Ir para aquele jantar, talvez, fosse a coisa que Rose menos queria no momento. Estava sentada na penteadeira de madeira que pertencia ao antigo quarto em que ela ficava hospedada. Lembrou-se de como Colin havia feito questão, na época em que ela passara a dormir todos os dias ali, de colocar algo ali que fosse “dela" também. Quero que você se sinta a vontade, esse quarto agora é nosso. Havia sido um gesto super atencioso, ela tinha que admitir. Ele sempre era.

Suspirou e deixou os ombros caírem quando terminou a trança lateral que havia feito. Já estava maquiada, bem de leve, os brincos de ouro branco com uma pequena esmeralda na ponta estavam a mostra devido ao cabelo preso e acabavam ressaltando ainda mais os olhos dela. Seu vestido era tomara que caia preto com pequenos detalhes feito a mão. Ela estava muito delicada e elegante, exatamente o esperado para uma duquesa.

Revirou os olhos com tamanha imbecilidade, “duquesa”, como se fosse mudar alguma coisa.

— Já está pronta, querida?

Rose forçou um pequeno sorriso, Colin estava de calça jeans escura e camisa social. Lindo.

— Sim, podemos ir.

— Você está linda.

Ela riu e lhe deu um beijo casto.

— Você também não está de se jogar fora.

[…]

— Sério, que comida esquisita - sussurrou Lily logo depois do garçom oferecer mais um daqueles aperitivos estranhos - Como eles conseguem comer isso?

— Lily — reclamou Luke - Não seja indelicada.

— A culpa não é minha se a cultura dos outros é estranha.

Ele revirou os olhos e logo os dois começaram a discutir. Claro, porque se não discutissem não seriam Luke e Lily. Scorpius deu um meio sorriso de canto e deu mais um gole em seu Champagne. Observar as pessoas eram um hábito de longa data dele e era realmente muito bom nisso. Parte de seu trabalho como advogado era interpretar as reações do Júri, ver como aquelas pessoas reagiam a versão da história que ele estava contando.

E se ele já tinha facilidade de ler as pessoas, era desnecessário dizer que Rose parecia ridiculamente transparente para ele. Do outro lado da grande sala de Jantar conversava com um casal mais velho vestidos de maneira imponente, com certeza ligados à política também. Ela se agarrava a Colin quase como um grito de desespero, já que tudo nela indicava que estava desconfortável. No entanto, o  ruivo não parecia perceber que ela gostaria muito de sair dali, visto que continuava a conversa animado.

Se eles não tivessem se beijado ontem, Scorpius teria arrumado uma desculpa em dois tempos para tirá-la de lá. No entanto, tinha certeza que estava sendo paranóico em achar que se fosse lá, chamá-la, as pessoas suspeitariam de algo. Não importava de qualquer forma, porque o loiro viu Rose dar uma desculpa qualquer, com um sorriso esfarrapado, e se afastar deles virando a taça de champagne em seguida. Com algumas passadas, ele já estava do seu lado, deixando Luke e Lily que agora conversavam amenamente.

— Acho que não é comportamento adequado para uma futura duquesa virar taças de champagne assim. - seu tom de voz era sério, mas seus olhos riam e o coração da ruiva aqueceu.

Parecia bobagem, mas era ridículo como Scorpius conhecia-a tão bem.

— Se eu ficasse mais um segundo ouvindo sobre tratados internacionais da venda de gados, acho que eu teria desmaiado.

Ele franziu o cenho preocupado, ela parecia tão desconfortável.

— Tem certeza de que está bem?

Ficou em silêncio por alguns segundos, pensando em começar a chorar novamente e desabafar suas confusões com ele, mas é claro que não poderia.

— Tenho sim - meio sorriso que ele sabia ser forçado - Acho que só estou com a pressão um pouco baixa.

E então, com o timing perfeito, anunciaram que o jantar iria começar. Scorpius descobriu, que os lugares eram marcados, e que para sua infelicidade estava afastado de seus amigos entre dois estranhos completos para ele.

O destino parecia estar tirando com a cara dela, pois teria que passar o jantar inteiro de frente para aquele loiro que conseguia, claramente, ver o quão incomodada ela estava com toda aquela situação. Estar com Colin era magnífico, parecia fugir por completo de sua vida, mas quando tinha que conviver no mundo dele parecia sufocar lentamente. Era o mundo dele, não meu. Lembrou-se novamente da penteadeira no quarto, quero que você se sinta a vontade… esse quarto, agora, é seu também.

Mas será que ele conseguiria fazer isso com o mundo dele também?

