O Natal de Derek Snowden escrita por The Escapist


Capítulo 1
O Natal de Derek Snowden


Notas iniciais do capítulo

And so this is Christmas!! Muito apropriado postar essa história hoje, certo? Certo!Pois é, essa é minha singela participação no Desafio de Férias do Nyah! E veja só que coisa 1) eu não tô de férias, e 2) não sou a maior fã do Natal, mas achei a ideia tão legal que não pude evitar participar.Escrever o conto, por si, já um desafio, mas eu acredito sinceramente que o resultado foi bacana; e o que seria da vida se a gente não superasse nossos próprios limites de vez em quando, não é?Enfim, assim, como o Snowden do conto, eu não acredito muito em espírito natalino e todas essas coisas, mas acho que aproveitar para parar e pensar um pouco na sua vida e em quais são as suas prioridades, e perceber o que é que realmente importa na sua vida, não faz nenhum mal.E finalmente (mais notas do que capítulo? Como assim?), mas não menos importante, queria agradecer publicamente a Holly Robin que betou a fanfic num tempo recorde e foi muito fofa e simpática e etc.Espero que gostem!Boa Leitura!E Feliz Natal! É bom ouvir Christmas Lights do Coldplay enquanto ler!http://www.youtube.com/watch?v=z1rYmzQ8C9Q



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O Natal de Derek Snowden

When you're still waiting for the snow to fall

It doesn't really feel like Christmas at all

23 de dezembro

Derek acordou ouvindo o som do despertador. Esticou o braço e desligou o aparelho, puxou os travesseiros cobrindo o rosto, decidido a não sair da cama. Cinco minutos mais tarde não foi o relógio, mas sua esposa quem o acordou; Derek murmurou qualquer coisa sem sentido, pedindo que Norah o deixasse em paz, mas não adiantou, ela sabia ser insistente.

— Você não vai querer se atrasar, não é, querido? — ela abriu as cortinas, deixando a claridade entrar no quarto; enquanto juntava as roupas que o marido tinha deixado espalhadas pelo chão, Norah cantarolava uma música; parecia Jingle Bells. Derek não entendia como Norah conseguia ficar tão bem humorada logo cedo, mas a bem da verdade, havia muita coisa sobre a esposa que ele não conseguia entender, mesmo que estivessem casados há dez anos. Talvez a principal fosse como conseguiam ficar juntos quando eram tão diferentes.

— Tudo bem, estou acordado, mas que droga! — Norah não se deixou abalar pelo mau humor matutino do seu marido, quando Derek se levantou, ela lhe deu um beijo de bom de dia e sorriu.

— Estamos te esperando para o café da manhã, não demore — murmurou, então o deixou novamente sozinho. Derek venceu o ímpeto de voltar para a cama e foi para o banheiro, onde tomou um banho rápido e se barbeou. Enquanto fazia a barba ficou olhando para seu próprio reflexo no espelho e não gostava muito do que viu; seus olhos azuis tinham uma aparência abatida e estavam cercados por olheiras; seus cabelos loiros estavam começando a rarear e já eram nítidas as entradas. Derek sabia que seria calvo algum dia, assim como seu pai, seu avô, o tio Ben, todos os homens da família, mas não esperava que esse dia chegasse tão cedo; estava com apenas trinta e seis anos, deveria ter uma aparência melhor. Vestiu o terno cinza com a camisa branca, seu uniforme de todos os dias, e pegou a pasta preta. Gostando ou não da aparência que tinha, não poderia perder tempo ou chegaria atrasado ao trabalho.

Norah o esperava com o café da manhã pronto; Derek sentou e começou a comer o que sua esposa tão prontamente lhe servia. O filho deles, Nick, também estava sentado à mesa; o garoto de sete anos tinha os cabelos loiros iguais aos do pai, mas os olhos eram castanhos como os da mãe; o garoto sorriu, mostrando ao pai o espaço onde antes esteve seu dentinho de leite, mas Derek mal reparou no filho, tampouco parecia escutar o que a esposa estava dizendo, já estava pensando no longo dia que teria pela frente no escritório.

