Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 19
Amor Contrapõe o Ódio.


Notas iniciais do capítulo

oieeeeeeeeeee esse capítulo na verdade era continuação do anterior mas se eu juntasse ia ficar com quase dez mil palavras e achei melhor separar e deixei um tempo menor entre as postagens pra vocês não terem que esperar tanto, enfim, espero que gostem



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É fácil se apaixonar por pessoas. Não é preciso uma longa amizade como a do padre Jonah e Vivian, nem encontros casuais como os de Becker e Robbie. Só é preciso pessoas e os corações abertos.

Eu estou apaixonada pela família Winter. Todos eles. Mesmo que Yasha seja um adolescente babaca, Victoria seja mandona demais e Visia esteja no último grau de loucura. Eu amo eles e eu quero ser uma parte deles. Talvez seja por isso que cai em seus encantos tão rápido: eu quero ser parte desse grupo enorme. Rir com eles. Responder as perguntas inconvenientes de Vic e eu quero tanto me sentir rodeada de pessoas, —pessoas vivas, no sentido de estarem vivendo a vida —e eu quero que minha irmã esteja aqui também, vivenciando isso comigo. Às vezes eu penso que minha vida é ruim por causa da relação com meus pais mas Gwen teve mil vezes pior, e ela merece isso. É uma sensação mágica, essa. Victoria me pergunta sobre a escola, e eu conto sobre meu professor chato de Inglês. Falamos sobre Vivian, lá e cá, mas sei que a hora certa vai chegar, e eu vou poder perguntar, saber sobre história dela e porque saiu desse lugar. Eu pergunto sobre o avô-terrorista, e sua expressão endurece, mesmo que Ian não esteja por perto. Ela diz que ele culpa Ian pela morte de Vivian, depois confessa que ele é um cretino.

E que não é seu pai.

É claro que eu fico curiosa, mas então Zoya entra na cozinha —estamos lavando os pratos e arrumando tudo — e diz que Yoshi está reclamando que o pescoço dele está doendo por causa daquela tevê que caiu em cima dele e Vic sai correndo para ver o que está acontecendo. Eu não falo com Ian o resto da tarde. Ele fica com Yasha conversando no quarto e posso ouvir risadas, o que me faz sorrir. Então mais tarde, Visia entra na casa e diz que vai fazer um jantar para todos nós na casa dela, inclusive para Asif —o cara que pediu ela em casamento —que chega hoje na cidade. Ela sai da casa dançando. Victoria usa isso como desculpa para cortar o cabelo de todos os meninos. Não sei porquê. É assim que acabamos, às quatro horas da tarde. Estou sentada em cima da pia do banheiro, segurando um pente, e há uma fila na porta do banheiro —Yuri, Yoshi, Yasha, Ian. As meninas foram ajudar Visia em sua casa a preparar a comida.

—Sente-se. —pede Victoria. Yuri faz uma careta que acaba sendo fofinha, porque ele tem seis anos.

—Me promete que não vai machucar?

—Yuri, querido, você já fez isso antes. Não vai machucar.

—Como você tem tanta certeza? —ele aponta para ela, como se ela tivesse cometido um crime. Vic suspira.

—Sente logo, garoto. Não tenho todo o tempo do mundo.

Relutante, Yuri senta. Ele fecha os olhos quando escuta o barulhinho da máquina, como se estivesse a beira da execução.

—YURI, CUIDADO! —Yoshi grita, alarmado. Meu coração dá um salto. Olho para os lados, procurando o perigo.

Então eu percebo. E ouço a risada. É aquela risada do mal, de criança.

—Te peguei.

Victoria fica furiosa.

—Mas que MERDA foi essa Yoshi?

—Merda é feio!

—E você fica quieto aí. —ela contra-ataca, apontando um dedo para Yuri. Todos que não estão envolvidos na briga riem. —Eu podia ter cortado a orelha dele!

