Paper Women escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 16
Vivian & Jonah.




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O Padre Jonah ainda não era Padre Jonah quando ele soube que seria mandado para nossa cidade. Ele ainda era Jonah Cartwright —o seminarista. Ele foi mandado para o seminário para estudar pelos pais que não podiam pagar por um escola normal e acabou gostando. Uma grande e engraçada ironia do destino, diz ele já que havia terminado com a sua namorada porque ela lhe disse que queria ser freira. Na cidadezinha em que ele morava, parecida com tantas outras —Meio do Nada, Estados Unidos —todo mundo que não tinha dinheiro ia para o seminário. Sem a namorada, Jonah Cartwright nem reclamou da decisão dos pais. Que seja, ele pensou, eu não tenho ninguém mesmo. Tinha vinte anos. Não havia nada melhor pra fazer do que estudar a bíblia. Mas ele estudava outras coisas também, tão importantes quanto Deus—aprendia a viver na pobreza e no silêncio. Ele se desapaixonou pela sua namorada e imediatamente se apaixonou por Jesus. Não de um jeito gay, explicou ele. No modo sacro. Deixei que ele entrasse em meu coração e eu não queria viver qualquer outra vida que não tivesse a felicidade que eu tinha. Descobri que gostava de ser quieto e inteligente. Ele passou quatro anos lá. No começo foi difícil ficar longe dos pais, mas ele se virou de um modo ou de outro. Até que gostava de rezar e conversar sobre Deus, porque sua matéria preferida na escola era filosofia —outra ironia é que nas escolas da sua cidade não ensinavam religião, apenas filosofia —e os alunos conversavam sobre Deus nessas aulas. Ele adorava entrar em debates, falar alto e quando seu superior percebeu isso, o chamou em um canto em uma das aulas e disse, Sabe, Jonah, você devia ser padre.

Muito sério. Tão sério que Jonah realmente prestou atenção no que ele havia dito, e pensou sobre isso. Na mente dele, ele sairia do seminário e procuraria um emprego e a vida continuaria —só que agora ele iria para a igreja com mais frequência. Mas Jonah decidiu aceitar o chamado de Deus. Ele sabia que havia um fogo em seu coração, uma vontade de falar algo mais do que a sua vida, algo que fizesse a diferença e tivesse importância, mas não tinha dinheiro para se sustentar fora da cidade e não queria nem pedir aos seus pais. Aquela era a oportunidade perfeita. Não há nada mais grandioso do que inspirar outras pessoas a seres grandiosas, mostrar o caminho certo, Vivian costumava dizer. Mas aparentemente, ela pegou a frase de Jonah, a frase que serviu de explicação para seus pais quando falou que seria padre. A mãe não poderia estar mais orgulhosa. Tinha medo que o filho se tornasse um vendedor de drogas ou usuário como os outros meninos pobres de famílias que ela conhecia. O pai chorou um pouco, talvez por perder a oportunidade de ter um neto. Jonah era filho único —seu pai sonhava com mais um homenzinho na casa para que pudesse compartilhar seus conhecimentos. Isso não o impediu de encorajar o filho a perseguir o seu sonho. Jonah amava os pais por sempre quererem o melhor para ele e sempre o apoiarem quando ele tinha uma mente divergente, coisa que não acontecia na cidadezinha de Meio do Nada. A primeira coisa que fez quando virou padre foi mudar-se para outra cidade quase tão insignificante quanto a que estava antes, para uma casa onde vivia com três outros padres e que se sustentava apenas de doações das pessoas da igreja. E elas nem gostavam tanto assim dele —mesmo que ele falasse muito bem. A igreja para onde foi encaminhado —Santa Filomena —tinha uma comunidade forte mas que consistia apenas de velhos. E com trinta anos de idade, recém saído do seminário onde estava desde a adolescência, Jonah ainda tinha jeito de jovem. Perguntou-se por eles. Não havia nenhum. Apenas um devoto que havia largado as drogas e estava ali para pagar promessas. Então, por acaso, encontrou sua ex-namorada em uma reunião e depois de conversas e conversas, resolveram se juntar para atrair a atenção de pessoas mais jovens. Começaram a conversar nas lanchonetes, com as moças que passavam na rua e sua namorada —agora freira Meredith — começou a conversar em escolas. Certo dia, convidou-o para acompanhá-la e essa foi a primeira vez que Vivian Winter viu o Padre Jonah —em um encontro de escola. Ela tinha vinte e quatro anos —recém casada, com o cabelo loiro nos ombros e rebeldes. Uma calça que ia até sua cintura e botas que os homens usavam em construções. O Padre Jonah perguntou-se o que se passava na cabeça dela quando resolveu usar aquelas botas de homem. Com o tempo, ele (e eu também) começou a perceber que Vivian adorava usar sapatos inconvenientes. Adorava chinelos de gueixa. Sandálias gladiadores. Sapatilhas de balé —aquelas de verdade —e botas com glitter. Mas naquele primeiro dia, ela estava usando botas de construção. Eu quero chamar a atenção à você jovem. No que você acredita? O padre começou seu discurso de sempre, parando de prestar atenção na professora no fundo da sala com as botas curiosas. Sua missão era chamar os adolescentes mais propensos a perderem seu rumo —levá-los para a luz antes que a escuridão os tomasse.