Derek foi para o trabalho, por pouco não chegou atrasado, e logo que entrou em sua sala foi tragado por muitos afazeres. Era gerente de vendas numa empresa de seguros, não exatamente o emprego que tinha sonhado para sua vida, mas que lhe pagava um salário decente que e permitia sustentar a família com relativo conforto.

Com tantas metas para bater, Derek sequer dava-se conta de que era época de Natal, nem mesmo a árvore que tinha sido colocada no escritório lhe chamava a atenção, aliás, não gostava do natal. O dia passou rápido, e ele precisou fazer algumas horas extras para cobrir a falta de um colega que estava de férias; chegou em casa já tarde, cansado e estressado. Ansiava por sua cama e uma noite de sono tranquila, mas havia algo de estranho. Quando entrou no quarto, não foi recebido pelo carinho costumeiro de Norah.

— Eu tentei ligar para você o dia inteiro, Derek — disse ela, com um tom acusativo na voz.

— Eu tive que desligar o celular, Norah, tinha muito trabalho hoje, desculpe. Aconteceu alguma coisa? — ela parecia tão irritada, de uma maneira que Derek julgou nunca tê-la visto anteriormente.

— Você esqueceu o que tinha prometido ao seu filho? — fez um esforço, mas não conseguiu lembrar, não fazia ideia de qual tinha sido a promessa que fizera a Nick. — Ele estava tão empolgado.

— Do que você está falando?

— Você ia levá-lo para escolher a árvore.

Ah, a árvore, pensou Derek, a maldita árvore.

— Desculpe, eu esqueci, mas nós podemos fazer isso amanhã, não podemos? – Derek não queria dar muita importância ao assunto, mas Norah não parecia disposta a deixar isso passar.

— Você não deveria fazer uma promessa a uma criança, principalmente ao seu filho, para depois não cumprir.

— Norah, pelo amor de Deus você não acha que está dando importância demais a uma porcaria de árvore? Francamente, eu tenho coisas mais importantes em que pensar.

— Coisas mais importantes que o seu filho?

— Norah...

— Talvez você não tenha se dado conta, Derek, mas essa não é a primeira vez que você tem coisas mais importantes em que pensar. Você nunca tem tempo para nada, nunca está disponível para o seu filho, está sempre preocupado com o seu trabalho, com a porcaria do seu trabalho, nem sequer lembra que tem uma família! — Norah cuspia as palavras, tinha lágrimas nos olhos e mais uma vez Derek não reconheceu a esposa.

— Norah, eu não estou te entendendo, por que você está agindo assim só por causa de uma maldita árvore?

— Isso não é sobre uma maldita árvore, Derek, é sobre você. Você precisa decidir qual é o lugar que eu e o Nick ocupamos na sua vida.

Da mesma maneira repentina como Norah tinha explodido, ela voltou a ficar calma, deixando um Derek boquiaberto. Não houve mais conversa naquela noite, Norah deitou-se e deu as costas ao marido. Derek, embora cansado, não conseguiu dormir, ainda estava sob os efeitos das palavras da esposa. Precisava arejar a cabeça e pensar. Foi até a cozinha, abriu a geladeira e pegou um lata de cerveja, depois sentou na poltrona da sala e ligou a televisão.

Hoje desapareceu o Papai Noel. Dizia o âncora do telejornal, Derek aumentou um pouco o volume para ouvir melhor a notícia. O Papai Noel foi visto pela última vez nos arredores de sua mansão no polo norte, na manhã de hoje; à tarde, porém, quando seus ajudantes o procuraram, não encontraram nenhum sinal. Uma equipe de busca foi acionada para fazer uma varredura pelos arredores da Lapônia, mas até agora não há nenhuma notícia. Junto com Noel, desapareceram todos os presentes que deveriam ser entregues na noite de Natal.

