Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 20
Vivian & Victoria & Visia


Notas iniciais do capítulo

espero que gostem
P.S: vocês sabem que eu gosto do pinterest, né? Então, eu fiz mais dois boards (no mesmo estilo dos que eu fiz antes, sobre a gwen e da vivian) mas dessa vez sobre a Diana e paper women no geral, as fotos que mais capturam a história. Cada um tem menos que trinta pins, porque eu peguei só o essencial do board original (é um board privado pois contém spoilers da história) e enfim, eu acho o pinterest muito útil e importante então se você tem tempo, veja as fotos que eu botei. Elas capturam tudo que eu não consigo dizer com palavras. (http://www.pinterest.com/wohotobias/paper-women-i/) (http://www.pinterest.com/wohotobias/diana/)



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O que eu descubro no resto da noite são migalhas e fragmentos sobre Vivian, Victoria, Visia, e cá e lá, o irmão, Vincent. Não são informações completas, mas as histórias são ricas de detalhes que formam uma pessoa inteira, que explicam pequenas coisas, como peças de Lego. Ficamos na escada pelo que parece a noite inteira. As irmãs Winter são as narradoras e eu e Ian fazemos o papel dos ouvintes, ansiosos por informação. Tem isso também: Ian parece tão curioso quanto eu. Talvez ele não escute nem pergunte sobre essas coisas. Não consigo imaginar alguém não curioso sobre isso, sobre Vivian. No meio da história, Asif chega. Ele tem uma barba estranha e óculos estranhos e é inteiramente estranho, mas os olhos de Visia acendem quando observa o carro dele estacionar, como duas luas sob a luz de um abajur. Ela se levanta, vai até ele, beija-o e abraça-o de uma maneira que me lembra a descrição do padre Jonah sobre Vivian e o ex-marido. Me pergunto se não é por isso que ela não aceita casar com ele —e se acha que as Winters tenham alguma espécie de maldição empírica que elas mesmas rogam para si que fazem todas as suas relações se destruírem. Falo com convicção sobre isso porque em certa parte da história Victoria conta sobre o marido russo e que eles estão "passando um tempo separados." Ela diz que às vezes você tem que amar apenas certas partes de uma pessoa, e não ela completamente, se não acaba odiando-a. Aconteceu com o marido dela, mas assim como Vivian falava sobre Gregg Webster, Victoria não parece afetada. Ela ainda ama ele, eu sei, mas as coisas são como são. Porém, voltando para a cena onde Visia reencontra o namorado, eu percebo a diferença entre o amor de Vivian por Gregg e pelo padre Jonah, e talvez chegue perto da conclusão de que eu acho que ela não estava realmente apaixonada pelo padre. Ela devia achar que sim, ou podia estar realmente —de fato devia ter mais experiência que eu nesse quesito —mas eu vejo no jeito como Visia fica na ponta do pé para beijar Asif (ainda não sei como pronunciar esse nome) e no modo como ele segura na cintura dela e no brilho quase invisível, mas perceptível: isso me parece o tipo de amor certo. Aquele que salva vidas, ou talvez alinhe o passado, presente e futuro de uma pessoa e é como se sua vida estivesse na ponta de uma régua, combinada, certa, segura. Lembro de um dia, quando Gwen ainda estava em casa que ela perguntou para mamãe se ela amava o papai. Essa é uma das poucas conversas que eu me lembro de antes da História da Gravidez, talvez porque eu repita essa conversa várias e várias vezes na minha cabeça toda vez que eu vejo meus pais, ou que nós brigamos. Ultimamente, desde a cena que eu presenciei na sala da nossa casa —minha mãe dando apoio e meu recusando —ela vem para mim com mais frequência, uma tática sinistra da minha mente para fazer com que eu me sinta mais confusa com relação a isso, ou me lembrar de que houve uma época que as coisas estavam bem e todo mundo se amava.

Gwen fez a pergunta, então minha mãe disse,

—Seu pai tornou tornou minha vida certa.

É estranho pensar que uma frase da minha mãe possa ser usada para explicar o que eu estou querendo dizer. E o que eu estou querendo dizer é que Vivian apenas sentiu o amor do jeito errado. Chegando nessa conclusão, me sinto horrível por ela porque das duas vezes que ela encontrou o amor, não duraram. Então tem Ian, e o fato de que ela o afastou desde sempre.

