Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 21
Tensão Superficial


Notas iniciais do capítulo

espero que gostem



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Desespero. De ter que esperar para alguma coisa acontecer e perder sua chance. Eu sei que é humanamente impossível chegar em casa mais rápido, mas a ansiedade me devora viva e não tem piedade. Milhares de cenários se formam na minha cabeça com coisas que meu pai pode falar. Não sei nem porquê eu tenho tanto medo. O pior que pode acontecer é ele me tirar de casa mas eu não fiz algo tão grande quanto o que Gwen fez e eu estou cansada das brigas deles e de como tudo é tão horrível. Essa é uma daquelas horas que eu gostaria de ter um interruptor que desligasse minha mente ou que eu pudesse sair do meu próprio corpo, porque a perpétua tortura psicológica que eu mesma infrinjo praticamente me envelhece. Ian e eu conversamos. Eu acabo contando para ele sobre Gwen e explico sobre os meus pais, mas assim que eu boto para fora a situação parece meio idiota e insignificante e eu me sinto ainda pior, mas ele me conta sobre Tiff. Eles saíam juntos porque Ian vinha visitar Vic e Visia e ela estava sempre lá, na mesma rua. Jake é o irmão dela e eles moram sozinhos e roubam coisas das pessoas para vender e comprar bebida. Ian começou a beber com eles, bem antes de Vivian morrer, mas ela não sabia até pouco antes de acontecer. Ele conta que quando ela morreu, ele estava morando com Victoria na casa da frente porque era perto da escola onde ele ia. Eu pergunto sobre o seu pai, mas ele diz que ele mora com a madrasta de Ian e ele não se sente muito a vontade morando lá, principalmente depois de terminou o ensino médio. Quando Vivian morreu e deixou a casa para ele, ele decidiu se mudar e Tiff disse que estava grávida mas que não queria que eles se casassem. A única coisa que queria era que ele desse dinheiro para ela sustentar o bebê. Foi um choque. Victoria ficou furiosa —com Ian, claro —e ele estava quase concordando quando ele a viu bebendo cerveja e perguntou se ela não ligava para o bebê. Então ela começou a rir, porque estava desnorteada e disse que não tinha bebê nenhum. Então Ian terminou com ela e veio morar na casa de Vivian e está assim desde então. Minha raiva, se isso é possível, fica ainda maior quando ele termina de contar. Principalmente porque eu não consigo parar de pensar em Gwen e em Claire, e em tudo que elas passaram enquanto essa garota mente sobre estar grávida pra conseguir dinheiro. Isso é o fundo do poço. É assim que caminha a humanidade, senhoras e senhores.

—Você não pediu para ela abortar? —lembro da mulher que conheci na festa da Companhia Stein. Ele olha para mim como se eu tivesse dito que sou um E.T.

—É óbvio que não. Era um bebê. —faço que sim, o mais contente que eu posso ficar nessa situação. —Diana, uh... sobre aquela conversa...

—Que conversa?

—Sobre a minha mãe estar, ah, apaixonada por um... uh, padre. —Suas sobrancelhas se juntam e o rosto se enche de mudanças na maneira como a boca dele se mexe e como os olhos dele falam junto.

—Padre Jonah.

—Então é verdade?

—Você achou que era mentira?

—Achei que você tinha dito aquilo porque estava brava comigo e queria revidar.

—Eu estava brava mas é verdade. E ele vive atrás da sua casa.

—Parte daquela merda dos nomes, né? —interpreta ele. Faço que sim. —Como descobriu?

Eu conto. Ele desvia os olhos nas partes que eu falo sobre a noite que ele apareceu bêbado na minha casa e eu excluo a parte que meus pais brigam comigo porém ele ri quando eu menciono a Richmond. Falar fica fácil, talvez porque eu sei que ele está prestando atenção. É uma formula mágica pra me fazer abrir a boca. Conto que o padre mentiu para mim e da fala dele sobre Iron Man e da história. Quando eu termino, ele fica quieto, deixando-me a interpretar que o silêncio vem do tempo que ele leva pra entender tudo isso, sobre a mãe dele estar apaixonada por um padre. Pensando agora, é meio cômico, mas ele está completamente sério.

Então me faz uma pergunta que me deixa surpresa e em sua outra dimensão, traz familiaridade, algo natural que ele precisa perguntar.

—Ele falou de mim?

Sei o que é isso. E entendo que ele não odeia Vivian completamente porque uma parte dele sempre vai procurar pelos restos que ela deixou, as memórias, e se perguntar se ele está em alguma delas. As pessoas podem amar você imensamente, mas até o amor vai embora quando alguém morre. As lembranças ficam na mente dos que tiveram o privilégio de tê-la e vivê-la, ou que foram especiais o bastante para ganharem lembranças que os outros compartilham. Pelo menos esse estado de espírito Ian pode ter.