— O velho deve ter resolvido sair de férias — disse para si mesmo; não estava realmente interessado no paradeiro do Papai Noel. Pegou o controle remoto e mudou de canal; terminou a cerveja, decidiu beber outra e assim findou acumulando quatro latinhas vazias em cima da mesa de centro. Norah ficaria brava; bem, ela já estava bastante brava com ele, mas ele não se sentia culpado por coisa alguma. Acreditava que tudo ficaria bem no dia seguinte. Por fim, adormeceu no sofá mesmo.

24 de dezembro

Derek não tinha dado importância alguma ao desaparecimento do Papai Noel, mas percebeu que no dia seguinte não se falava de outra coisa. Ao abrir o jornal pela manhã, leu que a hipótese de sequestro não tinha sido descartada, embora não tenha havido nenhuma espécie de comunicação por parte dos sequestradores. O paradeiro do simpático senhor barbudo continuava desconhecido e os ajudantes estavam muito preocupados, afinal, era véspera de Natal. Algumas pessoas estavam preocupadas com a possibilidade de cancelarem o Natal.

— Isso é ridículo, não podem cancelar o Natal — Derek falou, deixando o jornal em cima da mesa.

— Você fala como se se importasse — disse Norah; Derek reparou que ela ainda continuava chateada.

— Eu entendo que você esteja chateada, Norah, mas nós iremos escolher a árvore hoje, está bem? Está bem, Nick? — Nick estava comendo seu cereal de cabeça baixa. —Nick?

— Não está bem, o papai Noel desapareceu, não haverá mais Natal.

— Nick...

— Você não precisa mais escolher nenhuma porcaria de árvore — Nick levantou-se da mesa e saiu correndo para o seu quarto, deixando o café da manhã praticamente intocado. Derek não soube o que fazer ao ver seu filho tão magoado e triste.

Nick sempre adorou o Natal, mesmo antes de ter idade suficiente para entender qualquer coisa; gostava de ir com o pai escolher o pinheiro e depois ajudar a mãe a enfeitar a árvore; e claro, havia a parte favorita dele, que era quando os presentes eram deixado lá embaixo. Ele acordava cedinho na manhã seguinte à véspera de Natal e ia andando na pontinha dos pés para encontrar os presentes. Ao pensar nisso, Derek sentiu-se de repente culpado; será que Norah tinha razão e ele não se importava com a família nem com o que era importante para eles?

Derek foi para o trabalho, mas não teve um dia produtivo; ninguém teve na verdade; nunca uma véspera de Natal pareceu mais triste. A cidade parecia ter sido tomada por alguma espécie de tristeza coletiva, pensava Derek enquanto dirigia de volta para casa. O pior foi encontrar o filho ainda deprimido; estava tão acostumado a ver Nick sorrindo que cogitou levá-lo ao médico, se é que havia remédio para tristeza. Quando o pai o chamou para ir buscar o pinheiro, Nick apenas se virou na cama. Derek não insistiu e foi sozinho escolher a árvore; para ele não fazia diferença nenhuma, mas queria tentar se desculpar com o filho. Escolheu um pinheiro bem grande, o maior que conseguiu encontrar, e com as folhas mais verdes. Quando chegou em casa, colocou a árvore no canto da parede perto da escada e chamou o filho e a esposa; ambos vieram, mas não demonstraram nenhuma empolgação.

— Não é demais, Nick? Vocês podem decorar.

— Você não sabe? O Natal foi cancelado.

A árvore de Derek ficou ali sozinha; não houve comemorações; à noite Norah preparou o jantar e até ornamentou a mesa com castiçais, velas e o conjunto de louça de prata que tinham ganhado de presente de casamento. Mas o clima não era, definitivamente, de festas. Nick continuava cabisbaixo e mal tocou na comida,a própria Norah estava silenciosa.

— Tudo bem, pessoal — Derek falou, tentando parecer animado, mas estava mesmo era se sentindo ridículo — é mesmo muito ruim o que aconteceu, mas nós ainda podemos comemorar o Natal, não é? — Norah não falou nada e Nick parecia achar o movimento de revirar a comida no prato um exercício dos mais interessantes. — Tudo bem — murmurou e continuou comendo sem muita vontade.

