Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 17
Trem


Notas iniciais do capítulo

ficou meio nhe nhe nhe mas o próximo >
e vocês vão saber um pouco mais sobre o Ian e a Vivian, claro. O que estão achando?



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—Você acha que ela foi para o céu? —essa é a primeira coisa que eu pergunto para o padre Jonah quando ele termina de falar. Consigo ver a noite esfriando e as luzes das casas desligando, uma onda de sono atingindo todo mundo menos nós. O padre fala com a voz suave, talvez emocionado, sem tirar os olhos da casa de Vivian. As luzes estão apagadas. Me pergunto se Ian está lá.

Surpreendentemente, eu não sinto nada. Não estou vazia, nem triste, nem furiosa. Talvez só calma, o que é bom. Pacífica. A guerra dentro de mim sofreu uma pausa, e eu respiro aliviada enquanto eu posso, aproveitando a sensação de estar viva sem doer. Acho que eu estou começando a me acostumar com as omissões de Vivian, o mistério dela. E não estou interessada em desvendá-la hoje.

—Eu não sei. Espero que tenha ido, mas duvido muito.

—Então você acha que ela foi para o Inferno? —isso é cruel.

—Eu acredito em purgatório, Diana, e você?

A lista de coisas em que eu acredito é minúscula. Purgatório não está nela, mas eu não falo isso. Fico quieta, esperando que ele continue porque talvez possa mudar minha opinião. Me fazer crer.

—Ela fez bastante coisa do jeito errado na vida, então talvez tenha que pagar por isso por um tempo. —especifique, minha mente pede. No entanto, nada sai da minha boca.

—Mas ela era boa demais para ir para o Inferno?

O padre pensa nisso com atenção.

—Não sei. Não sou Deus.

—Se uma pessoa matasse um terrorista ou estuprador, ela iria para o Inferno por matar alguém?

—Não sei. Não sou Deus.

—Achei que você tivesse o chamado de Deus.

Espero que ele saiba que estou provocando, porque minha voz sai bem séria, não do jeito que eu esperava. Talvez eu esteja falando a verdade.

—Deus é puro, Diana. Ele é bom e puro e vai tomar a melhor decisão. —Consigo ouvir o desespero na sua voz, desejando que isso seja verdade. Há dúvida. — A vida dela não era minha e não tenho conhecimento de todos os seus erros. Mas se ela os perdoou e amou a Deus, então talvez ela esteja lá em cima escutando nossa conversa. Quem sou eu para julgar?

Um padre?

Mas quando penso nisso, me sinto meio culpada. Agora a noite, com o vento batendo em nós e o padre limpando seus óculos de Harry Potter, sinto-me mais na presença de um homem do que de um padre. Mais acessível. É como Nomi Nickel em A Complicated Kindness, quando ela comparou a estátua de Jesus com George Harrison: era o seu modo de trazer a igreja ao seu patamar. Ao seu nível de compreensão. Agora, não estou conversando com a face de Deus na terra. Só Jonah, o homem por quem Vivian era apaixonada. Ele pode ter menos respostas que eu.

—Suponho que o senhor tenha encontrado Ariel, também.

O padre sorri. Acho que gosta dela tanto quanto eu. Isso traz leveza ao clima, e eu consigo respirar normalmente.

—Mulher interessante aquela. Posso ver porque era amiga de Vivian.

Amiga de Vivian.

—Você não conhecia ela quando Vivian estava viva?

—Acredito que elas se conheceram durante nossos anos de silêncio, talvez. Mas fiquei honrado por conhecê-la. Ela tem um cabelo maluco. Posso perguntar como você conhece ela?

—Ela, Ariel? Ou Vivian?

—Ambas, embora tenha uma ideia de como você conheceu Ariel. Algo a ver com um poema.

—Eu recebi um poema, Sylvia Plath. Depois, Anne Sexton que me levou até Ariel. Mary Oliver me trouxe até aqui.

—Ariel fez questão de recitar o poema para mim quando me encontrou. —confessa ele. —Mas sim, então você faz parte da aventura.

Parte da aventura.

Eu sou parte da aventura. Isso, de alguma forma, faz com que eu pareça mais interessante do que realmente sou, como uma equação do mistério Vivian. Um pequeno segredo dela. Mas, então, porque ninguém veio me procurar?

Eu não sei. Não sou Deus.

—Vivian foi minha professora.

—Eu imaginei. Ela devia gostar de você.