Isso é o suficiente para fazer Yuri chorar de medo e sair correndo. Ninguém vai atrás dele, só reviram os olhos como se isso fosse rotina, então ouvimos o som de uma porta se fechando com toda a força. Victoria olha para Yoshi, a expressão lhe dizendo você vai pagar.

Ela corta o cabelo de todo mundo. É engraçado como todos eles são parecidos —os garotos Winter. Mesmo que os Yoshi, Yuri e Yasha tenham cabelos escuros, as linhas de expressão são as mesmas. É como um rascunho igual e um produto final diferente. Quando chega a vez de Ian, só há eu, Victoria e ele no banheiro. Ela passa a mão pelo cabelo dele, depois me pede o pente, fazendo uma careta.

—Cristo, o seu cabelo é uma merda.

Na minha cabeça, ouço Yuri gritando "merda é feio!" mas fico completamente parada.

—Valeu. —ele revira os olhos. Ela começa a passar a máquina e o cabelo quase-loiro dele vai caindo, ficando um pouquinho menor. Ainda é Ian, e ele não está careca, mas é como olhar para uma pintura de um ângulo diferente. As formas do rosto dele são simetricamente perfeitas. Ele me pega o encarando e ergue uma sobrancelha. Eu sorrio, mas tento controlar. Isso só faz meu sorriso ficar maior e posso ver que ele está se divertindo com isso. Me dá vontade de rir, a situação.

—A Diana está achando graça. —ele diz de repente, o que faz Victoria desligar a máquina e me encarar, depois encarar o cabelo de Ian.

—O quê?! Por quê?! Não ficou ruim, ficou?

Maldito Ian, minha mente pragueja.

—Claro que não.

—Mas você estava rindo.

—Foi só... engraçado. Mas não porque estava ruim. —estou completamente embaraçada agora. Sinto minhas bochechas vermelhas.

—Não minta para mim, mocinha.

Isso é tão esquisito.

—Estou falando sério! —para ajudar, a vontade de rir volta.— Eu estava rindo do Ian, não do... cabelo dele.

Vic dá um tapa na cabeça de Ian. Outra vez.

—Pare de me desconcentrar.

—Você tem que parar de me bater.

—Corte o drama, Winter.

—Corte a porra do drama, Winter. —eu repito, imitando Victoria. Não paro para pensar no que eu acabei de falar e de onde tirei coragem para dizer uma coisa dessas, então fico alarmada quando escuto minha voz. Espero que Vic brigue comigo por estar falando um palavrão —o que eu raramente faço —mas ela só faz uma cara de está certo.

—Porra é feio! —exclama Ian, entrando na brincadeira.

—Fale mais alto, Ian. Deixe o Yuri escutar pra vir correndo gritar no seu ouvido. —Vic diz, voltando a ligar a máquina. Eventualmente, todos nós acabamos dando risada.

O clima tranquilo acaba no segundo que entramos na casa de Visia. Não por ela —que está com as músicas da Best Coast tocando bem alto com um vestido florido, girando com Lena nos braços. Zoya está pulando ao seu redor, feliz.

Não.

Eu posso sentir Ian ficar tenso ao meu lado, e eu sigo seus olhos.

Há um homem. Velho. Sentado na última cadeira da mesa e na sua frente uma garrafa de uísque e um copo cheio. Ele me lembra do meu pai, pela expressão agressiva. Sei que se fosse bater em alguém, provavelmente daria tempo para a pessoa fugir, mas pelo que ouvi ele não precisa de força física para fazer Ian ficar desse jeito. Ele tem palavras. Elas são poderosas também. Não sei o que fazer.

Victoria cuidadosamente entra primeiro, quase encobrindo o corpo de Ian.

—Oi, pai. —diz ela, num tom calculado. Apesar da música alegre, posso sentir a tensão vinda das mulheres na sala. Visia e Victoria trocam olhares e depois olham para Ian. Ele engole seco. Nunca o vi com medo. O homem ainda não o notou.

