada, mesmo que meu coração ecoe essa emoção. Me lembro das palavras de Gwen algum tempo atrás, que nada é tão importante para os garotos quanto é para as garotas. Fico repetindo isso na minha mente como um mantra, para me assegurar de que eu não vou começar a chorar. Corte o drama, Novak.

Ele solta a minha mão, mas antes que eu possa dar um passo, diz:

—Sente-se.

—Não. —minha voz falha.

—Agora.

Eu sento, mais por frustração do que por vontade. Fico encarando a TV e um programa que passa, sem dar muita atenção. Sinto ele olhando para mim.

—Vá comigo.

—Onde?

—No A.A. —ele se assusta um pouco com a rapidez com que eu me viro em sua direção, mas não saio do lugar.

—O quê?! Não! —será que ele acha que é obrigado a fazer algo por mim, agora que eu admiti uma fração dos meus sentimentos por ele? Eu não quero que isso aconteça. Que eu me torne um fardo. Ou que se sinta culpado se não responder aos meus sentimentos. Ele tem escolhas.

—Eles não ligam quando eu trago alguém. Todo mundo traz.

—Sério? Eric já foi?

—Sim. Tia Vic também. E Vis. —Vis. Eu sorrio. —Mas eu gosto de levar garotas que tem quedinhas por mim, especialmente. —e a única razão para o meu silêncio é que ele fala isso sem nenhum traço de humor.

—Quantas garotas você já levou para o A.A? —eu provoco, hesitante. Ele encosta a cabeça no encosto do sofá, me encarando.

—Nenhuma.

—Deixe eu pegar minhas chaves, então.

Eu descubro duas coisas na noite do A.A. A primeira é que Vivian se sentia culpada por Ian começar a beber e consequentemente, ele se sente culpado porque acha que esse foi um dos fatores que levou ela a se matar. O pior é que, no fundo, eu acho isso também. Talvez não tão forte, mas faz sentido, e eu me sinto horrível porque nenhum dos dois merece culpa de nada. A segunda coisa que eu descubro é que eu nunca me senti tão bem. Eu conheço as coisas boas que existem no mundo. Eu sei da capacidade das pessoas de amar e fazer coisas incríveis e se superar cada vez mais. Mas é diferente quando você vê com seus próprios olhos. É diferente quando é com você ou alguém importante. Quando eu penso em mim mesma, penso em Becker. Quando penso em Ian, penso no A.A. É aceitação na forma mais pura de uma maneira que faz com que eu —que nunca vim, nunca sofri o problema que ele sofreu —sinta como se essas pessoas pegassem meu coração e abraçassem. Eles falam com bondade e deixam as pessoas falar. Não só falar, mas demonstrarem todos os seus sentimentos e mesmo quando a situação não é bonita, eles aquiescem e aplaudem. Até Ian vai e fala. Uma mulher me convida para falar, mas eu digo que nunca fiquei bêbada na minha vida e ela senta novamente. É bem rápido, uma hora no máximo, mas é como se não houvesse nada de tão errado que você pudesse ter feito para ser considerado desprezível. É como se todos os seus pecados fossem perdoados. Como se o mundo cinza e cheio de problemas fosse algo para aclamar, porque transforma as pessoas para melhor cada vez mais. Há perdão. Compreensão. Quase magia.

Saímos de lá com os olhos brilhando, e eu tento explicar para Ian quão mágico foi para mim, mas não consigo botar em palavras. Eu só quero respirar o ar da cidade e andar a pé para casa e abraçar pessoas. Eu só quero pegar minhas páginas sobre felicidade impossível e queimá-las e escrever sobre pessoas reais e pessoas raivosas, tristes e sobre o céu, as nuvens, o sol, a chuva e St. Mara e poesia. Me pergunto se alguém leria se eu escrevesse sobre isso. Me pergunto se daqui a duzentos anos isso seria prova de que eu e as pessoas reais existiram. Eu iria começar no dia do meu aniversário, com as flores de papel. Eu e Ian viemos separados, eu com meu carro e ele com o dele, então nos despedimos na frente do prédio do A.A mesmo.

—Você é boa demais para mim, Diana. —murmura, antes de me puxar para um abraço. Eu rio nervosamente, me sentindo como uma daquelas bolhas flutuantes.

—Eu não sei o que isso significa.

—Isso significa que há uma grande possibilidade de eu ter uma quedinha por você, também. —responde ele, quietamente. —Significa obrigado.

Essa noite, quando eu chego em casa, leio todo o livro de Alice Goldman antes de ir dormir, e eu fecho meus olhos sorrindo.

Sábado chega e saio a caminho da casa de Becker assim que sobrevivo o café da manhã em silêncio com meus pais. Nós ajudamos a mãe dela a limpar a casa, depois brincamos um pouco com os irmãos dela até a noite. Quando o pai dela chega do trabalho, conversamos com ele sobre as faculdades. Ele me apoia sobre Barnard e apoia Becker também. Ela vai comigo. Ele diz que podemos visitar irmandades e tentar bolsas de estudo e desenha um mapa para nós dos melhores lugares para estudar no campus. O pai da Becker leciona arte cognitiva na Smith, que faz parte das Sete Irmãs junto com a Barnard. Ele conhece as universidade bem. Becker é sua assistente, e acredite ou não, ela trabalha bastante. Depois disso, eu almoço com Becker e o resto da sua família, levamos os irmãos dela para passear e caímos na cama fofocando sobre coisas sem importância quando a tarde cai. A conversa em certo ponto chega em garotos.