Me sinto bem ouvindo isso, como se fosse uma confirmação, reafirmação de que isso não é em vão. Ela gostava de mim. Ela me trouxe por um motivo. Eu. Não Becker ou Gordon, apesar de ter um pressentimento de que eles vão se envolver nisso também logo, logo.

—Ela era uma pessoa legal quando estava viva. Você nunca... pensou que amava ela daquele jeito? Ou que havia um modo de isso acontecer? Ou que ela era uma pessoa má por se sentir daquele jeito?

Crio uma cena na minha mente, usando todas as expressões que conheço de Vivian e toda minha experiência com dor para tentar recriar o que ela sentiu com o amor não recíproco do padre Jonah, e na impossibilidade de uma relação entre eles. Daria um bom livro, se não fosse tão deprimente.

Conforme o tempo passa por nós como uma brisa, lembro-me de uma coisa da história dele. Sobre ela viver demais. Nunca me ocorreu isso antes. No último semestre de aulas que tivemos com ela, ela mandou que lêssemos um livro que agora não me lembro o nome, mas falava sobre o coração partido. As únicas pessoas que tinham corações partidos eram as pessoas boas, porque elas se permitiam sentir compaixão e amor pelas outras, abrindo seu coração. Só as pessoas que amam as outras, importam-se com outros seres humanos são capazes de sofrer a imensa dor da tragédia e solidão.

Porque elas se importam.

Com os outros.

E com elas mesmas, permitindo-se sentir amor em troca de algo que elas ainda não sabem se é bom ou ruim —mas assumem os riscos. Vivian era assim. Vivian estava assim, nesse estado perpétuo de tocar as pessoas com seu coração, se abrindo de olhos fechados, confiando. Talvez o resultado não tenha saído como esperado, ou ela achou um cometa que a queimou até a morte, mas as palavras que o padre Jonah dizem em seguida confortam meu coração.

—Ela amava as pessoas. Provavelmente se apaixonava por uma pessoa diferente a cada semana. Eu nunca me senti atraído de qualquer maneira por ela, eu já lhe disse, eu amo Deus. —o olhar que ele me dá quase me repreende. —Mas, se isso fizer sentido, estou honrado e orgulhoso sabendo que eu fui uma pessoa boa o suficiente para que ela se sentisse desse jeito. Em todos os anos que eu a conheci, percebi uma coisa: ela amava as pessoas por dentro. Havia as pessoas que ela amava com o corpo, e eu duvido que se sentisse assim por mim, —o padre Jonah começa a ri e é contagioso, porque sua forma gordinha e os óculos de Harry Potter garantem que Vivian nunca se sentiria atraída por ele. Ainda mais com a batina. A risada lava os cantos escuros da minha alma. —então haviam as pessoas que ela amava com a mente e o coração. Algumas vezes, como com seu marido, ela amava das duas maneiras. Acredito que me amou com o coração, e sou grato por isso.

Faço que sim, contente com a história.

Não sei porquê, mas o mundo não parece assustador hoje. É a mesma sensação que tenho com Ariel, ou em St. Mara. Me sinto invencível e tão leve que poderia flutuar,

flutuar,

flutuar para o céu. Talvez tomar um café com Vivian, se ela estivesse lá por cima.

Pensar nisso me faz rir um pouco mais. Fico feliz porque não dói.

Eu e o padre Jonah ficamos em silêncio por alguns momentos, observando os cachorros latindo no final da rua e um homem passando de bicicleta, que nos cumprimenta com a cabeça antes de desaparecer. O barulho da roda da bicicleta no chão tem som de terra, familiaridade.

—Ela era feliz? Antes de morrer?

A voz quieta do padre instala uma compaixão no meu coração —posso senti-la crescendo ali, como uma árvore —e eu aperto seu ombro, dando apoio. Nunca pensei que estaria consolando alguém pela morte de Vivian, porque me parecia impossível alguém estar pior do que eu, mas o caso do padre Jonah chega a ser pior do que o meu, que perdi Vivian subitamente. Ela ainda existia quando o silêncio se instalou entre eles. Ainda estava lá. Todos esses anos na escuridão da incerteza, sem saber de coisas que agora ele tem que perguntar para mim, porque eu não a afastei quando viva. Isso é importante. Para ele. Para mim.

Minha primeira resposta é, ela se matou, então...

Mas mesmo que eu e o padre saibamos a verdade, eu escolho ignorar esse pequeno detalhe e fazer um bom término para a história da amizade entre o padre e Vivian. Escolho dizer o que eu sempre achei que fosse verdade, apesar do jeito que a vida dela terminou.