—Victoria, docinho. —o avô-terrorista cumprimenta, levantando o copo de uísque.

—Você não deveria estar bebendo.

—Você não me diz o que fazer, mulher.

Eu odeio ele. Imediatamente, eu odeio ele.

—Uh, pai, você... Ian está aqui. —Visia faz uma tentativa, com medo da reação. Todos nós paramos de respirar e vejo os olhos do homem fazerem seu caminho até o corpo tenso de Ian do meu lado. Com os olhos, a essência daquele homem levanta e para na frente de Ian. Então lhe dá um tapa. Dói mais quando é a alma que te machuca.

—O que esse bicha está fazendo aqui?

—Pai! —Visia grita, horrorizada.

Percebo uma coisa, nessa mesma hora. Vivian Winter pode ter sido a razão para Ian Winter começar a beber, mas esse homem foi a motivação. Eu já mencionei que o odeio?

—Saia daqui, seu filho da puta.

—Pai, pare. Ou eu vou te levar pro asilo agora mesmo. —Victoria intervém. Ian continua quieto, e eu procuro sua mão, mas quando a toco, ele se afasta. Como sempre. Dessa vez, não sinto raiva. Pelo canto do olho, posso ver Visia guiando as crianças para dentro de um quarto e escuto o som da tevê sendo ligada. No fogão, começa a sair fumaça das panelas e Victoria corre para desligar o fogo.

—Quem é essa? Uma das putas dele? Que nem a última? Essa aí é melhor estar grávida de verdade.

Mas que diabos? Eu olho para Ian, mas ele está em outro mundo agora. Meu coração acelera, conforme eu vou entendo cada palavra que ele diz, mas de certa forma me recusando a acreditar que isso é verdade. A Vadia estava grávida? De... mentira?

Quem É ela?

—Que cacete, pai. Você não tem direito de vir aqui falar do Ian!

—Ele MATOU MINHA FILHA. A ÚNICA QUE ME AMAVA! —A fala dele é pastosa, demorada.

—COMO VOCÊ PODE DIZER UMA COISA DESSAS? —Ian volta, finalmente.

—Vocês são todos malditos. Você deixou ela lá pra morrer! Espero que a sua puta aí estrague a sua vida, seu veadinho de merda.

—CALE A BOCA, PAI. —Visia aparece. É a única que fala com ele desse jeito, como se não fosse inferior a ele. Acho que Victoria não age desse jeito porque ele não é o seu pai, ao contrário de Visia. Essa família é tão complicada que agora eu sei de onde Ian puxou o jeito difícil.

Não.

Ele não é parecido com esse cara.

—VOCÊ NÃO FALA COMIGO DESSE JEITO. Eu te dei a vida, posso tirá-la de você, sua vadia.

Sou preenchida com horror. Pela cena, por Ian, por esse homem. Mas nada —nada—se compara ao que ele faz em seguida. Passa em câmera lenta, o avô pega a garrafa de vidro.

E joga na nossa direção.

Não sei onde ele acha a força, mas atinge a parede atrás de nós e eu sinto uma ardência, porque os cacos de vidro quebraram e nos atingiram. Estou de vestido. Ian está de bermuda. Mas ninguém está prestando atenção nisso, todos estão olhando chocados, paralisados.

—Já. Chega. —Vic é a primeira a falar. Acho que está no seu limite, a um fio de distância de enlouquecer. —Estou cansada disso. Você não é mais bem vindo na minha casa, seu filho-da-mãe. Visia, cuide da porra do seu pai. MENINOS!

—Venha aqui, docinho! Não vai sair agora! Só estávamos começando a conversar.

—Vai pro inferno. —vocífera ela. O homem continua a falar, como se nada demais houvesse acontecido, mas Victoria está ignorando seus pedidos enquanto acolhe seus filhos nos braços, indo em direção a porta. Eles saem. Ela fica.