Algo assim, ele me disse, faz muito tempo.

Isso conquistou uns dez garotos e umas sete meninas —a maioria das escolas religiosas. Os mexicanos não estavam lá, nem os negros —mesmo que o padre fizesse parte desse grupo. Alguns zombaram dele por causa da sua cor, mas ele permaneceu firme. Dava esperança para as crianças, confiança. E cada vez mais ele atraía aqueles jovens para a sua igreja —a igreja da mártir pobrezinha e fiel de treze anos, Santa Filomena —ele mesmo se sentia tomado por uma energia que tinha certeza absoluta vir de Deus. A esperança, a alegria. Deus o havia chamado, e agora que o padre Jonah atendera a sua voz, os resultados começaram a parecer.

Um garoto em especial —Martín Rorez —foi a pessoa de quem ele mais se lembra hoje em dia, quando pensa nos seus dias de missionário e divulgador. Um garoto forte, gelado e musculoso, ex-gangster latino, ex-vendedor de drogas. Usava aquele olhar ameaçador que dizia para todos manterem distância, mas no fundo o Padre Jonah sabia que ele fazia isso para proteger seu próprio coração. Padre Jonah levou-o para se confessar. O garoto chorou por uma hora. Dizia ter medo que levassem a irmãzinha dele embora, ou que deportassem sua avó para o México. Ele não sabia como conseguir dinheiro para pagar as contas. O padre colocou-o no serviço da Igreja, onde ele limparia a igreja e seria um tipo de assistente para a ajuda pública. O padre tiraria do próprio salário o salário daquele menino. Porque quando você coloca seu coração aberto na frente de alguém como aquele garoto fez comigo, você percebe quão séria a vida de um adolescente pode ficar. E tinha que ajudar, foi a justificativa dele.

Enquanto isso.

Na igreja, com a maior movimentação, o dinheiro foi entrando no fundo da congregação. O padre sabia que precisariam de uma igreja maior para suportar mais pessoas. Decidiu fazer uma reforma e chamou todos os cristãos que a frequentavam para ajudar. Inclusive Martín.

O garoto começou a ficar popular na comunidade —o pequeno aprendiz do Padre Jonah —e isso acabou chamando a atenção da Red Hood —uma gangue perigosa da cidade. Começaram a observar Martín e o queriam na gangue. Quanto mais ele recusava, mais insistiam. Martín confessava tudo isso para o Padre Jonah, mas o que este poderia fazer? Padres nunca deteram gangues. E a polícia já sabia sobre a gangue, mas eles permaneciam fugindo, escondidos e aparecendo convenientemente. Martín estava com medo e Padre Jonah também. Sabia que Martín poderia ser facilmente influenciado caso oferecessem dinheiro ou liberdade para a avó ou a irmã.