Chegou a ser assustador a velocidade que as palavras “não" pareceram surgir em sua mente.

Olhou para a mesa em que estava sentada, com facilmente mais de 20 lugares, com tantas pessoas que ela não fazia idéia de quem eram apesar de ter sido apresentada hoje mais cedo. Olhou para os garçons servindo-a, tantas entradas, prato principal… Reparou nos cinco tipos de talheres dispostos no prato a sua frente, as três taças enfileiradas.

Teve dificuldade para respirar. E se jamais conseguisse ter uma refeição simples? Uma noite em que comessem bobagem, deitados no sofá. Que sofá? Eles apenas teriam a privacidade do quarto de casal, nunca teriam uma casa que pudessem aproveitar e se aconchegar em todos os cômodos, nunca poderiam fazer amor na cozinha, nunca poderia andar de calcinha pela sala deles. Tudo no mundo dele era construído por camadas e camadas de tradição, empregados, festas formais, galas, eventos públicos…

O quão indelicado seria se levantar naquele momento? Imperdoável. Já podia sentir o olhar atravessado de reprovação da Senhora McMurray, uma vez tão simpática, mas tão apegada as regras de etiqueta.

Subiu seu olhar da comida que tentava engolir e viu Scorpius encarando-a, novamente com preocupação. Os olhos dele estavam transparentes, quase desesperados, o que fez Rose pensar que deveria estar tão pálida quanto achava que estava.

Ele a olhou bem fundo e encheu seu peito de ar, numa respiração lenta e profunda. Era, claramente, um pedido. Respira comigo, você vai se acalmar. Então Rose o fez. Respirações profundas e lentas, sem nunca desviar o olhar um do outro e aos poucos pode sentir uma paz atingindo-a de uma maneira tão potente que parecia flutuar. Haviam criado uma bolha e apenas existia eles dois naquela mesa tumultuada.

A expressão de Scorpius foi, aos poucos, suavizando conforme a cor ia voltando para o rosto de Rose e os olhos dela iam ficando cada vez mais suaves. Parecia que a tocava, acariciava de maneira muito íntima a sua alma, o tipo de cumplicidade que se levava anos para construir e que era quase impossível de acabar. Era como a ameaça de um toque, que você podia sentir o calor emanando, te reconfortando sem de fato consumar o ato. Era mais aconchegante do que qualquer abraço que poderiam lhe oferecer naquele momento.

Trim. Trim. Trim.

Colin estava de pé, segurando uma taça de vinho e batendo levemente o garfo contra   esta.

— Um minuto da atenção de vocês, por favor - com um sorriso casto nos lábios e com os gentis olhos azuis, virou para a Rose - Gostaria de propor um brinde à minha futura esposa, por ser tão magnífica e atenciosa comigo, por ser o amor da minha vida, minha pequena Rosa.

E ao som de palmas, inclinou-se para dar um leve beijo na ruiva que parecia estarrecida demais para se quer forçar um sorriso. Estava atônita e anestesiada pelo momento que havia acabado de compartilhar com o loiro enquanto Colin continuava se declarando para ela, palavras que ela ouvia mas não sabia distinguir.

Quando o ruivo finalmente se sentou, o olhar de todos na mesa era direcionado para Colin como se fosse o homem mais romântico do mundo. Alguma voz em seu íntimo dizia a Rose que ela deveria responder alguma coisa ou ao menos colocar um sorriso minimamente apaixonado, mas parecia incapaz de fazê-lo.

Assim se serviram as sobremesas e ela desviou toda sua atenção para o cheesecake de frutas vermelhas que havia sido posto em sua frente. Colin havia recebido o bolo de chocolate e quase que como um impulso ela estendeu a colher para pegar um pedaço.

— Ei, ei, ei - ele repreendeu - Se você quer um pedaço, eu te dou um pedaço.

Então partiu um pequeno pedaço e colocou no cantinho do prato dela, voltando a conversar em seguida com o Senhor que estava do seu lado esquerdo. As sobrancelhas de Rose estavam franzidas. Que frescura.

Scorpius parecia estar entediado ao lado da Senhora que tagarelava ao seu lado, mas tendo frequentado esses eventos desde pequeno sabia como manter a etiqueta e portanto soltava alguns comentários pontuais, parecendo interessado. Os olhos verdes dela desceram até o prato dele. Um bolo de chocolate. E algo em seu estômago contorceu, foi mais forte que ela. Discretamente Rose se inclinou para frente e no instante que sua colher tocou o bolo, Scorpius olhou para ela com um sorriso e empurrou o prato para a frente, ajudando-a a pegar um grande pedaço.