O Retorno - A Marca Negra Renasce (Hiatus) escrita por Laurent


Capítulo 5
As Memórias de Kenrick


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo difícil de se escrever, mas um dos que mais gostei. Espero que vocês também gostem!
OBS: É um flashback



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Kenrick estava sentado no banco com Liadan. Os cabelos dela, na época bem mais curtos, esvoaçavam com o vento. Nevava, e ele vestia uma grossa blusa de lã preta, quente e confortável. Os dois estavam dividindo um lanche que ele roubara de uma menininha de oito anos. Era o segundo dia deles no novo orfanato.

Uma garota mais ou menos com a mesma idade dele apareceu, do nada. Os cabelos dela eram loiro-prateados, quase como a neve. Ela disse:

— Oi! Vi que vocês são novos aqui... se precisarem de ajuda com qualquer coisa, estou à disposição. O orfanato é bem grande, então, se quiserem um mapa, ou algo do tipo, é só pedir. — Em seguida, ela estendeu a mão enluvada para Kenrick. — Meu nome é Violet.

Kenrick olhou carrancudo para a mão amistosa da garota. Liadan manifestou-se.

— Saia daqui. — disse ela, sem tirar os olhos do lanche.

Violet retirou a mão, enfiando-a dentro dos bolsos. O sorriso dela desfez-se.

— Bem, acho que eu não sou muito bem-vinda aqui. Melhor pegar uns livros na biblioteca. — E saiu andando, os cabelos loiros dançando nas costas.

— Espere! — gritou Kenrick. Ele não sabia direito o motivo de estar fazendo aquilo, mas levantou-se do banco, jogando seu lanche no chão. Foi até a menina, que virou-se. — Meu nome é Kenrick. Oi. — disse ele, estendendo a mão.

Violet olhou para ele, e um sorriso formou-se em sua boca. Ela tirou a mão do bolso e apertou a do garoto.

— Prazer, Kenrick.

— Desculpe pela minha irmã... ela não é muito amigável.

— Ah, que é isso. Só deve estar um pouco nervosa por estar nesse orfanato. Eu me lembro de quando cheguei aqui. Não foi nada fácil. — Ela começou a tremer. As bochechas estavam coradas de frio. — Olha, está frio aqui fora. Eu vou até a biblioteca. Quer vir comigo? Pode chamar a sua irmã também... qual é o nome dela?

— Liadan — disse Kenrick.

— Liadan — repetiu Violet. — Que nome bonito.

Os dois ficaram em silêncio, e, por um instante, os únicos sons que podiam ser ouvidos eram o do vento gelado empurrando a neve, e de alguns raros carros passando pela rua. As outras crianças do orfanato estavam todas trancafiadas lá dentro, aquecendo-se em lareiras. Apenas Liadan, Kenrick e Violet estavam do lado de fora.

— E então? — indagou Violet.

— E então o quê? — perguntou Kenrick, desajeitado.

— A biblioteca! Vocês vêm ou não? — ela falou, rindo.

— Ah. — Kenrick corou. Ele raramente corava. — Não, obrigado. Eu e minha irmã temos que ir até a detenção daqui a pouco.

— Detenção? — surpreendeu-se Violet. Mas, em seguida, ela riu, uma risada macia e contagiante. — No segundo dia?! Como vocês dois conseguiram essa façanha?

— Ah... nós...

— Não, não precisa dizer. Sério. Vão lá e cumpram a detenção, então. — Violet riu mais ainda.

E, sem perceber, Kenrick logo estava rindo também.

— Eu realmente tenho que ir, estou congelando aqui fora! — falou Violet. — Até mais — e seguiu seu caminho, acenando.

Kenrick acenou de volta.

Ele voltou para o banco, e sentou-se ao lado da irmã. Liadan acabara de terminar seu lanche, e agora, jogava o papel no chão.

— O que deu em você? — perguntou ela.

— Nada — respondeu Kenrick. Porém, sem querer, ele voltou a rir.

***

— Onde você vai?! — perguntou Liadan, sentada na mesa do refeitório, ainda comendo sua comida.

—Tenho que estudar. Amanhã tem prova de Inglês — disse Kenrick. Ele comera surpreendentemente rápido.

— E desde quando você estuda? — questionou a irmã, mas o garoto já se retirara para a biblioteca.

Violet tinha combinado de estudar junto com ele para a prova. Ele passou os dias ansiando por aquele momento, mas não sabia muito bem o que esperar. A colega era linda, graciosa, simpática e inteligente. Que iria querer com alguém como Kenrick?

Era fácil se perder naquele orfanato. O garoto só encontrou a porta da biblioteca por causa do mapa que Violet dera-lhe de presente. Ao entrar lá, só havia a bibliotecária, em seu balcão, e Violet, sentada em uma mesa no canto da sala, perto das estantes de livros. Kenrick apressou-se ao encontro da colega.