E foi isso que aconteceu.

Padre Jonah ainda não sabia disso, mas Martín começou a trabalhar para a gangue algumas semanas antes do término da construção da nova igreja. A estátua de Santa Filomena havia sido presente do chefe da gangue —mais como uma ameaça à igreja —o poderoso Cafflin Silverston. Vinte e dois anos. Irlandês.

Eu vi Claffin uma vez. Não era como Martín, com desespero nos olhos. Ele tinha ódio. Ódio e olhos vermelhos, procurando por sangue e problemas. Sabia que com esse não havia nem como tentar. Ele nos entregou a estátua dizendo que era um presente de "boas vindas" de Deus, como se ele nos estivesse esperando. Eu verdadeiramente achei que ele ia me matar.

Havia uma casa vazia, na frente da igreja. Era enorme e inocupada. Ninguém nunca soube dos seus antigos moradores, mas todos tinham consciência que era ali que os usuários de drogas se encontravam com os vendedores, e a Red Hood tinha seus papos noturnos naquele espaço enorme e vazio, protegidos pelo escuro. Eram perigosos e cuidadosos.

Quando Martín contou o que estava acontecendo ao padre, já era tarde demais. Ele estava começando a recusar alguns trabalhos perigosos impostos por Cafflin, mentindo ter feito o serviço e dando parte do dinheiro que ganhava do padre para encobrir suas mentiras. Cafflin havia descoberto e queria matá-lo. Quando Martín veio até o Padre Jonah, não temia por sua vida, mas sim pela vida da sua irmãzinha. Tinha apenas seis anos, Rosa Rorez. Uma garotinha encantadora. A avó estava quase morrendo —não precisava se preocupar com ela. Apenas com a irmã, tudo que ele tinha. Era para ela que ia todo o dinheiro que restava dele.

Foi então que Vivian apareceu. Ela havia aparecido há muito, muito tempo quando foi professora de Martín naquela escola que o Padre Jonah foi visitar certa vez, a que Vivian estava usando aquelas botas. Ela ainda trabalhava naquela mesma escola e começou a ouvir boatos dos alunos que Martín estava metido em algum tipo de problema. Foi procurá-lo e exigiu alguma explicação que justificasse os boatos. Ela continuou pressionando-o, demonstrando que se importava até que ele cedeu. Contou-lhe o que estava acontecendo também. Agora o padre Jonah e Vivian era os únicos que sabiam os perigos que Martín, conectados por esse jovem. Não se conheciam ainda.

Ainda.

Tudo mudou quando Vivian entrou na igreja em uma manhã, agitada. Apresentou-se como Vivian Webster e contou que os alunos da escola estavam dizendo que Martín havia sumido. Ele já não ia para a escola há muito tempo, mas alguns ainda mantinham contato com ele. Os jovens da igreja confirmaram. Mencionaram Red Hood e o nome de Claffin na história e ambos sabiam o que estava prestes a acontecer. Dois estranhos que nunca haviam se falado agora juntos em uma missão para resgatar um garoto frágil por dentro e durão por fora. Procuraram pela cidade inteira. Bateram na porta na porta da casa de Martín e descobriram a avó deitada na cama —sem respirar. Morta. Escolheu a hora mais errada para partir, mas que Deus a tenha. Rosa Rorez estava na escolinha —Vivian buscou e ficou com ela por um dia inteiro enquanto o padre Jonah buscava por Martín, sem sucesso. À noite, na igreja, ouviram-se tiros. O padre Jonah soube na hora —a casa da frente, o ponto de encontro. Talvez Martín estivesse ali o dia inteiro e eles nem desconfiavam. Ninguém chamou a polícia.

