A sirene soou novamente da alta muralha impenetrável. Um aviso estridente, dessa vez mais forte do que o primeiro, avisando que aqueles muros não eram tão impenetráveis assim.

Apesar da altura com que os gritos da sirene eram proclamados, apenas as pessoas que moravam próximas ao grande portão principal foram avisadas. Elas saíram de suas casas assustadas, com medo de que notícia aquele som estava trazendo.

Quando elas se aproximaram do portão em procura de uma resposta, assim que escutaram os gemidos daquele aglomerado de zumbis do outro lado, elas se retraíram, ficaram nervosas e recuaram aos poucos. Para elas, apenas ouvir os gemidos dos monstros do outro lado do muro já traziam péssimas lembranças que não seriam esquecidas e que acabavam com a ilusão daquele mundo seguro no qual viviam.

Enquanto a sirene soava, todas as pessoas sabiam que não era um bom significado e imaginavam o terror que estava por vir.

Nesse dia, a humanidade se lembrou do medo de ser contaminado por eles.

*

As ordens de Rivaille foram claras: todos os membros de nossa tropa deveriam ajudar a organizar os civis para uma evacuação das proximidades do portão central. O que quer que esteja vindo, ainda iria demorar um pouco para chegar, e quando chegar, nós estaremos preparados.

Com um tom autoritário que até então eu não tinha notado em minha voz, ajudei a retirar as pessoas de modo que elas obedeciam rapidamente. Em menos de cinco minutos, um raio de 1000 km do portão principal já estava totalmente limpo de civis, e boa parte da tropa retornou para as paredes do muro. Lá de cima era possível ver o que estava vindo, dessa vez mais próximo e avançando cada vez mais: algo que possivelmente havia sido um homem há algum tempo mas que agora possuía um corpo gigantesco, onde sua carne viva parecia brilhar sob a luz do sol. Aquilo usava um avental cirúrgico que estava grudado em sua pele. Seu rosto, se era possível chamá-lo assim, possuía apenas alguns vestígios de pele caídas sobre o rosto, o restante era constituído por músculos cortados, desgastados e corrompidos pelo tempo. Se a imagem de um zumbi já não era agradável, aquela mutação ambulante era algo pior ainda.

A primeira mutação ambulante: ele deveria ser o Nemesis1, o qual Max disse que havia escapado. Aquilo que um dia poderia ter sido a resposta para a salvação da humanidade estava se voltando contra ela: em uma de suas mãos, a criatura parecia carregar uma arma escondida pela manga comprida rasgada e ensanguentada, deixando a vista apenas a estranha parte que era arrastada no chão, fazendo um barulho agudo de metal deslizando sobre as ruas pavimentadas, o qual ficava cada vez mais alto conforme o monstro avançava.

Procurei encontrar Irwin ou Rivaille para saber quais medidas seriam tomadas sobre aquela monstruosa ameaça que avançava, mas ambos já não estavam em cima do muro ou em uma das torres de vigia do lado do portão. Eles estavam em um local bem mais perigoso: junto com outras poucas pessoas, os dois estavam pendurados no muro pelo EMT enquanto matavam os mordedores que cercavam o portão principal.

Normalmente aqueles zumbis que rodeavam o muro e o portão não tinham importância, já que não seriam capazes de atravessar a fortaleza e caso a quantidade aumentasse demasiadamente, os guardas da tropa Estacionária iriam se livrar deles. Mas dessa vez o muro poderia ser passado e Rivaille e Irwin sabiam disso.

Em meio a explosões de granadas que faziam sangue salpicar as bordas do muro de vermelho, me juntei a Tropa de Exploração para a aniquilação daqueles zumbis, ficando pendurada no muro com um pouco mais de dois metros do chão. Com movimentos rápidos de espadas unidos a tiros vindo do alto do muro, o número de mordedores começou a diminuir significantemente.

Quando a quantidade daqueles corpos sem alma passou de centenas para dezenas, a sirene soou mais uma vez: dessa vez era um sinal para a nossa retirada. O monstro estava a menos de dois quilômetros e quando nos viu, ele pareceu começar avançar mais rapidamente.

Ao meu redor o espanto ficou esboçado no rosto de todos os soldados, os quais rapidamente fizeram com que o EMT os puxasse para cima para que estivesse em segurança. Mas nem todos conseguiram fazer isso: uma garota ruiva, que parecia nervosa desde que descera para ajudar com o extermínio ao redor do muro, começou a içar seu corpo para o topo do muro, mas, um pouco antes de chegar ao final da extensão de vinte metros do muro, ela perdeu o controle do equipamento e seu corpo foi entregue para a gravidade. A sua queda foi rápida, mas, para mim que estava perto, passou em câmera lenta: o estrondo de seu corpo caído foi seguido pelo som dos passos de errantes correndo para devorar a garota. O nervosismo perfurou nossos corpos ainda mais e todos subiram rapidamente, com receio de que tivessem o mesmo fim que a moça.

Tudo que eu conseguia pensar após alcançar o topo daquelas muralhas era o que iriam fazer contra aquilo que avançava. Levi e Irwin já estavam foram de meu campo de visão novamente e as pessoas ocupavam todas as bordas do muro, tomando cuidado para não violarem a pequena mureta que protegia as extremidades. Olhei ao redor procurando Natasha e Drake, mas aquela confusão de cabeças a minha volta não ajudou em minha procura. Aquela deveria ser a primeira vez em que eu via tantos soldados da Tropa Estacionária ou mesmo da Tropa de Exploração reunidos em um só lugar: o muro estava coberto por soldados, todos procurando alguma informação sobre o que estava acontecendo. Todos inseguros e preocupados.

E, de repente, todos abaixando enquanto um zunido forte nos ensurdecia.

Vindo de uma das bases do topo do muro, o som foi o de um lança-míssil atirando em seu alvo: o projétil rasgou o ar até atingir o gigantesco monstro que se aproximava, o que fez a onda de calor chegar até nós junto com o forte brilho da explosão. Gritos de alegria começaram a surgir instantaneamente, mas, no meio da agitação, consegui encontrar os rostos sérios que sabiam que aquilo não bastava.

Cortei o caminho até chegar perto de Irwin e Rivaille, que olhavam preocupados para o brilho do fogo da explosão. Eles deveriam saber o que aquilo era e por isso ainda mantinham a expressão assustada. Por fora eu queria me juntar aos gritos de alegria e comemoração, mas por dentro eu podia imaginar que apenas isso não seria o suficiente.

Pouco a pouco, os gritos foram cessando e os olhares se voltaram para o lugar da explosão, o qual estava envolto por uma poeira. No meio da poeira, um vulto continuava a avançar incansável, imbatível. Os passos ficavam cada vez mais pertos e as pessoas cada vez mais nervosas.

– Irwin... – Rivaille soltou um suspiro calmo enquanto olhava para o monstro avançando. – Eles já estão vindo?

Eles? Quem teria sido chamado para resolver isto?

– Estão vindo o mais rápido possível. – Irwin encarou o vulto que parecia se contorcer enquanto se aproximava. – Precisaremos de monstros para derrotar monstros.