Et in Arcadia ego escrita por themuggleriddle


Capítulo 2
Ex abundanti cautela




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/452206/chapter/2

Harry estava irado com ela, era fácil de perceber. O amigo ficava andando para cima e para baixo daquela tenda, de cabeça baixa e mãos agarradas uma à outra, enquanto ela se ocupava em cuidar do rapaz convalescente que agora dormia na cama que antes era de Ron. A bruxa não podia culpá-lo por isso, afinal, quando ela lera que aquele feitiço era capaz de “acabar” com uma horcrux, nunca lhe passou pela cabeça que “acabar” significava criar um novo corpo para a alma que residia lá dentro. Ela nunca teve a intenção de trazer de volta um Voldemort mais novo, mas lá estava ele, deitado na frente dela e, apesar de nunca ter visto o rosto dele em outro lugar a não ser nos antigos anuários de Hogwarts, Hermione nem pensou em duvidar quando Harry disse que aquele jovem trêmulo e quase desmaiando perto do medalhão era Tom Riddle.

“O que a gente vai fazer?” perguntou Harry, sussurrando ao passar por ela, olhando de esguelha para o garoto inconsciente. “Não podemos deixar ele aqui.”

“Não podemos jogá-lo no meio do nada também,” disse Hermione, passando a ponta da varinha por sobre o braço do rapaz, murmurando um feitiço que deveria fazer a sensibilidade da pele deste diminuir.

“Você sabe quem ele é.” Potter enfiou as mãos nos cabelos escuros e bufou. “Podemos muito bem jogá-lo no meio do nada. Sem remorso, como ele fez quando matou meus pais.”

“Harry! Pare! Não podemos abandonar uma pessoa machucada esse jeito. Nós nem sabemos o que aconteceu!”

“Eu sei o que aconteceu! A mesma coisa que Riddle tentou fazer quando levou Ginny para a Câmara Secreta, mas dessa vez ele conseguiu! Nós o trouxemos de volta e estávamos tentando destruí-lo... Agora temos dois Vold...”

“Não diga o nome dele, por favor!” ela o interrompeu. “Olha, vamos pelo menos esperar até ele acordar e ver o que ele vai falar. Eu quero saber o que aconteceu, Harry. É obvio que não é a mesma coisa da Câmara. Você me disse que Riddle, daquela vez, praticamente sugou a vida de Ginny, mas aqui... Olhe para nós. Nada foi tirado de nós e, ainda assim, ele está aqui! Quando Você-Sabe-Quem ganhou seu corpo novo, como ele estava?”

Ela viu Harry se encolher e logo se arrependeu de ter perguntado aquilo. Hermione sabia que a noite em que Cedric Diggory foi morto ainda era algo que o amigo não gostava de lembrar.

“Rabicho o colocou em um caldeirão. Não era bem ele; era um corpo esquisito... Bom, Rabicho o jogou no caldeirão e pegou o que precisava: osso do pai, carne do servo e sangue do inimigo. E ele só... Saiu do caldeirão, um corpo novo e...”

“Ele estava fraco?”

“Não. Estava forte o suficiente para fazer magia e duelar perfeitamente.”

“Então não é o mesmo mecanismo disso aqui.” Ela apontou para o garoto na cama. “Venha aqui. Está vendo isso?” A bruxa deixou a ponta de seu dedo traçar um emaranhado de pequeninas linhas avermelhadas que cobriam a pele pálida de Riddle, como uma enorme teia de aranha escarlate, principalmente nas mãos, pescoço e rosto. “São vasos sanguíneos. Vasos recém formados. Você viu como ele vomitou a poção e não conseguia se mexer? Bom, era como se os músculos dele ainda fossem muito novinhos e ele ainda não soubesse como controlá-los. Como um bebê recém nascido. Ele também não conseguia falar... Esse corpo.” Ela tocou o ombro do rapaz. “É um corpo recém formado, mas não foi criado pelo mesmo tipo de magia que fez o corpo de Você-Sabe-Quem no cemitério. Esse aqui parece mais... natural? Não sei explicar, mas ele é fraco, como qualquer corpo humano que tenha acabado de nascer.”

“Então é como se Riddle tivesse renascido?”

