– Nós sempre teremos Paris – fala Rick Blaine para sua amada Ilsa Lund em Casablanca.

E assim termina uma das histórias de amor mais conhecida do cinema.

– Katniss, chega de TV por hoje! – diz Madge desligando a TV. – Você precisa descansar.

– Não é para tanto, Madge! Josh disse que já estou bem e que hoje já posso sair do hospital.

– É, mas você nos deu um belo susto.

– Mas eu já disse não foi nada...

– É melhor ouvir sua amiga – diz Josh entrando no quarto.

– Vocês dois resolveram se aliar?

Josh caminha até a minha cama para me examinar.

– Não sei por que tanta preocupação! Como você disse eu tive apenas uma intoxicação alimentar – falo para Josh.

Ele nada responde e apenas continua me examinando.

Sim, foi apenas uma intoxicação alimentar que me deixou de cama por dois dias.

– Katniss! – Annie entra no quarto. – O que aconteceu com você? – ela está ofegante, parece que acabou de fazer uma corrida. – Nem acreditei quando Madge me contou! Não pude vir antes porque estava viajando com a banda, mas acabei de chegar e vim para cá – fala sem interrupções, de um só folego. – Calma, Annie – consigo a interromper, finalmente. – Eu estou bem, não foi nada de grave. Apenas comi algo não deveria e tive uma intoxicação alimentar.

Annie me abraça.

– Eu estou bem, juro! – enfatizo, mas Annie não acredita em minhas palavras, e só após um longo minuto me analisando, consegue ficar mais tranquila.

– Ela está melhor, Annie – tranquiliza Josh.

– Isso me deixa tão aliviada! – solta um longo suspiro de alívio.

Olho para Annie.

– Então quer disser que no Josh você acredita, Annie? Mas em mim não?

– Mas é claro! Ele é médico! E um ótimo médico.

Josh ri de nossa pequena discussão.

– Vou deixar vocês três sozinhas... – vai até a porta. – E, Katniss, mais tarde passo aqui para ver como você está.

Ele sai do quarto.

– Katniss, mas o que deu em você? Fica comendo qualquer coisa e depois nos dá um susto deste! – me repreende Annie.

Olho para ela.

– Não precisa me dar sermão, Annie, Madge já deve ter me dado um milhão deles!

– Madge, obrigada por isso! – fala imitando um tom solene e se curvando.

Olho para minhas duas amigas e bufo.

Annie e Madge passam o resto da tarde comigo. Embora eu esteja em um hospital, passamos juntas uma agradável tarde de amigas.

Madge reclama de sua companheira de série, Mary Turner, que sempre quer puxar seu tapete, tudo porque Mary é a protagonista, porém quem acabou ganhando destaque foi Madge.

– Sério, o diretor disse que na cena eu deveria vestir o vestido vermelho e a Mary quase teve um infarto dizendo que meu vestido era mais bonito que o dela. A Mary praticamente se recusou a gravar a cena, caso não trocássemos de vestidos. Ela falava assim, “o vermelho fica melhor em mim” – fala imitando Mary com um tom afetado.

Eu e Annie começamos a rir da imitação de Madge.

– Se eu fosse você, Madge, já tinha me livrado desta Mary – diz Annie.

– Mas sabe que agora eu até dou umas boas gargalhadas das geniais artimanhas que ela faz para me derrubar. Nesta cena mesmo, o vestido que a Mary usava era o mais lindo, mesmo ela não achando, e eu fiquei com ele – ri. – Por falar nisso, já estou atrasada para as gravações – diz olhando para o relógio.

– Você pode me dar uma carona, Madge? Vim direto do aeroporto para cá, estou sem carro.

– É claro, Annie.

– Você vai ficar bem? – pergunta Annie para mim.

– Não se preocupem comigo, Josh está aqui, e ele é ainda mais terríveis que vocês duas juntas quando se trata de cuidar de um paciente. Logo ele já vai estar aqui com uma lista enorme de perguntas...

Madge e Annie se despendem de mim.

Passar este tempo com elas, quase me faz esquecer de um certo alguém que ainda não deu notícias... Não sei se ele sabe ou não de meu estado de saúde. Nada sobre minha internação foi divulgado, Panem preferiu manter tudo em sigilo.