Talvez de tanto amar do jeito errado ela tenha esquecido de como amar do jeito certo. Não conto isso para Ian, com medo de que ele fique bravo comigo de novo e é quase duas da manhã e estou cansada demais para pensar em argumentos ou falar qualquer coisa, de qualquer maneira. Nós entramos, eu tomo um banho, depois Ian toma um banho e Victoria nos faz comer panquecas que ela prepara rapidamente, porque não chegamos a comer na casa de Visia. Ela sai da cozinha por um momento e do canto do olho eu vejo uma fila de Winter-Vladivostoks (esse é o sobrenome do marido de Victoria) parados nas portas dos respectivos quartos. Victoria vai até cada um deles —até o babaca do Yasha —e lhes dá um beijo na testa, segurando-os como se fossem desintegrar.

Eles são a família dela.

Apesar de tudo, consigo entender seus gestos. Sinto inveja deles. Um desejo inumado de fazer parte disso inunda meu ser.

O mais legal, no entanto é quando terminamos de comer e vamos para nossos quartos. Eu abraço Ian de novo e dessa vez ele ri, mas ainda não me abraça de volta. Não ligo. Victoria ri também. Quando ele vai para o quarto, ela para na sua frente e dá um beijo na sua testa como fez com os outros, depois faz a mesma coisa comigo.

Há algo nisso que imediatamente traz um nó a minha garganta. E mesmo quando ela se afasta, eu fico ali por mais alguns segundos, sentindo como se eu acabasse de recuperar algo.

Essas são as coisas que eu recupero da narrativa intercalada de Visia e Victoria:

O problema era a mãe delas. Ou talvez elas sejam o problema e a mãe delas seja a razão de tudo isso, a primeira Winter a sair de casa sem fazer faculdade, a primeira Winter a casar na família, a primeira Winter a se divorciar em toda a história das Winters. A verdade era que ela só queria sair de Minnesota e fazer alguma coisa da vida, e foi aí que o Primeiro Marido chegou.

O avô-terrorista. Ninguém sabe como ele apareceu, de onde surgiu ou a família dele. Talvez estivesse tão perdido quanto Clarence Winter, mas nenhuma das filhas dela eram nascidas para saber. Ela poderia estar apaixonada por ele, mas talvez o desejo de mudança era maior e despistava o amor. De uma coisa, Victoria sabe: ele estuprou ela. A mãe, Clarence Winter, quero dizer. Mas, naquela época, o quanto pode se estuprar alguém que fez votos de fidelidade e aceitação e todo o resto? Não houve alarde. Não foi algo tão grande, mas acontecia com certa frequência. Disso saiu Vivian. Ela não sabia que havia nascido em consequência disso, mas devia imaginar, porque conforme crescia, isso continuava acontecendo. E ele bebia também. Uma vez, Vivian viu ele bater nela, depois que ela tentou esconder uma garrafa de bebida no armário embaixo da pia. Clarence Winter nunca mais fez isso. Vivian aprendeu a esquecer (ou talvez nunca tenha esquecido) e achou uma saída quando Vincent nasceu. Ele foi o primeiro a dar indícios daquela personalidade maluca que viria a desabrochar em todos os outros, mas até aí, não havia nenhuma semelhança com a mãe. Ela era quieta e forte, aguentando em silêncio o terror que ele imperava na casa. Ele trabalhava em alguma coisa que as irmãs não sabem o quê, mas era o suficiente para que Clarence não precisasse trabalhar. Entretanto, a estabilidade financeira não era o suficiente para manter Clarence, Vivian e Vincent naquele estado de desespero, esperando pelo próximo ataque, a próxima cena que o homem daria e a próxima noite que os irmãos ouviriam os choros de Clarence do quarto ao lado. Devia parecer uma estranha realidade, para eles. Tinham sete e cinco, respectivamente.

Então um dia Clarence saiu de casa. Bum. Apenas isso. Algumas pessoas conseguem se tornar mais do que são, vencer as limitações na hora em que menos esperam e mais precisam. Vivian nunca falou sobre isso, nem Vincent, mas Visia tem certeza que isso traumatizou-o um pouco, porque sempre foi uma criança estranha. E uma pessoa, no geral.