—Ele lembra de ver vocês dois na calçada, e ela lendo um livro e você prestando atenção. Não sei se você lembra dele.

—O cara negro da igreja. Vagamente.

Parece que ele está prestes a chorar, mas não se permite. Olha para a janela.

—Eu não lembro do meu tio, também.

—Vincent? —ele aquiesce. —Isso é esquisito, visto que você passou bastante tempo com as irmãs dele.

—Lembro dele quando eu era criança, ele gostava de abotoar as minhas camisetas do jeito errado. Deixava Vic puta da vida mas minha mãe só ria. Ele não apareceu no funeral.

—Por quê?

—Trabalho. —quero perguntar o que ele faz, mas não me interessa muito. Acho que o silêncio fica pesado e ele fala com o igual peso. —Isso é horrível, não é? A gente vai esquecendo as pequenas coisas, depois as pessoas e as pequenas coisas sobre essas pessoas e no final as pequenas coisas e as pessoas parecem tão insignificantes. Como se elas não fossem importantes o suficiente pra serem lembradas e se você pensar nisso, daqui há duzentos anos, não vai ter nenhuma prova de que a gente existiu de verdade. E a gente vai se esquecer. E virar nada.

—Eu sei que você existe de verdade. Se você pensar nisso, nós só existimos baseando-se nas pessoas que conhecem a gente. Converse com o padre Jonah. Ele conhecia a sua mãe e ela conhecia você, consequentemente ele sabe que você existe então vai ser bom pra o seu... coração.

Não sei por que razão, mas eu fico vermelha depois de dizer isso. Expor minhas opiniões me deixa vulnerável, como se assim eu tivesse dado permissão para ele me julgar. Ele não me julga, mas também não diz nada, pelo menos tão cedo. Quando volta a falar, muda completamente de assunto.

—Foi o meu aniversário.

—O quê? Quando?

—O dia que eu apareci bêbado. Eu tinha acabado de voltar da casa da Victoria e estava tudo bem mas eu cheguei em casa e me senti meio sozinho. Acho que eu não queria me sentir assim e não tinha ninguém para me impedir, então...

—Ian... —mas não sei o que dizer, meu rosto é desconhecido para mim e não sei se pareço chocada ou triste ou ambos. Ele balança a cabeça, cortando minha fala.

—Eu só precisava explicar.

Entendo —realmente —e fica fácil assentir e me sentir triste em silêncio.

—Aniversários são uma droga, né?

—Você que o diga.

—Mas eu já odiava antes de ela morrer, porque as pessoas nunca me davam nada de dia dos namorados e sim de aniversário. Então eu não sabia se alguns garotos que vinham falar comigo estavam falando por causa do meu aniversário ou porque eles queriam sair comigo.

Ele ri, depreciativo mas amigável.

—Tempos difíceis.

—Eu sempre fui meio idiota. —Serve de explicação. —Quantos anos você tem agora?

—Dezenove.

—Você vai pra faculdade esse ano? —Quando ele aquiesce, adiciono, —De quê?

—Estudos de comunicação. Depois publicidade.

Eu rio da ironia.

—Talvez você pudesse dar uma aula pra mim um dia desses.

—Você não está indo tão ruim. —Murmuro um agradecimento. —E você?

—Literatura.

—Óbvio. —Nós dois reviramos os olhos.

—Óbvio. —Me ocorre que as cartas de admissões vão chegar logo, logo e eu imagino o pesadelo que vai ser brigar com meu pai com relação as faculdades e onde ele quer que eu vá e onde eu quero ir. Talvez fosse mais fácil se eu simplesmente aceitasse o ele diz. Ian olha para a janela e eu lembro do meu pai, o que traz sensações muito ruins.

Inquieta, procuro meu celular querendo ligar para Becker outra vez mas não o encontro em nenhum lugar. É fácil esquecer do mundo real quando se está em um trem, suspenso no espaço. A inquietude se torna desespero.

Então eu paro. Olho para Ian.

—Acho que Jake roubou meu celular.

—O quê?!

—A última vez que eu vi ele foi quando eu estava cara-a-cara com ele e ele estava me deixando nervosa.

Procuro pela minha bolsa, no chão, no corredor do trem, mas eu não acho. Quando eu volto para a cabine, Ian está tentando ligar para alguém. Levanta os olhos para mim, completamente incrédulo.