– Katniss? – levo um pequeno susto ao ver Josh se aproximando de mim. – Te chamei várias vezes, você estava distraída...

– Desculpa, estava só... pensando.

– Ok, vamos ver como você está – diz pegando em meu pulso.

– Quando eu vou poder ir embora? – indago.

– Talvez, amanhã.

– Amanhã? Mas você disse que iria me liberar hoje!

Josh nada responde e continua me examinando.

– Josh! – ele nada responde. – Josh... – uso meu tom persuasivo. – Deixa eu ir embora, vai! Por favor, eu não aguento mais ficar neste hospital! Por favor, vai! – ele parece ainda não me ouvir. – Josh! Não seja mau.

Mas Josh parece não me dar ouvidos. Tenho que ensaiar mais minha voz persuasiva.

– Eu só tive uma intoxicação alimentar, não fui envenenada! – neste momento, Josh deixa cair sua prancheta. – Eu estou bem melhor, não estou? – sorrio.

Josh olha para mim, recolhendo sua prancheta do chão.

– Ok, vou te liberar, mas você vai seguir direitinho minhas recomendações, hein?

– Prometo! – digo levantando a mão igual as testemunhas fazem no tribunal. – Posso ir agora?

– Pode.

– Você é o melhor médico que existe! – falo eufórica.

– Sei... Já estou terminado meu plantão... Te levo para seu apartamento...

– Ok.

Josh me leva embora. É claro que no caminho até meu apartamento ele fica passado mil e uma recomendações.

– Já sei! – falo, enquanto Josh me ajuda a chegar até minha cama. – Pode deixar, doutor Josh, seu eu tiver o mais leve sinal de dor ou qualquer coisa, eu te chamo...

– Acho bom mesmo!

– Você, Madge e Annie ainda vão me matar por excesso de preocupação.

Josh faz uma careta, mas no final ri do meu comentário.

– Anda, pode ir para seu apartamento, você deve estar exausto!

Tenho a impressão que durante estes dias, que estive no hospital, Josh parece não ter saído de lá durante nenhum momento.

– Tem certeza que vai ficar bem?

– Tenho, e Madge já deve estar chegando – digo para tranquilizá-lo.

Ele ainda me olha um tanto quanto indeciso.

– Josh, você está péssimo, precisa dormir! – falo olhando para seu rosto que tem um aspecto cansado. – Já disse que se qualquer coisa acontecer, eu te chamo, doutor.

Embora, com certa resignação por me deixar sozinha e me dando um bilhão de recomendações (até parece que estou a beira da morte, espera eu estou a beira da morte e ninguém me contou?) Josh finalmente resolve seguir meu conselho e ir para seu apartamento.

Olho para meu celular, nenhuma chamada. Talvez eu devesse ligar para ele. No entanto, estou tão cansada neste momento. Melhor deixar para amanhã. Encosto a cabeça no travesseiro e sem perceber caio no sono.

Acordo bem melhor, não há nada como nossa casa para nos deixarmos mais saudável, ficar no hospital estava me deixando deprimida.

Madge prepara um café da manhã especial para mim. Com direito até a pão de queijo. Eles lembram vagamente dos pães de queijo que Peeta prepara mim...

– Katniss, você está bem? – pergunta.

– Sim, estou ótima, nada como voltar para a casa!

– Não é disso que estou falando...

Madge não precisa completar a frase para eu saber sobre o que ela está se referindo.

– Ele deve estar ocupado... – digo brincando com um pedaço de pão de queijo.

– Gale sabe que você está doente, ele... deve ter contado para Peeta.

Nada respondo, apenas continuo brincando com o pedaço de pão.

– Katniss, acho que você deveria ligar para o Peeta. Ele é seu namorado, sei que você não queria que ele ficasse preocupado e tudo mais... mas... – Madge não completa a frase.

Ficamos em silêncio por um momento.

– Liga para ele!

– Madge... eu tentei ligar para ele... Mas ele não me atendeu – confesso com a voz baixa.

Eu não queria preocupar Peeta. No entanto, eu sentia uma falta imensa dele, de ter seu apoio. Eu estava doente e precisava dele ao meu lado. Acabei ligando para ele, porém a única resposta que tive foi um imenso silêncio, já que ele nem me atendeu ou retornou minha ligação.