“Sim. Assim que terminar de cuidar disso aqui, vou voltar para aquele livro e ver o que diabos aquele feitiço fez.” Hermione sacudiu a cabeça, suspirando, antes de apontar a varinha para a pele do rapaz outra vez, sussurrando outro feitiço que fez as linhas avermelhadas desaparecerem.

“Hermione.” A voz de Harry soou mais calma, apesar de ainda estar preocupada. Virando a cabeça, a menina viu o amigo a observando com uma expressão derrotada no rosto. “Apenas se lembre de quem ele é, certo? Tenha cuidado. Você nunca sabe o que esse... esse homem é capaz de fazer.”

“Okay, não se preocupe. Ele está fraco e, caso tente fazer alguma coisa, posso derrotá-lo em um piscar de olhos, acredite em mim, Harry.” Ela sorriu e observou enquanto o outro, depois de retribuir o sorriso, saiu da tenda para manter a guarda.

A bruxa se abaixou para pegar sua bolsinha de contas, que ela havia deixado no chão, e a abriu, pegando Os Segredos das Artes Mais Tenebrosas. Ela odiava aquele livro. Ele estava cheio de magias horripilantes que faziam-na sentir-se mal cada vez que ela lia sobre elas, mas, ainda assim, Hermione leu sobre todos aqueles feitiços, rituais e maldições. A parte das horcruxes era a pior. Com longos textos, ela explicava sobre como um assassinato quebraria a alma da pessoa e descrevia todo o ritual doentio que era preciso para arrancar aquela parte quebrada e colocá-la dentro de um objeto. Não era algo que alguém certo da cabeça faria.

Hermione finalmente encontrou a ilustração que a havia ajudado a organizar o ritual que ela havia feito algumas horas antes. Tudo o que ela utilizara fora tirado daquela ilustração depois que ela notara que esta mostrava inúmeros símbolos representando a morte – a principal coisa que uma horcrux evitava – e runas que, pela sua tradução, significavam algo parecido com “fim”. Não fazia sentido. Ela seguira todas as instruções e a destruição da horcrux deveria ter funcionado.

A garota quase pulou da beirada da cama ao sentir o garoto ao seu lado se mexer. Agarrando sua varinha e apontando-a para ele, ela esperou até que os olhos de Riddle se abrissem, lentamente, e ele olhasse para o teto por um bom tempo, antes de virar o rosto para ela. Ele abriu a boca como se fosse falar algo, mas tudo o que saiu foi um gemido baixo.

“Accio caneca.” Ela esticou a mão para alcançar uma caneca marrom que veio voando na sua direção, antes de apontar a sua varinha para o interior desta, não vendo como o rapaz a observava com os olhos arregalados. “Aguamenti. Aqui.” Ela sacudiu a cabeça. “Oh, espere...” Hermione colocou a caneca de lado, junto com o livro, e se inclinou na direção de Riddle, colocando seus braços por debaixo dos dele, ignorando o sibilo que ele soltou, e o ajudou a se sentar na cama, apoiando-o contra a cabeceira de metal. “Agora, beba. Devagar, você não quer sair por ai vomitando de novo.”

As mãos magras do rapaz agarraram a caneca com insegurança enquanto ele tentava não tremer. Ele fechou os olhos e respirou fundo assim que finalmente engoliu o primeiro gole de água fresca e Hermione perguntou-se o quão seca a garganta dele deveria estar e como aquele pequeno gole deveria ter sido bom para ele. A bruxa o observou enquanto ele acabava com a água, parecendo até ter esquecido que ela ainda estava ali.

“Seu nome é Tom Riddle, certo?” ela perguntou e o outro finalmente abaixou a caneca, encarando-a com os olhos azuis arregalados, antes de concordar com a cabeça. “Ahm, oi, eu sou... Hermione. Você ainda está com dor? Ou está se sentindo um pouco melhor?” Ele não respondeu. “Dói se eu te tocar?” Ela cutucou-lhe o braço e, apesar de ele ter se encolhido, o rapaz negou. “Bom. Então meu feitiço funcionou.”

“Fei-“ Riddle começou a falar, finalmente forçando sua voz à formar uma palavra, antes de parar para limpar a garganta com um pigarro. “Feitiço?”