— Oi. — saudou ele, sentando-se.

— Oi — devolveu ela. — Preparado?

— Acho que sim — respondeu Kenrick.

E passaram a tarde inteira de cabeça nos livros. A matéria não parecia ser tão difícil, e Kenrick animou-se com isso.

— Amanhã vamos estudar Matemática — falou Violet.

A expressão alegre do garoto transformou-se em desânimo.

Violet riu.

— Você tinha que ver a sua cara — e riu mais ainda. — É brincadeira. Relaxa, até eu tenho pavor de Matemática.

Vendo seus risos, a sua beleza, e num impulso que Kenrick não soube de onde veio, ele inclinou-se para a garota e enfiou seus lábios nos dela.

No começo, ela parecia estar paralisada. Não fez absolutamente nada, e Kenrick sentiu-se receoso, achando que talvez a tivesse assustado. Mas, quando ele começou a recuar, Violet pôs a mão em seus cabelos e puxou a cabeça dele para si. Estavam se beijando, pensou ele. Tentou se lembrar de quando fora a última vez que se sentira tão vibrante como naquele momento. Mas não conseguiu lembrar-se.

E então, o som de passos leves cruzando o carpete chegou ao ouvido dos dois, que recuaram no mesmo momento. Era a bibliotecária.

Não dava para ver nada de onde ela estava sentada, pois as estantes de livros bloqueavam a visão. Tudo o que a senhora fez foi olhar desconfiadamente para ambos enquanto devolvia um livro à prateleira.

Assim que ela se foi, Violet juntou suas coisas.

— Encontre-me amanhã, às cinco, naquele mesmo banco onde te conheci.

A memória do beijo retumbou na cabeça de Kenrick a noite toda.

***

No outro dia, lá estava Kenrick, sentado no banco, segurando uma rosa vermelha que surrupiara de um dos vasos decorativos da recepção.

Seus pensamentos não abandonavam Violet por um único segundo. Ele pensava toda hora nos seus cabelos prateados, nos seus lábios macios...

Um vulto preto veio caminhando do prédio até o pequeno banco. Ainda estava tudo branco por causa da neve, e Kenrick esfregou as mãos enluvadas para aquecer-se com mais eficiência.

O vulto era ninguém menos que Violet, embrulhada em diversos casacos. Um cachecol verde escuro enrolava-se por seu pescoço, contrastando com seu cabelo claro. Ela era linda mesmo.

— Brrrr — disse ela, com frio. — Não me lembro de um inverno tão frio quanto este!

Sem dizer nada, Kenrick aconchegou-se perto dela e colocou um braço em volta do pescoço de Violet.

— É, está bem frio mesmo — falou ele. — Sabe... eu fico feliz por você estar sendo tão legal comigo. Acho que nunca ninguém me tratou desse jeito.

A garota sorriu.

— Não sei por que as pessoas não são gentis com você, Ken. Você é tão simpático.

Kenrick riu.

— Simpático? Eu?

— Sim, você. Só é um pouco tímido, só isso.

O sorriso de Kenrick começou a desfazer-se. Se ela soubesse mesmo como ele era...

Uma voz interrompeu seus pensamentos.

— Violet! Violet! — chamava uma voz de criança.

Os dois olharam para trás, e Kenrick viu a menininha pequena da qual ele e Liadan roubaram o lanche no segundo dia. Ela correu até Violet, empapada em blusas de lã.

— Que foi, pequena? — perguntou Violet.

— Perdi minha boneca — disse ela, tristonha.

— Perdeu? Você já olhou no seu quarto?

— Já!

— Tem certeza de que não emprestou pra nenhuma das suas amiguinhas?

— Tenho! Violet, ela sumiu!

Violet olhou para Kenrick.

— Essa aqui é minha irmã, Liza. Liza, antes de achar sua boneca, deixe-me te apresentar ao Kenrick.

Liza pareceu, pela primeira vez, prestar atenção em Kenrick. De imediato, os olhos dela arregalaram-se, e seu rosto ficou branco de medo.

— Foi ele! — disse ela. — Violet, esse garoto! Ele que roubou meu lanche aquele dia! Violet! Foi ele!

O sorriso de Violet desfez-se, e ela virou-se para Kenrick, séria.

— O... quê? Ken, isso é verdade?

Ele não se atreveu a dizer nada.

— Responda, Ken! Responda!

Com uma voz fraca e triste, que Kenrick nunca usara em sua vida, ele disse:

— É... verdade.

E, do nada, Violet esbofeteou sua cara, deixando uma marca vermelha em sua bochecha.

