Jardim de Estrelas escrita por Hanna Martins


Capítulo 36
Peeta Mellark


Notas iniciais do capítulo

É aqui está o capítulo especial em comemoração aos 1500 reviews! Obrigada a todos os lindos que dedicaram um tempinho para comentar. Isso significa muito para mim. Saber que alguém gosta tanto da fic ao ponto de roubar um tempinho para deixar seu comentário. Me sinto muito grata a todos que fazem isso. Vocês nem imaginam o quanto. Esse capítulo está enorme e triste, recomenda-se que tragam um lanchicho e lencinhos! Ele me deu trabalho danado e foi extremamente difícil de escrever, quase pensei que não conseguiria... Espero que gostem, fiz ele com muito carinho.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/445412/chapter/36

Katniss dorme tranquilamente em meus braços. Sei que não deveria ser tão egoísta assim. Porém, estou feliz em tê-la aqui nesse momento. Em pensar que um dia a tive, e agora preciso me contentar com as migalhas.

Eu sou realmente uma pessoa ruim. Fiz aquilo com ela, destruí seu coração. Não sei se um dia ela conseguirá me perdoar.

Toda vez que eu penso nisso... Como quero não pensar, mas... me persegue como se fosse uma sombra, noite e dia, noite e dia.

Se eu pudesse fazer qualquer coisa, porém sou fraco, impotente. Ao menos ela respira, seu coração bate, isso já é o bastante.

Olho para ela, apanho uma mecha de seu cabelo, que teima em cair sobre sua testa, rebelde assim como ela. Sorrio. Deposito em sua bochecha um beijo rápido, furtivo e a trago ainda mais para mim.

Tudo começou há muitos meses. Minhas memórias são bem nítidas. Ainda me lembro com detalhes do dia em que acordei e encontrei aquela maldita carta em minha porta. Parecia um envelope tão inofensivo, rosa, delicado. Mal imaginava que aquele envelope anunciava toda a tristeza e desespero que estavam por vir.

Era o dia posterior a premiação, que deu a mim e a Katniss, o prêmio de melhor casal. Se tudo continuasse saindo bem, em breve poderíamos anunciar nossa “volta”, nada de ficarmos nos escondendo por aí. Aquilo já estava me cansando. Por que eu não podia anunciar ao mundo que estava com Katniss? Tudo devido aqueles malditos rumores, se Katniss continuasse comigo publicamente sua carreira estaria correndo um grande risco. Eu não me importava em manchar minha imagem de bom moço, o príncipe da nação. Aliás, essa imagem, às vezes, cansa muito. Ser o cara perfeito, aquele com quem todas as garotas querem namorar, que toda sogra deseja ter como genro, exige muito esforço, um escorregão e adeus imagem de bom moço.

Uma vez eu escolhi minha profissão em vez do amor. Isso me feriu tanto, tanto, tanto. Eu já havia aprendido minha lição, não machucaria mais ninguém por causa da minha imagem.

No entanto, eu não podia atrapalhar a carreira de Katniss. Se anunciasse que eu e Katniss continuávamos saindo juntos, após aquelas fotos em que ela era carregada por Finnick, aquelas matérias dizendo que os dois namoraram quando eram adolescentes e agora estavam juntos novamente, certamente a carreira de Katniss estaria em grandes riscos. Eu sou o príncipe da nação. Meus fãs e a mídia não iriam a perdoar de forma alguma naquela época. Ela poderia ser até boicotada. E não, isso não é um exagero, infelizmente. Ninguém iria perdoar a mulher que traiu o queridinho da nação. Meu amor por Katniss poderia levar a sua destruição.

A única solução encontrada foi nosso “rompimento” público, anunciar na TV nacional que eu e ela não seguíamos mais juntos. Encontramos até um culpado, a distância. Tudo para evitar um escândalo. Assim foi feito, em uma quarta-feira, apareci na rede nacional, em “De frente com Caesar”, o programa mais assistido do país, e anuncie nosso “rompimento”. Deixei bem claro que havia meses desde nossa ruptura. Tudo saiu como planejado. A carreira de Katniss não foi prejudicada.

Eu e Katniss continuávamos a nos encontrar, escondidos, esperando os rumores serem esquecidos. Se há uma coisa que aprendi neste meio é que a memória não é a qualidade mais forte por aqui. Queridinhos podem virar odiados do dia para noite.

O prêmio de melhor casal veio no momento certo. A poeira já havia abaixado, ninguém mais mencionava os rumores de traição, era como se nada daquilo tivesse ocorrido, como se alguém houvesse escrito um texto e depois apertado a tecla delete e a tudo tivesse sido apagado.

Dormi aquela noite, pensando que em breve, eu e Katniss poderíamos sair juntos publicamente, sem precisar ficar nos escondendo em armários por aí. Ainda não havia me esquecido do dia que quase uma jornalista nos flagrou juntos e precisamos nos esconder em um armário para não sermos descobertos. Aqueles dias ficariam para trás, finalmente.

Acordei cedo aquele dia. Pensei em ligar para Katniss. Queria lhe dar um presente, um colar com uma pérola negra que encomendei especialmente para ela.

Sentia muito a sua falta. Além de não poder sair com ela publicamente, também estava morando em outro país.

Fui para a cozinha ver se tinha os ingredientes para preparar seu prato predileto, ensopado de carneiro com ameixas secas. Os ingredientes estavam todos ali, mas resolvi comprar mais algumas coisas. Katniss ama comer, não há nada que a deixe mais feliz do que um bom prato de comida. E eu adoro vê-la feliz, comendo.

Havia deixado a chave do carro no bolso de meu casaco, que joguei de qualquer maneira no vestíbulo da casa. Fui buscá-las.

Peguei a chave no bolso do casaco. Já estava saindo do vestíbulo, quando algo me chamou a atenção, era uma pequena carta. Podia ser de algum fã, não era a primeira que um de meus fãs deixava uma carta na porta da minha casa.

Abri o pequeno envelope rosa.

Não aquilo, não era uma carta de um fã.

“Peeta Mellark, seu sofrimento deve começar agora. Você precisa sofrer, pagar por todos os seus crimes. Sofra, Peeta Mellark. Seu primeiro castigo, será fazer a pessoa que você mais ama sofrer. Ela deve te odiar, Peeta Mellark. Nem pense em envolver a polícia nisso, esteja avisado, ou Katniss Everdeen pagara muito caro por isso”.

Não era a primeira carta de ameaça que eu recebera. Por isso, não fiquei apavorado. Porém, aquilo era um tanto preocupante, envolver Katniss em uma ameaça, era algo que eu nunca perdoaria. Precisava falar com ela.

Sem pensar em nada, peguei meu carro e fui imediatamente para o apartamento de Katniss. Liguei para ela, quando já estava chegando. Ela não atendeu seu celular, a cada toque minha aflição crescia. Minha aflição era tanta que meu coração batia igual a uma britadeira, podia jurar que conseguia ouvi-lo a quilômetros de distância.

O alivio somente chegou quando ela atendeu ao celular.

― Katniss! ― sei que minha voz havia soado mais preocupada do que eu gostaria.

– Peeta? Pensei que estava trabalhando uma hora destas... ― ela havia notado o meu tom ansioso. Precisava disfarçar aqueles sentimentos.

― É... ― ri, fazendo o melhor que sei fazer, atuar, coloquei um tom animado em minha voz, não queria assustar Katniss, aquela carta fora apenas uma bobagem, apenas isso, tentava me convencer. ― Não, tenho o dia de folga, assim como você. O que acha de nós almoçamos juntos?

― Sem paparazzi por perto? ― perguntou animada. Sua voz foi me acalmando aos poucos. Sim, aquilo fora uma bobagem.

― Sim, sem paparazzi. Só você e eu. Eles abandonaram o seu posto de observação. Não estão mais acampados na frente da minha casa.

― Hum... ― como era bom ouvir sua voz.

― Agora não precisamos mais nos esconder em armários ― murmurei de um modo divertido, um dia ainda iriamos rir muito daquela história do armário. ― Não vai aproveitar esta oportunidade, hein? Sem paparazzi, só você e eu... Tem ensopado de carneiro com ameixas secas...

― Peeta Mellark, não me tente com ensopado de carneiro! ― sorri. Como adorava a tentar com seu prato predileto.

― E tem bolo de chocolate de sobremesa ― prossegui. Estava mais calmo, a ameaça que eu recebera já havia se tornado uma sombra.

― Droga, você me ganhou no ensopado de carneiro! Me espere aí, estou indo para sua casa! E nada de me enganar e não fazer o ensopado de carneiro, estou de olho em você, Peeta Mellark!

Ri, havia me esquecido de dizer que não estava em minha casa.

― Mas na verdade, eu não estou em casa...

― Não? ― ela parecia bem surpresa. ― Então, a onde você está?

― Hum... ― soltei uma pequena risadinha, aquilo era divertido. ― Advinha?

― Deixa eu ver... Pode me dar uma dica?

Repentinamente, ela ficou em silêncio.

― Katniss? ― toda a minha preocupação havia retornada, ainda mais forte. ― Katniss? ― desci do carro e corri para o prédio de Katniss. ― Aconteceu alguma coisa? Katniss? ― insisti.