“Sim. Usei o Evanescere dolor para a dor e Deminuo vasa para as marcas...” explicou Hermione, mas, logo que viu a expressão confusa no rosto do outro, a menina mordeu o lábio inferior e suspirou. “Você não está entendendo nada, certo?”

“Eu não entendo com...” ele começou, sua voz ainda soando rouca. “Um feitiço? É loucura.”

“Não, não é. É... magia. Você conhece magia, você é um bruxo...”

“Eu sou o que?”

“Um... Oh, Merlin,” Hermione sussurrou, levantando-se e olhando para o rapaz. “Fique aqui. Harry!”

Avançando para a entrada da tenda, a bruxa não precisou andar muito, antes que Harry entrasse correndo, assustado e com a varinha já em mãos. Os olhos do amigo logo encontraram Riddle.

“O que foi? O que ele fez?” perguntou Harry, apontando a varinha par ao outro garoto.

“Ele não fez nada,” explicou Hermione, segurando o braço do outro e o abaixando, antes de olhar para Riddle, que olhava para a varinha dos dois como se nunca tivesse visto uma antes. “Ele não... ele não sabe o que é magia.”

“Eu sei o que é magia!” A voz de Tom soou irritada. “E sei que ela não existe.”

“O que?” Harry franziu o cenho.

“Ele não sabe que é um bruxo,” murmurou a garota e se aproximou de Riddle outra vez. “Tom, ahm, você pode me dizer da onde você é?”

“Por que você quer saber?” ele perguntou, defensivo.

“Estou tentando entender o que aconteceu com você, Tom.” Hermione sentiu-se desconfortável por ter que usar aquele tom de voz com uma parte da alma de Voldemort, mas, pelo jeito que Riddle olhava para eles, ela sabia que a única maneira de arrancar alguma informação dele era ganhando a sua confiança. E, para isso, ela precisava ser gentil. “Então, onde você mora? Você sabe como acabou aqui?”

“Londres,” ele falou, depois de alguns minutos de silêncio, e a menina forçou um sorriso para ele. “E eu... não sei como vim parar aqui.”

“O que você lembra de Londres? Digo, a última coisa da qual você lembra, antes de acordar aqui...”

“Eu...” ele sussurrou, olhando para as próprias mãos e franzindo as sobrancelhas. “Eu não lembro.”

“Vamos lá, você deve se lembrar de algo,” resmungou Harry. “Se você sabe que é de Londres, deve se lembrar de algo de lá.”

“Bom, eu não lembro! Tudo parece distorcido. Eu lembro das coisas, mas não consigo organizá-las em ordem,” disse Tom, erguendo o rosto para encarar o outro rapaz. “Eu preciso voltar para lá. A Sra. Cole e Martha devem estar procurando por mim e elas vão ficar loucas se eu não aparecer logo. Deus, eu nem sei por quanto tempo eu estou fora!”

“Você não pode voltar,” disse Harry, abruptamente, sem nem pensar no que estava falando, o que fez com que Hermione lhe desse um tapa no braço para que ele se calasse.”

“O que você quer dizer?”

“Tom,” a garota começou a falar, voltando a se sentar ao seu lado. “Veja bem, você não pode voltar porque o orfanato não... existe mais.”

“O que?” Hermione quase se sentiu mal ao ver a expressão irritada do rosto de Riddle desaparecer, dando espaço para uma mistura de confusão e pânico. “Eu não... para onde eu? Como?”

“Em que ano estamos?” ela perguntou.

“1938,” ele falou, sem hesitar, mas logo sacudiu a cabeça. “Não. 1940 e alguma coisa... 1943 ou 1944.” O garoto a olhou. “Por que eu não me lembro do ano?”

“Essa é uma boa pergunta,” sussurrou Hermione.

“Em que ano,” murmurou Tom. “Em que ano estamos?”

“1997.” Foi Harry quem respondeu, finalmente parando de soar como se quisesse pular no pescoço de Riddle a qualquer momento.