—Ela era feliz. Livre. Como se ela estivesse preparada para as coisas boas e coisas ruins.

E eu sinto a falta dela todos os dias por causa disso.

—Soa como ela, sim.

Decido que é hora de ir embora. Não fico triste porque sei que vou voltar. Abraço o padre e ele acena para mim quando entro no meu carro. A noite fica ainda melhor quando eu ligo meu celular e vejo que meus pais não me ligaram durante esse tempo todo. Ligo para casa, decidindo arriscar na minha sorte.

Meu pai atende. Aquele tom glacial de sempre.

—Posso parar no McDonalds antes de ir para casa?

Não deixo de pensar que normalmente isso seria bem ridículo. Garota de dezoito anos, plenamente responsável na maior parte do tempo, independente, ligando para o pai pedindo permissão para uma coisa tão idiota quanto ir no McDonalds.

Mesmo assim, eu conheço o sistema dos meus pais.

—Você pode comer algo em casa.

—É no caminho. Estou sozinha, pai. Vai querer alguma coisa?

Não sei dizer se foi um truque inteligente ou estúpido fazer a última pergunta, como se ele já tivesse deixado. Posso ver ele estreitando os olhos, a irritação batendo.

—Não me desrespeite. Nem demore.

—Obrigada.

Ele não responde. Desliga. Sorrio para mim mesma e passo no Drive do McDonalds, sem vontade de entrar no restaurante. Vou até o parque, onde um time de adolescentes (algumas meninas, alguns meninos) joga basquete em uma das quadras. O lugar é grande, então decido sair do carro e ficar por ali, observando o jogo. Algumas famílias estão ali também.

E eu estou feliz. Talvez não tenha caído a ficha ainda, mas tudo bem. Estou feliz! Feliz! Quão ruim pode ser?

Tiro o livro da Alice Goldman da minha bolsa e pego meu McDonalds. O nome do livro é Soon, Maybe. São poemas. Algumas otimistas, alguns tristes. Sobre morte e outras coisas de sempre, mas abordados de um jeito diferente. Eu faço isso às vezes, reler os livros. A primeira fez que eu li foi quando voltei de St. Mara. Quando é bom, é ótimo. É como achar uma alma gêmea perdida e com ela, todas as emoções que você acha que perdeu também. Por exemplo, quando eu acho uma frase que eu gostei, ou uma palavra bonita, uma declaração tocante. Aquilo fica para sempre no seu coração e quando você relê, te enche de uma realização maravilhosa ao saber que você já conhecia todas essas palavras bonitas. Elas já estavam com você, você só não lembrava. É bom relembrar as coisas bonitas de vez em quanto, e tudo que você já sentiu. Só pra ter certeza de que você ainda é a mesma pessoa, que gosta de coisas bonitas. Faz relembrar como você era na época, mesmo que seja alguns semanas atrás, porque apesar de eu continuar a mesma, meus sentimentos sempre mudam —a cada segundo, cada hora —e isso me ajuda a relembrar aquela sensação de não saber nada mas a esperança de descobrir tudo. Sobre Vivian e o mundo. A dor e a alegria. Mesmo que nem tudo que venha com os poemas seja bom, feliz, saudável, traz uma sensação de estar em casa, conhecer o que você já sentiu e estar seguro. Não sei se isso faz sentido. Mas quem liga? Alguma coisa faz sentido?

Os poemas são longos. Não inteiramente, mas possuem bastante palavras em uma só frase, como em um texto. Eu gosto de um, em especial —

Quando eu era criança, o mundo era enorme

assustador, brilhante e com energia

daqueles que aparecem quando você esfrega um átomo

contra o outro e a carga negativa ia embora,

apenas a energia positiva ficava

a energia fazia meu braço ficar arrepiado, meu cabelo, minha perna

todo lugar que tocasse, eu me enchia de energia, e a noite

para a lua,

eu me sentava com Vis e ela falaria coisas como "meu objetivo é aprender a dizer meu nome em todas as línguas".

Eu acho isso maravilhoso. Não consigo explicar. É por causa de poemas assim que eu gosto de ler. Fico ali até terminar meu McDonalds, então vou embora. As pessoas me encaram quando eu saio, talvez achando que eu estava ali para ver o jogo (quando vou embora, um time está em um minuto crucial do jogo e todos estão concentrados). Ignoro os olhares e vou para casa. Penso no padre Jonah. Penso em Eric e Becker e Ian e tudo que há para pensar sobre eles. Penso em Vivian. E em Martín e Rosa Rorez.