A droga do elevador estava ocupado. E não recebia resposta nenhuma de Katniss. Aquilo estava ficando cada vez pior. Comecei a subir as escadas, correndo. Só havia silêncio do outro lado do telefone, aquilo me deixou agoniado. Precisava ver Katniss, precisava ver se ela estava bem.

― Katniss? Responde! ― estava, finalmente, em frente ao seu apartamento. Toquei a campainha de maneira frenética.

Tive a sensação que um século se passou, até Katniss abrir a porta. Ela estava pálida, podia ver o pavor, o medo , o horror em seu olhar.

― Katniss? ― estava muito assustada.

Ela olhou a carta que tinha nas mãos. Nem precisei pensar para ligar as coisas, haviam mandado uma carta ameaçando Katniss. No chão havia uma foto do rosto dela todo rabiscado com tinta vermelha. Precisei acalmar meus nervos. Minha vontade era de gritar, bater. Porém, Katniss estava lá e podia ver seu medo, precisava acalmá-la.

Peguei a carta de suas mãos.

― Desgraçados! ― murmurei, enquanto lia aquelas palavras, “Morra, Katniss Everdeen” de uma maneira raivosa lendo as palavras da carta. ― Como eles podem?! ― peguei a foto rabiscada de Katniss do chão. Estava indignado, com raiva.

Trouxe Katniss para meus braços. Queria tanto protegê-la, não fazê-la sofrer.

― Você está bem?

― Eu... Isso é tão... perturbador. Eu já li coisas muito piores sobre mim na internet, mas isso... alguém enviando uma coisa desta para meu apartamento...

Peeta acaricia meus cabelos. ― Ela estava tão perdida, com medo. Aquilo fora tão baixo!

― Eu estou aqui, Katniss ― disse, tentando a acalmar.

Aos pouco consegui fazer, Katniss se acalmar. A levei para minha casa. Não queria me separar mais dela.

Resolvi não contar para ela, naquele momento, sobre a carta que havia recebido mais cedo. Ela já estava assustada demais para eu preocupá-la ainda mais. Não era o momento adequado. Eu acabaria com quem quer que fosse que havia feito aquilo com Katniss, faria essa pessoa pagar bem caro.

O pesadelo só estava começando.

No dia seguinte recebi um telefonema.

― Peeta Mellark ― era uma voz indefinida, não dava para distinguir se travasse de um homem ou de uma mulher, já que a pessoa estava usando algo para distorcer a voz. ― Recebeu meu recadinho?

― Você vai pagar caro por isso ― tentei manter a minha voz calma. Sou bom em deixar meu lado racional falar mais alto.

A voz riu.

― Não, você é que vai pagar caro. Já fez o que mandei, terminou com Katniss Everdeen, fez ela sofrer?

― Deixe Katniss fora disso! ― apesar de calma, minha voz tinha um tom ameaçador. ― Se você não deixar Katniss fora disso quando eu descobrir quem é você, você vai pagar muito caro!

― Eu não estou brincando, Peeta! Ontem, Katniss recebeu uma amostra do que eu posso fazer com ela. Posso fazer coisas muito piores que isso... muito piores. Se você não fizer o que eu disse... ― por um instante ficamos em silêncio, eu estava suando frio, fazendo o impossível para me manter calmo. ― Katniss morrerá!

Aquilo era demais, só de pensar que... Eu iria matar aquele desgraçado com minhas próprias mãos!

― E nem pense em chamar a polícia, se chamar, sua amada pagara um preço bem alto por isso! Esteja avisado, Peeta Mellark.

Devo ter ficado ainda por um longo tempo no celular, até perceber que a pessoa (se é que posso falar que aquilo era um ser humano) havia desligado o telefone.

Eu estava com muita raiva, me sentia impotente por não poder fazer nada. Se eu tivesse aquele ser diante de mim, eu não sei o que faria.

Respirei fundo e tentei me acalmar. Eu não deixaria aquela pessoa ditar as regras, não mesmo. O primeiro passo foi avisar a polícia.

Ainda bem que Katniss estava muito ocupada com seu trabalho. Nós praticamente não vimos. Pelo menos ela não iria pensar naquela carta ameaçadora, mantendo-se ocupada com o trabalho. Isso realmente era de certa forma um grande alívio.

Os dias passaram. A polícia estava trabalhando no caso. Mas quem quer que fosse que estava fazendo aquela ameaça, parecia ter sumido do mapa. Até senti um certo alívio. No entanto... mal sabia eu o que estava por vir.

Um dia recebi um telefonema, assim, de uma hora para outra, eu entrava naquele pesadelo novamente. E desta vez a coisa realmente se tornou um pesadelo do qual eu não tinha forças para combater.

― Ora, ora Peeta Mellark, você resolveu me desafiar, foi? ― novamente, a voz estava distorcida, me tornando impossível identificar quem era.

― Quem é você? Vai se esconder, seu covarde!

― Eu? Eu sou MMM... ― a voz ficou em silêncio por um breve segundo.

MMM... MMM... o que aquilo significava?

MMM... por que, por alguma razão que eu desconhecia, me soava vagamente familiar?

Quem era MMM?

― Peeta Mellark, eu avisei! Mas você não quis me ouvir. Você chamou a polícia, você não terminou com sua namorada. Eu te dei um prazo, ou você pensa que eu sumi porque eu estava com medo? Não, eu estava te dando um prazo. Você deveria ter terminado com ela, nesse tempo ― seu tom era muito frio. ― Mas você quis me desafiar, pensou que fosse mais esperto do que eu... ― riu. ― Agora pagara muito caro por isso!

Aquilo era tão confuso.

― Você disse que seu alvo era eu! Por que está atacando Katniss?

― Porque ela é seu ponto fraco. O amor é grande ponto fraco de todo mundo, torna as pessoas vulneráveis...

Isso, era exatamente daquilo que eu precisava, que continuasse com seu discurso. Estava em casa. Precisava deixar a pessoa na linha, enquanto ligava para a polícia.

― E... Peeta, nem pense em ligar para a polícia. Se você fizer isso... Katniss sofrera ainda mais.

― O quê? ― aquilo me pegou desprevenido. Olhei ao meu redor, será que tinha alguém me espionando?

― Peeta, Peeta...

― O que você quer?

― Eu já disse o que eu quero! Quero que você sofra, derrame lágrimas de sangue ― soltou uma gargalhada seca, sem o menor pingo de sentimento. ― Você deve fazer sua namorada sofrer...

― Eu nunca vou fazer isso!

― Você não deve me desafiar, Peeta Mellark. Mandei um pequeno presentinho para ela, para ela pagar por sua desobediência...

Aquilo fez meu sangue gelar, sua voz era tão cruel, ameaçadora. Não, definitivamente, aquilo não era uma brincadeira.

Sem pensar, me vi indo para o apartamento de Katniss. Devo ter furado todos os sinais vermelhos que vi pela frente, aumentando a velocidade do carro o máximo que eu podia. Porém, o apartamento de Katniss me parecia cada vez mais distante... longe, tão longe... Minhas forças estavam me deixando.

Quando avistei o prédio. Pude voltar a respirar por alguns segundos.

Subi as escadas do prédio dela correndo (o elevador estava ocupado e eu não podia esperar por mais nenhum milésimo de segundo).

Avistei Katniss na porta do apartamento, conversando com alguém. Não consegui identificar a pessoa, estava cego e surdo. Tudo o que eu queria era correr até ela, me certificar que estava bem.

A expressão dela mudou repentinamente... tornando-se pálida. A vida de Katniss parecia ter fugido de seu rosto. Ela começou a cair.

― Katniss! ― gritei desesperado.

Consegui amparar Katniss em meus braços. Acredito que naquele momento tenha adquirido superpoderes. Não sei como, mas eu consegui chegar perto dela.

― Katniss! Katniss! ― chamei, mas não obtivei nenhuma resposta.

― Peeta, me deixa examinar a Katniss ― pediu a pessoa que estava conversando com ela. ― Eu sou médico...

Virei minha cabeça, só então, me dei conta que se tratava de Josh, o vizinho de Katniss.

Tudo estava tão confuso. Josh não esperou eu responder. Ele se aproximou de Katniss. Eu não estava raciocinando direito.

Josh pegou em seu pulso. Ainda que eu não estivesse vendo nada com claridade, pude notar a expressão nada animada de Josh.

― Coloca ela no chão! ― sua voz não admitia réplica.

Fiz como ele pediu. Josh começou a fazer uma massagem cardíaca em Katniss e respiração boca a boca.

Não existem palavras que descrevam meu desespero naquele momento. Meu mundo estava ruindo. Eu estava vendo Katniss, a pessoa que eu mais amo, morrer em minha frente e eu não podia fazer absolutamente nada, a não ser torcer para que Josh a trouxesse a vida.

Eu estava aterrorizado pelo sentimento de inutilidade, de impotência. Não podia fazer nada, absolutamente nada. Eu nem conseguia sentir direito. Não conseguia ver, não conseguia ouvir, não conseguia respirar.

Quando o peito de Katniss levantou-se, era como se eu houvesse voltado a viver.

― Temos que levar ela para o hospital! ― disse Josh, que estava coberto de suor, pelo esforço que acabara de realizar.

Peguei Katniss em meus braços com força, era meu inconsciente com medo de soltá-la e perde-la para sempre. Com muito esforço, consegui dirigir até o hospital, enquanto Josh cuidava de seus sinais vitais. Não me recordo como consegui dirigir até o hospital. Tudo é vago e nublado. Só lembro que Josh desapareceu com ela, em um grande corredor branco, quando chegamos ao hospital.