A reação de Tom fora inesperada. Pelo que Harry lhe contara, ela esperava que Tom Riddle fosse alguém que nunca se mostraria abalado por alguma coisa, mas, naquele momento, enquanto observava os olhos claros do rapaz se arregalarem com preocupação e as mãos finas dele cobrirem metade de seu rosto enquanto o peito dele se expandia e diminuía com a respiração acelerada, a garota podia ver o quão abalado ele ficara com aquela informação.

“Não,” ele sussurrou, agora cobrindo o rosto inteiro com as mãos, antes de levá-las ao topo da cabeça, deixando os dedos se enfiarem entre seus cabelos. “Não faz sentido!”

“Olha, eu sei que é confuso, mas você precisa se acalmar.” A bruxa esticou o braço para tocar o ombro do garoto, mas logo se afastou com um gritinho ao sentir uma pontada de dor subir pelo seu braço.

“Hermione! O que houve?!” Harry estava ao seu lado agora, apontando a varinha para Riddle de novo.

“Não me toque!” Tom gritou. “Me leve de volta para Londres agora!”

“Não podemos te levar para Londres, seu idiota!” disse Potter. “Não... Podemos, mas você morreria em uma noite nas ruas!”

“Calem a boca, os dois!” gritou Hermione, arrancando a varinha de Harry da mão dele e empurrando Riddle para a cama outra vez, fazendo-o se deitar. “Estou tentando pensar, ok? Estou tentando entender o que houve, mas é difícil com vocês dois brigando feito crianças!” Ela olhou Tom. “Não podemos te levar para Londres, certo? Tem uma guerra acontecendo e não podemos pisar em Londres se não quisermos ser pegos. E você não sobreviveria lá, isso aqui não é mais os anos 40, Riddle, então pare de agir feito um menino mimado e entenda que estou tentando te ajudar. E você.” Ela se virou para Harry. “Eu não tenho idéia do que aconteceu e me desculpe... Me desculpe por isso ter acontecido, mas tente ficar calmo. Não precisamos de outra cena como...” Ela parou, de repente sentindo um nó se formar em sua garganta ao se lembrar de Ron. “Outra cena como a de Ron.”

Os dois rapazes rapidamente ficaram em silêncio. Harry murmurou algo que parecia um ‘certo, desculpe’ irritado, antes de pegar sua varinha de novo e sair da tenda, enquanto Riddle continuava encarando-a. A bruxa olhou-o e suspirou, antes de tocar o rosto dele, usando os dedos para afastar as pálpebras dele para poder olhar melhor os olhos dele. A esclera do bruxo estava coberta de pequenos vasos avermelhados, assim como o resto do corpo dele.

“Não se preocupe, não vou machucá-lo,” ela falou, puxando a varinha e apontando-a para o olho dele. “Deminuo vasa. Olha, eu sei que isso é confuso e assustador, mas, por favor, tente cooperar.”

“Como eu acabei aqui?” ele sussurrou e ela percebeu como os olhos dele pareciam brilhar um pouco, como se ele estivesse quase chorando. Hermione sorriu de leve e deu um tapinha no ombro dele.

“Não sei.”

Aquele era Lord Voldemort, ela disse para si mesma. Aquele rapaz era uma parte da alma do Lord das Trevas; ela não deveria se sentir mal por ele. E ele não deveria olhá-la com aqueles grandes olhos azuis cheios de medo e confusão. Lord Voldemort era um bruxo cruel e impiedoso que não conhecia medo e confusão. Ele causava essas emoções. Ele não as sentia.

“Tente dormir, é melhor,” ela falou, levantando-se. De repente não se sentiu confortável com a proximidade ali. “Vou cuidar do resto do seu corpo quando acordar.”

Dizendo isso, ela pegou O Segredo das Artes Mais Obscuras e sua bolsinha de contas e saiu de perto da cama dele. Tom Riddle precisava de seu sono e ela precisava de um bom tempo para entender o que aquele livro fizera.

***

Tente dormir, é melhor. Era fácil para ela dizer isso, não tinha sido ela quem acordara no meio do nada, sem saber o que havia acontecido e com cada milímetro de seu corpo doendo feito o inferno. Não era ela quem estava tentando entender como fora parar em 1997 e não era a memória dela que estava toda bagunçada. De todas as coisas que aconteceram até aquele momento, as lembranças confusas eram as piores coisas... Tom podia lembrar onde vivia; lembrava-se de Martha e da Sra. Cole; lembrava-se de Amy Benson e Dennis Bishop... Mas ele sabia que havia algo faltando.