Ela foi parar em Chicago, onde os três passaram fome e dormiram na rua por algumas semanas, mas era melhor do que o que tinham em casa. Uma curiosidade: Clarence e o terrorista nunca se casaram. Fizeram juramentos perante Deus e tudo mais, mas legalmente não eram casados, então o fato de que ainda era "prometida" para o homem-terrorista não a impediu de se casar com um homem chamado Harry Sallinger, um dono de uma fábrica que fabricava pneus no interior de Chicago. As irmãs Winter acham que Clarence e Harry se conheceram quando Clarence foi procurar por emprego, já que conseguiu um na fábrica e voltava para o quarto de hotel em que eles moravam todos os dias com os dedos sujos de borracha. Eles se casaram de verdade, e ela parecia feliz. Vivian e Vincent puderam ir para a escola, e ela estava quase terminando o ensino fundamental quando uma menina de cabelos loiríssimos chegou à família com o nome de Victoire, porque Sallinger achava que o nome francês faria alguma diferença na carreira da menina quando crescesse, mas no interior dos Estados Unidos, ninguém entendia palavras chiques e acabou ficando Victoria mesmo, até na certidão de nascimento.

Agora eram três. Harry parecia amar de verdade Clarence, por aceitar todos os seus filhos e cuidar deles como seus próprios. Levava Victoria, Vivian e Vincent para o zoológico e parecia ouvir Clarence, entendê-la e compreender seus medos e anseios. Eles conversavam, compartilhavam tudo e a vida corria bem. Vivian e Vincent adoravam cuidar de Victoria. Mimavam-a com a mesma frequência que implicavam com ela, pelos seus cabelos super loiros —da parte de Harry Sallinger —e porque ela era exatamente como eles. Haviam noites em que os três ficavam acordados até tarde, principalmente no primeiro dia de aula, porque eles estavam tão animados que não conseguiam dormir e isso fazia com que todos eles chegassem atrasados na escola, mas havia uma sensação de união, em que todas as partes sofreriam juntas. Vivian, mais velha, ajudava em casa, limpando, cozinhando, observando a mãe. Ela tinha jeito de quem queria ser igual à Clarence, mas não havia como, porque Clarence agora era mãe e trabalhadora e esposa e não podia mais fugir de casa, nem se dar ao luxo de ter pensamentos rebeldes, até porque não estava mais em uma cidade tão pequena assim. Vivian aspirava o tipo errado de pessoa, mas por sorte, ela acabou indo na mesma direção dos outros irmãos.

Eles brincavam todas as tardes na floresta atrás de casa, sujando as mãos e os pés e as bochechas e contavam os segredos de escola e Vivian e Vincent espalharam para todo mundo que Harry Sallinger era seu pai e quando Harry ouvia isso dos amigos que tinham filhos na escola, ele desarrumava o cabelo de um deles, rindo. Eles ficariam vermelhos de vergonha mas não desmentiam, porque no coração deles era verdade. E o fato de Victoria ter uma parte da equação diferente da deles não influenciou na relação que os três desenvolveriam com o tempo. O de contar segredos, notas baixas e coisas erradas. Com o tempo, Vincent foi se distanciando mais, mas as meninas acharam que era porque ele era um menino e não gostava de falar de coisas de menina. E estava crescendo, e começou a andar com seus próprios amigos, mas Vivian e Victoria continuaram amigas, mesmo com a diferença de idade.

Então um dia, Sallinger morreu, deixando a fábrica e a casa para Clarence, mas dessa vez, ela pirou completamente. Vendeu tudo, fez as malas e voltou para onde morava com o primeiro homem, que descobriu viver lá ainda, mesmo depois de dez anos. Ninguém entendeu porquê e ela nunca comentou. Foram dias malucos e Victoria nunca havia ficado tão assustada. Pensava em coisas idiotas que as crianças pensam quando uma mudança de rotina acontece, e a única coisa que se passa na sua cabeça é, mas e a escola? ou o gato da vizinha que tinha sido posto sob os cuidados de Clarence quando a mulher foi viajar e poderia morrer se eles não voltassem naquele instante e botassem comida em um potinho. Por que ninguém mais parecia assustado? Vivian estava quieta, Vincent também, talvez reconhecendo o lugar para onde voltariam. Mas Victoria parecia a única verdadeiramente assustada. Os outros tinham um olhar assustador de uma paz, como se estivessem indo para a morte e ela fosse mil vezes melhor que a vida. Não, Victoria não entendia. Ela tentou abraçar Vivian no ônibus de volta para Sterling Lake, mas Vivian parecia não ter força de vontade para segurá-la, como se já estivesse morta.