– Você sabe que quando estamos trabalhando, muitas vezes nos focamos tanto em nosso trabalho que nem podemos falar um com o outro.

– Eu sei, Katniss, mas... Poxa, você está doente! E ele, com certeza, deve saber disso! Isso não é uma justificativa para ele ao menos não te ligar para saber como você está.

– Eu não sei, Madge...

– E eu notei que vocês não se falam há mais de duas semanas!

– Isso foi por causa dos finais das gravações...

– Tem certeza que foi só por isso mesmo?

Balanço a cabeça em sinal afirmativo.

– Vou falar com o Gale agora! E dizer para ele falar com o maldito do irmão dele – diz furiosa.

– Não, Madge! – peço.

– Katniss!

– Madge, ele deve estar trabalhando...

Madge suspira.

– Ok, vou deixar passar por hora, mas se ele não te ligar ou aparecer em menos de 24 horas, eu vou falar com o Gale e exigir que fale com o Peeta sobre isso!

Tento sorrir para ela.

– Obrigada.

Sim, eu sei, esta história toda está muito confusa, este sumiço repentino de Peeta... No entanto, não quero pensar sobre isso neste momento.

Madge vai trabalhar, Josh e Annie dão uma passada em meu apartamento para ver como estou. Aliás, Josh passa quase de hora em hora.

Passo parte da tarde dormindo. Só desperto com o toque do meu celular. Ainda um pouco sonolenta, o atendo.

– Katniss...

– Peeta? – eu realmente não estava esperando por uma ligação dele neste momento.

– Precisamos conversar – sua voz soa distante e fria.

– O que foi?

– É melhor pararmos com esta história antes que ela nos leve a um lugar nada agradável – sua voz soa cada vez mais distante.

– Do que você está falando?

– Olha, Katniss, eu tentei, juro que tentei, mas não dá mais. Você sabe quem eu sou, não? Um ator amado por todos, uma grande promessa... E eu simplesmente não posso estar vinculado com uma pessoa que a cada semana está nos jornais e revistas e com notícias nada bonitas. Agora foi você se envolvendo com Gloss. O que será da próxima vez?

– Peeta? Eu não estou te entendo.

– Katniss, chega. Não podemos ficar juntos. Vamos terminar com este “namoro” de uma vez por todas – diz com a voz mais fria do mundo.

Eu poderia gritar com Peeta, dizer que ele está sendo idiota. Eu poderia dizer inúmeras palavras impróprias. Eu poderia soltar lágrimas.

Mas eu não faço nada disso. Mais uma vez eu estou sendo ferida e novamente por alguém a quem entreguei todo meu coração, alguém em que confiei plenamente. Minhas velhas feridas se abrem, como se eu estivesse revendo o mesmo filme, como se eu estivesse andando no mesmo círculo.

A velha Katniss ressurge. A garota que prometeu que jamais deixaria homem algum ferir seu coração, a garota que construiu um muro em torno de si. O mais engraçado é que a mesma pessoa que derrubou este muro é a que está o reerguendo novamente.

– Então é isso, você se importa tanto com sua imagem, que não pode vê-la manchada? – meu tom é frio, sarcástico até. Não há dúvidas, a velha Katniss está de volta.

Por um segundo não ouço resposta alguma.

– Você me conhece, eu já fiz isso antes... Já deixei uma pessoa por causa da minha carreira. Eu acreditei que havia mudado, mas eu não mudei, eu ainda sou o cara que se importa mais consigo do que com outra pessoa. E você neste momento é meu maior obstáculo.

Suas palavras me ferem, reabrem minhas cicatrizes, sinto meu coração ser detonado por uma bomba, só restando alguns caquinhos.

– Se você quer assim, Peeta, terminemos com isso. Adeus. – uso todo meu esforço para não demonstrar emoção alguma.

Desligo o celular.

Estou um caos, sentimentos contraditórios percorrem por todo meu ser.

Caminho lentamente até a janela e olho para o céu. Uma única lágrima solitária escorre pelo meu rosto, limpo-a com vergonha de mim mesma, porque eu prometi que jamais iria chorar novamente por qualquer homem. Mesmo que este homem seja Peeta Mellark.

E eu que pensei que havia encontrado minha Paris. Constato que eu nunca terei Paris.