Nove para o universo, porque ela é fã de Hendrix escrita por Clarissa
uma tesoura com cabo de plástico vermelho
cuja articulação está enferrujada
ela guincha para abrir as pernas.
marisa brinca de cortar o ar devagarinho
ela lambe as lâminas, encarando-me sugestivamente
depois de termos voltado do supermercado.
"não ponha a boca nisso, você pegará
uma infecção braba”, aconselhei
porque realmente gosto dela
só que ela é assim, riu com escárnio
"qual o risco de uma infecção
quando eu já beijei você?”
que má, que má, que megera.
com cuidado tomei-lhe a tesoura
ela observava meus movimentos, atenta
com a expressão de uma criança
que não compreende uma bronca.
peguei em sua mão, estendi, acariciei
enfiei as aberturas do cabo de plástico vermelho
nos seus dedos indicador e médio
como se fossem duas alianças vagabundas
e lhe sorri, apaixonado.
marisa também mostrou os dentes
pequenos e ferozes enraizados na gengiva rosa
encardidos pela nicotina fumada ilegalmente nos telhados
e ela espetou minha barriga!
com as pernas fechadas da maldita tesoura
veja, eu não sangrei.
mas fiquei deprimido como o diabo
tomando meu uísque
sentado na poltrona de couro rasgado
e marisa sentada no meu colo, com ar inocente
coçando freneticamente uma ferida no braço
e eu questionando o mundo sobre ela
ou por causa dela, precisamente.
que talvez o amor seja isso mesmo
dar a tesoura pro assassino
e ir dormir com a casa destrancada.
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