Depois do jantar, Norah tirou a mesa enquanto Nick ficou brincando até a hora de ir dormir; o garoto não reclamou de ir para a cama como costumava fazer e Derek percebeu que sentia falta do barulho e de ouvir Norah negociando com o filho os minutos que ele ainda poderia ficar acordado brincando.

Terminou a noite novamente sentado no sofá, bebendo cerveja e vendo o noticiário na televisão. Ao menos ele não era o único a estar tendo um terrível natal. Prestou atenção um instante às notícias na TV. Em muitos lugares as pessoas estavam lamentando o cancelamento do Natal, mas, mais do que isso, havia um certo ar de animosidade nas ruas, comentava o âncora do jornal, como se as pessoas tivessem esquecido o amor ao próximo e todos os bons sentimentos que geralmente ficavam mais vívidos nessa época do ano.

— Isso é besteira — resmungou Derek, dirigindo-se para o repórter na televisão. Achava muito exagero que as pessoas cancelassem as comemorações só por causa do desaparecimento do Papai Noel, e ao mesmo tempo, perguntava-se aonde será que o bom velhinho tinha ido.

Derek dormiu novamente no sofá, mas por incrível que pareça, acordou com as esperanças renovadas; estava confiante de que as coisas voltariam ao normal, que Norah voltaria a sorrir e Nick logo estaria brincando pela casa como sempre. Infelizmente Derek estava enganado. Nada voltou ao normal, nem no dia seguinte, nem nos outros.

A exemplo do que tinha acontecido com o Natal, as comemorações de Ano Novo foram discretas, quase nulas em alguns lugares, e algumas cidades registraram índices de violência recorde para a época. Para algumas pessoas, esses eventos poderiam ser considerados independentes do sumiço do Sr. Noel, e Derek certamente estava entre elas, mas umas tantas outras acreditavam fielmente que tudo estava relacionado. Derek via as notícias, acompanhava tudo pela TV com aparente interesse, mas o que o deixava mais preocupado, entretanto, era sua própria família.

14 de janeiro

As duas primeiras semanas do ano novo foram difíceis para Derek; como se não bastasse estar com problemas em casa, o trabalho também não ia bem; sua equipe, geralmente a número um da empresa, estava passando por maus bocados, e o bem sucedido gerente, Derek Snowden, não conseguia motivá-los. Como poderia motivar alguém se ele mesmo se sentia um merda naquele momento? Um dia, Lucian, um dos membros de seu equipe de vendas foi até sua sala para conversar, comentou sobre o mau momento e sobre as cobranças por parte dos acionistas e tudo o mais, depois perguntou a Derek o que eles iriam fazer para reverter aquela situação.

— Não sei — respondeu Derek, e não sabia mesmo. Parecia que tudo que ele sabia sobre estratégias de vendas, marketing de produto, a ladainha do grande líder tinha desaparecido da sua cabeça.

Derek estava se sentindo o cocô do cavalo do amigo do bandido. Se encontrasse o Sr. Papai Noel naquele momento certamente que diria algumas boas verdades ao Bom Velhinho, afinal, tudo havia começado quando ele resolveu desaparecer.

— Na verdade eu preciso ir para casa — saiu mais cedo do escritório.

Norah não estava em casa; ela e Nick tinham ido passar uma semana na casa dos pais dela, e Derek ficou sozinho, mergulhado em suas próprias tristezas. Não lembrava de ter se sentido assim em algum outro momento de sua vida, era como se tudo a sua volta estivesse desmoronando. Derek pegou o controle remoto e ligou a TV, queria se distrair dos pensamentos depressivos que insistiam em assombrar sua cabeça — precisava se convencer de que o fato de Norah ter ido passar uns dias na casa dos pais não significava que ela não voltaria.

