Cinderela às Avessas escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 26
Ela descobre que a madrasta também é uma bruxa




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/458268/chapter/26

A comemoração de ano novo da família da Cascuda tinha sido muito boa. Eles comeram bem, riram, comemoraram e Carmem foi dormir às duas da manhã se sentindo melhor e com o coração menos partido. Como sabia que ela tinha de dormir no chão todas as noites, Cascuda cedeu sua cama para que a amiga pudesse dormir melhor.

Como insistiram para que ela ficasse para o almoço, Carmem só foi embora depois das três da tarde. Ela não pode ficar mais porque tinha medo de andar sozinha a noite.

“Puxa, será mesmo que eu vou ser modelo?” ela ia pensando dentro do ônibus na viagem de volta. “Tomara que eu fique bem famosa e ganhe muito dinheiro! Aí vou ter minha própria casa! Talvez um apartamento não muito grande, que fica mais fácil cuidar. Hum... será que vou precisar de empregada? Acho que sim, mas eu não vou maltratar ela não, isso é muito ruim!”

Ela foi pensando na vida e fazendo planos para o futuro. Apesar daquele incômodo que insistia, a perspectiva de uma vida melhor era bem mais atraente. Quem sabe se ficasse rica e famosa, ela poderia se reaproximar dos seus pais como amiga?

“Lar doce lar. Só que não!”. Era tão triste ter que entrar naquela casa! Tudo era silencioso, frio e sem calor humano. Muito diferente da casa da Cascuda que era simples porém alegre. Quando foi ao seu quarto trocar de roupa, uma conversa vinda da cozinha lhe chamou a atenção. Eram os patrões.

O que estavam fazendo ali? Eles não iam voltar somente de noite? Movida pela curiosidade, Carmem andou pé ante pé e ficou observando os dois tomando cuidado para não ser vista. Eles estavam na despensa guardando uma grande caixa de papelão.

— Tem certeza de que ninguém vai mexer aqui?
— Tenho, querido. Eu tranco essa despensa a chave e só eu tenho acesso. As máquinas ficarão seguras aqui.

“Máquinas? Que máquinas? Eu heim!” o casal continuou conversando.

— Então está tudo encaminhado para o nosso golpe. – o patrão falou. – Vamos limpar a conta bancária desses ricaços e sumir do país! Nunca vão nos achar!
— Já consegui passaportes falsos! Vamos mudar o visual e ninguém irá nos reconhecer!

Carmem ficou toda arrepiada. Eles eram tão vigaristas assim?

Após guardar a caixa, eles trancaram a despensa e foram até a cozinha, onde a Sra. Aguiar abriu uma garrafa de vinho e serviu uma taça para cada um acompanhada com canapés finos.

— Ao nosso sucesso! – ela brindou. – Ganharemos milhões!
— Vamos morar no caribe, em uma casa bem melhor que essa!

“Eles pretendem fugir? Essa não!”

— Acha mesmo que eles vão fazer as doações com cartões de crédito? – ela perguntou meio insegura.
— Sim. Mesmo que alguns paguem com cheque, a maioria vai preferir usar o cartão. Aí nossas máquinas vão clonar todos eles! Especialmente o dos Frufrus! Vamos roubar tudo o que pudermos deles!

Seus olhos arregalaram. Clonar cartões de crédito? Era esse o golpe que eles pretendiam dar? E ainda pretendiam lesar seus pais?

— E de quebra teremos as doações para o “Criança Feliz”. Mas quem vai ficar muito feliz somos nós! Estou tão emocionada! Hahaha!
— Eu também, querida! Só que teremos de esperar um tempo antes de limpar a conta deles. Coisa de um mês ou menos para não levantar suspeitas. Assim teremos tempo de preparar nossa fuga e quem sabe não conseguimos mais doações?
— Isso seria incrível! Também vamos dar um jeito de entregar essa mansão. O aluguel custa muito caro!
— E os empregados?
— O chofer, a cozinheira e a outra empregada vão para o olho da rua, ora! Não vamos mais precisar delas.
— Ainda tem a loirinha. Você pretende cumprir sua promessa se ela aceitar a proposta?
— Se não fizer, ela poderá dar com a língua entre os dentes. Como eu tenho muitos contatos na agencia de modelos, não vai me custar nada e teremos sossego. Os outros três não valem nada e não nos darão trabalho.

Por pouco Carmem não saiu de onde estava para dar uma surra nos dois. Eles conversaram mais um pouco, traçaram alguns esquemas e saíram da cozinha rindo e comemorando. Ela voltou para seu quarto tremendo de raiva e indignação.

Não dava para acreditar que aquilo estava acontecendo! Como eles podiam fazer uma coisa dessas? Era cruel demais! E ainda pretendiam dispensar os outros três como se fossem lixo!

— Ai meu santo! O que eu faço agora? O que faço? – ela resmungava andando de um lado para outro. Talvez o melhor fosse não fazer nada. O que ela poderia fazer? Não havia como impedir aqueles dois.

Por outro lado, seus amigos estavam prestes a serem demitidos. Não seria melhor avisá-los para que procurassem outro emprego?

— Mas aí eles podem sair antes da festa e vão estragar minha chance! Ai, não, espera! Isso não é justo! Não posso pensar só em mim!