Não logo de cara. Estavam com medo que viessem atrás dos fiéis da igreja.

Vivian e o padre Jonah entraram na casa. O padre estava tremendo de medo, rogando a Deus por misericórdia e proteção. Estava uma pura escuridão. Silêncio. O padre Jonah conseguia escutar seus batimentos cardíacos, guiando-se por eles para contar quantos segundos se passavam, porque seu pânico fazia tudo acontecer muito devagar.

Vivian chamou Martín. Uma vez. Depois outra mais alto, quando viu que nada aconteceu. Tentativamente, adentrou mais profundamente no casarão e chamou pela terceira vez.

Alguém gemeu. O padre reconheceu a voz de Martín e tateou as paredes em busca de luz, mas nada acendeu. Vivian ligou uma lanterna e o padre conseguiu se localizar —no meio da sala. Havia uma escada e era lá de cima que som vinha, a voz agonizada. Os dois subiram as escadas e viram onde Martín estava caído, com hematomas no corpo todo. Mas não era a pior visão, na opinião do padre. Na frente de Martín, em um dos quartinhos, havia um homem virado com a cabeça para baixo no chão, morto.

Cafflin.

Martín havia matado Claffin. Não havia necessidade de confirmação. Martín não estava ileso. Mal conseguia falar, mas vivia repetindo —me perdoe, padre, me perdoe. Chorando como quando confessou seus pecados para o padre, há uma eternidade.

O padre Jonah achou que ele iria para a prisão. Ele deveria ir para a prisão por ter matado um homem —as leis de Deus também confirmavam isso, e o padre tentou convencer Martín a se entregar e pagar na terra o que não queria pagar quando morresse. Uma vida justa traria mais satisfações.

Mas Vivian nunca trabalhou pelos métodos mais convencionais e se importava com Martín. Em suas próprias palavras, ela não dava a mínima pra merdas como essas. Vivian também tinha uma família e sabia que faria tudo para proteger os que ela amava. Então seu plano era o seguinte: o padre levaria Jonah até a sua casa, onde limparia ele e esconderia ele por algumas horas. Vivian recolheu a arma. O padre não sabe o que aconteceu com o objeto —ela nunca mais mencionou-o —mas chamou a polícia algum tempo depois. Enquanto o padre Jonah ajudava Martín, Vivian explicava que ouviram tiros e os policiais reconheceram o corpo de Cafflin. As coisas correram bem tranquilamente, lembra-se o padre Jonah. Contando sobre isso agora ele até ri. Era uma cidade pequena, e as coisas trabalhavam sempre ao nosso favor. Não houve investigação. Brigas de vendedores de drogas sempre aconteciam e alguém morria. Cafflin era alvo da polícia desde sempre.

Vivian comprou duas passagens de avião para Martín: Washington. Uma para ele, uma para Rosa. Então após enterrarem a avó em uma cerimônia até meio decadente no cemitério, os dois partiram. Martín não conseguia parar de chorar e agradecer Vivian e o padre Jonah por tudo que haviam feito. Segurava Rosa como crianças deveriam ser seguradas, quase como um pai. Pegou o avião e nunca mais voltou. A casa da avó foi vendida, junto com tudo de valor e em pouco tempo Martín conseguia sustentar Rosa. O padre, de certa forma, estava orgulhoso do homem que Martín se tornara, mesmo que tenha feito algumas ações erradas. Estava um homem agora. O caso estava encerrado.