A garota levantou-se e foi até Liza, puxando o cachecol da irmã e exibindo a pele nua dela, com marcas vermelhas de dedos.

— Então foi ele quem fez isso em você, pequena? — perguntou Violet, indicando as marcas.

— Sim. Ele e a irmã dele — respondera a garotinha. — Não os vi depois disso. Se eu tivesse visto, falaria com você.

Violet estava arrasada.

— Pensei que tivesse sido alguém menor... — disse ela.

Kenrick levantou-se e foi até às garotas.

— Olha, desculpem, não era a minha intenção... — ele tentou encostar em Violet.

— Não me toque! — ela se afastou bruscamente. — Não me toque nunca mais!

— Mas, Violet — protestou ele. — E tudo isso? E tudo o que temos entre nós?

— Achei que você fosse uma pessoa diferente — rebateu ela. — Tenho certeza de que não foi a primeira nem a última vez que você roubou uma criança, não é verdade? Claro! Agora tudo faz sentido. Por isso todo mundo tem medo de você e da sua irmã. E só eu, só eu, era tonta e não sabia de nada. Você ia me contar? Sei que não. Porque você é um mentiroso!

— Violet, não faz isso — disse Kenrick, a voz trêmula.

— Vá a merda com suas palavras. Roubou e agrediu uma criança pequena. E ainda por cima, a minha irmã! Minha! Eu... sinceramente... não confio mais em você. Vá ser sozinho com sua irmã.

Liza parecia impaciente.

— Tá bom, mas e a minha boneca? Violet, a boneca! Precisamos achá-la.

— Eu... — tentou dizer Kenrick. Algo se remexia dentro dele. Não sabia se era raiva, arrependimento... só sabia que tinha de fazer algo.

— A boneca! — repetiu Liza de forma irritante.

— Vamos, então. Vamos achar sua boneca — disse Violet, pegando na mão da irmã. Antes de ir, porém, virou-se para Kenrick. — Se voltar a encostar na Liza, juro que te entrego aos policiais.

— Violet, só me deixe falar... — tentou dizer ele, sem sucesso.

Mas ela já estava indo embora com Liza.

Maldita irmã. Se não fosse ela, Kenrick poderia ter tido a tarde perfeita com Violet. Poderia tê-la beijado, acariciado... amado. Mas Liza tinha que perder a boneca e vir correndo até eles.

O banco em que ambos estavam sentados começou a oscilar em seu lugar, tremendo. Kenrick sabia que era por causa da magia. Sempre que ele ficava nervoso, inquieto, com raiva ou ansioso, algo assim acontecia. Só esperava poder se controlar naquele momento, pois a raiva que ele estava sentindo era tamanha que tinha vontade de quebrar alguma coisa...

Mas acabou acontecendo, sem ele querer.

Algo voou para cima, bem longe, em direção ao céu. Kenrick não sabia o que era; talvez uma pedra, ou um caule de árvore. Porém, ao ouvir os gritos de Violet, ele sabia o que era, ou melhor, quem era:

Liza.

Violet arregalou os olhos, segura no chão. Mas a irmã estava a centenas de metros, voando inexplicavelmente, e começando a cair. E caiu. Caiu. Caiu.

Os berros de Violet eram horríveis, mas pioraram quando a irmã espatifou-se no chão, quebrando os ossos, morta e imóvel.

E fora ele que fizera isso. Kenrick acabara de matar uma menina. Simplesmente isso. Em menos de um minuto.

Violet ainda gritava, confusa, inconsolável. Para ela, tudo devia estar errado: como aquilo aconteceu? Não, não era verdade...

Delirando, a garota olhou para Kenrick, os olhos vermelhos e chorosos.

— Foi você! Foi você! Como você fez isso?! Filho do demônio! — Kenrick não sabia dizer como ela descobrira, ou se estava apenas com raiva. Mas a questão é que, se ela contasse para alguém...

E, sem mais nem menos, fogo surgiu na cabeça de Violet. Os cabelos prateados tornaram-se pretos, e a pele derreteu. E, minutos depois, só havia cinzas.

Agora, era Kenrick que estava confuso.

Ele não queria machucar Violet. Mas ela estava morta. Chorando, Kenrick caiu de joelhos, arrasado. “Assassino, assassino, assassino” dizia ele a si mesmo em sua cabeça. Como pudera fazer aquilo com Violet?

Mas, ao levantar-se, Kenrick viu um vulto preto à sua frente.

Liadan. Carregando uma boneca nas mãos.

— Para isso servem as irmãs. — disse ela, a verdadeira assassina. Um sorriso ergueu os cantos de sua boca. — Estamos quites agora, Ken.


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Notas finais do capítulo

Logo vocês saberão o que Kenrick fez para Liadan querer vingar-se...



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