Não sei se passaram-se, minutos, horas ou dias, para mim transcorreram séculos, até que Josh veio me ver.

Milhares de coisas passaram por minha mente, ao mesmo tempo que minha alma parecia ter deixado meu corpo.

― Como ela está? — minha voz saiu trêmula, na verdade, todo meu corpo tremia. Fiz aquela pergunta com medo da resposta.

Josh me olhou. Meu medo crescia a cada segundo. Da boca de Josh sairia minha sentença.

― Agora está bem, mas seu estado ainda é crítico, não conseguimos eliminar todo o veneno do organismo dela — disse tentando manter aquela habitual calma que os médicos usam para acalma seus pacientes. No entanto, eu podia ver através daquela calma, ele estava completamente nervoso.

― Veneno? ― repeti as palavras de Josh, tentando dar sentido para aqueles estranho som que ele havia proferido. Eu ouvia mas não compreendia. Meu cérebro parecia ter parado de funcionar.

― Katniss foi envenenada, Peeta ― ele continuava tentando manter sua voz calma. ― Você sabe quem fez isso com ela?

Sim, eu sabia. Eu sabia. Meu cérebro havia voltado a funcionar.

Como se respondesse a pergunta de Josh, meu celular tocou. Atendi, sabia quem era.

― Então, Peeta, o que achou do presentinho que mandei para sua namorada?

― Seu... ― não conseguia encontrar uma palavra que descrevesse a monstruosidade daquilo, e eu sempre tenho uma palavra para tudo. Pela primeira vez, em muito tempo, eu estava sem palavras.

― Eu avisei... você que não quis me ouvir. Da próxima vez, posso não ser tão gentil... Melhor você não envolver a polícia mais nisso e fazer o que eu mandei logo... Tudo isso é culpa sua, Peeta!

Desligou o telefone.

Josh me olhava, confuso.

Meu coração estava despedaçado, sangrando. Mas... eu sabia que era aquilo que eu precisava fazer.

― Josh... por favor, não conte nada para Katniss sobre o que aconteceu hoje ― supliquei.

― O quê? — me olhou incrédulo.

― Por favor, Josh. Ela não pode saber sobre isso... se souber, temo que sua vida esteja ainda mais em perigo... Eu sou um grande perigo para Katniss.

Josh me olhava com uma expressão atordoada. Ele não compreendia nada o que estava se passando. Não queria o envolver naquilo, porém era necessário.

Dei um longo suspiro e contei tudo para ele, sobre as cartas, que eu e Katniss recebemos, as ligações anônimas...

― É a única maneira que eu encontrei para mantê-la viva. Por favor, Josh, faça o que eu estou te pedindo, minta para Katniss... — supliquei.

― Mas eu... não sei se consigo ― estava muito hesitante.

― A vida dela depende disso! ― falei de maneira enfática.

Josh me olhou, eu deveria estar horrível, porque em seus olhos vi muita tristeza e até pena.

― Tudo bem... eu farei isso. Não vou contar para Katniss que ela foi envenenada... ― disse após um longo minuto de silêncio, passando a mão pelo cabelo de maneira nervosa.

― Obrigado, Josh... Posso vê-la?

Josh assentiu com a cabeça.

Katniss estava tão pálida que quase se confundia com o branco dos lençóis da cama. Ela que já era pequena, ficara ainda mais pequenina deitada naquela cama, cercada por tubos. Minha vontade era de abraçá-la e embalá-la em meus braços e nunca mais soltá-la. Naquele momento, Katniss que sempre fora para mim uma garota forte, era a mais frágil das criaturas.

Me aproximei da cama e retirei uma mecha de cabelo que caia sobre sua testa. Pequei em sua mão, sempre tão quente, mas naquele momento estava gelada. A observei por um longo tempo. Queria gravar em mim cada centímetro dela...

― Me perdoa, Katniss... ― falei, acariciando seu rosto.

Eu não poderia mais ver aqueles olhos acinzentados se abrindo para mim de manhã, não poderia mais sentir o sabor de seus lábios, seu cheiro não se impregnaria mais em meus lençóis, não ouviria mais sua voz e sua risada. O que seria de mim? O que restaria de mim?

Sem Katniss eu apenas seria um ser vazio.

Porém, ela tinha que viver, eu havia sido egoísta em tentar mantê-la ao meu lado. Sentia a culpa invadindo cada um dos meus poros. Katniss quase morrera por minha causa, eu fora o culpado.

Culpado. Culpado. Culpado. A palavra se repetia em minha cabeça como um disco de vinil estragado que repetia incansavelmente a mesma música.

― Katniss, você vai ficar melhor sem mim... eu não quero ser egoísta novamente... Você precisa me odiar. E eu farei com que isso aconteça, mesmo que eu tenha que cortar o meu coração infinitamente.

Me inclinei e rocei meus lábios nos seus.

― Adeus... Katniss.

Sai do quarto sem olhar uma única vez para trás, porque se olhasse eu não conseguiria sair.

Os dias que se seguiram foram vagos e nebulosos. Se me perguntarem o que ocorreu naqueles dias, eu nunca saberei responder. Tenho a impressão que era um corpo sem alma, que comia, andava, sorria, trabalhava, dormia. Estava em meu piloto automático, tentando não pensar no que havia acontecido.

Mas o meu temido dia chegou e me vi falando com Katniss. Eu sou muito bom em esconder sentimentos, em atuar. No entanto, se tivesse ela em minha frente, eu nunca conseguiria fazer o que deveria ser feito. Por isso, optei pelo telefone.

― Katniss... ― comecei, eu havia ensaiado aquilo um bilhão de vezes, mas nenhuma das vezes me preparou para a dor que estava sentindo, era como se facas estivessem atravessando cada centímetro de meu corpo.

― Peeta? ― sua voz me soou sonolenta e um tanto surpresa. Eu havia cortado minha comunicação com ela. Nem atendi seu telefonema. Se queria que ela me odiasse, já estava fazendo um bom trabalho.

― Precisamos conversar ― tentei dar a minha voz a máxima frieza que me era possível. Precisava de todo o meu poder de atuação.

― O que foi? ― disse intrigada. Como eu queria parar com tudo e apenas dizer que a queria ver. Mas, eu não podia, não deveria.

― É melhor pararmos com esta história antes que ela nos leve a um lugar nada agradável ― fez meu melhor esforço, minha voz era distante, enquanto estava gritando por dentro, derramando lágrimas de sangue.

― Do que você está falando? ― sua voz era confusa.

Eu sabia o que deveria fazer, deixei minha voz fria e distante, meu lado piloto automático ligado e falei. Eu possuía a desculpa perfeita para aquela separação. MMM queria que eu fizesse Katniss sofrer e eu sabia exatamente como fazer isso. Como eu me odiava, como eu queria passar um triturador por cima de mim. Eu sabia que minhas palavras a feririam profundamente, que minhas palavras seriam um veneno. Mas, eu tinha que fazer aquilo. Katniss havia quase morrido por minha causa. MMM não estava brincando, o que poderia fazer da próxima vez? Não, eu não poderia arriscar.

― Olha, Katniss, eu tentei, juro que tentei, mas não dá mais. Você sabe quem eu sou, não? Um ator amado por todos, uma grande promessa... E eu simplesmente não posso estar vinculado com uma pessoa que a cada semana está nos jornais e revistas e com notícias nada bonitas. Agora foi você se envolvendo com Gloss. O que será da próxima vez?

― Peeta? Eu não estou te entendo.

― Katniss, chega. Não podemos ficar juntos. Vamos terminar com este “namoro” de uma vez por todas ― o golpe final.

Como eu podia ter feito aquilo? Eu... eu... me odiava.

Por um breve momento ficamos em silêncio. Eu podia ouvir a respiração dela do outro lado da linha.

― Então é isso, você se importa tanto com sua imagem, que não pode vê-la manchada? ― seu tom era frio, sarcástico, eu havia conseguido, e aquilo fora a mais cruel de todas as minhas vitórias.

Eu ferira Katniss, podia sentir toda a sua dor e magoa por trás daquela acidez.

― Você me conhece, eu já fiz isso antes... Já deixei uma pessoa por causa da minha carreira. Eu acreditei que havia mudado, mas eu não mudei, eu ainda sou o cara que se importa mais consigo do que com outra pessoa. E você neste momento é meu maior obstáculo.

“Maior obstáculo” aquelas palavras saíram de minha boca como espinhos que entram na carne.

― Se você quer assim, Peeta, terminemos com isso. Adeus.

Ela desligou o celular. E minhas lágrimas caíram livremente por minha face, não fiz o menor esforço para impedi-las.

Eu estava quebrado. MMM havia conseguido o que queria, eu estava derramando lágrimas de sangue.

Os meses passaram. Os telefonemas de MMM cessaram, porém eu não estava livre de sua presença. Uma vez ou outra ainda recebia algum bilhete misterioso em minha porta, me alertando que MMM estava por perto, que eu nunca deveria abaixar a guarda.

Tudo o que fazia era trabalhar e atuar, ser o príncipe da nação, que todos conheciam, enquanto por baixo de meus sorrisos escondia-se toda a minha dor.