Mas Vivian começou a ir para a igreja. No começo, era para ver se o padre tinha informações sobre Martín e Rosa. A cada domingo, ela estava lá. Como vai, padre? ela diria, depois os dois se sentariam e perguntariam pelas mesmas coisas. O padre gostava de Vivian —ela era decidida e do bem, sem ter a intenção de machucar ninguém, apesar do espírito forte dela. O modo como ela se portava, com confiança e silêncio, era raro aparecerem pessoas dessa maneira. Com o tempo, ela foi lhe contando sobre sua vida. Seu marido —o dono de uma das maiores frotas de postos de abastecimento. Quase duzentas filiais em apenas dois anos. "Meu marido não quer que eu trabalhe, mas eu amo dar aulas. Não é pelo dinheiro. É pelas crianças escondidas naquelas pessoas."

Vivian usava uma voz lírica, que se usa para contar histórias. Ela não vinha a procura de uma guia para aproximar-se de Deus, embora o padre Jonah soubesse que ela não acreditava naquilo. Vinha para conversar, porque se sentia só às vezes. Mesmo assim, amava o marido, falava sobre ele com uma paixão digna de romances literários, talvez porque ela sempre andava com um livro na mão. Com o caso de Martín caindo no esquecimento, os assuntos começaram a variar. Comida. Família. Até um pouco sobre Deus, mas eles sempre acabavam discutindo, como o padre fazia no seminário. Secretamente, ele adorava discutir.

Desenvolveram uma amizade. Aos poucos, ele conseguiu puxá-la para uma missa ou outra durante o mês. Anunciou que ela e o marido estavam comprando a casa em frente à igreja —onde Claffin havia morrido —porque achava que a casa tinha um charme encantador e uma história digna de livros.

E estava mais perto do padre.

Quem sabe isso não é um plano de Deus?, ela vivia brincando. Talvez você seja meu salvador.

O padre Jonah nunca entendia essas frases que ela lhe proclamava, mas não procurava saber. Eram mistérios de Vivian. Mistérios de uma pessoa, para ele, são a própria pessoa e ele não queria tirar sua essência. Ela era assim e ponto.

Conheceu o marido de Vivian —Gregg Webster — em uma das festas anuais da igreja. Ela sorria para ele como alguém sorri para a lua quando se está apaixonado, como uma criança encantada.

Gregg era um homem bom. Simples. Gostava dela e cuidava dela. Estavam casados há dois anos.

Em 1990, Vivian e o marido começaram a tentar ter um filho. Pediram para que o padre Jonah os abençoasse e tudo, talvez pelo desespero e a vontade imediata. Vivian vinha toda semana conversar com o padre e eles passavam horas falando sobre a escola onde ela trabalhava naquele tal ano, ou sobre os discursos que o padre fazia para os jovens que ainda vinham para a igreja, mencionando coisas como Flashdance e Beverlly Hills, 90210. As coisas começaram a piorar quando Vivian não conseguiu ficar grávida naquele ano.

Tentaram no ano seguinte.

E no seguinte outra vez.

Nada.

Vivian parecia menor, magra e infeliz. Não conseguia dormir direito e quando o padre Jonah ficava até tarde na igreja, conseguia ver as luzes da casa de Vivian acessas em horas em que todos deveriam estar dormindo. Via sua sombra perambulando pela casa. O marido de Vivian parou de aparecer na igreja junto com ela. Ela ainda sorria, mas menos.

Em 1995, veio a notícia. Ela estava grávida. A luz voltou ao seu rosto, mas não foi capaz de sustentar o casamento em ruínas. Não estava dando certo. Ambos queriam coisas que nenhum deles poderia dar, explicou o padre Jonah. Gregg saiu de casa alguns anos depois —cansado de tentar fazer o certo no lugar errado. Vivian amava-o o suficiente para deixá-lo ir.

Mas eu nunca entendi porque ele levou Ian junto. Ou porque Vivian deixou que ele levasse, porque parecia tão bem com isso. No começo, achei que ela tido sido ameaçada por ele ou chantageada, mas ela me olhou com raiva quando lhe perguntei e me disse, "a escolha foi minha". Ela não era uma mulher sem coração e nunca foi. Tudo que acontecia ia direto para as suas emoções, causando todas as reações imagináveis, mas aquilo foi curioso. Ela me excluiu dessa parte da sua vida, e nunca mais lhe perguntei.

