Eu estou vivo.

Depois de anos e anos indo contra o que todos psicólogos mandavam, finalmente descobri que a verdade é libertadora e respeitei os seus pedidos. Mas tudo o que eles não sabiam, era por qual motivo eu ainda guardava aquela merda de segredo, e como eu realmente amava Aria, minha irmã que morrera com um problema nos pulmões. O problema não era o pedido, espero que já entendam, na verdade não passava de seus cabelos arrumados, roupas engomadinhas e a o linguajar perfeito.

Nada do que contei era pra realmente alguém saber. Não falei nada pra ter atenção, ou mesmo pra que aquela megera idiota da Hera fosse piedosa e aumentasse minha média. A minha verdade era única e especificadamente para Annabeth Chase, a garota dos cabelos rebeldes e olhos tempestuosos, que não sabe usar saia e fala gírias, mesmo sendo um gêniozinho mirim.

Era a primeira vez em anos que eu realmente podia ser verdadeiro com as pessoas. Sim, eu tenho amigos, família, pessoas que eu amo, mas não sou o Percy Jackson que as pessoas esperam de mim.

Nasci nos campos de futebol americano, e me tornei um jogador respeitado. Mas ainda sim, tem quatro pessoas em todo o mundo com quem eu aprendi a me importar: minha mãe, que cuidou de mim sozinha quando ninguém estava do seu lado; Tyson, meu irmão que, mesmo morando com o meu pai, eu aprendi a amar e sinto sua falta todos os dias; Grover, meu melhor amigo de todos os tempos, e também o único que não importa com o fato de eu ser um retardado; e, por fim, Annabeth Chase, aquela menina loira que eu dizia odiar, mas se tornou a única menina da minha idade que parece realmente gostar de mim pelos motivos certos.

Claro, eu tinha a minha namorada e o time de futebol inteiro, mas não era a mesma coisa. Sim, eu amo Drew como um namorado deve amar sua namorada, mas nunca falei isso em alto e bom som, porque nunca me pareceu certo. Ninguém quer ser zoado pela própria namorada, né? E, por último, temos Nico di Angelo, Travis e Connor Stoll, Will Solace, Luke Castellan e até mesmo o treinador Hedge, mas nós nunca tivemos uma oportunidade maior de sermos amigos inseparáveis fora de campo.

Foi então que lembrei que hoje era dia dos namorados. Peguei meu carro e fui pra uma loja de presentes. É claro que eu, Percy Jackson, não ia saber fazer isso por mim mesmo, então viemos eu, Grover, e mais o time.

Para já deixar bem explicado, meu melhor amigo também jogava futebol americano, mas um dia ele sofreu um acidente de moto e ficou manco. Ainda tinha possibilidades de cura total, mas ele parece realmente ter se apegado pelas muletas.

Foi naquele dia, no hospital, que descobrimos que iríamos continuar sendo uma dupla. Não era um gramado, nem uma bola de couro achatada que ia nos separar, não mesmo.

— Cara, o que comprar pra uma menina que parece ter tudo? — perguntei pros garotos.

— Uma Ferrari. — brincou Travis Stoll.

— Não, ela já tem uma Mercedes. Se eu não me engano, o pai dela até tem uma BMW. — retrucou Connor também rindo.

— Calem a boca, perdedores. Isso é porque vocês não estão tentando comprar uma coisa pra uma menina que você não conhece direito.

— Encosta um dedo na minha irmã, Solace, e eu juro que esfrego a sua bunda no asfalto até não ter mais nada.

— E quando ele for pra sua casa, Castellan? Se eu não me engano, isso acontece com uma frequência de uma e uma semana.

— Bem pensado, Percy. Eu vou trancar ela em um quarto e expulsar esse infeliz do meu quintal.

— Se acalma, cara. Pelo o que eu recebi hoje, nada vai acontecer tão cedo. Acredita que aquela anã de jardim me chamou de "acéfalo"? Que merda é isso?

— Annabeth adora me xingar disso. Nunca tinha pensado no significado, mas bem que você me deu uma boa ideia.