Perdi a noção do tempo. Quando me dei conta, mais de seis meses havia decorrido e eu estava em Paris, gravando.

O trabalho era meu refúgio, uma forma de não pensar no que acontecera.

Estava exausto, cansado, tudo o que desejava era dormir e mais nada. Mas eu precisava seguir em frente. Ela estava viva em algum lugar e isso me bastaria... tinha que bastar. Saber que ela existia nesse mundo deveria ser o suficiente para mim.

― Ei, Peeta! ― gritou Jenny, a minha animada colega de filmagens.

Ela se aproximou de mim, com passos largos, praticamente correndo e quase levou um tombo também. Jenny é um tanto estabanada. Até me lembra de Katniss neste aspecto.

― Temos a manhã de folga! ― anunciou empolgada. ― O que vai fazer?

Eu apenas dei os ombros.

― Peeta, você precisa relaxar, estamos em Paris! ― nada parecia abalar a animação dela. ― Você precisa mostrar mais animo, hein! ― me deu tapinhas nas costas, na verdade, os “tapinhas” de Jenny estão mais para socos de que qualquer outra coisa.

Nada falei.

― Ok, tá legal! Eu vou me diverti por aí, enquanto você fica aqui, trancado no quarto de hotel! ― falou fazendo uma careta engraçada.

Jenny sumiu, saltitante, no corredor. Resolvi ir até o restaurante do hotel comer alguma coisa.

Peguei um dos elevadores e quando dei por mim, como se a imagem da minha mente pudesse se reproduzir em 3D, Katniss estava em minha frente.

Não, aquilo não podia ser real. Quais eram as possibilidades de Katniss estar em Paris? Não, aquilo era apenas uma ilusão da minha mente. Eu já tivera tantas ilusões, aquela não iria ser a primeira.

Mas... ela não era uma ilusão de minha mente. Tentei me controlar, tantos sentimentos passavam por mim, e eu apenas queria correr até ela e envolvê-la em meus braços e nunca mais largá-la. Porém, eu não podia, eu não deveria.

Caminhei até Katniss e Josh, apenas depois de alguns segundos, havia notado que ela não estava sozinha e que ele era sua companhia.

Antes, tenho que confessar, gostava de implicar com o vizinho de Katniss. Mas, eu não estava com ciúmes... ok, talvez, eu tivesse uma pontada de ciúmes por ele morar tão perto dela e poder estar com ela até mais que eu, já que eu vivia entre dois países. Namorar a distância, não é nada bom. O fato é que eu gostava de implicar com ele, achava divertido.

Ele havia salvado a vida de Katniss, enquanto eu... bem, eu quase causara a morte dela. Além disso, ele tinha me feito aquele favor, não contar para Katniss sobre o envenenamento. Ele era a única pessoa que sabia desta história.

No entanto, vê-los juntos era... estranho... eu não deveria me sentir daquela maneira. Katniss precisava encontrar a sua própria felicidade, se era com Josh ou com qualquer outro, isso não me dizia respeito.

Pensei que depois de seis meses sem ver, Katniss, as coisas estariam mais fáceis. Eu sei, me enganei feio! Mas um cara precisa sonhar.

Cumprimentei-os. Katniss apenas respondeu meu cumprimento com um vago aceno de cabeça. Poderíamos passar por dois estranhos.

Fui falar com o recepcionista do hotel. Aquilo era uma grande covardia, porém eu apenas queria deixar aquele hotel imediatamente, não fazia a mínima ideia de quanto eu poderia conseguir controlar e esconder meus sentimentos. Por mais que eu seja um ótimo ator, eu também tenho meus limites, e se tratando de Katniss, meus limites, digamos que não são muito grandes.

O recepcionista me informou que não tinha vaga em outro hotel da rede. Aquilo era simplesmente frustrante. Achar vaga em um hotel em Paris era uma missão quase impossível.

― Josh, será que deveríamos procurar outro hotel? ― sei que ela havia elevado o tom de sua voz de proposito. Ela queria que eu a escutasse.

― Deveríamos?

― Sei lá, este hotel é bonito, elegante demais, e coisas bonitas assim, ultimamente me dão a impressão que sempre fazem promessas e nunca cumprem ― sua voz estava coberta de acidez e sarcasmo, embora parecesse um tom divertido. Ninguém saberia que ela estava furiosa. Mas eu sabia.

― Será que este hotel está nos engando com sua beleza? — disse aquele cara com uma proximidade de Katniss, que eu tratei de ignorar.

― Quem sabe? ― estava bancando a indiferente naquele momento.

Eu suportaria aquilo, o sarcasmo dela, saber que ela estava desejando me matar, me odiando? Parabéns, Peeta, você é tão bom ator que conseguiu fazer ela te odiar.

Katniss se foi. E eu passei meia hora tentando encontrar algum hotel. No entanto, acho que minha sorte não é das melhores, não consegui nada, estava fadado a ficar no mesmo hotel que ela. A vida ama ser uma segunda-feira treze pós-feriado.

Resolvi ir tomar meu café da manhã, e como a vida adora ser uma segunda-feira, lá estava Katniss no restaurante, acompanhada por quatro rapazes, amiguinhos de Josh. Eu havia cruzado algumas vezes com eles no prédio, em que Katniss mora.

O que eles estavam fazendo em Paris? Eu sabia que Katniss poderia estar em Paris por causa de alguma campanha da Sinsajo, era isso ou... ela havia viajado com eles. Torcia piamente que fosse a primeira opção. Droga, por que não consigo controlar meus sentimentos, quando estou perto de Katniss?

Porém, se Katniss estava em Paris a trabalho, o que aqueles quatro estavam fazendo junto dela?

Olhei para Katniss... e ela também me olhou. Rapidamente desviei meu olhar. Tudo o que eu repetia para mim era: “não olhe para ela”.

Logo, eles saíram do restaurante, e tudo o que eu desejava era voltar para a cama, dormir e acordar, tendo a certeza que apenas fora um sonho. Este até que seria um bom sonho, tirando a parte dos acompanhantes de Katniss.

Eu havia feito aquela promessa a ela, que seria a sua Paris, seu refúgio. Porém, eu não conseguira cumprir. Mais uma das coisas para a lista de coisas para Katniss me odiar. Eu não duvidaria nada que ela tinha uma lista assim.

Sai do restaurante e entrei em um dos elevadores. Alguém se aproximou correndo dele. Eu deveria estar surpreso, porém, por alguma razão eu não estava, pois quando a vida resolve ser uma segunda-feira, ela faz isso muito bem.
A pessoa que se aproximou do elevador era Katniss. Ela não notou minha presença, estava distraída, demorou alguns segundos para ela, finalmente, me perceber.

Seus olhos me encararam. Ela entrou no elevador, calmamente, como se não se importasse com minha presença... será que ela estava atuando, ou realmente não se importava com minha presença? Malditos sentimentos, mas pensar que ela não se importava com minha presença, me causava uma pontinha de frustação.

Tentei a ignorar. Ficamos em silêncio por algum tempo. Katniss também estava me ignorando. Aquilo parecia uma pequena batalha. Será ela não iria falar nada?

Estava a ponto de falar, queria saber o que ela estava fazendo em Paris. Eu não aguentava mais... no entanto, sua voz sarcástica e fria de Katniss invadiu o elevador.

― Você é mesmo muito estranho, quem iria seguir seu grande obstáculo?

A olhei com o canto dos olhos, como eu responderia aquilo, a aquele sarcasmo e a frieza de sua voz?

― E você acha que eu gostaria de estar neste hotel com você? ― revidei no mesmo tom. Às vezes, as palavras simplesmente saem da minha boca, sem que eu tenha controle sobre elas.

― E por que você não sai do hotel, então?

― Você acha que eu não tentei?

― Deveria ter tentado mais. E o que você está fazendo em Paris?

― O que você está fazendo em Paris? ― rebati. Aquele diálogo estava se transformando em algo muito estranho.

― Não te interessa, é assunto meu ― disse tranquilamente.

― Josh está envolvido também neste assunto? ― maldita boca! Por que eu não conseguia me segurar?

― Talvez. Mas isso não interessa a você.

As portas do elevador se abriram, saímos.

Não, aquilo era demais... só poderia significar uma coisa... éramos vizinhos.

― Vai continuar me seguindo? ― ela perguntou, me analisando.

― Eu não estou te seguindo. Você é que está me seguindo. Este é o andar em que está minha suíte.

Fui até a porta da minha suíte e abri. Estava com uma vontade imensa de gritar obscenidades contra meu destino. Aquilo estava me deixando louco.

Deitei na cama e tendei dormir, enquanto praguejava contra minha sorte.

Diversas vezes, oscilei entre o sono e a vigília, havia momentos em que não conseguia distinguir se estava dormindo ou acordado. Mas acho que estava dormindo, quando jurei que vi Katniss sorrindo para mim, deitada ao meu lado. Depois disso, desisti de tentar dormir, resolvi dar uma volta pelos arredores do hotel, ainda tinha bastante tempo até as gravações começarem.

Melhor se eu tivesse ficado na cama. Assim que sai do elevador me deparei com uma cena que ficaria gravada em minha retina por semanas. Katniss estava gargalhando nos braços de Josh. Ela estava deitada em cima dele no sofá do saguão do hotel.

Aquilo era demais.