Por último, penso em Gwen. E então nos últimos quatro, juntos.

Algo se conecta na minha mente, uma palavra batendo na porta sem parar. Isso me faz ligar para Gwen e sei que ela ainda está acordada. Dessa vez, não há o choro de Claire no fundo da ligação.

—Oi, Diana, o que está fazendo? —posso ouvir sua voz distraída e silêncio. É uma noite calma, para ela e para mim.

—Indo para casa.

—Voltando da onde?

—Da igreja.

—O quê?! —rapidamente, eu conto sobre Vivian e o padre Jonah. Não conto sobre os poemas, Sylvia Plath e Ian. Só essa pequena história, sem mencionar Martín Rorez. Quando termino de contar, pergunto o que estava na minha cabeça desde o começo:

—Lembra quando a Vivian te mandou pra Washington quando você saiu de casa? —quando ela fala que sim, eu continuo. —Com quem você ficou? Você lembra?

—Era uma mulher. Não muito mais velha, nunca mais falei com ela. Acho que eu deveria ligar...

Ela deveria ligar, mas não é isso com isso que eu estou preocupada.

—Nomes, Gwen, quero nomes.

—Por que a pressa, Diana? —Gwen parece ofendida.

—Só estou curiosa.

No telefone, ela suspira mas sei que não está brava nem magoada. É só algo que as irmãs fazem, suspirar para fazer você se sentir culpada por algo que não tinha a intenção de fazer. Ou talvez isso seja coisa de mulher, no geral.

—Rose... alguma coisa.

—Rosa? Rosa Rorez?

—Isso mesmo! Como você sabe?

As palavras de uma eternidade atrás voltam para mim, com a voz de Vivian, sobre o mundo ser um lugar bem pequeno, mesmo que pareça grande. Me sinto conectada. Não sei porquê, ou por quem, ou a quem, só uma sensação de fazer parte de uma coisa, e reconhecer que uma garotinha que participou de uma história vinte anos atrás, agora participa de outra, ajudando do modo que foi ajudada quando tinha apenas seis anos. Isso me faz pensar que nossa vida é uma história atrás da outra, dependendo das pessoas que a gente conhece. São muitas histórias, todas juntas e que nem sempre seguem uma linha do tempo, uma construção bonita ou comum e nem todas estão entrelaçadas, mas elas estão lá e nós não conhecemos nem metade delas. Mas se você para e presta atenção, todas essas histórias se desenrolam na sua frente, escrevendo-se na sua memória. E na última página, você termina sabendo sobre a vida de todas essas pessoas —não de um jeito celebridade, fofoca e etc, mas no estilo livro-baseado-em-uma-história-real-que-toca-seu-coração —e se sente como estou me sentindo agora. Conectada. Com o mundo. Com uma avalanche de cometas se chocando a distância, mas que ainda é possível ver sua luz. A luz deles me ilumina agora.

—Vivian. Você está certa, acho que devia ligar para ela.

Eu desligo.

Quando chego em casa, a caixa do correio está aberta, então me aproximo. A maioria das coisas são cartas para os meus pais de sócios ou empresas, blá, blá, blá. Mas tem uma para mim. Estremeço quando leio Vivian Winter no remetente. No começo, acho que isso é uma piada de mal gosto. Mas desisto da ideia.

Dentro do envelope, uma passagem de trem.

Minha mente se enche de pontos de interrogação, e eu leio as informações em busca de respostas.

Sábado, 9 A.M.

Estação Lincoln.

21/03.

Destino: Sterling Lk.

Fico encarando por alguns segundos, meio perdida e confusa. Ariel? Becker? Ian? Ligo para Becker, mas ela diz que não. Não sei o número de Ariel nem quero ligar para Ian, então entro em casa e espero o resto da semana para descobrir. Passo os dias estudando na escola e em casa. Conto para Becker sobre o padre Jonah e ela tem a mesma reação surpresa que eu tive, e solta um palavrão a cada frase de choque. Robbie tenta acalmá-la, mas fica tão chocado quanto ela. No fim, me pede por socorro com os olhos e eu a levo para longe. Ainda tenho minhas duvidas sobre o estado em que ela se encontra, mas Becker confirma que está mais calma quando pergunta se eu vou no karaokê quinta feira.