Essa é a hora que eu vejo Visia. Ela está chorando, com a mão na boca, sem saber o que fazer. Sinto compaixão por ela, porque é evidente que ama o pai, apesar de tudo. Ela está em uma encruzilhada, mas não há ninguém para ajudá-la a sair dela. Quanto a mim, não consigo me mexer.

—Venham, venham. —Victoria nos puxa. Só sei disso porque a imagem daquele homem tomando o que sobrou no seu copo fica cada vez menor. A última coisa que eu vejo antes de sair é Visia, sozinha, no meio da bagunça.

Estendo a mão para tocar Ian, mas ele se afasta e vai na direção oposta.

—Ian, você está sangrando. —avisa Victoria, avistando manchas de sangue na sua perna. Ele não escuta. Posso ver seus ombros tremerem e sei que ele está chorando.

Não, não, não.

Para onde ele está indo? —pergunto. Na mesma hora, ele para perto de uma árvore no quintal e vejo ele se render ao choro, e seu corpo começa a chacoalhar. O que eu faço? grito dentro de mim. O que eu faço agora?!

Estou gritando para Vivian. Estou gritando para uma pessoa morta que está viva na minha cabeça, e eu queria que isso fosse suficiente para descobrir a resposta da minha pergunta. Minha mente está saturada, meu corpo paralisado, e eu sinto que eu mesma vou começar a chorar. Olho para Victoria, a procura de luz, e ela me puxa para dentro da sua casa, onde me senta na cadeira. Consigo ouvir a tevê de algum dos quartos ligadas, e quando me viro, vejo todos os filhos escondidos debaixo da coberta, na mesma cama.

—Filho da puta. —murmura Victoria quando se aproxima. O óculos dela está caído no nariz e ela parece mais velha, parecida com Vivian. Ela começa a falar, mas eu entro em um estado de torpor que não consigo diferenciar a voz, as palavras, nada. Não sei se estou respirando, nem vivendo ou se isso é só um pesadelo. Victoria mexe na minha canela. A ardência é substituída por dor quando ela puxa os cacos de vidro para fora. Não grito, e fecho os olhos para as lágrimas não saírem. —Não se preocupe, Diana, você vai ficar bem.

—Não é comigo que eu estou preocupada.

Vic tenta um sorriso.

—Ele vai ficar bem.

Como? —ela não responde. —Por que ele não vem?

—Ele está com vergonha, Diana.

Eu sinto uma coisa gelada na minha perna, tirando os cacos com toda a paciência do mundo mas é demais para mim. Eu não posso esperar que tudo fique bem. Não consigo ficar parada.

—Deixe eu ir falar com ele.

—Não sei se...

—Por favor. —Victoria levanta as mãos em rendição. Imediatamente, corro para fora da casa como se minha vida dependesse disso. Como está ficando escuro, é difícil achar Ian, mas sigo o som dos soluços. Ele escuta meus passos e vira de costas para mim, pretendendo me evitar, mas eu continuo até estar próxima a ele, então envolvo seu abdômen e o aperto com toda a força que tenho dentro de mim, até parecer que ela vem de fora. Minha força se foi e não sinto meus braços, mas é como se Deus ou Vivian ou talvez seja eu mesma que estivesse trazendo uma força a mais. Ouvi relatos de pessoas que geram uma força sobrenatural em momentos de desespero ou perigo, para se proteger ou proteger outros, e sei que não corremos perigo real, então não é isso que está acontecendo.

Mas é como se fosse. E a força fica cada vez maior quando ele começa a se debater, tentando me tirar do abraço. Eu continuo e continuo e continuo até não sobrar nada além de nós. Sem o desespero ou horror.

—Está me machucando. —Ian diz com a voz rouca. Tão diferente.

Honestamente, parte meu coração.