Eles voltaram, e Clarence fez os três dormirem no quintal enquanto ouviam os gritos da mãe naquela primeira noite. Ela morria de medo da reação dele quando visse Victoria —que não se parecia nada com ele. Tudo que fez foi encará-la e chamá-la de "filha-da-puta" depois voltou para sua bebida. O inferno começou e ardeu tanto que ninguém mais parecia o mesmo, todo mundo com o peso da dor e infelicidade no ombro. Vivian. Vincent. Victoria.

Então veio Visia.

Ela era sempre feliz. E ela gostava do pai, —o avô terrorista —por uma estranha razão. Victoria nunca gostou dele, odiava com o fogo de milhares de sóis, mas mantinha a boca fechada. Vivian e Vincent mantinham distância. Eles já eram adolescentes, então podiam ser mais independentes. Vincent começou a trabalhar com quinze anos em uma loja de conveniência e e Vivian era bibliotecária. Todos eles iam para uma escola pública agora. Visia era fofa e ingênua e o produto da escuridão de casa que refletia luz. Automaticamente amaram ela. Visia nunca chegou a viver muito tempo com Vivian, porque quando completou três anos, Vivian saiu de casa. Tinha dezenove anos e viajou para a Inglaterra para estudar. Ninguém sabia, mas ela havia guardado cada centavo ganho todos esses anos e estava pagando a própria ida. Victoria chorou bastante, mas agora ela era a mulher da casa. Não muito tempo depois, foi a vez de Vincent de ir embora, e ficaram apenas Victoria e Visia, da forma que sempre ficaria. Elas não conseguiam ir embora, mesmo depois de adultas. A mãe se matou afogada em um dos rios que cortam a cidadezinha, e a partir daí, o avô-terrorista ficou pior. Uma vez, ele tentou tocar em Victoria, mas mesmo jovem ela era rápida e corajosa e bateu nele. Mas ficava. No enterro, todos choraram. Os quatro filhos. Eles passaram semanas chorando, mas não pelos motivos que as passaram achavam. Não era porque sentiriam falta da mãe —ela havia ido embora há muito tempo, quando voltou para aquele lugar —mas era porque ela era a única coisa que estava entre eles e o homem. Ele não chorou. Fumou, apenas. Eles viram a mãe ali, parada, congelada no caixão e mais tarde, Vivian contou à Victoria que tinha inveja da mãe, porque ela parecia tão em paz. Victoria perguntou se Vivian se sentia em paz, e ela assentiu severamente e respondeu que ficaria melhor assim que saísse daquele lugar. Ela saiu.