O noticiário noturno destacava o retorno do Papai Noel à sua mansão no Polo Norte. Derek começou a prestar atenção para entender exatamente o que havia acontecido durante as semanas que o Sr. Noel tinha ficado ausente, causando inúmeras especulações, sem falar nos problemas. Enquanto um repórter falava, a televisão mostrava as imagens do momento em que o Sr. Noel estava chegando a sua casa; no vídeo Derek viu uma figura diferente da imagem que tinha do bom velhinho; Noel aparecia usando uma bermuda xadrez e uma camisa colorida, de óculos escuros e sandálias, com o maior ar de quem estava no Caribe ou coisa assim; a única coisa que o associava à figura natalina era a barba branca. O jornalista explicava que desde o dia vinte e três de dezembro, o Sr. Noel esteve hospedado em um hotel em Santorini, na Grécia, desfrutando as primeiras férias de sua vida. Havia muitas pessoas em frente à casa do Papai Noel, Derek até ficou imaginando como todos eles tinham chegado à distante Lapônia, mas isso era o que menos importava no momento. A voz no aparelho de televisão continuava dizendo que nem mesmo os ajudantes sabiam sobre as férias de Noel, e que ele tampouco estava disposto a conceder entrevistas, mas após muita insistência, aceitou falar com a imprensa e responder algumas perguntas. O que todo mundo queria saber, obviamente, era por qual motivo o bom velhinho tinha resolvido tirar férias exatamente no Natal. A câmera deu um close no rosto do senhor, que se demorou um instante antes de começar a falar.

“A verdade é que ninguém mais se importa com o Natal”, disse ele e fez uma pausa, como se esperasse o efeito de suas primeira palavras; a multidão de jornalistas, entretanto, estava silenciosa, e o barulho maior eram os cliques da câmeras fotográficas. “As pessoas esqueceram os seus valores; os filhos não respeitam seus pais, os pais não têm tempo para os filhos, maridos e esposas mal se falam, as famílias não se reúnem, os amigos são substituídos por máquinas. O mundo seguiu adiante, não me parece haver lugar para um velho; Papai Noel se tornou obsoleto, assim como o próprio Natal, ou o amor”.

— Cara, você está errado — disse Derek, houve mais perguntas, mas ele não estava mais prestando atenção; afinal, estava certo desde o início, o bom velhinho estava mesmo tirando umas férias. E quem poderia culpá-lo por isso? Pensou Derek, atender tantos pedidos de Natal deve ser um trabalho dos mais estressantes (talvez não tanto quando vender seguros), com tantas pessoas pedindo coisas o tempo inteiro, não era de admirar que ele ficasse sobrecarregado. Além disso, as palavras do Sr. Noel tinham ficado gravadas na memória de Derek, levando-o a refletir sobre si mesmo e suas atitudes. Norah tinha dito que ele precisava decidir qual era o lugar dela e de Nick na vida dele, mas não entendia por que ela pensava assim. Será que era mesmo um marido tão ruim e um pai pior ainda? Se parasse para pensar, há quanto não levava Nick para andar de bicicleta no parque? Há quanto tempo não sentava no chão para brincar com ele ou ajudá-lo com as tarefas da escola? Quanto tempo fazia que não lia uma estorinha para o filho antes de dormir? Na verdade, Derek sequer conseguia lembrar-se de ter feito alguma dessas coisas. E Norah, há quanto tempo não a levava para jantar fora, passarem algum tempo juntos além da rotina normal da casa? Há quanto tempo não lhe fazia um elogio, não lhe dizia que era linda, não lhe dizia o quanto a amava?

Um dia seu pai tinha lhe dito que o segredo para um casamento duradouro como o dele (que já durava quarenta anos) eram as doações que ambos tinham que fazer; na verdade, não era tão complicado assim, casamento era um contrato mútuo, dizia seu pai, as duas pessoas tem que colaborar igualmente. Derek achava que não estava colaborando muito com o seu. Foi Norah quem abriu mão da carreira para se dedicar à família; foi Norah quem passou a maior parte das noites em claro quando Nick era bebê; é ela quem participa de todas as reuniões na escola, quem o leva ao médico, enfim.

