– Está na hora de você ir embora – Evelyn fala para Zac desolada e com os olhos vermelhos. Zac assente, pois pelo menos, agora tinha a certeza que eu sabia sobre ele.

– Se ele sair dessa casa, eu saio junto – Murmuro. Evelyn abre a boca para contestar mas eu a impeço. – E você não colocará a vista em mim nunca mais.

Todo o mundo na sala fica num silencio incomodo. Evelyn parece mais magoada do que surpresa. Zac parece meio orgulhoso, com um sorrisinho de canto. Peeta, que estava atrás de mim, se postou ao lado da madrasta. E Meredith tem uma ruga de preocupação entre os olhos ao ver sua filha encostada na parede, dispersa e perdida em seus pensamentos.

– Como você ousa? – Evelyn gritou batendo o pé. Ela ia avançando para mim mas Peeta a segurou, assim como Zac me protegeu. – Tudo isto é culpa dele! Ele nos abandonou! Nos deixou à mercê da minha mãe! E você fica do lado dele?

– Eu não estou do lado de ninguém! – Grito de volta, com meu temperamento transparecendo. – Você não entende? Você está me emboscando!

– O quê? – Peeta olha para mim chocado. – Katniss, acho melhor você parar com isso pois está sendo injusta.

– Você acha? – Pergunto retoricamente – Porque meus pais morreram, entendeu? Morreram! E vocês não estão deixando fazer meu luto. Então eu aviso já para todo o mundo! Eu não sou um brinquedo que podem passar de mão em mão. Então, por favor, Evelyn, pare de me forçar nesse mundo porque eu não estou pronta para entrar nele.

Evelyn me olha com uma expressão dura, pouco amável. Isso só comprova o que eu sentia. Ela não está nem ligando para a minha perda. Na cabeça dela, eu não tinha pais. Eram meros educadores. Mas estava profundamente errada. Eu não iria desistir dos meus pais só porque ela queria. E eu sei que Zac percebia isso. Ele conhecera meus pais, eles eram amigos, então eu sei que ele e Meredith partilhavam a minha dor. Eu vi nos olhos de Zac a relutância em me contar que ele era meu pai. Porque ele não queria sobrecarregar-me. Já Evelyn não se importou com esse facto. Ela jorrou-me as informações sem mesmo se perguntar se eu estava nas melhores condições para isso. Porque, gente, eu tinha acabado de perder meus pais e de sair de um coma! Foi esse motivo que não aceitei quando ela obrigou Zac a sair. Ele era meu porto seguro, meu ponto de ligação para a realidade que eu conhecia.

Meus olhos estavam marejados e quando vi Peeta prestes a dizer alguma coisa, sai dali a passos largos para o exterior, pouco me importando se estava de pijama. Meus pés descalços se arrepiavam com a calçada fria à medida que caminhava lentamente pela calçada. Levei as mãos à cabeça, tentando controlar meus pensamentos, e cheguei a agarrar meus cabelos e pular eles do couro cabeludo. A dor física acalmou um pouco a psicológica mas não o suficiente. Eu estava furiosa e nem sabia ao certo o porquê. Querendo extravasar tudo, dei um grito tão agudo e tão medonho que feri meus próprios tímpanos. Chorosa, toquei minha testa num sobreiro que indicava que eu estava já no parque situado ao fim da rua. Bati meus punhos contra a madeira rugosa e áspera e não parei mesmo quando já sentia dor. Porém, não foi por muito tempo. Senti um corpo colado atrás de mim e a pessoa agarrou meus pulsos já pulsantes de dor. Inspirei fundo e o odor a lavanda preta e madeiras denunciou Peeta. Eu me preparei para o sermão, ainda com lágrimas teimosas a correrem, mas ele apenas segurou meus pulsos e escondeu seu rosto nos meus cabelos.

– Mais calma? – Ele sussurrou com medo que meu torpor fosse de vez e a raiva voltasse.

Eu suspirei fundo e desencostei a testa da árvore. Tinha quase certeza que estava com a marca das nervuras da casca da árvore.

– Sabe uma coisa Peeta? – Pergunto ainda de costas para ele e olhos fechados. Eu não queria descobrir que pessoas podiam estar encarando. – É fácil julgar sem realmente sentir o que as pessoas estão passando.

Finalmente me viro para ele, abrindo os olhos e ele suspira cansado. Ele olha para o lado enquanto remexe nos cabelos descontrolados.

– Katniss…

– Não, Peeta. – Eu abano a cabeça. – Como você pode dizer que eu é que estou sendo a injusta? Provavelmente exagerei um pouco lá em casa. Mas Caramba! Se coloque no meu lugar. Todo mundo tentando dizer quem eu sou, quem querem que eu seja, como eu sou… Eu estou ficando cansada dessa história!

– Eu entendo, eu juro. – Ele fala agarrando meu queixo. – Mas você não pode descarregar toda essa má onda em Evelyn.

