Jardim de Estrelas escrita por Hanna Martins


Capítulo 27
Feridas que não se curam


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado a Sra Manu Schreave que fez uma recomendação simplesmente linda para fic, deixando minha semana muito, muito melhor. Obrigada, Manu!!!!



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— Mais uma! — grita Annie para o barman, apontando para o copo vazio.

— Para mim também — diz Madge, quando o barman se aproxima.

Olho para Annie e Madge. Estas duas já passaram a muito tempo da sobriedade, estão bem bêbadas.

— Vocês não acham que já está na hora de irmos para nossos quartos? — indago com a vaga esperança que elas me escutem. — Amanhã temos um casamento para ir, não? E a noiva não vai querer chegar de ressaca em seu próprio casamento — falo, olhando para Madge.

— Não ligue para ela, Madge! — fala Annie. — É seu último dia de solteira! Você tem mais que aproveitar!

Ah, estas duas! Eu desisto!

Uma música alta toca, não dá para ver muita coisa do lugar, já que a luz é bem fraca. O lugar está cheio de pessoas, que dançam ou bebem. Quem diria que a pousada/hotel em que estamos hospedadas tem um lugar como este! Quando cheguei aqui, achei o lugar tão calmo, bem afastado de tudo e de todos, um lugar perfeito para relaxar e esquecer do mundo. No entanto, vejo que estava um pouco enganada.

Madge vai se casar amanhã, sábado. Dá para acreditar que Madge vai se casar? Nem eu acredito nisso. Há duas semanas, eu nem pensava na possibilidade dela se casar e agora, ela está aqui, prestes a subir ao altar. Muito surreal, não?

Aquele apartamento vai ficar muito vazio sem a presença de Madge... Sentirei muito sua falta. Madge vai se mudar para um duplex com Gale. Um lugar bem luxuoso, diga-se. Nunca me imaginei morando sozinha sem Madge. Acho que devo começar a me acostumar com a ideia.

Por um momento, deixo meus olhos vagarem pelo lugar. E eles, sem que eu me dê conta, vão parar exatamente em um certo lugar. Ah, estes olhos que não me obedecem! Ali, no cantinho, bem afastado do lugar em que estamos, meus olhos não podem ver, mas sei que ele está lá. Vi-o, quando nós entramos. Ele está junto com Gale e mais dois amigos de Gale.

O que eu estava esperando? Era óbvio iria encontrá-lo uma hora ou outra, afinal somos os padrinhos do casamento.

Solto um longo suspiro. Eu só queria alguns dias de paz e tranquilidade. Está claro que posso encontrar de tudo aqui, menos paz e tranquilidade. Haymitch está me deixando maluca com aquela história de dar uma sequência para o romance de Nick e Lory. Ele praticamente liga para mim todo o dia, e o pior, às vezes, de hora em hora! Para piorar a situação — sim, toda situação pode piorar, acreditem — Panem também resolveu pegar em meu pé. Seneca Crane só falta me obrigar a assinar aqueles papeis, garantindo que eu faça parte dos delírios de Haymitch.

Mas a pior parte (se alguém perguntar, eu nego até a morte que disse isso, hein!) é que o filme parece realmente muito bom, uma oportunidade única, que muitos atores dariam o sangue para ter. Haymitch e o roteirista fizeram um ótimo trabalho com o roteiro. Sim, eu li o roteiro! Não me olhem assim! Ele estava jogado lá, no banco traseiro do meu carro (ele ficou lá por dias), e um dia, sem que eu me desse conta me peguei dando uma espiada no roteiro. Afinal, uma olhadinha não mata ninguém. Uma olhadinha? Quando percebi já tinha devorado todo o roteiro.

— Madge, você é muito corajosa em se casar! — fala Annie. — Os homens são uns idiotas! Todos eles! — Annie está completamente bêbada. — Uns verdadeiros babacas! — ela solta uma gargalhada nervosa, mais triste do que alegre. — Não me olhem assim! Vocês não sabem o quanto os homens podem ser assustadores...

— Annie, você está muito bêbada. Acho melhor nós voltarmos para nossos quartos — digo, mas Annie me ignora totalmente.

— Meu pai e minha mãe tinham um casamento horrível, nunca compreendi porque eles ainda estavam juntos... — Annie brinca com o copo de vodca que tem nas mãos. — Vocês não sabem como foi difícil para eu crescer naquela casa!

Olho para Madge que caiu no sono devido a sua bebedeira.