Agora Vivian estava sozinha naquela casa enorme e dava mais aulas de Inglês, então sempre estava planejando uma aula ou lendo algum livro. Ela andava com um caderninho também, fazendo anotações.

Andava no mundo da lua. Parou de compartilhar qualquer coisa com o padre. Ela ainda aparecia por lá para conversar, mas não dizia nada sobre seu próprio estado emocional. Algumas vezes, porém, a rachadura aparecia e ela desmoronava um pouquinho. Então o padre Jonah a abraçava e dizia que tudo ficaria bem. Deus tinha um plano para cada ser humano, inclusive para ela. Ela assentia. Observava-o, frágil. Mas sempre concordava.

Felizmente, aos poucos a vida voltou a ser gentil com ela. Apesar da solidão, agora ela ria e fazia piadas, continuava indo à igreja e agora o padre via o pequeno Ian visitá-la e ela caminhava pela rua lendo um livro em voz alta enquanto ele escutava com atenção. O padre sempre sorria com a cena.

Ela voltou a falar com ele também. Sobre as coisas que estavam acontecendo.

"É tanta coisa pra deixar dentro do meu coração... Ainda bem que eu tenho você, Jonah. Às vezes é bom falar." ela disse.

"Deus está aqui também, Vivian. Isso é obra dele" O padre responderia. Agora a vida parecia mais calma. Eles discutiam sobre tudo e acabavam rindo no final. O padre passou o feriado de Ação de Graças com ela, em 2006, e ela passou o Natal na igreja, junto com os outros padres e freiras. Chegou até a conhecer aquela ex-namorada do padre, que lhe rendeu boas risadas. Mas com a quietude, veio uma tristeza. O padre não sabia o que era, mas percebia no seus olhos. No modo como ela o encarava, escondendo alguma coisa. Algo que não podia se esconder nem fugir.

"O que há de errado com você ultimamente?"

"Precisa ter alguma coisa errada?" ela fugira do assunto, "eu só estou quieta. Jesus Cristo."

Era quieta demais, esse é o problema. Padre Jonah ficou com medo de ela voltar para o estado em que estava logo depois da separação com Gregg. Vivian era uma dessas pessoas que sentia demais, percebia demais e vivia demais —em função das suas emoções. Era facilmente levada por uma delas e se comovia muito fácil por qualquer coisa. Em uma manha ensolarada, Vivian —com muito tempo livre —levou o padre para uma caminhada. Eles foram até os jardins de Santangelo, um artista da cidade e começaram a caminhar por entre as folhas de árvore, se desviando. O padre percebeu que ela estava cada vez mais quieta e absorta nos meus próprios pensamentos. Perguntou o que estava pensando. A tristeza dela era evidente, quase visível. Não combinavam com o rosto selvagem dela, que o padre uma vez havia visto com toda sua glória, sorrindo ao marido, falando com o filho. Era quase como se ela estivesse construindo muros envolta de si mesma, visando se proteger ou proteger as outras pessoas de algo que a assustava.

Então ela tirou a pedra do coração.

"Eu estou apaixonada por você, Jonah."

Ali mesmo, nos jardins, ela lhe olhou com olhos tristes porque sabia a resposta. Ele não a amava. Não daquela forma.

"O que você está dizendo?"

"Eu estou apaixonada por você. Sinto muito."

"Mas... Meu Deus, Vivian. Eu sou um padre."
"Eu sei, por isso disse sinto muito," —após uma pausa, recomeçou a falar, com a voz fraca. Isso partiu o coração do padre Jonah, vê-la tão infeliz. "você é a única pessoa que me entende, me ouve. Não percebe como isso é natural? É tão fácil amar alguém que se preocupa com você. Você me conhece há tantos anos, Jonah. Você me conhece e ponto. Não há explicação."