– Eu só quero que ela entenda que eu não sou a menina que ela queria que eu fosse, que entenda que eu não tenho culpa de não sentir ela como minha mãe! – Eu volto a exasperar e Peeta afaga minha bochecha numa tentativa de acalmar. – Ela tem que perceber, ela não pode simplesmente apagar e reprogramar todos esses anos.

– Vem, melhor você voltar para casa. Eu sei que tudo irá resolver-se.

* * *

Após uma conversa que se prolongou até ao entardecer, acabamos por colocar os pontos nos Is. Zac decidiu que se mudaria temporariamente para a cidade, com Meredith e Johanna ficaria com eles também. Eu ficaria onde me conviesse. Eu poderia ficar ou com Evelyn ou Zac. Evelyn não gostou da ideia mas resignou-se a ela. Então concordei que passaria tempo proporcional com cada um. Era o melhor que podia fazer para deixar todo o mundo satisfeito. Como era irónico querer agradar a ambos meus pais que eu nem sabia serem meus pais um mês atrás.

Johanna ficou bastante desnorteada com a notícia primeiramente. Mas depois Zac e Meredith me levaram a mim e Joh para o escritório e nos contaram tudo o que precisávamos saber. Quando Zac saiu da prisão, a gravidez, o casamento relâmpago…. Até quando descobriram que eu era a filha dele. Pelo que parece, Zac não procurou por mim porque achou que Peeta era o seu filho. Então, após ouvir toda a história, Joh aceitou bem o facto de sermos meio-irmãs e acabou zoando dizendo que ela sempre achou que eramos irmãs de pais diferentes, mas pelos vistos era mesmo só de mãe diferente. Mas ela tem certa razão. Ela é como uma irmã para mim. E se é para ter uma irmã, que seja minha melhor amiga!

Dia seguinte, antes de irmos para a academia, Joh arrumou suas malas para ir viver com nosso pai (meu Deus, como vai ser difícil me habituar a isso) e eu fui junto com ela para conhecer a casa e ver meu quarto. Quando lá chegamos, vi de caras que não era nem de longe tão grandiosa e elegante como a de Evelyn. Era linda mas era mais modesta. Quando Zac nos recebeu começou logo se desculpando pois nós duas teríamos que partilhar o mesmo quarto. Na verdade eu fiquei entusiasmada com isso. Na academia vivera no mesmo quarto também e foi uma experiencia única. Então quando vi o quarto, quase chorei de alegria. Nada de decoração sóbria, nada de tons pasteis tão comuns na casa de Evelyn. Esse quarto sim, era a minha cara, cheio de tons vivos, estampados, floridos… As camas com almofadas de todos os feitios e cores… Era perfeito.

– Eu sei que não é nem de perto tão luxuosa como a casa de sua mãe, mas faremos de tudo para que se sinta bem aqui – Meredith falou sorrindo.

– Está brincando? Na casa de Evelyn, parece tudo tão caro e fino que eu tenho até medo de tocar. Esta casa está fantástica. – Garanto.

– Obrigada Querida. Vocês já tomaram café da manhã?

– Já sim, mãe. – Joh responde e estala um beijo no rosto da Meredith.

– Ótimo, então eu levarei vocês para a escola que está ficando tarde. – Zac adentra na cozinha vestindo um terno, mas com cabelos todos revoltos. Um contrate e tanto.

– Não se preocupe com os atrasos – Dou de ombros e digo num tom trocista – Eu conheço os chefões.

– Desde quando virou comediante? – Johanna desafia enquanto saímos até ao carro.

– O quê Maninha? Só reparou agora na minha veia comediante? – Brinco.

– Ah cala a boca!

– Ei, respeite sua irmã mais velha, viu? – Faço cara de má para ela.

Meu celular vibra no bolso da calça e eu tento pegar ele. Um torpedo de Gale.

“ Que história é essa de você e Joh serem irmãs??????”

Depois de ler a mensagem atiro o celular para as mãos de Johanna que logo depois disca o número de Gale. Durante todo o trajeto até nosso destino, tentamos explicar tudo a Gale, com alguma ajuda de Zac que fica numa boa.

– Katniss, esta é a semana de ficar com sua mãe, certo? – Zac perguntou ao parar o carro junto à academia.

– Sim – Assinto – Próxima semana fico com vocês.

Eu e Joh nos despedimos dele e corremos para o segundo andar. Glimmer nos apanha no meio da correria e nos faz parar.

– Vocês souberam? – Glim interroga de olhinhos brilhantes. – Peeta convidou os amigos dele para ir na Sua casa.

Ela aponta o dedo para mim salientando que era minha casa. Eu reviro os olhos e penso que a casa era mais de Peeta do que minha.

– E então? – Eu pergunto sem perceber onde ela quer chegar.

– Então eu ouvi que eles vão fazer uma maratona de jogos de computador!

– Ok, e desde quando garotos jogando computador te entusiasma? – Joh retruca segurando o riso.

– Nossa, essa história de irmãs, consumiu vosso cérebro – Ela bufa com a falta de nossa perceção. – Meninas, o que rapazes gostam mais que esses jogos ridículos?

– Sexo? – Falo alto demais atraindo olhares reprovadores e chocados. Como se nunca tivessem ouvido falar de sexo… Eu, hein!