Tudo o que eu desejava era tirá-la dali. No entanto, eu não podia, eu não tinha este direito. Aquilo era perfeito, Katniss me odiava e estava nos braços de outro cara.

Não sei por quanto tempo fiquei os olhando. Milhares de sentimentos passavam por mim, o mais forte era a tristeza, a certeza que nunca mais poderia estar com ela desta maneira, nunca mais poderia enlaçá-la em meus braços, fazê-la sorrir deste modo.

Katniss me olhou, estava tão atordoado, que por um segundo não consegui retirar meu olhar dela, ou esconder minhas emoções. Foi preciso muita força de vontade para desviar o olhar dela.

Então, me dei conta que havia saído do elevador e estava próximo demais deles, rapidamente voltei para o elevador.

Até quando eu poderia suportar tudo aquilo? Se aquilo era um teste, eu tinha certeza que havia tirado um zero, daqueles que cobrem a página inteira reforçado com caneta vermelha.

Fui para as gravações, que seriam na Ile de Saint Louis, naquele dia. O trabalho é um ótimo remédio para tirar imagens que você não quer recordar. Tudo o que desejava era ter um cansativo dia de gravações que sugasse até minha alma (se é que eu tinha uma naquela altura).

E assim, eu fiz, me entreguei ao trabalho. Tudo o que precisava era me focar no trabalho, não pensar em nada, absolutamente nada.

Estava me saindo até bem... mas, sempre há um “mas”, as coisas não saíram como eu queria.

Fomos para nosso último local de gravações. Os figurinistas deram um último toque em mim, e me liberaram. Sai do carro, que estava servindo como camarim improvisado. Precisava encontrar Jenny para repassarmos o texto.

Avistei Jenny olhando para o rio Sena.

― Jenny! ― chamei.

Ela se virou para mim.

― Peeta! ― acenou.

Fui em direção a Jenny. Contudo, antes de chegar ao meu destino, meus olhos se detiveram em um ponto. Katniss.

Realmente, não sou uma pessoa de sorte.

Entretanto, não era só Katniss que estava lá, Josh também estava e... seus braços envolviam ela, francamente, o que havia com este cara, que não conseguia manter suas mãos longe dela? Por que ele precisava ficar abraçando-a?

Respirei várias vezes, chamando a razão a mim. Comecei a fazer o que sei de melhor, atuar.

Caminhei tranquilamente em direção a eles.

Jenny, como eu adoro esta minha colega de trabalho, começou a gritar e a correr em direção a eles.

― Oh, meu Deus! Josh! É você, Josh! Eu não acredito! ― ela se jogou nos braços dele.

Precisei conter um sorriso. Pelo menos, seus braços estavam ocupados...

Jenny o fuzilou com milhares de perguntas. Ela é muito tagarela, principalmente, quando está animada.

Não sabia qual era a relação de Josh com Jenny, mas seja lá qual fosse, aquela era uma ótima notícia.

Interrompi a tagarelice de Jenny, já que Chaff, nosso diretor estava chamando.

Ainda bem que voltamos ao trabalho. Uma das coisas que mais gosto é meu poder de desligar do mundo, quando estou atuando. Nada mais me importa, esqueço tudo. Foi exatamente aquilo que fiz, me foquei totalmente no trabalho. Não queria pensar que ela estava perto de mim.

No entanto, uma hora as gravações acabam e foi o que ocorreu.

Jenny saiu saltitante para falar com quatro rapazes. Eu nem havia percebido quando o resto dos amiguinhos de Josh havia chegado. Fui para o camarim improvisado retirar meu figurino.

Jenny estava me esperando na porta do carro, quando eu sai.

― Ei, Peeta, o que você vai fazer hoje à noite? ― me perguntou de supetão.

Olhei para ela.

― Não está pensando em ficar em um quarto de hotel? Você estava? Nada disso! ― ela falava tão rápido, que nem me dava tempo para responder. ― Tenho a solução para seus problemas!

E antes que eu pudesse protestar, falar algo, ou mesmo respirar, Jenny havia pegado em meu braço e me conduzido até onde Katniss e os garotos estavam.

― Olha só quem eu consegui convencer a nos acompanhar, se não é minha co-estrela!

Josh olhou para Katniss e cochichou algo em seu ouvido. Eu estava preste a inventar uma desculpa qualquer, mas ao ver aquela cena, mudei totalmente de ideia.

Combinamos de ir a um bar que Jenny adora. Katniss foi junto com Josh, e um amigo dele. Jenny foi em seu carro com os outros rapazes.

Eles demoraram a chegar ao bar, Jenny e os outros chegaram primeiro ao bar. Jenny como sempre conseguiu informações dos rapazes, sem que eles menos percebessem, sobre o que eles estavam fazendo em Paris. Fingi que não estava atento a conversa.

― Então, Katniss está aqui gravando um comercial para a Sinsajo? ― indagou Jenny casualmente.

― É... ― confirmou o rapaz louro.

Eu estava certo, Katniss viera a Paris por causa da campanha da Sinsajo. Só faltava descobrir por que ela estava acompanhada por aqueles quatro.

― E vocês resolveram conhecer Paris em suas férias... ― prosseguiu Jenny.

Os rapazes apenas desviaram o olhar enquanto assentiam com a cabeça. Mentira, estava na cara.

― Ouvi dizer que a Sinsajo contratou aquela banda misteriosa, em que os integrantes nunca mostram o rosto... Como é mesmo o nome dela?...

Os rapazes se olharam, como se alguém tivesse os pego fazendo algo ilegal.

― Ah, lembrei, Mockingjay... é isto, não?

― Se você está dizendo, Jenny... ― disse um dos rapazes.

Jenny sorriu de uma maneira travessa.

Como eu não havia percebido isso antes? Eu havia cruzado com aqueles rapazes diversas vezes no prédio em que Katniss mora, e em algumas dessas vezes, eles estavam com instrumentos. Eu já tinha ouvido falar desta misteriosa banda. Aliás, Jenny sempre os ouvia no set de gravações. A Mockingjay é composta por quatro rapazes, e eu conhecia quatro rapazes que estavam em Paris, justamente acompanhando a estrela da campanha da Sinsajo. Aquilo era óbvio, eles eram os integrantes da Mockingjay.

Jenny parecia estar se divertindo dar sustos nos rapazes. Estava claro que ela sabia a identidade deles.

Avistei Katniss entrando no bar.

― Pensei que tinham se perdido no meio do caminho! ― disse Jenny.

― E eu que tinham desistido ― disse, colocando uma expressão entre divertida e irônica no rosto, como se não me importasse com sua presença. Eu já tinha cometido muitos deslizes, por várias vezes havia abaixado minha guarda, e eu não podia permitir que ela visse meus verdadeiros sentimentos. Precisava manter minha postura, “não me importo”.

― É claro que não ― disse Katniss, se sentando perto de Jenny. ― Nunca desistiríamos de uma noite desta! ― ela rebateu no mesmo tom.

Ri, Katniss nunca deixava passar uma. Isso me lembrava dos velhos tempos, em que nos provocávamos. No entanto, minha risada era sarcástica. O sacarmos não estava dirigido a Katniss, era para mim. A vida era cruel. Mas ela certamente havia compreendido que minha risada sarcástica estava direcionada a ela, por isso tratou de me ignorar, sorrindo para Josh.

― Já pedi algumas bebidas ― falou Jenny, quando um garçom surgiu com várias garrafas de bebidas. ― Espero que não se importem.

Jenny entregou um copo de bebida para Katniss, que o olhou por um instante.

― Certas pessoas aqui tem um problema gravíssimo com a bebida, elas não deveriam beber ― disse. Aquela era uma advertência para Katniss, lembra-la de seus problemas quando fica bêbada. Quando ela bebe pode sair do controle. Eu quem o diga, ainda me recordo da primeira vez que vi Katniss bêbada. Porém, meu tom deve ter soado demasiado cruel.

― Eu é que não tenho! ― falou Katniss, tomando em um único trago todo o copo de bebida. Por que eu tinha pensado que ela me ouviria? Afinal, Kantiss é um tanto orgulhosa e teimosa. Quase sorri constatando meu engano.

― Uau! ― disse um dos amigos de Josh. ― O que mais iremos descobrir sobre você?

― Nada, sou um livro aberto, e não uma caixinha de surpresas como algumas pessoas são ― aquilo era uma clara referência a mim, não podia culpá-la por me odiar. Eu fiz aquilo com ela... Eu também me odiava.

Jenny ficou bem animadinha com a bebida e sugeriu um campeonato de quem bebia mais rápido. Katniss adorou a ideia. Aquilo não iria acabar nada bem... Katniss ficava cada vez mais bêbada. Eu não podia fazer nada apenas a olhar.

Fiquei ainda mais preocupado quando Katniss e Jenny começaram a cantar. Nunca havia a visto tão bêbada. Minha preocupação só redrou ao ver Jenny levando Katniss e Josh para a pista de dança.

Tentei me controlar. Eu precisava manter o controle... Porém, ao ver Katniss dançando agarrada com aquele cara, eu sabia que não conseguiria.

Caminhei até eles. Naquele momento, apenas queria tirar ela dos braços daquele cara. Sei que estava agindo irracionalmente. Ninguém precisava me lembrar disso. Estava agindo como um adolescente apaixonado e ciumento, que não suporta ver sua garota com outro cara. Eu nunca fui assim, nunca. E eu detestava este lado meu. Uma parte de mim, queria não se importar, mas a outra parte, queria tirar Katniss de lá. Merda. As coisas estavam tão confusas.