Eu não vou. Fico de castigo em casa, olhando para o teto. Dessa vez, quem teve que ir viajar foi minha mãe, então eu e meu pai estamos sozinhos —não faz muita diferença. Ele não olha para mim, eu não olho para ele e comemos sushi em silêncio. Mais tarde, quando eu estou na cama me sentindo sozinha, Becker me liga. Ou, Ariel me liga com o celular da Becker. Fico com inveja de todos eles que estão se divertindo enquanto eu estou aqui, mas me concentro na conversa. Posso ouvir risadas no fundo.

—Diana, por que você não está aqui?!

—Estou de castigo.

—Castigo? O que diabos você fez? —mas ela só ri e recomeça a fala antes que eu responda. —Isso é ótimo, continue assim. Você está vivendo!

—No momento, estou olhando para o teto. Coma pizza por mim.

Ela fala com a voz mais gentil agora.

—Outras chances virão, querida. Não se preocupe. Nossa amiga Becker me contou que você encontrou Santa Filomena.

—O padre Jonah é legal. —estou meio desconfortável agora, porque não gosto de falar no telefone. É esquisito, e a esquisitice aumenta com os anos. Não consigo ficar parada, então ando para lá e para cá no meu quarto, segurando o celular.

—Um garanhão, se quer minha opinião.

—Você sabia? Que ela era apaixonada por ele? —ela responde depois de um momento de silêncio, provavelmente pensando na melhor resposta.

—Sim e não. Eu sabia que ela era apaixonada por alguém, só não sabia quem. —Como? Ouço vozes chamando por Ariel. —É minha vez. Estamos fazendo a noite das girl groups. —Imagino a tortura que isso deve ser para Bobby. Aguentar Ariel vinte e quatro horas por dia. —Tente aparecer da próxima vez, menina rebelde. E eu quero conversar com você. Pessoalmente.

—Sobre o quê?

—Você vai ver.

Reviro os olhos, frustrada. Ariel dá um gritinho e passa o celular para Becker.

—Diana? Está me ouvindo? —Eu digo que sim. —Ariel está com aquelas roupas horríveis dos anos noventa. Ela até trouxe uma para mim. E adivinha só?

—O quê?

—Eric e Ian estão aqui!

Que bom que eu não fui, então. Mas Becker parece feliz.

Legal. Aproveitem. Cantem bastante. —ela percebe que eu não pareço tão animada. Me sinto sozinha, ouvindo o barulho que quase ultrapassa a voz dela no telefone. Mesmo que Eric e Ian estejam lá, eu ainda queria ir. Tudo menos ficar aqui fingindo que meu pai não existe e eu não existo. Tenho medo de ficar sozinha por tempo o suficiente para a tristeza me atingir. Ou que meus pensamentos me levem a loucura.

—Você quer que eu desligue? —ela pergunta, delicada. Eu digo que não, mas ela insiste. —Eu falo com você amanhã.

Então ela desliga mesmo, mas meu celular toca alguns minutos depois. Fico encarando a tela tomando coragem de atender. É Ian. Se eu não atender, ele vai saber que estou evitando-o e por alguma razão, não quero que pense isso. Então atendo a ligação, hesitante. Não falo nada. Não tenho certeza de que ao menos respiro, esperando o que ele vai dizer. Ele não diz nada também por um segundo e posso ouvir silêncio do outro lado da linha, talvez em um lugar mais calmo.

—Diana?

—Oi. —sem motivo, sussurro, como se nossa conversa precisasse ser mantida em segredo. Talvez por reflexo, por causa dos meus pais. É meio idiota.

—Você está de castigo?

—Sim.

—Por quê?

Não respondo, impossibilitada.

—Por... minha causa?

—Você apareceu bêbado. Não sei se lembra disso. Foi você que entregou a passagem de trem?

—É meu pedido de desculpas.

—Um "me desculpe" funcionaria.

—Acho que você vai gostar mais de onde você vai. A minha tia mora lá.

Isso parece mesmo interessante.

—Irmã... da... Vivian?

—Essa mesmo. Eu lembrei sobre o a gente estava falando no karaokê aquele dia sobre conhecer uma pessoa e o passado dela, então pensei nisso.

Tudo que o padre Jonah me contou me vem a mente, queimando na memória. Minha garganta se fecha enquanto meu cérebro julga se é melhor contar para ele ou não. Tudo que sai de mim é um,

—Ah.