Desaperto os laços e ele dá um passo para frente antes de se virar em minha direção. Quando faz isso, abraço ele de novo. É a única coisa que sei fazer para tentar consolá-lo, porque não conheço as palavras certas. Não quero falar sobre o avô-terrorista, nem da mãe dela ou da Vadia.

Como algo tão triste pode ser tão bonito?

Dessa vez, ele passa os braços ao meu redor, hesitante. Por um segundo, deixo-me relaxar. Deixo-me relaxar e viajar e fingir que está tudo bem, mas um sentimento de desamparo e desolação briga com meu coração, procurando um território para apoderar-se e não sou tão forte para lutar contra isso. O que domina minha mente é uma raiva e uma dor e eu percebo a dolorosa percepção de que nunca vamos ter famílias normais. A base de formação de uma pessoa começa pela família, então sempre vai ter um pedaço dos nossos corações faltando, algo sempre errado. Nunca vamos saber como é receber amor de uma certa pessoa. Ele nunca vai poder contar para a mãe sobre as coisas do seu dia-a-dia. Ela não vai estar lá quando ele se casar. Ela não vai ver os filhos dele. Ele vai viver e ela não, para sempre e sempre e sempre e quanto mais o tempo passar, mais esse buraco, essa distância vai aumentar. E quando ele se tornar alguém completamente diferente da pessoa que ela conheceu, alguém adulto, com uma vida diferente, ainda vai ser certo chamar ele de filho dela? Mesmo que ela não esteja mais aqui? E ela perca essa grande parte da vida dele? E isso nunca vai parar. Como alguém aguenta isso? Morte? Raiva? Rancor? Como as pessoas superam? A solidão? A estranheza e o trauma? Como?

Como as pessoas vivem?

Agora eu não sei quem está consolando quem.

—Você está bem?

Como eu imaginava, ele não responde.

—Sinto muito, Ian.

Nada.

—Eu odeio ele.

Então, mudança.

—Eu odeio ele, também.

—Eu odeio A Vadia.

—Eu odeio ela também.

—Eu odeio você, também, às vezes.

—Eu também me odeio, às vezes.

—Mas isso não quer dizer que você pode agir como um babaca e parar de falar comigo, só porque eu te odeio, às vezes.

—Eu odeio você, Diana.

É a conversa mais estranha que eu já tive e por alguma razão, é a que mais faz sentido, que mais pareça verdadeira. E saber que ele me odeia não é tão ruim quanto eu achei que seria, porque pelo menos ele sente alguma coisa. E eu sei que ele não me odeia de verdade, talvez sinta a mesma coisa que eu —uma sensação poderosa de algo que ele não consegue controlar que se assemelha a vontade de bater em uma certa pessoa repetidamente enquanto pede desculpas. Parei de tentar trazer sentido a isso há um tempo. Ele não está mais me abraçando, se resume a ficar parado enquanto meus braços estão ao seu redor, e começa a ficar esquisito, mas não o solto, por medo que ele fuja. Essa é a única coisa que falta entre nós, confiança. Mas é tão difícil de conquistar, parece impossível, então me contento em abraçar ele para evitar uma catástrofe.

—Eu não te odeio de verdade. —ele diz, talvez porque eu não respondi nada. —Só algumas coisas.

—Como?

Eu estou curiosa. E consegui fazer ele parar de chorar.

—Você é tão dramática. —posso ouvir a honestidade na sua voz, e sei que ele não está tentando me machucar.

—Continue.

—E sempre uma vítima.

—Hmmmm.

—Tipo, lágrimas, lágrimas, fim do mundo, ninguém me ama.

Eu acabo rindo.

—Você é meio egoísta às vezes.

Isso machuca, mas eu deixo ele falar.

—E eu odeio que você nunca parece feliz com qualquer coisa.

Eu não consigo fazer nada fisicamente. É como se os meus músculos estivessem atrofiados. Ele aproveita minha fraqueza momentânea para sair do meu abraço e me olhar nos olhos.