– Boa, nossa Kat já começou a captar… - Ela bate palmas como a uma criança que fez algo corretamente.

– Eu sou comprometida lembra garota? – Johanna entoa, lembrando Glimmer do seu namoro com Gale.

– Sim, sim… Mas esse não é o ponto. – Glimmer abana as mãos como para dispersar o assunto “namoro”. – Kat, obvio que estamos a par de seu probleminhas com Peeta.

Eu assinto, sem querer avançar no assunto e apressando ela ao ponto.

– Então – Ela continua – Você vai convidar-nos para uma tarde na sua piscina.

– Vou?

– Vai, Kat. Hora de almoço, vamos comprar bikinis novos. Obviamente você tem que estar gatissima. Os caras são previsíveis, ele vão dar em cima de você, nós vamo-nos divertir à grande e lembrar a Peeta que você está no mercado e pode fugir dos seus dedos.

– Eu não sei… - Eu achava que vinham problemas a caminho. Mas minha vida agora era um poço de problemas então, que mal faria mais um?

Durante a aula, Glimmer continuou a falar de seus planos rebuscados e captou a curiosidade de Gale. Quando o coloquei a par, ele ficou relutante em deixar Joh estar com a gente. Mas eu assegurei (longe da audição perfeita de Glim) que nada daquilo iria acontecer. Eles ficariam no quarto como era esperado e nós na piscina.

– Katniss, até parece que você não sabe como nós somos… - Gale referiu – É claro que eles irão dar uma passadinha na piscina.

– E até parece que você não conhece sua namorada – Rebato na mesma moeda. – Ela não irá dar bola para nenhum dos garotos. Ela está com você!

– Eu sei… - Ele parece vergar um pouco a vara – Mas eu imploro a você que fique de olho. Não por não confiar nela. Mas se certificar que eles não tentam nenhuma gracinha com ela. É seu dever, como irmã mais velha, cuidar dela.

– Oh cara, essas piadinhas de irmãs vão deixar de ser engraçadas quando?

– Quer que diga a verdade? – Eu assinto – Quando ambas se acostumarem de verdade com a ideia.

* * *

Eu gosto de fazer compras mas tenho que confessar que usar o dinheiro da minha mãe para comprar algo que, de certa forma, é para provocar o seu enteado, pareceu de certa forma, errado, quase como um pecado. E isso meio que me deu mais empolgação. Eu queria um que achei super fofo. Era cor de rosa claro, com folhinhos por todo o lado. Era tao lindo! Mas Glim disse que ele não serviria para nossos planos e atirou para mim um outro conjunto. Eu engasguei ao ver.

– Eu não vou vestir isso! – Afirmo.

– Porque não? – Ela se vira para mim confusa.

– Porque vou parecer vulgar!

– É esse o objetivo amorzinho. – Eu ofego e me viro para Joh, à procura de ajuda mas até ela parece conspirar contra mim.

– Eu acho esse sofisticado e totalmente fabuloso. – Ela concorda com Glim para minha frustração.

As meninas escolhem os seus e depois vamos diretas para a mansão de Evelyn. Greasy Sae prepara-nos uma salada mista super leve e logo estamos correndo para meu quarto para vestir nossas roupas de banho.

– Caramba! – Dou com a palma da mão na testa. – Esqueci de comprar uma saída de praia!

As duas olham para mim e reviram os olhos. Ok, entendi. Quanto mais pele visível melhor. Glim veste um bikini florido em tons de rosa e branco, com costuras e alças pretas. Super giro. Calça umas sandálias do meu armário em fivelas rosa. Já Joh optou por uma parte de cima florida azul tomara que cai e uma parte de baixo arrasadora em azul-escuro de cinta subida e faixas de pano cercando sua cintura até ao umbigo. Se Gale aprovaria? Eu não tinha certeza. Glim pensou o mesmo que eu e perguntou, direta ao assunto. Joh riu histérica e disse que comprou exatamente para ele. Ele estava vindo. Eu ri comigo mesma pelos ciuminhos tontos de meu amigo. Mas como Joh não se parecia se importar com os ciúmes, porque haveria eu?

E o meu bikini… Bem… Eu acho que qualquer pai surtaria vendo uma filhinha com ele vestido. Ele era preto, o que não era tão mal assim. O pior era as suas características. Tanto a parte de cima como a cueca tinham várias correntes em preto e dourado. Mas tenho que admitir que me ficava a matar. Glimmer estava arranjando seu cabelo enquanto eu apenas coloquei uma bandolete básica dourada. Ela disse que esqueceu seu celular lá na cozinha e eu resolvi pegar para ela. Encontrei-o em cima da bancada e saltitei escadas acima novamente. Peeta estava saindo do seu quarto mexendo no celular e dando um trago na garrafa de agua que ele possuía na mão. Ele levantou os olhos por um segundo e cruzou seu olhar comigo. Ele respingou a agua que ele tinha na boca para todo o lado e num reflexo ergui as mãos para evitar os respingos ainda que estivesse longe o suficiente para estar em segurança.

– Katniss?