Peguei o celular e procurei no Google. Cara, nem tenho como agradecer pro cara que inventou a internet e o 3G.

— "Acéfalo" — continuei — "pessoa sem cérebro; de mentalidade baixa". É, cara, acho que é tipo "burro" pra gente inteligente.

— Falando em Annabeth, ela não é aquela menina loira que foi aquele dia no treino?

— No treino? — retrucou Grover irônico. — Foi a menina que ele fez a terceira dança no dia do aniversário dele, a que ele ficou andando atrás depois da festa, a que vai na casa dele quase todo dia e mais um monte de coisa. Ultimamente ele tem aparecido na casa dela vez ou outra, mas eu estou meio por fora desde que não tenho mais horários com nenhum de vocês.

— Nossa, Jackson, não sabia dessa sua. Vai mesmo trair a Drew? Cara, ficar com duas de uma vez não pode, tem que ceder pros colegas.

— Nico, eu não tô traindo ninguém...

— E, se for pra ceder, que seja a Tanaka. Cara, aquela menina tem o que toda menina tem inveja. Ela só podia ser um pouco menos alta, né? Um e oitenta, se eu não me engano.

— Cara, qualquer um de nós aqui tem mais de um e oitenta. A Drew deve medir os seus um e setenta e cinco. E essa Annabeth, Grover, quanto mede?

— Di Angelo, estamos falando da menina que ele defendeu ontem, sabe? A loira anã. Você tem o meu respeito, Jackson. Eu sou o que mais sei como aquela mulher pode ser uma nojenta. — falou Jason. — Thalia me disse que só não desceu a mão na mulher porque a melhor amiga dela, a própria Annabeth Chase, dá umas seguradas. Aposto que a infeliz deu um "chega pra lá" na loira.

— É, eu também ouvi falar disso. Cara, pode ter sido meio piegas, mas foi corajoso da sua parte falar umas verdades pra aquela professora. Minha irmã disse que quase saiu nos tapas com ela, mesmo que no primeiro dia, porque a professora era meio... machista. Ela também falou que ficou surpresa de a menina não ter feito a mesma coisa, porque só ficou lá ouvindo. Mas aposto que os cortes que ela deu na Hera foram piores do que os tapas.

— Isso foram. Só que eu mais fiz isso porque a minha mãe já tinha dito que ia ter uma conversa lá na escola se aquela professora não fosse um pouco mais flexível. Aí ela mexeu com a Annabeth e eu cheguei no limite.

— É impressão minha ou você está gostando da Chase?

— Não, não. Não mesmo.

Cara, eu nunca tinha pensado nisso mais a fundo. Será que eu... não, não mesmo. Annabeth é a minha garotinha, e tudo que eu tenho que fazer é proteger ela de corações quebrados e caras, principalmente dos caras. Não que isso seja ciúmes, porque eu não sou ciumento nem nada.

Qual é? Eu nunca tive esses problemas com a Drew. Se bem que eu nunca tive problemas de verdade com ela, porque não tínhamos tempo pra nos vermos direito. Ela é ocupada e eu também, então é melhor só deixar as coisas fluírem.

Em um momento de inspiração, resolvi escrever logo a minha carta para o professor Quíron. Ontem eu tinha decidido algo pra odiar na Chase, mas hoje que era o meu dia então fiquei guardando as ideias.

"Eu odeio sua atenção

Sabe, senhor Quíron, aposto que eu ter defendido Annabeth já deve ser de seu conhecimento. E o fato de agora estarmos nos tornando realmente amigos também. Sabe, eu senti falta dessas coisas de um tempo pra cá.

Há algum tempo, até falei pra Annabeth que podíamos ter te falado que estava tudo bem entre nós, mas ela disse que era melhor que nós terminássemos o trabalho antes. Sabe como são essas meninas certinhas, né? Pois bem, ela achou que o correto seria que nós terminássemos o trabalho.

Então, aqui estou eu admitindo que eu odeio a sua atenção. As vezes eu acho que ela é atenta demais. Uma vez, na minha casa, estava escovando os dentes e vi ela me observar. Claro, isso não é muito comum. No fim ela só disse "Você não escova direito", e eu não pude falar nada, afinal eu realmente nunca tive uma relação muito boa com os dentistas.