A garota, Hermione, dissera que ele era um bruxo. Aquilo não fazia sentido, certo? Magia não existia; era algo vindo dos livros como O Fantástico Mágico de Oz e O Hobbit. Não havia Gandalfs andando pelo mundo, mas ainda assim... Ele se lembrava de coisas estranhas acontecendo quando era pequeno. Como aquela vez em que se vira dentro de uma caverna a beira-mar em Dover, junto com Amy e Dennis. Ou quando as cobras falavam com ele. Os outros órfãos diziam que ele era louco; os órfãos mais velhos diziam que sua mãe parecia louca quando ela chegara no orfanato; talvez ele tivesse herdado a loucura dela. Mas, não, ele não era louco e ele sabia disso.

Mas isso significava que a garota estava falando a verdade sobre magia? Ele vira como ela usara aquele graveto dela para fazer a dor ir embora, assim como ela fizera aquelas marcas em sua pele desaparecerem. Mas aquilo podia ser magia? Se ele estava mesmo em 1997, talvez fosse apenas alguma nova tecnologia... Mas ele sabia o que aquelas linhas vermelhas em sua pele eram e sabia que seria muito difícil até mesmo para alguma tecnologia nova para fazer vasos recém formados sumir tão rapidamente. O mesmo se aplicava a dor... Hermione não usara nenhuma medicação e, ainda assim, funcionara perfeitamente.

E ele havia a machucado. De alguma forma, ele machucara a menina sem nem tocar nela. Aquilo o fazia lembrar-se das ilustrações nos livros de anatomia do médico do orfanato. O Dr. Mazarovsky sempre permitia que ele olhasse os seus livros e ele sempre adorara os de anatomia com suas figuras mostrando as partes dos corpos desde músculos até os nervinhos mínimos que percorriam todo o corpo. E ele se lembrava muito bem que fora uma dessas imagens de nervos que aparecera em sua mente logo antes de ouvir Hermione gritando.

“Pensei que tivesse falado para você dormir.”

Tom virou o rosto. A garota estava parada ao lado de sua cama, olhando-o com uma expressão cansada. Os olhos dela estavam vermelhos e havia olheiras pesadas em seu rosto, o cabelo estava preso em um rabo-de-cavalo bagunçado e ela tinha um livro em uma mão e o graveto em outra.

“Não consegui.”

Ela suspirou, colocando o livro no topo da mesa que ficava no meio do quarto e sentando-se na beirada da cama.

“Está melhor?”

“O que você quer dizer por ‘melhor’?” ele perguntou, arqueando uma sobrancelha.

“Está com dor...?”

“Sem dor, minha visão está melhor, eu posso me mexer sem me bater e posso falar. Se isso é melhor, então sim, estou melhor.” Tom respirou fundo. “Mas ainda não entendo como acabei aqui e por que minhas memórias não fazem sentido algum. É como se tudo estivesse bagunçado demais.”

“Aposto que logo tudo vai fazer mais sentido,” murmurou Hermione e o rapaz pôde ver que ela não queria dizer aquilo. Era quase como se ela não quisesse que ele entendesse o que havia acontecido. “Mas o importante é que você não está mais com dor. E que seu corpo está melhor.”

“Hm.” Ele deixou seus olhos percorrerem o local. Desde que acordara, Tom percebera que eles estavam no que aprecia ser uma barraca, uma barraca enorme. Ela era grande o suficiente para que tivesse quartos – ele vira Hermione e o rapaz de óculos entrarem e saírem do quarto onde estava diversas vezes – e imitasse uma casa. “Cadê seu amigo?”

“Harry? Está de vigia,” ela falou. “Ele gosta de ficar sozinho... Pelo menos nos últimos dias, desde que você, ahm, chegou. Nós estamos precisamos de um tempo para pensar.”

“De vigia? Por quê?”

“Eu disse: tem uma guerra acontecendo, temos que nos proteger.”