—Me senti culpado e envergonhado depois disso. Como se eu houvesse provocado de propósito o amor de uma mulher como ela. Mas eu não sabia. E o que eu poderia fazer diante dessa situação? Nada.

Então ele segurou o seu braço e sugeriu que voltassem para a igreja. Sem olhar para ele, no caminho de volta, ela lhe perguntou, "Você não me ama desse jeito, não é? Eu não te culpo. Apenas peça para Deus me perdoar."

"Eu não a amo desse jeito", ele resolveu ser honesto. "mas eu quero que você seja minha amiga."

Do mesmo modo como o padre havia ficado do seu lado por todos esses anos, ela havia feito o mesmo. Sempre lhe dando confiança quando essa parecia abalada, falando sobre tudo que o padre fazia pelos jovens e inspirando-os com o exemplo de Santa Filomena. Toda aquela coragem comprimida em uma menina de treze anos e todas essas histórias. O padre sabia que se recusasse o amor de Vivian mas continuasse com ela por perto, talvez algum dia esses sentimentos iriam embora e eles ainda teriam uma amizade forte. Ele rezava à Deus que sim. Mas Vivian não. Ela ficou furiosa e começou a gritar com ele por ligar tão pouco para os seus sentimentos.

"Eu não consigo ser a merda da sua amiga, Jonah! Você é cego? Depois de todo esse tempo?"

Ele não sabia o que dizer. Ela o olhou uma última vez e foi embora. Não voltou nos próximos meses e o padre respeitou seu espaço. A via lendo na rua para Ian, às vezes, com o coração pesado. Ela não olhava em sua direção, mas ele sabia que ela estava indo bem. Não magra demais, quieta demais. Soube que estava dando mais aulas em escolas novas, lendo novos livros. Ele sentia falta de sua amizade, das conversas e das discussões sobre Deus. A igreja estava indo bem —bem cheia de adultos, agora —e tudo estava tranquilo. Vivian, que sempre fora um furacão, fazia falta. A voz alta e os argumentos. O padre estava convencido que ele nunca mais a veria. A rejeição pode ser difícil, ele sabia.

Num domingo à noite, porém, dois anos após tudo aquilo, ele viu a silhueta conhecida de Vivian na última cadeira da igreja, o encarando com a sobrancelha erguida, como se estivesse perguntando, você vai continuar falando de Deus desse jeito mesmo?

Ele não foi falar com ela. Ela não se aproximou. Mas agora, parecia que o fantasma de tudo que ocorreu havia sido apagado. O padre Jonah conseguia ver o brilho em seus olhos novamente, não a tristeza e silêncio que impregnava sua alma durante aqueles meses em que escondia seu amor por ele. E agora era diferente. Leve. E ela sorria para ele na rua.

A amizade dos dois se resumiu a isso, um aceno e um sorriso a distância. Às vezes era de manhã, quando ela abria a janela e via-o limpando a entrada da igreja. Às vezes era a tarde, ou no almoço. Uma vez em especial, a última vez que o padre Jonah e Vivian Winter se falaram, foi em uma noite estrelada, perto do Natal, alguns meses antes da sua morte. Os fiéis estavam saindo da igreja, e o padre estava cumprimentando-os, como sempre gostou de fazer. Ao sair o último, percebeu que na janela, Vivian encarava o céu. Do outro lado da rua, ele perguntou:

"Boa noite! Está tentando encontrar uma estrela cadente?"

Disse com uma voz engraçada. Vivian não acreditava em estrelas cadentes.

"Não, não, Jonah. Estou tentando encontrar um novo cometa..."


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Notas finais do capítulo

hey, hey, hey espero que tenham gostado!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! pessoalmente, eu gostei. e mal posso esperar pra vocês lerem o que mais eu tenho planejado pra fic, enfim.



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