— Meus pais tinham um relacionamento tão ruim! Meu pai era um completo possesivo! Queria ter tudo sobre controle, tudo! O que minha mãe vestia, onde minha ia, seus amigos, se é que se pode chamar alguém de amigo da minha mãe, porque ela não tinha amigos. Os horários de minha mãe eram todos controlados por ele. Acredita que ele controlava até o que minha mãe comia! — ela ri de uma maneira nervosa.

Nunca havia ouvido nada sobre os pais de Annie. Ela nunca tocou neste assunto.

— Lembro que uma vez minha mãe foi visitar minha avó em sua cidade natal. Meu pai a seguiu, e a impediu de vê-la, ele tinha ciúmes de tudo. Uma vez eu ouvi meu pai falando que preferia ver minha mãe descalça, grávida com a barriga no fogão, do que trabalhando, afinal ele era rico, podia muito bem manter a casa sozinho. Ah, como meu pai usa de seu querido dinheiro para controlar tudo! Eu via a minha mãe como uma prisioneira, nunca consegui entender como ela permitia aquilo! Meu pai a tinha sob total controle. E ela era totalmente infeliz, não podia fazer nada do que gostava. Apesar de toda a infelicidade, minha mãe ainda permanecia junto do meu pai. Antes de se casar com meu pai, minha mãe fazia faculdade de jornalismo. Sabe o que ela fez, Katniss? Abandonou a faculdade, ou melhor, meu pai pediu para ela abandonar a faculdade e se casar com ele. Afinal, nada era mais importante do que se casar e ter filhos do meu pai! — ela sorri, porém em sua voz há um tom ácido que contrasta com seu sorriso.

— Anne... — o que eu posso falar sobre isso? Posso ter perdido meus pais muito cedo, mas eu lembro que a relação deles era boa. A forma que Annie fala estas palavras é cheia de dor e ressentimento.

— Minha mãe não demonstrava, mas eu sabia que ela muito infeliz. Ela tentava esconder seu sofrimento com sorrisos. Porém, eu sabia que por trás de cada sorriso, existiam lágrimas de sangue. Eu odiava aquela casa! E o controle absoluto que meu pai queria exercer sobre tudo. Ele também me controlava, eu e meus dois irmãos estávamos sujeitos a ele. Eu odiava ser controlada! Às vezes, me rebelava, o que só piorava a situação. Você não faz ideia de quantos castigos recebi, por não obedecer às ordens do meu querido pai! Encontrei na música a minha válvula de escape. Passava os dias em minhas aulas de música... Quando eu fiz catorze anos surgiu a oportunidade de eu entrar de vez no mundo da música e foi o que eu fiz, deixei para sempre aquela casa.

Lágrimas começam a escorrer dos olhos de Annie.

— Por que minha mãe não podia deixar meu pai? Um dia perguntei isso a ela, e sabe o que ela me disse? — nesse momento, Annie não está falando com ninguém em especial, ela está falando mais para si do que para qualquer pessoa. — Disse que amava meu pai, que não podia viver sem ele! Como pode existir um amor assim, possessivo? Como pode alguém amar uma pessoa e aprisioná-la?

Annie e seu desejo de liberdade. Uma vez Peeta me disse que quando conheceu Annie, ele se encantou pela sua maneira livre de ser. Agora sei de onde vem este desejo de ser livre, de fazer o que desejar.

— Eu não quero me tornar como a minha mãe! — diz, tomando de um só trago todo o copo de vodca. — Foi por isso... que minha relação com Finnick fracassou! Ele estava se tornando na imagem que eu mais odiei em minha vida, a imagem do meu pai.

— O quê você está falando, Annie?

— Finnick contratou um guarda-costas para me seguir, sem que eu soubesse. Sabe como eu me senti com aquilo quando eu descobri? — ela praticamente grita. — Era como se eu tivesse voltado ao passado e ocupado o lugar de minha mãe e Finnick o de meu pai!

As lágrimas continuam a escorrer pelo belo rosto de Annie. Finnick foi muito idiota, como ele pode fazer isso? Ele sabe que Annie odeia ser controlada por qualquer pessoa, mesmo que seja a pessoa que ela ama. Entendo a dor de Annie, como é difícil ver a pessoa que você ama se transformar em seu pior inimigo.

— Ah, Annie! — a puxo para um abraço.

— Eu não posso continuar amando Finnick — ela soluça em meu ombro. — Não posso, Katniss! Eu não quero ser a minha mãe!

Annie se solta de meus braços e se levanta.

— Eu sou livre! Ninguém pode me prender! — ela grita e começa a correr.