Sei que quando me dei conta estava dando uma desculpa esfarrapada para tirar Josh de perto dela.

― Josh! ― o chamei, coloquei a mão em seu ombro, o obrigando a se virar para mim. Lancei um rápido olhar para Katniss, ela me olhou um tanto confusa. — Você pode levar a Jenny para o hotel? ― apontei para Jenny, esta era a minha brilhante desculpa, torci para dar certo. Não havia pensando em nenhuma desculpa melhor. ― Seria um problema se alguém da mídia a visse neste estado... Jenny é uma atriz internacional ― tentei justificar.

Ele olhou indeciso, estava bastante óbvia sua preocupação com Katniss.

― Eu cuido da Katniss, não se preocupe. Jenny não quer me ouvir, acho que você pode convencê-la a ir embora. Se Jenny não ir embora agora, causara um grande problema para ela ― continue com minhas justificativas.

O destino resolveu me dar uma mãozinha. Jenny começou a fazer um strip-tease. Aquilo foi suficiente para a hesitação de Josh terminar. Respirei aliviado quando ele foi até a Jenny.

Katniss me olhava interrogativa. Seus cabelos estavam uma completa desordem, ela respirava com dificuldade devido à dança.

― Katniss, acho melhor te levar para o hotel! ― peguei em seu braço, precisava acabar com aquilo logo, antes que eu fizesse uma besteira. Mais outra besteira, me intrometer entre Katniss e aquele cara já havia sido uma tremenda burrice. No entanto, por mais que eu soubesse que aquilo fora idiota, eu não estava nenhum um pouco arrependido. Quem poderia me entender?

― Me solta, seu idiota! ― disse retirando seu braço da minha mão. Havia em seu olhar raiva, muita raiva.

― Katniss, vamos logo! — tentei ignorar sua raiva.

― Eu não vou! ― gritou.

― Katniss, por favor! Vem! ― tentei pegar sua mão, porém ela não deixou. Aquilo estava ficando cada vez mais difícil. ― Katniss!

― Seu idiota!

Katniss se afastou de mim, sem que pudesse impedi-la. Com dificuldade conseguiu sair do bar. Segui-a. Katniss andava aos tropeções, havia perdido o equilíbrio completamente. Me perguntava, como ela havia conseguido ficar de pé por tanto tempo.

Me aproximei silenciosamente dela. Meu corpo agia por si só, velhos hábitos são difíceis de mudar, constatei após impedir Katniss de cair, a sustentando em meus braços.

Sentir o corpo de Katniss contra o meu, era uma verdadeira prova de autocontrole. Segurei-a em meus braços por alguns segundos, me esquecendo de tudo ao meu redor, de absolutamente tudo. Senti Katniss tremendo, estava muito frio e ela não usava roupas de frio. Aquilo me fez voltar a realidade.

― Vamos voltar para o hotel, sim? ― falei.

― Não! ― ela se debatia em meus braços. ― Eu não vou voltar para aquele hotel! ― com uma força que eu desconhecia ela se soltou de mim.

Tentei a capturar novamente. Ela estava bêbada, sem equilíbrio algum, uma queda seria certa.

― Eu vou ficar aqui! Não se aproxime de mim ― disse me evitando.

Katniss começou a correr, de uma maneira um tanto cômica. Ela estava bastante limitada devido ao álcool, seus passos eram muitos lentos. Aquela cena até que era divertida. Involuntariamente sorri. Quando me peguei sorrindo, percebi que havia deixado a coisa ir longe demais. Eu não podia estar sorrindo, feito um bobo e me divertindo. Não. Resolvi acabar com aquilo de uma vez.

― Katniss! Pare com isso!

― Você não vai me pegar! Eu não vou deixar! Você não me pega!

Ela tentava correr, em vão, mais rápido. Seus cabelos se agitavam ao vento. Estava linda. Merda. Eu não deveria estar pensando naquilo.

― Você não me pega! Sou uma girl on fire!

― Cansei disso! ― como eu estava cansado de reprimir meus instintos.

Ergui Katniss em meus ombros. Ela estava espantada com meu gesto. E um tanto confusa devido a bebedeira. Aquilo era um tanto engraçado.

― Não disse que iria te pegar? — disse divertido.

Levei uma Katniss relutante até o carro, ela tentava escapar, mas era inútil, estava sem força alguma. No carro ela descarregou uma chuva de palavrões. Alguns até que eu desconhecia. Não me importei. Ela tinha toda razão em estar zangada comigo. E eu preferia sua raiva do que sua indiferença. Às vezes, penso que sou uma espécie de masoquista.

Apenas dirigi silenciosamente, enquanto ela me insultava como marinheiro de boca bem suja.

Quando chegamos ao hotel, ela estava quieta, deveria estar cansada de tanto gritar, ou estava sem ideia para mais insultos.

― Chegamos ― falei, enquanto abria a porta para ela sair.

Katniss tentava tirar o cinto de segurança. Reprimi uma risada, já que ela não havia percebido, mas estava batalhando contra o cinto como uma lutadora de MMA. Ela permitiu que eu a ajudasse com o cinto.

― Vai sair sozinha ou precisa de ajuda? ― disse tentando apagar da minha mente a cena da batalha do cinto de segurança.

― Eu não preciso de sua ajuda! — recusou.

Saiu do carro e foi até o elevador. Ela estava se esforçando para não segurar em nada. Katniss é muito orgulhosa. Sabia que não queria mostrar que estava completamente bêbada perante a mim.

Nosso trajeto foi silencioso. O que eu deveria fazer com Katniss bêbada daquele jeito, me perguntava, enquanto o elevador nos levava até nosso andar. Dava para notar que sua razão já tinha ido há muito tempo embora.

― Onde é seu quarto? ― perguntei, quando chegamos ao nosso andar saindo do elevador.

― Eu não vou te falar, seu idiota! — disse irritada, porém ela parecia uma pirralha de cinco anos fazendo birra.

― Ok! — decidi que era melhor não contraria-la.

Fui até meu quarto, peguei minha chave e comecei a abrir a porta.

― Ei, o que você está fazendo? Você está entrando na minha suíte! ― disse Katniss, se aproximando de mim.

― Esta é a minha!

― Não, não é! ― ela me empurrou e entrou na suíte. ― Esta é a minha suíte!

Soltei um longo suspiro e entrei na suíte.

Katniss jogou seus sapatos na sala.

― Esta é a minha suíte! ― protestei. Aquilo estava indo por um caminho que eu não estava nenhum um pouco gostando.

― Já disse que é a minha! Sai daqui! ― Katniss foi até o quarto.

Segui-a.

Sem que eu pudesse impedir, ela subiu em cima da cama.

― Katniss, desce dai! — aquilo não iria acabar bem, nada bem.

― Eu não vou descer! — ela começou a pular.

― Você vai cair ― a tentei pegar e apenas consegui que ela pulasse ainda mais.

― Sou uma girl on fire e vou incendiar tudo!

Girl on fire... aquilo não iria prestar. Eu estava temendo que aquela fase da bebedeira de Katniss chegasse. E ela tinha chegado. Tentei manter minha calma

― É, eu sei.

― Sou uma girl on fire, this girl is on fire, she’s walking on fire ― ela começou a cantar de um modo desafinado.

― Girl on fire, desce dai! ― precisava acabar com aquilo logo, enquanto ela cantasse eu não teria problema, mas se ela... ah, se ela passasse para o próximo estágio da girl on fire, ai sim eu teria grandes problemas.

– Já disse, você não me pega!

– Katniss! Desce dai, antes que você caia!

Minhas palavras não tiveram o mínimo efeito, tudo que consegui foi que ela pulasse ainda mais. Até que a vi caindo.

― Quero voar! Sou um sinsajo — disse se entregando totalmente a queda, de olhos fechados.

Institivamente a amparei.

Aquilo era uma loucura. Lá estava Katniss em meus braços. Ela abriu os olhos e olhou diretamente em meus olhos. Estava tão cansado de fugir de meus sentimentos e de atuar. Sentia que minhas defesas haviam caído. Já não possuía controle algum sobre mim, estava esgotado.

― Katniss ― sussurrei.

― Peeta... ― disse também sussurrando e depois riu. Aquela risada, como havia sentido falta daquilo...

― Não faz isso ― precisava me controlar. ― Se você continuar assim, eu...

Ela levou sua mão até meu rosto.

― Katniss ― se meu lado racional queria que ela parasse, meu outro lado apenas queria me perder em sua carícia, e não me importar com mais nada.

A mão de Katniss deslizava lentamente sobre meu rosto. Por um breve instante, deixei minha razão de lado. Fechei os olhos e me entreguei totalmente aquele instante fugaz. Apenas quando sou a mão se deteve, minha razão voltou, que diabos estava fazendo?

Abri meus olhos novamente e a vi diante de mim. E lá se foi minha razão novamente. Aquilo estava parecendo um jogo de ping pong, em que eu era a bolinha e era atirado de um lado a outro sem poder fazer nada.

Sem que eu percebesse ou pudesse fazer algo a respeito, me vi com meu rosto quase tocando Katniss, meus lábios roçando os dela. Eu não pensava, não raciocinava, tudo o que eu queria era ela.