Eles roubaram a porra do celular. —anuncia entredentes. A situação é tão inusitada que demora um segundo para se tornar realidade na minha cabeça. —Ele acabou de atender a ligação.

Aí eu fico com raiva.

—Filhos da mãe!

—Filhos da puta! Você quer voltar?

Eu amo meu celular e eu quero voltar, mas preciso ir pra casa. Provavelmente não vou ganhar um novo por causa dos meus pais e a perspectiva desse cenário é um filme de terror mas então eu penso em Becker e no terror que o meu pai vai fazer e engulo minha sede de tecnologia e digo que não. Posso comprar um com meu próprio dinheiro. Ele tenta argumentar, mas permaneço firme, então ele liga para Yasha.

—Vá atrás dele e dê uma surra. Se não conseguir o celular de volta, avise que eles vão pagar.

Descobri que com os meninos, se precisam de poucas palavras pra convocar uma briga. Ele desliga logo depois disso, sem falar mais nada. Parece bravo e irritado, espelhando a minha raiva e irritação. Quando eu pergunto se podemos chamar a polícia, ele diz que é melhor não. Pode "encrencar Yasha".

O resto da viagem é o inferno. É como esperar uma gota cair enquanto ela fica um século se decidindo de vai ou fica, ou um espirro que nunca vem. Esse tipo de inferno. Ele me leva para casa, e minha coragem se resume a sair do carro ao invés de sair correndo e ir direto para a porta de casa.

O que não esperava era encontrar meu pai na minha frente, abrindo a porta para mim. Fecho os olhos quando ele passa o foco para o carro de Ian, mas não sei que tipo de interação ele tem ou como Ian interpreta, só espero que ele vá embora logo, antes que meu pai queira ter "uma palavrinha" com ele, também. Escuto o carro se afastar.

—É esse o seu amigo? —Ele não me deixa entrar em casa, bloqueando a porta.

—Sim. —Olho nos seus olhos, mesmo aterrorizada. Não deve ser algo bom ter tanto medo do seu próprio pai, principalmente quando não se tem ideia do que ele pode fazer.

—Você está jogando sua vida no lixo, Diana.

—Não aconteceu nada, pai.

—Não minta pra mim!

Começa a gritaria.

Meus músculos tensionam, e eu dou um passo para trás porque a área de repente se tornou hostil demais para mim. Não recue, ordena Vivian.

Eu não vou.

—Não estou mentindo. Não sou a Gwen. —E eu me odeio no segundo que isso sai da minha boca, porque falar desse modo é quase como se Gwen fosse uma má pessoa. O que ela não é.

Meu pai fica um pouco vermelho e levanta a mão, na direção do meu rosto mas eu seguro seu pulso antes que ele consiga me bater.

Quando eu tiver um filho, ele vai chamar meu próprio pai de avô-terrorista, prevejo. Seguro com toda força a mão dele, fazendo seus olhos arregalarem e ele ficar mais vermelho ainda. Meus batimentos aceleram e adrenalina drena meu interior.

Sei que estou assustada e sei que eu posso estragar tudo, toda a proteção que era garantida para mim e foi tirada da minha irmã, mas eu continuo falando.

—Posso entrar?

Você não está assustada, você está com raiva.

Tão furiosa.

Mas tão amedrontada.

Portanto eu espero por uma resposta antes de prosseguir. Acho que ele vai explodir.

—O que fez você se tornar tão vulgar?Todo nosso trabalho é para garantir que você não se estrague e você comete os mesmos erros daquela garota. —A voz dele é afiada e vem contra mim com toda a força. Sinto-me diminuindo de tamanho na sua frente.

—Eu não estava com ele por causa dele. Eu estava lá pra falar com a irmã da minha professora, a que morreu caso você não lembre.

—Essa é uma das suas desculpas? Como ir para a casa da sua amiga?

Droga.

—Tudo bem, me perdoe! Me desculpe! Não culpe a Becker. Pode me colocar de castigo. Posso entrar? Por favor?

—Isso é excepcionalmente ridículo, o modo como você nos trata. Colocar de castigo não te impediu de sair, impediu? O que os pais da sua amiga acham de todas essas mentiras? Não vão gostar quando for eles os humilhados quando ela aparecer grávida.

Queima na minha pele, dentro de mim, no ar que eu respiro, mas não sei detectar o quê, apenas sei que queima, mas é como uma onda que vai ganhando força em mim e luta para sair e tenho certeza absoluta que vou explodir pelos ares.

—Você está errado.