— Annie! — tento chamá-la, porém ela não me ouve.

Onde será que ela vai parar? Vejo-a saindo. Preciso ir atrás dela, quando Annie fica bêbada é impossível saber o que ela irá fazer. Olho para Madge que dorme em cima do balcão do bar. Não posso deixar Madge assim.

Vou até onde Gale está.

Gale conversa animado com os outros três acompanhantes. Peeta é o primeiro a notar minha presença. Não é hora de me importar com a presença de Peeta Mellark.

— Gale — o chamo. Ele olha para mim. — Madge está muito bêbada você pode cuidar dela? Preciso ir atrás de Annie que está ainda mais bêbada que Madge e acabou de sair.

Gale imediatamente vai até onde Madge está. Saio de perto da mesa e vou atrás de Annie.

Assim que saio, sou recebida por uma rajada de chuva em meu rosto e nenhum sinal de Annie. O tempo está péssimo, a chuva é intensa. Aonde Annie iria com uma chuva desta?

— Você sabe para onde ela foi? — sou pega de surpresa com a voz de Peeta.

É a primeira vez que nos falamos depois do incidente em Paris.

— Não sei — respondo, tentando enxergar alguma coisa em meio a total escuridão. — Annie está muito bêbada, ela poderia ter ido para qualquer lugar...

— Vou procurar por aqui — fala apontando para seu lado direito.

— Ok, vou por aqui — aponto em direção oposta a qual Peeta apontou.

Peeta sai correndo na chuva, gritando pelo nome de Annie.

Começo a procurar por Annie em meio à escuridão e a chuva.

— Annie! — grito. — Annie! — berro com todaa as forças de meus pulmões.

Os minutos passam e minha preocupação só aumenta. Onde Annie está?

— Katniss! — ouço o grito de Peeta. — Encontrei Annie! Ela está aqui.

Solto um longo suspiro de alívio.

— Onde você está?

— Siga a minha voz, Katniss! — responde. — Eu estou aqui.

Tudo está tão escuro e a chuva só aumenta a dificuldade.

— Katniss! — ele continua gritando.

Me guio por seus gritos e consigo chegar até onde Peeta e Annie estão.

Annie está dançando na chuva, enquanto Peeta tenta pará-la.

— Eu sou livre, ninguém vai conseguir me pegar! — Annie grita. — Oh, Katniss! — vem em minha direção. — Eu sou um sinsajo como você!

Annie praticamente desaba em meus braços.

— Eu também sou um sinsajo! Não sou? — fala igual a uma garotinha fazendo beicinho.

— Sim, você é um sinsajo!

— Está ouvindo, Peeta? — ela vai em direção a ele. — Eu sou um sinsajo!

Ela quase cai, mas os braços de Peeta são rápidos para ampará-la. Tenho a estranha sensação que já vi esta cena antes, mas onde? Foi em algum filme, algum sonho vago, uma velha lembrança?

— Annie? — Peeta olha para ela. — Ela dormiu.

Peeta a pega em seus braços.

— Onde fica o quarto de Annie? — pergunta.

— Não muito longe daqui...

Os quartos aqui ficam em pequenos chalés. Eu e Annie estamos dividindo um desses chalés.

Indico para Peeta o caminho e o acompanho. Caminhamos em silêncio pela chuva, que não cessa de cair. A chuva parece aumentar a cada segundo, é uma chuva fria, quase gelada.

Abro a porta para Peeta entrar. Ele deposita Annie em cima da cama.

— Dê algo quente para ela — fala Peeta, enquanto se encaminha para a porta. — Ela vai acabar pegando um resfriado...

— Farei isso.... É... obrigada — falo um pouco sem jeito.

Peeta se volta para mim e nada diz, ele rapidamente sai do chalé.

Com alguma dificuldade consigo fazer Annie acordar, e a faço vestir roupas secas. Depois lhe dou um chá bem quente. Annie parece péssima.

Ainda não consegui digerir tudo o que ela me disse. Annie guarda tanta dor por trás de seus sorrisos. Nunca pensei que por trás da garota energética existisse uma pessoa com tanta dor. E Finnick abriu ainda mais suas feridas. Há feridas que não se fecham, não se curam. As feridas de Annie são assim. Agora compreendo porque Annie evita tanto Finnick. Ela ama Finnick, só alguém muito cego não conseguiria ver isso. No entanto, ela tem medo de tudo que o viveu no passado, quando Finnick fez aquilo com ela, contratou um guarda-costas para vigia-la, Annie sentiu que havia voltado ao passado. Eu sei como é isto, quando Peeta terminou daquela maneira comigo, eu senti todas as feridas reabrirem, voltei a não confiar em mais ninguém. Eu simplesmente senti como se o passado tivesse voltado a minha porta.