—Então você tem uma quedinha por Ian?

—É mais pelo cérebro dele. —evito olhar para ela, para ela não captar nenhuma mensagem em minha expressão e interpretar mais do que realmente é. Becker não sabe do beijo entre mim e Ian um ano atrás, então ela não sabe que nesses últimos dias, tenho pensado nisso. Bastante. E em quanto tudo mudou.

—Fale sério, ele é bonitinho. E eu digo isso de uma maneira totalmente inocente e respeitosa para com Robbie.

—É claro. —eu respondo. —Você acha que a gente vai continuar a ver ele e o Eric quando o lance do celular acabar?

Ela me lança um olhar de não-acredito-que-você-é-tão-idiota, e consequentemente eu me sinto idiota por perguntar, sem saber a razão. Eu quero mesmo saber a resposta.

—Somos amigos, Diana. Eu sei que você é meio solitária e automaticamente se exclui de qualquer atividade social, mas vamos ser amigos pra sempre. É isso que é legal, sabe? Não precisamos de um motivo pra ser amigos, a gente simplesmente é.

—Então podemos ligar para eles a qualquer hora e chamar eles pra fazer qualquer coisa e não seria esquisito?

—Não é isso que a gente faz? —encolho os ombros, pois não sei como explicar. Ela suspira, irritada comigo. Não sou boa com dinâmicas de amizade. Não sou boa com dinâmica nenhuma—família, garotos, nada. E a perspectiva de que alguém escolheria fazer algo divertido comigo por escolha própria não parece certo. Essa não sou eu me fazendo de vítima, eu sei ser legal quando quero, mas na maioria das vezes...

—Eu só não sou a melhor companhia, então enquanto todo mundo iria querer ir em uma boate, eu estaria lendo e chorando ou algo assim. Eu sei que isso não é a personificação da vida agitada que as pessoas querem ter. E... tipo, a gente nem conhece eles direito. São só... o quê? Quatro meses? Dá para chamar alguém de amigo se você conhece a pessoa há quatro meses?


—Por que é que você não está duvidando do seu amor por Ian mas duvida da sua amizade com ele?

Porque é possível você se apaixonar por uma pessoa com apenas um olhar, mas se apaixonar pela alma, se conectar com uma alma do jeito que a amizade acontece é um processo lento e delicado. E se você ama alguém —romanticamente —acho que precisa se apaixonar das duas maneiras.

—Por que você está tão brava comigo? —ela joga um travesseiro no meu rosto.

—Porque você está agindo como uma idiota. Você sabe que ama eles, viu? Você sabe. Você só se recusa a confiar nisso, e eu não sei porquê. Não, espere. Eu sei. Porque se uma nuvem fosse uma pessoa e uma pessoa fosse uma nuvem e, a sua nuvem teria formato de uma idiota.

—Comparações com nuvens não doem. —Becker me lança um olhar mortal e eu me forço a encarar a verdade nua e crua. —Tudo bem. Eles são meus amigos, sim, mas é como Vivian, Becker. Nós conhecíamos ela a três anos, então ela se mata. Ela era minha amiga. E agora que eu descubro um monte de coisa que ela não me contou, o que me faz pensar se ela realmente me considerava como uma amiga, também.

—Não é isso que importa, Di. O que importa é que ela contou, uma hora ou outra. Talvez ela não fosse boa com palavras.

Não, eu penso, essa sou eu. Ela era ótima com palavras. Ela era tão ótima que me apresentou a elas e fez com que elas parecessem inofensivas.

Ela fez com que eu não tivesse medo de usá-las.

—Você tem que confiar nas pessoas e ter a confiança de que nem todo mundo vai te machucar ou te sacanear ou te abandonar como ela fez, ou como seus pais fizeram. Você tem que abrir o seu coração para as pessoas que elas vão abrir o coração delas pra você, por elas confiam em você, entende? Então pare de pensar desse jeito.

—Me desculpe. —ela balança a cabeça. —Sério.

—Só pense nisso, —diz ela, olhando para o teto. —em como é importante. Talvez Vivian achasse que não tinha amigos. Como você pensa às vezes. Mas agora eu estou falando que você tem e eu espero que acredite. —Eu acredito, eu acredito, eu acredito. É estranho precisar de outra pessoa para concretizar algo que você já pensou milhares de vezes, mas nunca realmente acreditou. — E ela era ótima, mas em momentos como esse, eu não a invejo nem um pouquinho. E eu acredito que por causa disso, talvez a gente não sofra como ela sofreu.

—O que difere a situação?

—Falando por mim mesma, porque eu tenho os melhores amigos no mundo e eu vou conhecer eles até o dia que eu morrer.

—Eu tenho uma perspectiva melhor. —complemento, e ela me olha intrigada. —Eu tenho os melhores amigos do mundo e eu vou conhecer eles em cada dia que eu viver.

Sim. Soa melhor.


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