“Você tem o que? Dezessete anos? Adolescentes como vocês deveriam estar indo para campo para ficar longe da guerra...” disse Tom, lembrando-se de como via diversas crianças na estação King’s Cross embarcando em trens que as levariam para o interior, longe dos ataques a capital. Claro que os órfãos como ele não tinham tal privilégio.

“Queria que fosse tão simples assim.” Um sorriso triste apareceu no rosto da garota. “Mas a nossa guerra não é assim. Aqui, se você foge para o campo sem se proteger, você é encontrado e é preso.”

“Contra quem estão lutando, de qualquer forma?”

“Um bruxo das trevas,” ela respondeu e Riddle só conseguiu rir baixo.

“Um bruxo das trevas. Você sabe o quanto isso faz parecer que você está falando de um conto de fadas?” O garoto parou assim que viu o rosto da bruxa ficar sério e ela parecer irritada. “E qual o nome desse bruxo das trevas?”

“Nós o chamamos de Você-Sabe-Quem ou Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado,” ela explicou. “As pessoas tem medo de dizer o nome dele.”

“Isso é um monte de merda, você sabe disso, não? É só um nome.” Ele revirou os olhos, perdendo a expressão esquisita que apareceu no rosto da garota. “Sério, qual o nome dele?”

“Não é como se você precisasse saber,” ela falou, arqueando uma sobrancelha. “O que você precisa saber é que se esse homem nos achar, nós estamos perdidos. Ele quer nos matar.”

“O que você fez pra ele?”

“Nasci.”

“Agora você está sendo um pouco drástica...”

“Meus pais são trouxas. Gente sem magia,” Hermione explicou. “Para Você-Sabe-Quem, aqueles cuja família não é mágica não são tão bons quanto os puro-sangues, logo ele quer nos eliminar ou nos escravizar. Nós não somos dignos.”

“Parece Hitler,” murmurou Riddle.

“Acho que ele se inspirou em Hitler.”

“Grande inspiração.” Tom fechou os olhos, percebendo como suas pálpebras pareciam pesadas agora. “Se ele tivesse visto o que Hitler fez com Londres durante a guerra, ele não ousaria seguir o exemplo dele.” Ele ouviu Hermione se mexer ao seu lado, mas não se preocupou em abrir os olhos. “Deus, minha voz está esquisita...”

“Sua voz está perfeitamente normal agora.”

“Não, digo, o jeito que estou falando.” Ele riu. “Estou falando feito gente rica. É como se eu tivesse crescido em uma daquelas escolas particulares dos ricos. Estou soando feito eles e não tenho idéia da razão disso.”

“Como você falava, então?” Tom ouviu uma pitada de curiosidade na voz de Hermione e sorriu.

“Vamos dizer que tinha o tipo de sotaque que faz o povo mais rico se contorcer.”

“Dentre tudo o que aconteceu com você, é no sotaque que você presta atenção!”

“Eu prestei atenção na dor e na incapacidade de me mexer, mas agora que eles foram embora, eu posso ouvir melhor como estou falando bonito. Ninguém poderia acreditar que cresci em uma área pobre de Londres.”

O silêncio caiu entre eles e tudo o que Riddle podia ouvir era o vento do lado de fora. Era tão diferente do barulho constante do orfanato... Lá, se não tinha os funcionários conversando, havia o barulho de crianças chorando que enchia todos os quartos. Quando estavam todos dormindo, sempre tinha algum bêbado na rua que iria começar a cantar ou um carro arrancando que iria acordá-lo. Mas ali, naquela tenda, tudo o que podia ouvir eram as vozes de Harry e Hermione e, quando estes estavam em silêncio, o barulho do vento sacudindo as folhas das árvores do lado de fora. Era incrivelmente calmo.

“Agora, eu falei sério quando disse que você precisa dormir.”

“Você também deveria. Parece que precisa mais do que eu.” Riddle riu baixinho.

“Oh, vou fazer isso.”

E, dizendo isso, ela se levantou e saiu, deixando Tom sozinho outra vez com o som do vento assobiando lá fora.

***


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Pra quem ai já viu My Fair Lady... Aquele sotaque da Eliza no início do filme? O cockney accent, é esse o sotaque que o Tommy diz que tinha.


Como sempre, reviews são sempre bem vindos. (;