Graças a Deus, o lado racional de Katniss estava funcionando melhor do que o meu. Ela se afastou de mim e meu deu um belo tapa na cara. Aquilo era irônico, ela era a bêbada, mas era eu quem estava completamente embriagado. Meu álcool era Katniss, sua presença.

Katniss me deu outra bofetada. Precisava acordar de meu transe, de minha embriaguez. Não sei quantos tapas ela me deu. Só sei que meu lado racional voltou.

Katniss estava sofrendo e eu era o culpado daquilo, merecia aqueles tapas, merecia que ela sentisse raiva de mim, e preferia que fosse assim. Saber que Katniss sofria era ainda mais doloroso que meu sofrimento.

MMM conseguiria o que queria no final de tudo. Eu estava sofrendo, derramando lágrimas de sangue, como MMM desejava.

Envolvi Katniss em meus braços.

― Isso mesmo, Katniss, me odeie, me odeie, me odeie ― sussurrei. ― Será mais fácil para nós dois. Farei de tudo para você me odiar, se for necessário. Você não pode ficar comigo, eu não... eu não posso ser egoísta. Por mais que doa, eu não serei egoísta.

Sim, eu não podia novamente ser egoísta, quis manter Katniss comigo e ela quase havia morrido. A culpa nunca iria me abandonar. Precisava proteger Katniss, mesmo que isso significasse não a ter.

― Eu quero apenas me contentar em te ver. Não sofra por nós, não sofra... Eu já estou o sofrendo o suficiente por nós dois. Então, não sofra por nós. Me perdoa.

Minhas lágrimas começaram a escorrer, sem que eu pudesse impedi-las.

Katniss se afastou de mim lentamente. Ela me olhou confusa e limpou uma das minhas lágrimas com o polegar. Levei minha mão até a sua.

Apenas ficamos nos olhando.

O encanto que nos prendia se quebrou, quando percebi que Katniss estava passando mal. A levei para o banheiro.

Katniss começou a vomitar. Cuidei dela. Limpei seu vomito e dei um remédio para melhorar sua ressaca na manhã seguinte. Ela estava quase inconsciente, quando a levei para a cama.

Aquilo era errado. Pensei, enquanto a via dormindo perto de mim, em minha cama. Eu não deveria estar fazendo isso. Deixaria Katniss confusa, e eu já havia me decido me afastar dela. Por que eu não conseguia?

Passei a noite em claro, observando ela dormir. Eu sei que aquilo era ruim, mas de certa forma estava um tanto quanto feliz em tê-la do meu lado naquela noite.

No entanto, eu sabia que quando Katniss acordasse, eu teria que voltar a realidade. Uma realidade em que ela precisava me odiar.

O sol logo veio e invadiu meu quarto de uma maneira autoritária, me avisando que o tempo dos sonhos havia passado, era hora de agir.

Katniss não demorou a começar se mover na cama, fechei meus olhos e fingi que estava dormindo. Ela acordou e eu conseguia perceber, seus movimentos inquietos que ela fazia na cama, o tamanho de sua confusão. Será que havia apagado tudo de sua memória?

Novamente, eu precisava lastimar Katniss com minhas palavras. Sabe como é lastimar alguém quem você ama? Sabe o quanto dói? A dor é tão grande que se torna insuportável. A dor é tão terrível que fica até difícil respirar.

Sem aviso prévio abri os olhos. Katniss estava me encarando. Por uma fração de segundo, olhei para ela e pensando que tudo poderia ser diferente. Mas, não, eu precisava manter Katniss viva, não poderia arriscar novamente, colocar sua vida em perigo porque fui egoísta.

― Pensei que já tinha ido ― falei me sentando na cama, ficando de costas para ela. Se eu olhasse para ela, eu não suportaria e acabaria fraquejando. Precisava usar meu tom frio e ríspido. Isso era tão doloroso, cada palavra que eu pronunciava era como uma faca que atravessava meu corpo.

― Onde estamos? ― indagou.

― No meu quarto — disse secamente.

― Por que... O que aconteceu ontem à noite?

― Não se lembra de nada?

Katniss não deveria, não podia lembrar de nada o que ocorreu na noite anterior. Sabia que havia falado demais. Eu estava torcendo para que ela não se recordasse de nada na manhã seguinte, seria melhor para nós dois, embora havia uma pequena parte minha, traiçoeira, que desejava que ela se recordasse

― Não.

Me senti aliviado, porém, este alivio era um tanto amargo.

― Por acaso... ― sua voz estava hesitante, eu sabia exatamente o que ela estava querendo saber.

― Por acaso o quê? ― me virei para ela. ― Você quer saber se você se transformou na girl on fire e... ― coloquei um sorriso em meu rosto.

Ela desviou o olhar de mim.

― Dormimos juntos? ― fui cruel.

Katniss imediatamente olhou para mim. Eu sabia que precisava fazer aquilo, eu precisava fazer Katniss me odiar, eu precisava ser forte.

Encarei Katniss e deslizei meus dedos por seu cabelo. Como eu me odiava!

― O que você acha? ― perguntei.

Ela afastou minha mão com um tapa. Podia sentir naquele tapa toda a sua raiva. Ótimo, havia me saído maravilhosamente bem em meu papel. No entanto, eu não estava nenhum um pouco feliz por isso.

Eu precisava continuar. Sorri e de forma sensual passei o polegar por meus lábios.

― Não! Pare de agir feito um idiota, Peeta! Este não é você!

― Eu sempre fui assim, Katniss! Você é que não percebeu isso...

Katniss devolveu meu sorriso irônico.

― Eu devo ter sido muito idiota mesmo. Ter acreditado em suas mentiras. Você é um ótimo ator. Deveria ganhar um Oscar.

― Eu vou ganhar.

Sim, eu deveria ganhar um Oscar. Eu estava enganando Katniss com perfeição. Contudo, aquilo não me trairia um Oscar, me trairia dor e mais nada.

― É claro que vai. Você engana a todos, um país inteiro e... Enganou até a mim...

As palavras de Katniss eram tão verdadeiras, eu não precisava dizer mais nada, já tinha conseguido meu objetivo. Se ela tivesse a mais mínima lembrança da noite anterior, acreditaria veementemente que tudo fora sua imaginação.

― Realmente, espero que você ganhe um Oscar. Pelo menos saberei que aquilo fez sentido.

Katniss saiu do quarto sem olhar para trás, se olhasse veria as lágrimas teimando em sair dos meus olhos.

Me deitei na cama. Aquilo era tão confuso, estranho. Me sentia em um turbilhão. Meus sentimentos se debatiam em mim, meus pensamentos eram um caos. Em alguns momentos eu fraquejava, e acabava expondo sentimentos que eu não queria expor, em outros eu era forte, mas isso só me causava dor.

Se MMM queria transformar minha vida em um inferno, havia conseguido e com êxito.

Estava frustrado, cansado, impotente. Eu não podia fazer nada. Pelo menos, enquanto não descobrisse quem era este maldito MMM. Sigilosamente, eu havia prosseguido com as investigações, é claro que não havia envolvido mais a polícia nisso. Seria perigoso demais. As investigações não haviam avançado muito, não havia muita coisa que eu pudesse fazer. No entanto, eu tinha fé que um dia poderia colocar minhas em MMM, não importava quanto tempo eu levasse.

Fui despertado dos meus pensamentos pelas batidas na porta de minha suíte. Relutante, fui até a porta. Tudo o que eu desejava era ficar em sozinho.

Me deparei com uma sorridente Jenny em minha porta. Nem uma ressaca era suficiente para abaixar o seu animo.

— Estamos atrasados para as gravações! — anunciou entrando em meu quarto. — Peeta, há uma coisa errada aqui! — disse retirando os óculos escuros que usava. — Fui eu que bebi, mas você é que está com cara de ressaca!

— Você não está melhor, Jenny — rebati, apontado para seu rosto que possuía claramente sinais de uma noite de bebedeira.

Jenny deu os ombros.

— É por causa da Katniss, não?

— O quê?

— Eu não sou cega, Peeta, posso ser um pouco louca, mas não cega! Eu vi ontem os olhares que você lançou a ela, quando ela não estava vendo!

Não, eu não iria admitir isso para ninguém. E nem queria que alguém descobrisse o que estava acontecendo, por isso rebati.

— E você e Josh? Vai negar que não sente nada por ele?

— O quê? — disse perplexa.

Aquilo fora apenas uma provocação, para tirar o foco sobre Katniss. No entanto, Jenny reagiu de tal maneira que percebi imediatamente que havia alguma coisa ali. Meu cérebro trabalhou rapidamente.

— Você fica o dia inteiro ouvindo aquela banda... Mockingjay. Pensa que eu não sei que ele é um dos intrigantes da banda! — soltei.

Jenny estava cada vez mais surpresa e até sem palavras. E acredite isso é uma coisa notável quando se trata de Jenny. Eu não estava enganado, havia algo ali.

— Quer saber, eu desisto! — disse saindo do quarto. — Por enquanto, eu desisto, mas você não me escapa, Peeta! — disse olhando para mim, antes de fechar a porta.

Passei a manhã gravando. Pelo menos poderia evitar meus pensamentos quando estava trabalhando.

A tarde era livre, já que iriamos gravar a noite. Aproveitei para dar um passeio por Paris. Não queria ficar em meu quarto, corria o sério risco de morrer asfixiado por meus pensamentos.