Mas, algumas vezes, eu consigo gostar disso nela. Ontem, enquanto eu chorava no meu quarto, ela simplesmente me abraçou e eu soube que estava tudo certo. Em um momento, eu soube que não tinha lugar melhor pra estar, e nem cheguei a pensar que queria sair da minha posição.

O senhor não tem noção de como é confortável ter ela em meus braços, sentindo sua respiração fraca. Saber que ela está viva é bom demais pra eu poder aguentar.

É, senhor Chase, o senhor realmente acertou quando nos colocou juntos pra esse trabalho.

E é por isso que eu odeio a atenção dela"

— Agora vamos nos concentrar nesses presentes. Como eu já disse, achar um presente pra quem já tem tudo pode ser meio... problemático e...

Foi quando um grupo de garotas entrou pela porta. Pelos rostos, pude identificar Reyna, Abby, Piper, Calipso e uma outras duas que eu não pude identificar. Nós nos escondemos atrás de uma mesa pra ouvir a conversa.

— Quem são aquelas duas? — sussurrei.

— Quais?

— A loira de olhos verdes e a morena de olhos castanhos, sem ser a Reyna nem a Piper.

— A loira é a Samantha, uma menina mais velha que nós, que faz parte do clube de teatro. Dizem que ela é um gênio da comédia, mas tudo que eu sei dela é que o Logan vai participar da próxima peça dela. Agora a outra eu não sei. — respondeu Leo.

Eu também não sabia quem era Logan, mas preferi não perguntar.

— E a outra é a Mandy. Ela faz parte da banda da escola e é um ano mais nova. Fiz um trabalho de Física com ela, mas não sei de mais nada.

Concordei com a cabeça e comecei a ouvir a conversa das garotas.

— ... e eu só repito: Samantha, você é uma sortuda. "Shakespeare atual" com Logan Tompson? Eu daria um infarto.

— Mandy! Eu nem sei se eu que vou ser a Julieta. Temos outras meninas por aí querendo o papel.

— Exatamente: querem o papel. Logan Tompson é um cara por qual eu ficaria surpresa de saber que existe se eu não fosse sua amiga. Você é a única menina que pode matar dois coelhos com uma paulada só.

— Ele não é tão invisível assim, Reyna.

— Não, imagina. — ironizou Abby — Ele é tão popular que almoça na biblioteca. Sabia que isso é contra as regras? Uau, Clarkson, você tem um badboy em suas mãos.

— Ele não "está nas minhas mãos". Eu nem nunca falei com Logan!

— Qual é, Sam. É claro que ele está na sua. A própria Annabeth confirmou, e olha que eles são amigos de "Clube de Xadrez".

— É, isso é verdade, Mandy. Mas eu achei muito estranho o que ela fez depois de te contar.

— Pois é, né? Ela correu pro banheiro que nem uma louca. Ela estava bem, fazendo o seu quadro, quando de repente foi pro banheiro. Ela não voltou pra aula depois, só fui falar com mais tarde por WhatsApp, e ela me disse que estava tudo bem e a pressão tinha abaixado. Depois ela foi pra casa do Jackson a pedido da senhora Sally. Não soube mais de nada.

— Isso só aconteceu uma vez com você? Eu, que tenho quase o mesmo horário dela, sei que isso acontece quase toda semana. Ela corre pro banheiro tossindo e depois volta com os cabelos bagunçados e cara de quem passou uma semana sem dormir. Ou as vezes nem chega a voltar.

O que? Annie passando mal? Eu, que achava ser a pessoa com quem ela passava mais tempo, nunca a vi ficar doente nem nada. Será que elas não estão só exagerando?

Sei que há algumas coisas que ela não pode comer, e alguns lugares que ela não pode visitar, mas nada que isso significasse, não era? Ela era uma menina normal, não era? Ela só era ruim em esportes, não é?

— Gente, como vocês não sabem? Annabeth sofre de arritmia cardíaca crônica. — respondeu Abby.

E então o meu mundo desabou.