Ela sentou-se na cama e pensou em cada um deles. Marlene era uma pessoa boa, trabalhadora e esforçada que precisava do trabalho para sustentar sua família. Sem falar que ela sempre lhe tratou bem desde que a conheceu. Rafael e Cassandra lutavam para melhorar de vida e também eram boas pessoas. Seria justo não avisá-los de nada só para salvar a própria pele?

— Eu preciso pensar! Tenho que pensar! Que droga, falo ou não falo?

Seus colegas de trabalho chegaram logo em seguida e Carmem ainda estava em conflito. Ela foi até a cozinha onde os três conversavam. Cassandra e Rafael estavam abraçados, indicando que agora estavam namorando. Ao vê-la, eles perceberam que havia alguma coisa errada.

— O que foi? Você está com uma cara! – Marlene perguntou.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não, nada. Mas é que... que... eu ouvi uma coisa e...

Ela engoliu ruidosamente, respirou fundo e ia falar quando Marlene interrompeu.

— Você anda ouvindo demais a conversa dos patrões. Não faça isso ou poderá se dar muito mal. Vem, vamos preparar o jantar antes que a madame venha nos dar bronca.

Cassandra foi trocar de roupa enquanto Carmem ajudava Marlene.

— Será que eles vão pagar o resto do décimo terceiro esse mês? – Cassandra perguntou voltando com seu uniforme. – Meu pai está precisando de remédios.
— O banheiro lá em casa está com vazamento e isso vai custar dinheiro. – Marlene também falou. - Tomara que eles não fiquem nos enrolando.

Carmem se remexeu inquietamente e continuou trabalhando. Rafael entrou na conversa.

— Até que seria bom. Eu estava pensando em produzir e vender meu CD, mas isso custa muito caro!

“Eles estão em dificuldades. Como vão fazer se perder o emprego tão de repente? Não, isso não é justo! Eles precisam saber!” por fim ela não aguentou mais e resolveu abrir o jogo. Não era justo deixar seus amigos serem prejudicados daquela forma. Depois do jantar e dos patrões se recolherem, Carmem resolveu soltar a bomba.

— Gente, eu tenho que contar uma coisa pra vocês.

A medida que ela foi contando tudo o que ouviu, Marlene e Cassandra choravam de raiva enquanto Rafael socava a mesa para extravasar toda a indignação.

— Eu não acredito que eles vão fazer isso com a gente! – ele bradava toda hora.
(Cassandra) – eles são uns monstros! Vão jogar a gente no olho da rua sem a menor consideração!
(Marlene) – Sempre achei que esses dois não valiam nada. Agora tenho certeza!
(Cassandra) – Eu preciso procurar outro emprego urgente! O pior é que sem carta de recomendação fica muito difícil!
(Marlene) – Também é difícil para mim! Não é todo mundo que contrata uma cozinheira e nos restaurantes é bem mais complicado.
— Mas você cozinha tão bem e sua comida é ótima! Tanto que eles até te mandaram cozinhar pra festa deles! Por que o dono de um restaurante não ia querer te contratar?

Marlene deu um sorriso amargo, abriu os braços e falou.

— Por causa disso!

Carmem olhou por um tempo e perguntou.

— Er... listras horizontais? – a outra deu um risinho e esclareceu.
— A cor da minha pele. Eu sou negra e é difícil para mim arrumar um trabalho num país tão racista quanto esse.
— Que absurdo! O que uma coisa tem a ver com a outra? Não é justo!
— Mas é o que é. De qualquer forma, obrigada por nos avisar. Vamos ter que começar a procurar trabalho rapidamente ou estaremos encrencados.
(Rafael) - Pelo menos você não vai ter que se preocupar com nada. Se a madame cumprir a promessa, você estará encaminhada.
— Mas ainda não é justo ver vocês em dificuldade assim! Não queria que isso acontecesse, acho que nem devia aceitar essa proposta.

A cozinheira deu um tapinha nas suas costas e falou.

— Se você recusar, não vai mudar nada. Eles farão de qualquer jeito. Nós temos casa e lugar para ficar. Você não, então é melhor que esteja encaminhada mesmo.

Naquela mesma noite, o casal chamou Carmem para seu escritório e ela aceitou a proposta deles ainda que de coração partido.

Na hora de dormir Carmem ouviu Cassandra chorar, mas não falou nada e ficou remoendo seus pensamentos. Aqueles dois iam aplicar um golpe em todo mundo e depois fugir ilesos. Era justo isso? Será que não dava para fazer nada?

Ela virou-se para o lado e continuou pensando. Para poder acusá-los de alguma coisa, ela ia precisar de provas, coisa que não tinha.

“Se eu puder provar que eles são vigaristas, pelo menos ia evitar que todo mundo fosse roubado. E eles podem até ser presos, aí seria bem feito pra eles!” aquela idéia parecia muito boa. Só faltava saber como colocar seu plano em ação. Aliás, ela sequer tinha um plano. Era um assunto muito sério e delicado, complicado demais para ela pensar sozinha. O jeito então era pedir ajuda.

“Eu preciso falar com a Cascuda e com o resto da turma de qualquer jeito! Só eles podem me ajudar!”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!