Victoria não. Ela tinha que ficar por causa de Visia, se não ela não teria ninguém. O homem só aparecia de vez em quando para causar problemas, senão estaria em um bar, brigando com alguém por lá ou era visto na casa de mulheres. Vincent passou a mandar dinheiro para Victoria, como ajuda. Ele havia prometido, antes de ir embora do enterro da mãe, que iria ajudar com tudo que fosse preciso. Ele não levou-as embora, como poderia ter feito. Elas não sabem porquê. Vivian também não, mas ela morava longe e não tinha o dinheiro que Vincent tinha, por alguma razão. Entretanto, ele manteve sua palavra e mandava o dinheiro. Depois de um tempo, Vivian mandava também, e foi assim que souberam que ela havia se casado. Ela parecia mais feliz. Não era como se ela nunca tivesse parecido feliz antes, mas é como se alguém tivesse dado permissão para que ela usasse a felicidade do lado de fora. Agora ela era professora. O marido dela era parecido com Harry Sallinger de personalidade, e ela estava apaixonada. Com tanta energia. Costumava ligar para Victoria e Visia sempre e aparecia mais nos feriados e datas comemorativas. Apesar de elas nunca terem ido no seu casamento, Vivian descreveu cada detalhe à noite, em um Natal. Elas tinham uma mania de que sempre dormiriam juntas no Natal, porque faziam isso desde pequenas. Às vezes no sofá, ao som da tevê, ou elas juntavam seus colchões e despachavam os namorados (e o marido de Vivian) para longe. Vincent parou de aparecer, mas ele sempre ligava. Só não sentia como se fizesse parte do grupo, e ninguém o culpava. As coisas melhoraram cada vez mais quando, depois de um tática de persuasão, conseguiram colocar o homem em um asilo. Já estavam inútil mesmo. Apesar de não falar muito, Visia sempre se sentiu culpada por isso. Ele era mesmo seu pai e era natural que, não importa o quanto ele a fizesse passar, era a única descendência que ela possuía. E com Vivian e Vincent longe, era a única filha dele presente. O homem desprezava-a a maior parte do tempo e passou a ter interesse por Vivian. Ela costumava ir no asilo e leria para ela quando podia para ele, talvez porque o asilo ficava perto de onde ela morava e agora que a sua vida estava bem, havia espaço para o perdão por tudo que ele a fez passar. Era um tipo de sistema doentio o deles, os Winters. Amando as pessoas que não deviam, mas que eram obrigadas, tentando fazer a coisa certa mesmo que não fizesse a diferença. Ele sempre seria o terrorista. Vivian escolheu não ver isso.

Enquanto isso, a vida das três garotas Winters estava melhor do que nunca. Visia e Victoria foram viajar pelo mundo e aí que Victoria conheceu o marido e Visia conheceu o amor por fotografia. Victoria foi para a Rússia e se casou. Nenhuma das irmãs foi ao seu casamento. Mas elas mandavam cartas e cartões postais para Vivian, e essa mandava fotos e cartas para as duas, com fotos de Ian ou algum dos seus alunos. Parou de mencionar o marido até que as duas voltaram para visitá-la naquele casarão que ela morava. Estava sozinha e magra —sem Ian nem o marido. Ambas enlouqueceram quando souberam da decisão dela de mantê-lo longe, mas ela permaneceu calada e impenetrável. Como uma crosta de tristeza que a protegiam de alguma coisa. Ela estava com medo de ser mãe? O marido tinha dito alguma coisa? Fora escolha de um juíz?

Foi minha a decisão, ela respondeu. Elas pararam de se falar.

Mas apenas por um tempinho. Logo outra carta chegou e outra resposta foi mandada e o contato recomeçou. Victoria e Visia foram visitar Ian na casa do ex-marido de Vivian, e ele parecia feliz, então elas não mencionaram mais o assunto. Contanto que ele pudesse ficar por perto, estaria tudo bem. Os filhos de Victoria vieram. Asif chegou. E a última vez que elas viram Vivian foi quando ela foi visitá-las em Sterling Lake (porque ainda era a casa delas, quando Victoria voltou da Rússia) e as três foram para a praia, Vivian com Ian e Victoria com os filhos e Visia sozinha e estava anoitecendo e Vivian prendeu o cabelo e ficou parada no meio da praia. Na areia, as luzes da noite deixavam o cenário azul e laranja. Ela olhou para o céu e viu as estrelas. Não parecia tão triste quando antes. Parecia até livre. Estava mais velha e Victoria via a semelhança com a mãe, mas ela nunca, nunca, nunca imaginou que ela acabaria da mesma forma, porque Vivian sempre foi forte. Ian estava com as crianças. E foi só isso mesmo. Ela não falou nada que as preparassem para o que estava por vir —a morte, o suicídio —ela só foi para a praia depois voltou para casa. Não tinha nada de extraordinário no momento, porque elas haviam feito aquilo milhares de vezes.

Ainda assim.

As irmãs Winter —as que ainda estão aqui —sempre acharam que essa era uma boa visão para se lembrar de alguém.

E por causa de uma cruel ironia do destino —compensando a absência no casamento —as duas compareceram no funeral.