Peeta destruiu meu coração, meu frágil coração novamente. Quando Finnick fez aquilo comigo, um muro cresceu em mim, me impedindo de confiar plenamente nas pessoas e de querer amar. Quando Peeta surgiu em minha vida, ele conseguiu destruir esta barreira. Porém, os alicerces deste muro sempre permaneceram, são impossíveis de serem destruídos. Só alguém que já sofreu uma grande dor como a minha, poderia me compreender. Eu simplesmente não posso perdoar Peeta. Eu não consigo.

Olho para Annie que agora dorme tranquilamente.

— É, Annie, melhor dormimos, amanhã temos que enfrentar nossos pesadelos. Temos que ser fortes!

Durmo, sonhando com um mundo em que não há feridas incuráveis.

Sou acordada por Annie.

— Katniss! Acorda, já são quase dez horas da manhã!

Olho para a saltitante Annie que está em minha frente. Ela em nada se parece com a Annie de ontem. Por um momento lembro-me das palavras de Annie. Entretanto, resolvo não mencionar nada sobre sua confissão, se ela guardou isso por tanto tempo, não seria justo eu tocar neste assunto agora.

— Você não deveria estar de ressaca?

— E estou! — fala, colocando uns óculos escuros. —Tomei um monte de remédio para ressaca e agora estou precisando de um café bem forte!

O restaurante da pausada/hotel é localizado em um pequeno prédio, que fica no meio de todos os chalés.

Vamos até lá. O restaurante está cheio de pessoas. É um local pequeno e com isso aumenta a impressão da quantidade de pessoas. Quase todos os convidados para o casamento de Madge já chegaram. Madge e Gale estão sentadas em uma mesa com seus pais.

Os Undersee são uma família que tem certa importância no mundo da dramaturgia. O senhor Undersee foi um ator, e a senhora Undersee é uma roteirista. Porém, Madge nunca quis vincular seu nome a eles, quis seguir seu próprio caminho, conquistar tudo por mérito próprio e não porque é filha desta ou daquela pessoa. Algo realmente bem significativo, já que neste mundo conexões é uma das coisas que as pessoas mais valorizam. Se você é filho de alguém importante, isso te garante créditos extras neste mundo.

O senhor e a senhora Mellark conversam com o senhor e a senhora Undersee.

— Minha nossa, aquela não é a versão loura da Audrey Hepbum?! — exclama Annie ao ver a senhora Mellark.

— Aquela é a mãe de Peeta e madrasta de Gale — falo.

— Eu juraria que era a Audrey Hepbum loura!

— Eu também pensei que a senhora Mellark se parecia com a Audrey quando vi-a pela primeira vez — confesso.

Madge havia me falado que os pais de Gale iriam vir de Amsterdã especialmente para o casamento.

Em outra mesa, perto da janela, avisto Effie e Haymitch conversando com Finnick. Eles devem ter acabado de chegar. Haymitch não perde tempo mesmo. Melhor que ele dê uma trégua com aquela sua história de me persuadir a participar de certo filme. No entanto, sei que é uma esperança inútil. Conhecendo Haymitch, sei que ele não vai me deixar em paz tão cedo.

Madge acena para mim e Annie. Suspiro. Como devo agir com os senhores Mellark?

Seria bem mais fácil se Peeta Mellark também não estivesse sentado na mesma mesa em que os pais de Madge e os senhores Mellark estão. Sim, ele está lá. Eu só não quis mencionar antes sobre sua presença. Minha vã tentativa de ignorá-lo. Fracassada, obviamente.

Nestas horas, me lembro de uma frase: “sorria”. É o que faço, sorrio e caminho lentamente em direção à mesa. Maldita hora em que fui aceitar ser a madrinha de casamento de Madge!


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Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo? Finalmente, o motivo pela qual Annie e Finnick terminaram foi revelado. Annie é uma das personagens mais animada desta fic, mas ninguém imagina o quanto de dor ela esconde por trás de seus sorrisos. Finnick conseguirá reconquistar Annie? Ela deixará seus medos no passado e conseguirá seguir em frente? E este casamento entre Madge e Gale? Os pais do Peeta fazendo participação especial, hein! E não se esqueçam que o Haymitch está presente no casamento, já vou adiantando que ele tem um plano (bem maluco!) e que vai colocar em pratica durante o casamento hehehehe