Os olhos dele morrem, e a mão dele se levanta de novo mas sou tão rápida quanto ele —talvez até mais —e consigo segurá-la outra vez antes que chegue no meu rosto. No segundo seguinte ele vira e segura meu pulso tão forte que começa a doer. Mesmo com a dor de um pulso quase quebrado que ainda está sofrendo a pressão agonizante, eu consigo falar claramente, ignorando a nuvem de lágrimas que querem descer.

—A Gwen? Ela tem um emprego. —Mais dor. —Ela é sócia e dona de uma franquia de bares pela cidade. O nome da filha dela é Claire, ela é linda e incrível e estuda em uma das melhores escolas para crianças. Ela vem me visitar de tempos em tempos e me liga e manda emails quase toda semana, senão todo dia, e nunca esquece meu aniversário ou alguma data especial. Podemos conversar por horas. Ela nunca atrasou uma conta de luz ou hipoteca da casa ou impostos, nunca fez a filha passar fome ou dormir em um lugar sujo ou inapropriado e ela é uma adulta agora.

—Feche a sua boca. —ameaça ele, as veias da testa pulando de tanta raiva. Tento me soltar do aperto, mas ele continua firme e de certa forma preciso da dor como incentivo para continuar, me lembrar que mesmo que ele seja meu pai, continua sendo uma pessoa horrível. E eu não vou observar e deixar minha família —ou a que eu vou ter algum dia —ter lembranças ou pessoas tão ignorantes por perto.

—E a Becker? Ela é uma das pessoas mais legais que eu já conheci. Ela e a mãe dela conversam por duas horas inteiras sobre tudo, e ela passeia com os irmãos dela todo sábado a tarde, e trabalha com o pai dela. O namorado dela, Robbie, almoça na casa deles toda semana e os pais dela realmente conversam com ela sobre coisas como gravidez. —Não estou mais respirando. Nem ele. —Ela me ama e ela gosta da Gwen e realmente se importa comigo. Ela cuida de mim e sabe quando eu preciso de cuidados, mesmo que eu não fale. Ela é uma das pessoas mais certas que conheço. Ela é a primeira da turma em todas as matérias. Mas o mais importante é que ela é minha amiga, pai e nós não vamos cometer o mesmo erro de Gwen porque nós aprendemos com isso e a Gwen, mesmo com esse erro dela continua sendo um dos meus maiores exemplos. E ela me ama... você está me machucando.

Minha voz sai fina e a ponto de quebrar porque o choro luta com as palavras para sair, e ele larga meu pulso de uma vez. A dor aumenta e eu mordo minha bochecha, respirando fundo. Tento convencer a mim mesma que ele vai aceitar e esquecer isso e vai ficar tudo bem mas no fundo eu sei que agora, o estrago foi feito. Algo vai acontecer, e eu estou com medo mas preparada, porque não é nada que não tenha acontecido antes.

—Você vai me tirar de casa? —Meu pai continua me encarando. —Me expulsar?

Nada sai de sua boca.

—Eu faço o que você quiser, pai. Você quer que eu saia? Quer?

Eu quero que ele diga. Eu quero que ele me expulse de casa porque eu quero que ele fique sem mais ninguém para saber como é se sentir sozinho na sua própria casa. Eu quero que ele me perca como perdeu Gwen para que aí ele possa prestar um pingo de atenção na minha mãe —mesmo que ela mereça tanto quanto ele —e saber que ele causa todo esse inferno nas pessoas que o amam.

Se ele me tirar de casa, eu percebo, talvez toda essa dor vá embora. Talvez eu possa ser feliz como a Gwen.

Entretanto, é como se eu não houvesse feito pergunta nenhuma. Ele fica parado, com o rosto neutro, sem deixar escapar nenhuma informação então não tenho ideia do que se passa dentro da mente dele.

—Eu vou para Becker. E dessa vez estou falando a verdade. —Anuncio. Subo para meu quarto e deixo alguns soluços escaparem enquanto eu pego algumas roupas e coloco na mesma bolsa que eu seguro em uma das mãos, que eu usei para ir para Sterling Lake, mas não choro. Quando passo no corredor, a caminho da saída, meus olhos cruzam com os da minha mãe. Sabe quando você quebra alguma coisa acidentalmente, deixa cair? Minha mãe é a personificação do que você sente nessa hora, mas não há tempo para misericórdia ou pena. Ela desvia o olhar primeiro, voltando para o computador. Engulo seco e continuo a andar. Eu vou para Becker a pé, porque é onde meu carro está e meu pulso dói demais para pegar uma bicicleta. Chego lá vermelha e convicta que meu pulso vai inchar ou que quebrei de verdade. A mãe dela abre a porta. Me estende um saquinho com gelo e avisa que Becker está no quarto. Não faz perguntas, talvez pela minha expressão estupefata. O cabelo da senhora Mollison é ruivo como o de Becker, talvez um pouco mais claro, principalmente agora que avisto fios brancos na raiz. Nunca pensei nos pais envelhecendo, mas ela parece mais velha agora, talvez porque eu não presto muita atenção nela especificamente. Minha mãe não tem cabelos brancos, porém ninguém escapa do tempo. Quando Becker abre a porta, minha mente está se revezando entre comparar Becker com a mãe dela, tentar concentrar a dor para que não domine meu corpo e mente inteiramente e tentar não chorar.

