Rony

Era só mais uma tarde qualquer de trabalho. Rony estava brincando com seu chaveiro do Happy de Fairy Tail e entediado porque não havia nada para ler. Alguma coisa vinha acontecendo com ele, porque nas últimas semanas estar na banca de revistas não era mais um passatempo aliado ao benefício de ganhar uns trocados. Uma sensação esquisita de que estava deixando algo passar enquanto matava suas tardes de atendente de balcão o sondava.

Havia decidido mudar de turno novamente e reencontrar Hermione, a moça do sorriso hipnotizante. Passou algumas noites depois do último e afobado encontro deles na praça de alimentação, pensando em como daria o “fora” na promessa que lhe fizera e ensaiou bastante aquela desculpa que vinha tramando. Sabia que a prática seria muito mais desencorajadora que a teoria.

Como se lesse seus pensamentos ela apareceu no momento em que ele estava concentrado nessa questão.

— Ei, como vai? — era impressionante o bom humor daquela garota. Mesmo carregando uma mochila que deveria estar com toneladas de termos médicos bizarros, não desmanchava a animação.

— Oi. — ele inevitavelmente abriu um sorriso larguíssimo.

— Voltou para o período de sempre?

— É isso mesmo. Fui solicitado por uma garota que gosta de caçar cisnes em Londres.

— Ahh... nem me fale disso. — ela revirou os olhos, estafada. Finalmente ele enxergou um lado fatigado dela.

— Era sua parenta aquela senhora? — o rapaz especulou. Apoiou-se no balcão, ficando lado a lado com Hermione.

— Sogra já virou parente?

— Pela paz mundial, até onde sei, não. — Rony abafou um riso. Ela havia feito uma cara muito engraçada de pouco caso.

— Então ela não é minha parenta, mas vem passando mais tempo comigo do que qualquer um dos meus familiares verdadeiros.

Ele não encontrou nada apropriado para combater aquele drama pessoal sem parecer invasivo demais. Acabou por colocar Happy em cima do balcão e ficou rodando-o pela argola do chaveiro.

— Oh, Happy! Que fofinho! — a garota exclamou.

Ele lhe ofereceu.

— Gosta de Fairy Tail?

— Me divirto um bocado, principalmente com Happy. — e ficou encarando o gatinho azul voador retido nas mãos. Em seguida devolveu para ele.

Rony pôde sentir o cheirinho doce que vinha dos seus cabelos. Eram castanhos claros com secretas mechas douradas mergulhando pelas ondulações do penteado.

— Hoje não vim comprar mangás. Acho que estou equiparada com as publicações do mês. Vim saber do nosso encontro... — ela ruborizou de leve com aquela afirmação posta daquele modo tão peculiar e correu para corrigir — Digo, a feira de Otakus que combinamos de participar.

— Sei...

— Algum problema?

Ele sentiu serpentinas de ansiedade se contorcer no seu estômago.

— É que... não sei. — gaguejou bobamente.

— Combinou de ir com outra pessoa? — Hermione lhe pareceu angustiada.

— Não é isso. Só fiquei pensando se seria certo.

— O que seria certo? — ela venceu alguns centímetros entre eles e fitou-o mais de perto. Parecia uma moça determinada e isso não contribuía em nada para suas decisões.

— Hermione, você tem uma aliança e eu não quero te encrencar. — saiu do jeito mais simples que ele conseguiu traduzir.

A jovem examinou sua própria mão brilhando pelo belo anel de compromisso e meneou a cabeça. Sua voz saiu suave quando disse:

— Não se preocupe. Ele não é ciumento. Respeita minhas amizades. — assegurou.

Sua resposta deslocou o ruivo. Não era exatamente essa a preocupação dele. Acreditando que se ficasse quieto por muito tempo daria vazão a ela pensar em outras possibilidades para recusa dele, foi logo soltando:

— Estou a salvo de ser abordado e socado por um cara cheio de razão, então?

— Obviamente! Meu noivo é muitas coisas, mas creio que sociopata não.

E assim Rony se viu combinando os detalhes de um encontro com Hermione. Amizade, ela disse. Amizade, ele reforçou aos seus sentimentos.

Quando estavam se despedindo Hank surgiu para seu turno. Espiou os dois com olhos de sabichão e foi sentar no outro canto da banca. Rony ignorou-o e disse em voz alta para Hermione que já partia. Tinha tido aquele impulso no exato instante:

— O Happy tá enjoado de mim!

Ela voltou para o balcão. O ruivo havia tirado a figura de seu molho de chaves particular e depositado entre os dois.

— Ele te disse isso agora? — ela esboçou um risinho de cumplicidade.

— Já faz umas semanas que vem reclamando, mas agora que te viu teve certeza de que não quer mais estar comigo. Disse que prefere alguém mais otaku.

— Difícil! Você é centena de vezes mais que eu.

— Tá. — Rony deu de ombros — Ele disse que quer ficar com uma moça bonita.

Seus olhos se cruzaram.

— Está me dando mesmo?

— Happy ficaria arrasado se não aceitasse.

— Ok. Então eu aceito, mas fique avisado: estou em dívida com você agora.

— Que pena, porque eu cobro juros altos!

Minutos depois que ela se despediu pela segunda vez e partiu de verdade, o silêncio continuou perdurando entre os colegas de trabalho. Então Rony virou para os fundos da banca e encarou Hank. Este mirava-o numa postura de dono da razão.

— Cara, você tá apaixonado por essa garota!

— É, tô mesmo.