E o que eu tenho feito? Perguntou-se Derek, trabalhando até tarde todos os dias, gastando os fins de semana em frente à TV assistindo ao ESPN e bebendo cerveja, confiante de que o fato de ganhar um bom salário e proporcionar uma vida confortável à família era o suficiente.

Naquele momento Derek percebia (e sentia-se tremendamente burro por não tê-lo feito antes) que era Norah quem vinha sustentando o casamento deles desde sempre, enquanto ele se dedicava a construir sua carreira profissional, preocupando-se com seus próprios problemas e negligenciando a família. Será que se o Sr. Noel não tivesse desaparecido misteriosamente às vésperas do Natal e causado o cancelamento das comemorações, Derek não teria parado para pensar nas coisas por aquele ângulo? Provavelmente não; ele provavelmente teria levado o filho para escolher a árvore e comprado alguns presentes, teriam as comemorações padrão e no dia seguinte a vida correria normalmente, como se nada tivesse acontecido.

Agora Derek estava assumindo a culpa por seus pecados, então o sumiço do Sr. Noel foi de fato uma coisa boa. Talvez Derek não fosse a única pessoa no mundo (ele certamente não era) a se questionar sobre sua vida e sobre o que estavam realmente fazendo de bom, e quem sabe se não foi essa exatamente a intenção que o Bom Velhinho teve ao desaparecer, pensou Derek. Talvez ele quisesse que as pessoas vissem suas próprias vidas de um jeito diferente, revissem conceitos, refletissem sobre quais eram suas prioridades e quais coisas eram realmente importantes em suas vidas. Derek não sabia, mas seu pensamento estava correto.

E agora que reconhecia sua culpa e podia perceber onde estava errando, ele poderia tentar consertar as coisas; acreditava que sim. Levantou-se do sofá e foi até o telefone; passava um pouco das dez horas da noite, mas talvez ainda encontrasse Norah acordada. Discou o número da casa dos pais dela (Norah não tinha um celular simplesmente porque não gostava) e esperou enquanto a chamada era completada; sentia um estranho frio na barriga que lembrava-lhe a época de quando era garoto e teve seu primeiro encontro. O telefone chamou três vezes e Derek já estava quase desistindo, pensando que todos já deviam estar dormindo, embora fosse cedo, quando a voz da mãe de Norah atendeu a ligação.

— Como vai, Sra. Stephens?

Derek? Oh, tudo ótimo, querido — Margareth Stephens falava com o mesmo tom suave que Norah usava.

− Por favor, a Norah — acho que isso contraria um pouco minha ideia de consertar as coisas, Derek pensou com um pouco de humor, sabia que não mudaria da água para o vinho e nunca foi muito paciente com a sogra.

Claro, só um instante — ele ouviu quando Margareth chamou pela filha; o telefone ficou mudo por alguns instantes, até que ouviu a voz de sua esposa.

Derek? Aconteceu alguma coisa?

— Não.

Por que você está ligando a essa hora? — a voz dela era de tanta surpresa que Derek se perguntou se não ligar era realmente o seu comportamento normal.

— Ah, eu só queria saber como vocês estão. Onde está o Nick?

Ele já foi dormir, teve um dia cheio hoje, brincou o dia inteiro com o papai.

— Bom, ele já sabe que o papai Noel apareceu?

Sim, ele ficou um pouco decepcionado, não esperava que esse tempo todo o Papai Noel estivesse se bronzeando!

— Acho que ele tinha seus motivos para isso.

O que você quer dizer com isso?

— Nada importante; bom, e quando vocês voltam para casa?

Ahm, eu não sei, o Nick está se divertindo tanto... — antes que Norah continuasse falando, Derek a interrompeu.

— Que tal amanhã? Eu posso ir buscá-los.

E o trabalho?

— Eu tirarei o dia de folga —Derek não podia vê-la, mas tinha certeza de que Norah estava sorrindo — Tudo bem?

Claro, eu te espero então.

— Ótimo.