Não andei por muitos lugares, meu passeio se restringiu a algumas quadras perto do hotel. Entrei em um café aleatório e me sentei na mesa mais distante. Meus pensamentos teimavam em ir em certa direção. Nem percebi quando ele entrou no café e se sentou em minha frente.

— Peeta...

Olhei para ele, um tanto confuso.

— Desculpa, eu vi você aqui e... entrei.

— Tudo bem... Josh — disse bebendo meu cappuccino. Ainda não havia me esquecido da cena da noite anterior. Sim, eu sei, estava sendo um perfeito imaturo.

Ele me olhou por instante, me analisando.

— Peeta, você não acha que esta história foi longe demais? Eu... não sei se conseguirei continuar fingindo que não sei nada perante Katniss...

Olhei para Josh.

— Você precisa, a vida dela depende disso! — disse de forma categórica.

— Eu sei, mas... ver a Katniss sofrendo daquele jeito é... horrível!

— E você fala isso para mim? Você não faz ideia de quando é doloroso manter Katniss longe de mim e lastimá-la, dói tanto que às vezes penso que é impossível viver com isso. Josh, eu amo a Katniss e farei o que for preciso para mantê-la viva!

Josh suspirou.

— Só acho que você deveria falar com ela...

— Você sabe que não posso! — disse irritado.

Ele se calou. Ficamos por alguns minutos sem pronunciar uma única palavra, o único som que nos chegava era vindo de outras mesas.

— Eu amo a Katniss — falei mais calmo. — E quando se ama alguém é preciso fazer sacrifícios. Se um dia você amar tanto alguém a ponto de fazer um sacrifício, você vai me compreender.

— Eu te compreendo, Peeta... Eu também precisei fazer um sacrifício por alguém que eu amava... Ela precisava ser feliz, e ao meu lado ela sofreria — seu olhar era distante e um tanto triste. — Mas, Peeta apesar de te compreender, eu não concordo com você. Talvez, se você falasse com a Katniss, explicasse a situação...

— Josh, eu não vou me arriscar outra vez — tomei um grande gole de meu cappuccino.

Josh soltou um longo suspiro.

— Tudo bem, eu vou me manter calado. Mas, espero que isso se resolva logo. Não gosto de mentiras.

— Eu também não gosto, mas existem mentiras que são necessárias. Além disso, estou fazendo minha própria investigação para colocar as mãos no responsável por isso.

— Sabe, Peeta, você é um cara legal, apesar de eu não concordar com que está fazendo. Só espero que não fira mais Katniss e não fira você mesmo.

— Eu não me importo com minhas feridas...

Josh sorriu.

— Não tente carregar o mundo nas costas, Peeta... Como posso te ajudar com este assunto?

Olhei para ele, arqueando uma de minhas sobrancelhas.

— Não suporto ver esta situação e não fazer nada... Eu preciso ajudar de alguma forma... Você não pode fazer esta investigação sozinho... Me fale, como posso te ajudar.

Olhei mais uma vez para ele. É, Josh tinha razão, eu precisava de ajuda. Entretanto, havia uma coisa me incomodando.

— Josh... quais são seus sentimentos exatos pela Katniss? — ok, eu sou imaturo, me prendam.

Josh soltou uma gargalhada. Olhei para ele esperando por uma explicação. Porém, ele ficou por um bom tempo rindo.

— O que é tão engraçado?

— Nunca pensei que iria despertar ciúmes em alguém como você.

Arqueei minha sobrancelha novamente.

— Eu não estou com ciúmes — protestei.

— Sei... — o encarei. — Katniss me lembra de certa maneira... Jenny...

— Jenny?

— É, ela é divertida, engraçada, um tanto atrapalhada... Quando eu a conheci, me senti de certa maneira afeiçoado a Katniss por me lembrar de Jenny... — sorriu.

O que ele estava tentando dizer com aquilo?

— Então, você gosta da...

— Não me entenda mal, Peeta — apressou-se em falar. — Katniss é como uma irmã para mim.

Tenho que confessar que isso me deixou aliviado. Definitivamente, sou imaturo, uma dura verdade.

— Então, já respondi sua pergunta, posso te ajudar?

Confirmei com minha cabeça. Eu precisava realmente de ajuda. Desde aquele dia, Josh tem me ajudado com a investigação. E, para meu desagrado, tenho que admitir que Josh é um cara legal. É, confesso, Josh é legal.

Nós temos algumas pistas, não são muitas, mas já é alguma coisa.

Depois de falar com Josh fui para o hotel. Resolvi me focar em meu trabalho. Não queria pensar que Katniss estava há alguns metros de mim. Meus pensamentos poderiam me trair. Procurei por Chaff, o diretor de Winter Sleep, mas não havia o encontrado em nenhum lugar. Acabei encontrado Jenny e ela me avisou que o havia visto na entrada do hotel. Fui para lá.

Percorri meus olhos pelo local. Porém, em vez de Chaff, encontrei foi é Katniss, que atravessava a rua distraidamente.

Tudo de passou em instantes. O carro veio em direção de Katniss e antes que eu pudesse se quer pensar, lá estava eu a puxando contra meu corpo e a salvando.

Estava tão apavorado que tudo o que fiz, foi abraçar Katniss. Precisava me certificar que ela estava bem. Não podia passar por aquele pesadelo novamente.

― Você está bem? ― indaguei me afastando dela, para comprovar com meus olhos que ela de fato estava bem.

― Estou — respondeu um tanto confusa.

Arrastei Katniss para meus braços novamente. Estava nervoso, só de pensar que ela poderia ter... Afastei meus braços dela e encarei.

― Katniss, você ficou maluca? Como você atravessa a rua sem prestar atenção? Você tem que parar de ser distraída! Por causa de sua distração, você quase morreu! — estava fora de mim, me lembrando do episódio do envenenamento. Por isso disse aquelas coisas sem perceber.

― O quê? Peeta, você está louco? — seu tom era alto, estava praticamente gritando. ― Eu não morri!

― Katniss, você não pode ser imprudente desta maneira! E se eu não tivesse visto você atravessando a rua? Você teria visto o carro? Você teria deixado ele te atropelar, hein? ― tudo que eu podia pensar era na possibilidade de perder Katniss.

― Peeta! Você quer o quê? Quem você pensa que é para me repreender assim? Escuta aqui! Você e eu não temos mais nada! Para com isso! Por que você está agindo desta maneira? Você terminou comigo por telefone! Foi mesquinho, idiota! Não se preocupou com meus sentimentos, os tratou como lixo! E o mais cruel, você me decepcionou muito! Eu pensava que você que era uma pessoa, e você se mostrou alguém completamente diferente! Você tem ideia de como isso dói? De como machuca ser magoada e traída desta maneira?

Katniss me disse estas palavras me encarando. Ela não imaginava que cada palavra que saia de sua boca era como um veneno para mim. Ali estava eu, como ela me enxergava naquele momento. A realidade me dava uma bofetada. Uma coisa é imaginar, outra coisa é comprovar com seus próprios olhos todo mal que você causou.

― Katniss...

― Vai, Peeta, fala! O que você quer? Quer me deixar maluca? Me magoar ainda mais?

Eu não sabia o que falar. Afinal, eu não podia me defender. E as palavras de Katniss haviam me deixado totalmente atordoado.

― Eu só quero esquecer que um dia eu amei alguém baixo como você! Você não merece meu amor ou meu ódio. Você merece apenas minha indiferença! Eu não quero te ver nunca mais! Quero me esquecer da sua existência! Se eu pudesse, voltava no tempo e nunca, nunca chegaria nem perto de você!

Ela queria me apagar de suas memórias, se arrependia de me ter conhecido. Eu estava mais ferido do que nunca. Não conseguia pensar, não conseguia fazer qualquer movimento. A única coisa que fui capaz de fazer foi desviar meu olhar dela.

― Quer saber, Peeta, me esqueça, porque eu já fiz isso, esqueci você completamente!

Katniss saiu de perto de mim, me deixando em pedaços.

Depois deste dia, fiz o possível e o impossível para evitar me encontrar com Katniss. Me sai bem em Paris. No entanto, eu nunca imaginei que o destino tinha planos para mim, que eu estava fadado a me encontrar com Katniss.

E hoje, após o incidente no set de gravações, não sei mais por quanto tempo serei capaz de continuar com esta mentira. Eu mostrei a Katniss algo que eu não deveria ter mostrado. Deixei que ela visse meu lado mais vulnerável, revelei coisas que jamais havia confessado a ninguém, nem a mim mesmo.

Katniss é assim, ela me faz dizer coisas e fazer coisas que eu nunca pensei que fosse capaz de fazer.

O que devo fazer amanhã, quando ela acordar? Eu simplesmente não sei. Aperto meu corpo contra o de Katniss. Amanhã eu não sei, mas hoje, hoje eu quero esquecer de tudo. Afundo minha cabeça em seu pescoço, sentindo seu suave cheiro, e adormeço quase automaticamente, me entregando completamente ao mundo dos sonhos. Amanhã, eu voltarei a realidade, mas hoje, hoje não.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo? E destas revelações? Finalmente, entendemos o motivo do rompimento. E o que acharam da nova dupla? Pois é, Josh e Peeta estão trabalhando juntos, quem diria, hein!