Acordo com uma ligação. Oito da manhã. É tão anormal que eu me desespero e meu primeiro pensamento é que alguém morreu. Mas eu vejo o número de casa e por um segundo, o que me espera é pior do que a morte de alguém. Eu atendo, tentando não parecer tão sonolenta ou fora de foco. Minha cabeça não acordou ainda.

—Alô?

—Onde você está?

—Na Becker. Mãe? O que foi?

—Você não está na Becker, então me diga onde você está.

O sangue foge de mim. Drenado para fora pelo medo que se instala e eu não sei o que fazer com esse medo sem que ele me impeça de falar normalmente e tentar acalmar a situação. A voz da minha mãe é dolorosamente gelada, sem emoções. Eu não quero ouvir porque me lembra o avô-terrorista.

Lembra as coisas ruins.

—Como você sabe que eu não estou na Becker?

—Eu liguei lá e uma mulher, que eu assumo ser a mãe da sua amiga, disse que você não tinha aparecido, então me diga. Onde. Você. Está.

—Eu estou... —com quem? Eu não tenho mais mentiras. —Na casa da irmã da minha professora.

Espero ela conectar os pontos e lembrar do que eu disse na nossa última conversa. De fato ela conecta os pontos, mas na hora errada.

—Aquele garoto está com você?

—Mãe... —mas o que eu posso dizer? Ela já sabe da verdade. Tarde demais.

—Venha para casa. AGORA.

—Mãe, eu juro que não está acontecendo nada entre eu e ele.

—Seu pai chega às três. —Ela murmura e eu acho vai parar por aí. Mas fica cada vez pior. —E ele quer ter uma conversa com a sua amiga.

Não.

Ela desliga, abandonando minhas esperanças de conseguir acalmá-la. Me sinto mil vezes pior agora que ela colocou Becker na história. Becker, que não tem nada a ver com isso. Eu me levanto e me visto rapidamente, mas quando eu saio sou acolhida por um silêncio, porque a casa está dormindo ainda. Me sinto levemente tonta e perdida e com um medo atacando meu estômago, enquanto meus músculos congelam e estagno no lugar, estupefata.

Eu preciso de ar. Vou para o quintal e ligo para Becker mas a necessidade de me distrair é maior e eu saio do quintal e ando pela rua, porque preciso daquela sensação de estar fazendo algo útil. Andando e saindo de algum lugar, uma falsa sensação de controle e de estar voltando para casa. Becker não atende. Eu ligo outra vez. E outra vez. E eu continuo andando, me proibindo de chorar. Não posso fazer isso toda hora e é o último lugar para fazer isso.

Por fim, ligo na casa dela e a mãe dela atende, mas só me deixa mais nervosa quando pergunta desconfiada onde eu estou. Eu desligo na hora, sem conseguir ficar parada.

Se acalme, Diana. Se acalme. Se acalme, respire. Você tem algumas horas pra voltar pra casa e pensar em algo para dizer. Não vai ser tão ruim.

Não ajuda.

—Precisa de um cigarro? —uma menina em uma das casas pergunta. Ela parece meio suja, mas sei que é só a poeira da estrada. Não tinha visto ela da minha própria bolha, mas sei que estava ali o tempo todo. É o final da rua. Ela usa uma blusa amarela regata que vai até o meio do seu abdômen e shorts jeans, o cabelo loiro espalhado como se tivesse acabado de acordar. Ela fuma.

—Não, obrigado.

—Cê é nova aqui? —ela tem um sotaque estranho.

—Ela tá com o Ian. —um cara sai do outro lado da rua. Ele tem cerveja na mão, mas não parece bêbado. A menina parece chocada. Eu sinto medo irracional ouvindo a voz dele. Perigosa. Eu não gosto, e me deixa mais afetada ainda, meus batimentos aumentando. A menina ri, voltando a tragar o cigarro de onde está sentada, na porta de casa.

—Cê é a nova namorada dele? —ela pergunta. Do canto de olho, o cara se aproxima. Está sem camisa e parece obsceno como um adolescente na puberdade. Mas bem mais velho. A barba deixa ele feroz, e ele me olha com uma certa raiva ou desejo mas não gosto de nenhum dos dois.

—Não.

—Então ele só te fode?

Vou vomitar.