—Eu odeio isso. É até engraçado. E você vive tanto dentro da sua cabeça que esquece do mundo real. E você se veste como a Barbie Tumblr.

Meu cérebro consiste de reticências.

—Não que isso seja ruim mas você veio de salto alto para o meio do nada. —ele remenda.

—Eu gosto de me vestir como a Barbie Tumblr.

—Então se vista assim, não pare por minha causa.

Isso é confuso.

—Você tem coisas boas, também.

Isso me deixa ainda mais curiosa, mas a esse ponto, a conversa não é sobre mim e não preciso ouvir isso agora.

—Eu não quero saber sobre isso. Eu quero que você me odeie tanto agora que se esqueça de odiar qualquer outra pessoa.

—Eu te odeio bastante agora. —seu rosto é sóbrio.

—Legal. —finjo limpar uma lágrima.

—Corte o drama, Novak.

—Ha-ha. —então eu olho para o lado e vejo Visia e Victoria na escada da varanda, sentadas. Elas estão fumando e discutindo, alheias ao que está acontecendo aqui. Há um senso de união —provavelmente estão do mesmo lado da discussão —e não estão bravas. Elas já se recuperaram, e isso me faz pensar sobre a força dessas mulheres. Quantas tragédias elas sobreviveram, como aconteceu quando Vivian morreu, ou se elas são como parecem. Uma fortaleza. Me pergunto sobre o namorado de Visia e o marido de Victoria, mas não pergunto para Ian. Não quero estragar o momento com palavras desnecessárias. Victoria percebe que eu estou encarando e acena, indicando para que nos aproximemos.

—Elas estão furiosas assim o tempo todo? —eu pergunto, quase alcançando a varanda. Minha pergunta não saiu como eu queria, mas não me veio nenhuma palavra melhor. Não quis dizer furiosas porque elas não parecem bravas. Parecem... selvagens. Como sempre.

—Não, —ele responde. —elas se odeiam como eu odeio você.

Isso me faz sorrir por dentro. É meu tipo preferido de sorriso.

Visia segura minha mão quando sento ao seu lado, passando um dedo pelas linhas da minha mão, e Ian senta do lado de Vic. Elas jogam os cigarros fora e nenhum de nós fala nada, apenas Vic, depois de ficar encarando um balanço no quintal.

—Você está O.K?

Ian assente.

—Vocês dois estão bem agora?

—Agora?

—Eu contei sobre a Discussão de Relacionamento de vocês.

Constrangedor.

—Uh...

—Não é o do seu interesse. —Ian replica.

—Tenho que mencionar A Vadia? —Victoria contra-ataca. —Se você estiver escondendo alguma coisa, garoto...

—Está tudo bem. —interfiro, para evitar uma das explosões de Victoria. Todos eles olham para mim, e pela primeira vez, a atenção não me inibe. —Sério.

—Muito bom, muito bom. —ela diz, puxando Ian para si como mães fazem. Há uma calma perigosa pairando no ar, depois de uma tempestade. Quero perguntar o que o avô-terrorista está fazendo e saber mais sobre ele, mas não consigo achar uma brecha no silêncio que pareça a hora certa. Por sorte, Victoria me dá um sinal.

E dessa vez, sei interpretá-lo.

Encarando um ao outro desesperadamente, seu olho como uma estrela, nós encaramos e dizemos "bem, viemos até aqui..." —Ela diz, talvez completando um momento de calma, ou quando você para para refletir sobre alguma coisa ruim que aconteceu recentemente, aquela sensação de estar crescendo disso. Sua voz é de quem conta uma história, descreve um sonho. —Era uma das frases preferidas dela, sabe? Eu gosto, também. É parte de um poema, sabe?

Eu sei.

Elizabeth Bishop. Essa é minha deixa.


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Notas finais do capítulo

o próximo vai ter outra história como a do padre Jonah só que diferente claro e eu espero que tenham gostado