Vejo você amanhã; boa noite, Derek.

—Boa noite — Derek ficou um instante em silêncio e antes que Norah desligasse, ele voltou a falar — Norah?

O que é?

— Eu te amo, ok? — ela não respondeu de imediato; Derek fechou os olhos, seu coração estava batendo um pouco mais rápido; ele lembrou da primeira vez que tinha dito aquelas três palavras a Norah, quando ainda era praticamente um garoto, era incrível dizê-las depois de tantos anos de casados e ainda sentir o quanto elas eram verdadeiras.

Oh, querido, eu também te amo — Norah respondeu, finalmente, e dessa vez ela estava mesmo sorrindo. Derek sorriu também e desligou o telefone. Na televisão o noticiário havia terminado e agora passava um talk show que Derek não se interessava em assistir; desligou a TV e foi para o quarto, mas ao invés de se deitar logo, ele sentou-se à mesa de mogno de frente à janela que lhe servia de escrivaninha. Pegou uma caneta e um bloco de folhas brancas e começou a escrever. Não sabia há quanto tempo não escrevia uma carta, provavelmente quando ainda era criança, mas deixou que o lápis corresse solto pelo papel.

Caro Sr. Noel,

Em primeiro lugar, espero que suas férias tenham sido boas! Eu não sei exatamente qual era a sua intenção quando resolveu desaparecer e deixar o mundo inteiro apreensivo, o que, se me permite a franqueza, acabou com o Natal. Mas não é sobre isso que estou lhe escrevendo, Sr. Noel, na verdade, queria que o senhor soubesse o quanto sou grato por ter me ajudado, por ter me feito perceber que as coisas mais importantes da minha vida estão bem embaixo do meu nariz.

Eu entendo as suas razões para estar descrente com a humanidade, é verdade que muitos de nós vivemos presos ao nosso próprio egoísmo, esquecendo por vezes, que o mundo não gira ao nosso redor, mas o senhor está errado por pensar que o amor se tornou obsoleto. Nós cometemos muitos erros, mas há algo em que somos bons. Ter esperança. Nós esperamos por dias melhores, e quando tropeçamos nos nossos erros, é o amor que nos mantém de pé. Contudo, a humanidade, em toda sua fragilidade, precisa de inspiração, alguém que seja exemplo de doação, carinho, esperança, alguém como o senhor. Não perca a fé na humanidade.

Derek releu a carta; não achou brilhante — era até um pouco piegas, mas não desfez nenhuma palavra; na verdade, nunca tinha sido realmente bom em redação, mas naquele momento isso não era o mais importante, afinal, não estava tentando ganhar o prêmio Nobel. Assinou a carta e a colocou num envelope, endereçando-a ao “Sr. Noel, Lapônia, Polo Norte”. Depois de lacrar o envelope ficou segurando-o um instante, imaginando como exatamente aquela correspondência chegaria às mãos do destinatário se ele não sabia sequer o código postal. Mas isso não será um problema, pensou Derek, os serviços postais tem entregado milhares de cartas ao Sr. Noel todos os anos.

Ainda segurando a carta, Derek desceu as escadas e abriu a porta para a rua; o vento gelado da noite o atingiu em cheio e ele abraçou o próprio corpo para tentar se aquecer enquanto caminhava até a caixa de correio. Talvez aquela carta nunca chegasse ao seu destino, e se chegasse provavelmente não faria muita diferença, mas Derek achava que deveria mandá-la mesmo assim. Mesmo que o Papai Noel não viesse a saber sobre a sua gratidão, Derek sabia, e se sentia bem com isso.

Derek andou de volta pelo caminhozinho de pedra que levava até a casa; antes de entrar, porém parou um instante, apesar do frio cortante, então ele viu o que poderia ser ou imaginação da sua cabeça ou um milagre. O pequeno gramado e as árvores do jardim estavam tomando uma tonalidade branca; Derek sorriu e estendeu a palma da mão aberta, como se quisesse ter certeza de que era real.

Estava nevando.


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