—Eu te chamaria de minha namorada, uma menina tão bonita como você.

Eu estou com medo e começo a voltar para casa, quase imperceptível.

—Ofereça a cerveja pra ela, Jake.

Ele estende a cerveja para mim, mas eu recuso.

—Ela é mais santa que você, Tiff.

—Todo mundo é mais santo que eu. —diz ela, e é engraçado porque ela não parece nem um pouco arrependida. Me recorre então, que ela é A Vadia. E eu me odeio porque ao invés de odiá-la, eu sinto medo. Ela sorri meio perversa. Aperto meu celular, na minha mão, pensando no que eu poderia ter feito para merecer um começo de dia tão ruim.

—Ele te chama de linda? —Jake pergunta. Não entendo o que ele quer dizer, principalmente porque quando ele se aproxima ainda mais e eu não consigo pensar direito. Mas não é como aqueles livros que a garota não consegue pensar direito porque ela quer beijar o garoto e coisas do tipo. Eu não penso direito porque estou aterrorizada. Ele está perto o suficiente para me beijar e eu viro o rosto para o lado só de precaução. —Eu aposto que ele te chama de linda e recita poesia para você. Aposto que você ama.

—Todo mundo ama! —grita Tiff, de longe. Não entendo porque ela deixa ele se aproximar de mim desse jeito nem quem eles são ou o que são. Só quero sair daqui.

—Ele não é meu namorado.

—Como você deixa ele excitado? —A Vadia pergunta, de uma maneira que alguém perguntaria sobre o tempo.

—Olhe pra ela, ela é gostosa. Não precisa de muito. —Jake sorri para mim como se acabasse de me dar um elogio. Não, obrigada.

—Preciso ir.

—Converse com a gente! —grita ela. Jake segura minha bochecha e por mais que a mão dele seja macia, é gelada porque estava segurando uma cerveja e ele beija a minha bochecha e eu me pergunto o que ele faria se eu vomitasse nele.

—É sério... eu...

—Por favor, antes de ir, eu tenho uma pergunta. —Tiff diz isso de uma forma séria então apenas encaro, grata por ter algo para olhar que não seja o rosto de Jake muito próximo ao meu. Essa é a situação mais degradante em que eu já estive. —Cê usa camisinha, né?

Então ela começa a rir. Ela realmente começa a rir e eu fico com raiva mas eu fico com vontade de chorar porque eu lembro de Ian.

E como se fosse a força do meu pensamento, eu escuto a voz dele gritando meu nome e quanto nós três viramos na direção do som, eu vejo Yasha junto com ele e eles correndo para cada vez mais perto. Parecem desesperados. E sem camisa. Os dois.

Isso vai ser ótimo.

—Diana!

—Ela tem um nome! —Jake diz. Quando ele me alcança, Ian puxa meu braço com tanta força para perto dele que chega a doer. Ele está sem fôlego e eu não tenho tempo de processar absolutamente nada, porque Yasha já está deferindo um soco em Jake. Ele cai no chão e então Yasha tenta controlar a respiração e Tiff volta a falar.

—Oi, Ian! Bom te ver!

Eu a odeio. Agora que não estou mais com medo, eu lembro do quanto eu a odeio.

—Vá se foder. —ele não parece afetado.

—Depois que você foi embora, eu faço isso com bastante frequência. —Ela comenta, fingindo tristeza, trazendo uma careta no rosto de Ian. No chão, Jake geme de dor mas não ficamos por muito tempo, visto que Ian começa a me arrastar para longe na mesma hora. Eu ouço Tiff rindo. Ian olha para Yasha.

—Valeu, cara.

—Ele ateou fogo no meu skate semana passada. —explica Yasha. Ian assente, então, quando estamos a uma distância considerável da casa de Tiff, Ian se vira abruptamente na minha frente. Ele coloca as mãos nas minhas bochechas e me aperta e olha fundo nos meus olhos quase encostando a testa na minha. Seria até romântico se não fosse tão brusco e eu não estivesse tão assustada e inquieta. Ele não parece muito melhor.

Nunca mais faça isso.

—Eu não sabia.

—Sabe o final da Richmond? —a pergunta me pega de surpresa e eu me pergunto se ele já passou pelos lugares que eu passei. Faço que sim. —Isso aqui é pior.