Conto as pressas o que aconteceu e ela me puxa para dentro do quarto. Enquanto termino de contar alguns detalhes —chegando na parte que eu acabo em casa e porquê estou sem celular —ela passa um tipo de gel no meu pulso, que ela usava quando era líder de torcida e tinha uma contusão.

—Acho que não está quebrado. Você está chorando?

Eu faço que sim. Ela não vê porque está concentrada na minha mão, mas depois que aquiesço e não falo nada ela levanta o olhar. Dá um sorriso triste e se senta no chão, na minha frente.

—Vai ficar tudo bem.

—Becker, meu pai pode te meter em maus lençóis. —e me sinto péssima por ter provocado isso. Devia imaginar que alguma hora eles iriam descobrir. —Eu prometo que não não vou mais pedir pra você me encobrir. E se eu pedir, você recusa.

—O pior que o seu pai pode fazer é falar com a minha mãe sobre irresponsabilidades de adolescentes. E se passar disso, meu pai ama conversar, também. —Ela senta do meu lado na sua cama. Caímos no travesseiro, e eu me sinto cansada. —Eu não me importo.

—Você sabe como ele é assustador quando quer.

—Há alguns meses você nem saía de casa, Diana. Agora você pode dizer para os seus filhos um dia que fugiu de casa com um garoto. Duas vezes.—Quando abro a boca para protestar, ela me interrompe. —E eu te ajudei. Nas duas vezes.

Ela relembra St. Mara. Sou invadida por um desejo de voltar lá.

—Mas e se os seus pais descobrirem?

—Não é como se você tivesse fugido para sempre para ficar grávida. —retorque ela, com razão.

—Eu poderia ter morrido.

—Cale a boca. —Ela não bota muita fé nas minhas palavras. Eu calo a boca, mas minha mente continua funcionando. Ela seca uma das minhas lágrimas, e eu fico olhando para ela e conectando os pontos em que as suas características são como as da mãe. Não sei porquê, mas eu tenho pensado muito nisso, no futuro. Em como vai ser quando tivermos a idade dos nossos pais. Não sei muito sobre a história dos pais da Becker, e nem dos meus —sei que se conheceram na faculdade e etc. —e somente espero que tenhamos uma vida melhor que a deles.

—Quer fazer uma loucura?

—Palavras que nunca esperaria ouvir de você.

—É só dizer sim ou não. —Eu reviro os olhos. Minha garganta dói, mas estou mais recuperada agora. Apenas sinto falta do meu celular e estou com o coração apertado pelos meus pais. Detalhes.

—Duh, óbvio.

—Isso não é sim. —Brinco. Ela bufa e não responde. —Vamos para St. Mara. Tipo... agora. Você vai gostar de lá.

Isso é tão ridículo que não consigo me imaginar indo para lá agora, mas então Becker responde.

—Claro.

E eu fico com vontade de chorar.

—Sério?

—VOCÊ está falando sério?

—...Sim. —Talvez?

—Então vamos, vou falar com a minha mãe.

—Calma aí. —Ela pausa e me encara. Pratico as palavras na minha cabeça, porque preciso dizê-las, mesmo não sendo boa com essas coisas. Às vezes eu esqueço que nem todo mundo pode interpretar o que eu estou sentindo e é preciso de um pouco de esforço para externalizar tudo. —Você é minha melhor amiga, Becker. —Eu digo, porque acho que nunca falei isso para ela com todas as palavras. E caso algum dia ela se sentia tão horrível quanto eu, isso pode ajudar. Ela sorri.

—Eu sei.

—Eu sei.

—Sabe o Travis de A Complicated Kindness que leva a Nomi pra fazer um monte de merda que ela não devia fazer por causa da igreja? —Desde que o professor nos mandou ler esse livro, Becker ficou fissurada no garoto boêmico. Ao ponto de que um dia ela e Robbie acabaram brigando por causa dele.

—Sei.

—Eu sou o Travis. Você é a Nomi. Agora vamos.


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