Entre Otakus escrita por Van Vet


Capítulo 1
Hermione


Notas iniciais do capítulo

Esta fanfic é um misto de duas coisas que adoro: RonMione e a prática do otakismo. Para quem não sabe, otaku (palavra de origem nipônica) aqui no Brasil é conhecido como aquela pessoa que adora coisas da cultura japonesa com destaque para animes e mangás. No Japão o sentido é outro. É otaku quem é fissurado em alguma coisa, que para os japoneses pode ser as coisas mais inusitadas. Seja como for, essa fic ficará mais fluída para quem curte esse universo. De qualquer forma, toda a referência a obras são reais, e fica em itálico para facilitar a leitura.



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Hermione acordava sempre às cinco da manhã. Tomava um café prático com muita vitamina C e pouco carboidrato. Despedia-se do pai, o único acordado tão cedo, e saia de casa. Pegava o ônibus logo na esquina do bairro e esperava o trajeto até o campus, lendo mangá.



Chegava à universidade as sete em ponto e partia para a sala de aula. O professor de quarta costumava demorar um bocado para entrar na classe, então ela dava uma espiada em mais alguns quadros da história.



Hermione era aluna do curso de medicina. Sonhava em ser cardiologista porque achava fascinante a bomba cronometrada, com todas suas sístoles e diástoles, todas suas válvulas, toda rede inteligente de “fibras elétricas” do órgão mais famoso do corpo humano.



Já seu hobby era um tanto revoltoso. Ao menos era isso o que seus pais e seu noivo diziam. Hermione nunca se lembrou de não ser aplicada nos estudos e de não ter seriedade na vida. Responsável e muito madura aos seus vinte e três anos de idade. Seu “único deslize” encerrava-se no vício por aquelas histórias japonesas. Mas ela não conseguia se livrar, não fazia nenhum esforço, na verdade.



Seu mangá predileto também havia um médico. Um neurologista. Monster de Naoki Urasawa, um mestre em criar uma rede de intriga e suspense. Ela já havia visto o anime com seus setenta e dois episódios, entretanto, apesar deles serem idênticos quadro a quadro, a experiência do mangá era completamente diferente.



Existia uma rixa entre os ditos “otakus” de que os mangás eram sempre melhores do que os animes, assim como livros tendem a ser melhores do que os filmes homônimos. Para Hermione, tal regra era muito rigorosa e imparcial, uma vez que nunca teria escutado Hohoemi de Kimi ni Todoke sem sua adaptação animada. Já certas obras, como Akira, carregavam a necessidade vital de serem destrinchados numa leitura apoteótica.



O professor de Bioquímica Avançada finalmente entrou na classe e Hermione guardou o exemplar número três de Monster com cuidado dentro da bolsa. Era hora de estudar, mas não poderia esquecer-se de passar mais tarde na banca para resgatar o quarto volume daquele mês.




A banca de jornal onde comprava seus mangás ficava dentro de um shopping de classe média, há apenas algumas quadras do Campus. Após os estudos Hermione enfiou a bolsa atravessada nas costas e caminhou até lá, religiosamente, como em todas as sextas.



Entrou no saguão, subiu a escada rolante e ficou batucando o indicador no encosto de mão, tentada a cantar junto com Freddie“A Kind of Magic”que ecoava alto pelo sistema de som do shopping.



Quando chegou ao segundo andar foi direto para a banca, um grande quadrado construído com madeira e um telhadinho charmoso, no meio do corredor.



Avistou o funcionário mais recorrente de lá e chamou-o com um aceno. Ele, que estava sentado lendo um volume de Soul Eater, veio daquele habitual jeito arrastado. Hermione tinha a impressão que conseguira o emprego apenas para poder ler mangás de graça e não para ganhar um salário como tudo mundo quando procura um trabalho.



— Oi. — ele acenou, mesmo estando cara a cara com ela.



Era um tipo curioso. Alto, muito mais que ela, magro, ombros largos, mãos grandes e sardas por todo o rosto. Ela também desconfiava que ele era daquelas figuras exóticos, bem ruivo, mas nunca conseguia ver seus cabelos totalmente, pois uma touca de lã preta enfiada na cabeça parecia nunca ter determinação para abandoná-lo.



— E aí? — ela sorriu, animada, olhando as prateleiras as costas dele para ver se achava o novo volume de Monster.



— E aí? — rebateu.



— Chegou o novo volume de Monster?



— Humm... não. — respondeu simplesmente.



— Não? — ficou desapontada.



— Estamos atrasados com a editora, mas vem hoje à noite. Quer que eu reserve?



Hermione o conhecia pelo nome. Os outros funcionários o chamavam de “Rony”. De certo uma abreviação para um nome maior. Às vezes trocavam "ideias" as pressas sobre algum mangá que ela ia buscar, mas nunca se aprofundaram em qualquer assunto além. Ele parecia gentil, mesmo com aqueles olhos sonolentos de quem passava a noite inteira assistindo animes pela internet ou jogando vídeo game num Nintendo DS. Talvez tivessem idades equivalentes. Talvez ele estudasse duro em outro período, por isso o ar desligado.



— Pode ser, mas só vou poder vir buscar amanhã. Estou voltando da faculdade agora, e não passo mais por essa região hoje.



— Ok. — ele agachou para pegar papel e caneta no lado de dentro do balcão. — Faz faculdade de que?



Ele era assim. Quieto como um espantalho num milharal, mas ocasionalmente a assustava com uma pergunta puramente inesperada.



— Eu estou no terceiro período de Medicina. — tentou não mostrar muito jubilo na voz, porque tinha essa tendência quando comentava sobre a profissão da qual tanto se orgulhava.



— Ah, legal. — foi o modesto comentário dele.



— E você? — ela rebateu por pura gentileza, e uma pontinha de curiosidade.



Ele deu de ombros.



— Nada de interessante.



— Seu curso não é interessante? — Hermione sorriu pela classificação tão pífia dele.



— Não. Eu não estudo. — disse espontâneo.



— Ah... — ficou sem graça, mas o tal Rony pareceu não perceber a careta de “mancada” dela.



Ele rabiscou algumas palavras no papel que manipulava, e sua caligrafia era horrível demais para que ela conseguisse decifrar.



— Tudo certo. Guardo para você até o fim da semana. — comentou guardando o papel novamente.



Então lhe deu um sorriso meio torto que fizeram seus olhos azuis brilharem além do normal. A garota não entendeu bem porque ficou encantada naquela reação. Notou então que o achou charmoso pelo gesto.



— Tchau. — acenou e foi se afastando.



Já estava quase na escada rolante para descer novamente, quando lembrou de algo e ficou encucada. Na sua cabeça, agora era Robin Willians que berrava pelo shopping inteiro qualquer hit pop e ela odiava aquele ser cantante.



— Oi, acho que você esqueceu-se de algo, não? — voltou chamando Rony, que já havia se perdido no exemplar de Soul Eater novamente.



Ele apenas tirou a cabeça para fora do mangá e olhou-a.



— Meu nome. Você não perguntou para realizar a reserva.



— Eu lembro, é Hermione, não?



Ficou perplexa. Só havia mencionado o nome dela uma vez para aquele garoto que parecia não prestar atenção a nada a sua volta. E isso fora há seis meses.



— Sim. — confirmou.



O garoto meneou a cabeça e voltou à leitura. Ela foi embora com a estranha sensação de que o dia tinha ficado um pouco mais leve.


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