—Tudo bem, desculpe. —ele dá um pouco de medo quando fica todo intenso desse jeito, e minha cabeça está girando mais do que deveria para um começo de domingo. O sol na minha pele dá a sensação de começo da manhã e eu não estou mais com medo. Apenas tonta. —Por que você está tão bravo?

Pergunta idiota.

—Eles são uns cretinos de merda. —diz Yasha. Eu tinha me esquecido que ele estava ali o tempo todo.

—Ela é A Vadia. —Ian explica, soltando meu rosto.

—Eu meio que percebi isso.

—O que eles disseram?

—Se você não se importa, não me sinto confortável repetindo.

Ian me lança um olhar incrédulo de você está falando sério? mas me mantenho firme, pois não quero mesmo repetir as coisas que eles disseram.

—Não foi legal. —remendo.

—Tudo que sai da boca deles é um monte de merda. —Yasha comenta. Estou achando que é impossível para ele deferir uma frase sem adicionar um palavrão nela, mas surpreendentemente isso não me incomoda. Talvez seja porque todo mundo por aqui fale como Vivian, então é como voltar no tempo.

Ian assente. Eu lembro de uma coisa muito importante, então paro.

—Ian?

Ele para também. Yasha só se vira para ver se estou falando com ele, depois continua a caminhada.

—O quê?

—Eu tenho que ir pra casa. Agora.

Ele faz uma expressão engraçada.

—É por que você acha que eu estou bravo com você? —Faço que não. Explico para ele que minha mãe ligou e eu preciso estar em casa porque preciso arranjar uma boa desculpa que livre Becker da culpa, antes que meu pai chegue. Não gosto nem de imaginar o que meu pai diria para ela. Não há como ele a ameaçar, mas suas palavras são duras. Ele não faz uma cara de quem acredita que isso é muita coisa, mas é porque não cheguei a explicar a dinâmica da minha família, e só alguém de dentro consegue entender. Provavelmente Ian lê a beira do desespero na minha voz e voltamos para casa para arrumar nossas coisas. Victoria fica irritadíssima quando Ian avisa que estamos voltando. Eu acabo explicando a situação, e ela me faz um interrogatório sobre tudo. Não me sinto tímida respondendo suas perguntas. Ela nos dá dinheiro para tomarmos café e comprarmos passagens na estação e vai até a casa de trás para acordar Visia, porque ela tem que nos levar. Quando aparece, olha com cuidado para Ian, checando se ele está bem. A viagem é silenciosa, minha ansiedade atacando cada vez mais. Eu sei que Visia quer falar alguma, mas ela se segura até a hora da despedida.

Visia começa a chorar. Abraça Ian.

—Eu espero que um dia você consiga perdoar a gente.

—Não há nada a perdoar. —responde ele, reconciliador.

—Sério, Dorian. Por favor, volte. Não suma do mapa. —Ela se recompõe um pouco mais. —E não beba.

—Diga sim para o Asif, tia Vis. —ele se resume a dizer, depois se vira para a estação. Visia me abraça forte também, um abraço que eu gostaria de guardar em um potinho ou em milhares de potinhos como os que tem no carro dela.

—Nós entendemos agora porque Vivian gostava de você, Diana Lily Novak.

A frase me choca, e ela pisca para mim. Nunca disse meu nome do meio, nem meu sobrenome. Nem Ian sabe meu nome do meio. Mas ela sabe e está com aquele sorriso da Ariel que esconde alguma coisa e eu não preciso nem de um segundo para ter uma sensação de que ela já sabia da minha existência há muito tempo. E talvez, como Victoria disse quando nos conhecemos, ela realmente estava esperando por mim.


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Notas finais do capítulo

eu juro que eu tento fazer capítulos mais curtos mas seis mil palavras pra mim parecem duas mil e olha que eu botaria mais um monte de coisa nos capítulos mas se estiver incomodando, eu coloco eles mais curtos? idk espero que tenham gostado
e sobre a família deles, se vocês notaram algo diferente, eu fiz um ajuste necessário no começo da fic então tudo se ajusta agora e isso deve ter ficado confuso enfim espero que tenham gostado



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