E depois, para tirar uma das perguntas do meu coração:

—...V-você... vai? Junto?

Seria estranho ir com Ian para qualquer lugar, principalmente porque tenho certeza que estou brava com ele ainda e não sei como agir normalmente perto dele por causa disso. E também, todas as coisas que ele fez e falou ainda ressoam dentro de mim, como um sino que nunca para de tocar. Não sei qual a maneira certa de falar com ele. Somos estranhos nesse quesito. Entretanto, a família é dele. Seria ainda mais estranho ir sem ele, então estamos em uma encruzilhada. Decido deixá-lo escolher por mim.

—Eu iria se você deixasse.

—Por que eu não deixaria?

—Porque eu sou um babaca.

Estagno no lugar, sem saber o que dizer. As palavras certas parecem erradas e as palavras erradas são tudo que passam pela minha cabeça. Me sinto culpada proferindo-as, como se fosse mentira mesmo quando é verdade. Vou pelo caminho mais curto.

—Pois é.

Silêncio.

Dele e de mim. Invadindo toda a linha de telefone e mergulhando em nós.

—Mas você pode vir. —ouço sua respiração abafada no telefone. —A gente pode conversar lá.

—É, —diz —a viagem de trem demora um pouco. Como vai falar com seus pais?

—Invento alguma coisa.

—Mais uma coisa.Talvez a gente tenha que dormir lá.

Nervosismo atinge e eu entendo o que estou fazendo. Concordando a ir em uma viagem. Com um menino. E dormindo na casa da tia dele. Sei que não há nada de mais nisso, mas algo me diz que isso é ruim. Ou, talvez, seja só minha falta de relacionamentos com garotos —relacionamentos que cheguem a esse nível, e não que eu ache que Ian e eu estamos juntos daquele jeito — e eu esteja nervosa. É natural. Eu acho.

—...tudo bem.

—Você parece nervosa.

—Não estou. Ainda estou meio brava.

—Eu sei. —Uma pausa. — Me desculpe.

Pronto. Ele finalmente disse.

—Então eu te vejo no sábado?

Eu o vejo no sábado. Ele está sentado no banco com um casaco preto de capuz, Chuck Taylors e bermuda, comendo um sanduíche. Demoro para chegar, porque tive que agir como se não estivesse ansiosa na frente dos meus pais. Eles acham que eu vou para Becker. Becker disse que eu vou para a sua casa, ficar lá o final de semana todo. Vamos assistir uns filmes, pintar a unha e falar sobre nossos namoradinhos. Eu amo ela. Preparei uma mochila com roupas e trago meu livro na mão. Não foi uma escolha sábia vir de salto alto, mas eu gosto. E gosto que combina com o vestido que eu estou usando, coral com bolinhas brancas. Ian não presta atenção em mim e eu fico onde estou, só por um segundinho, encarando-o, aproveitando que ainda não me viu. Ele parece melhor. E diferente, agora que não precisa agir de um certo modo porque tem alguém por perto. Parece ele mesmo, e nunca o vi melhor, olhando distraído para as pessoas que passam, comendo o sanduíche e batucando com os pés no ritmo de uma música que toca no seu fone de ouvido que eu não tinha percebido antes.

Primeira chamada para o trem em direção a Sterling Lake. Primeira chamada para o trem em direção a Sterling Lake. Plataforma quatro.

A voz sai nas caixas de som, e finalmente Ian levanta os olhos para me encontrar. Acho que fico vermelha, devido a situação. Tão esquisito. Não sei como continuar, então apenas ando em sua direção e ele se levanta. Minhas mãos mexem freneticamente. Eu nem sei porque estou brava com ele.

Ele arregala os olhos, como se não acreditasse que estou mesmo aqui, disposta a ignorar que ele é um babaca. Com meus olhos, peço que ele não espere palavras ou alguma conversa sobre tudo aquilo, não agora. Ainda não. Talvez ele entende, porque para na minha frente sem falar nada.

—Acho que a gente devia ir.

Sem oi.

Sem conversa afiada. Direto ao ponto. Economizando palavras. Aperto minha mochila um pouco mais.

—Vamos. —Eu respondo. Penso que ainda há tempo de desistir e voltar pra casa. Sem mais surpresas nem constrangimentos por causa de Ian. Mas lembro das histórias e dos cometas e na possibilidade de eu encontrar páginas a mais para a minha história, cometas a mais para a minha coleção.

Entramos no trem.


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Notas finais do capítulo

e ai?