Aromas e Acordes escrita por Kisa


Capítulo 1
Capítulo Único




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De acordo com os livros de história, o estado de Nova Jersey foi o grande responsável pela Guerra de Independência Americana. Em seu solo, mais de cem batalhas e confrontos entre as milícias americanas e os soldados britânicos aconteceram.

Uma das mais famosas delas havia sido nomeada como Batalha de Trenton. Nela George Washington fez a travessia do rio Delaware, deflagrando a virada na guerra, que seria vencida pelos americanos alguns anos mais tarde.

É nesse estado que está localizado o Princeton-Plainsboro Teaching Hospital, renomado hospital-escola da Universidade de Princeton. Era costume acontecer simpósios médicos no auditório do hospital. Aquela era a semana cujo o tema principal era Sociopatia, Psicopatia e outras Patologias.

O médico do setor de diagnósticos do hospital logo demonstrou interesse em abandonar seu trabalho na clínica para participar, como ouvinte, das palestras e discussões do simpósio.

Todos falavam que ele era um sociopata. Não que ele achasse que fosse um, no máximo seria antissocial.

Mas a grande verdade do por que ele pediu dispensa da clínica para ir ao simpósio era que ele poderia dormir no auditório sem ser importunado por uma Cuddy que pudesse aparecer para mandá-lo tratar os doentes.

House adorava seu trabalho.

Bem, talvez adorar seja exagero. Na verdade ele achava noventa por cento do trabalho um tédio completo. Achava os pacientes completamente enfadonhos. O que ele gostava no próprio trabalho era investigar as causas de uma doença desconhecida para ter certeza que havia tratamento, havia cura.

Se dependesse dele, a relação médico/paciente se daria via Skype e o receituário mandado por e-mail.

O que importava para House era a emoção da descoberta, a excitação da caçada, e o diagnóstico correto era apenas a consequência da procura pela verdade, pela resposta certa.

Mas nada disso era importante agora.

Afinal, ele tinha uma palestra para dormir.

Mas não conseguiu, pois no debate havia um médico convidado de aspecto bastante peculiar. Hannibal Lecter não era um completo desconhecido de Gregory House. O médico do setor de diagnósticos era um leitor assíduo dos textos desse brilhante psiquiatra, tendo escrito cartas para o Hannibal algumas vezes.

Ficou de fato interessado nos argumentos de Lecter, quando o psiquiatra defendeu que a psicopatia poderia trazer benefícios, citando inclusive seu mais novo trabalho A sabedoria dos psicopatas: o que santos, espiões e assassinos em série podem nos ensinar sobre o sucesso.

— Sinceramente, todos os trabalhos dele são bons mas esse... – House se dirigiu para um homem sentado ao seu lado – parece mais aqueles livros de autoajuda. Dos mais ordinários.

Assim que acabou a explanação e os debates que sempre vinham depois se encerraram, House apoiou sua bengala no chão e foi devagar em direção ao local das apresentações.

Lecter cumprimentava uma médica de cabelos ruivos e não deixou de perceber pelo canto do olho o caminhar diferenciado do homem que vinha em sua direção.

— Sua apresentação foi formidável, dr. Lecter. Estava ansiosa pela sua fala. Sempre muito eloquente.

— Obrigado, senhorita Hamish. — Hannibal finalizou a conversa com um simples meneio de cabeça. Esperou com paciência o homem chegar até onde ele estava e pode analisar nesse pequeno espaço de tempo, toda a musculatura do moreno. Como seu corpo estava adaptado ao andar arrastado, até a maneira nada graciosa do homem de segurar a bengala.

Denotava que aquela pessoa vivia sempre no limite de suas forças.

Lecter gostou disso.

— Esperava mais da sua apresentação hoje, Hanni. Posso te chamar de Hanni?

— Eu o conheço dr...?

— House. Gregory House. — respondeu o moreno, apertando a mão do outro — Desculpe o clichê bondiano. Mas é sempre legal se apresentar já causando uma impressão forte. — prosseguiu falando enquanto soltava a mão do psiquiatra — Formalmente, estamos nos conhecendo agora. Informalmente eu diria que caligrafia de médico não é uma boa forma de se conhecer alguém. Teria mandado um e-mail, mas ele não teria aquela ilustração especial do tigre devorando uma gazela no fim da página.

— Oh, sim. House. Lembro bem agora. Inclusive suas críticas foram bem meticulosas.

— Acho que não foram boas o suficiente, visto que eu presenciei hoje a uma apresentação bem razoável. Já vi novelas abordarem o tema da psicopatia de forma mais eficiente.

— Gostaria de discutir mais sobre o assunto com o senhor, dr. Aceitaria um convite de minha parte para um jantar?

— Está me convidado para sair, Hannibal? Devo informar que não vou para a cama no primeiro encontro. Muito pessoal, sabe. A não ser que tenha flores e luz de velas. Dai as coisas ficam mais interessantes.

— Você tem uma mente intrigante, House. Uma pena seu corpo não ser tão brilhante quanto seu cérebro — Hannibal começou a andar entre as pessoas, sendo seguido pelo médico, que vinha a poucos passos atrás — mas eu entendo que não é justo eu usar de minhas habilidades motoras como forma de me sobrepujar à sua deficiência.

— Dessa maneira você magoa meu coração, Hanni. — House proferiu, colocando-se ao lado do psiquiatra.

— Ainda interessado no jantar?

— Mas é claro. Comida de graça é sempre bem vinda. Eu escolho o restaurante. — o médico já estava andando a frente, se dirigindo até a porta. Parou e olhou para trás — a não ser que você tenha uma proposta mais interessante.

— De fato. Eu sempre preparo minhas refeições, mas no hotel onde estou hospedado eles não permitem a minha estadia na cozinha por mais de vinte minutos. — o psiquiatra abriu a porta de saída, permitindo que os dois se retirassem do auditório — Esperava que você me permitisse invadir sua residência para preparar uma receita que, garanto, lhe será inesquecível.

— Hanni, Hanni. A casa de uma pessoa é seu castelo. Você pretende invadir o meu castelo e cozinhar para mim. Você não está fazendo muito sentido, nós mal nos conhecemos.

— Nós já nos correspondemos. Tenho certeza que você sabe mais coisas sobre mim e eu de você que nossos conhecidos sabem sobre nós.

— Colocando nestes termos... — House ponderou por um momento. Esse instante foi muito breve e quando se deu por conta, Hannibal estava de pé, entre a pia e a mesa de seu pequeno apartamento, sem o terno e com os punhos da camisa dobrados, para não molhar o tecido da peça de roupa. Segurava uma faca que encontrou na gaveta do armário e sobre a mesa, vários ingredientes espalhados que ele pegava de vez em quando para cortar, fatiar e mais outras coisas que House o viu fazendo.

— Antes que você me pergunte Gregory, estou fazendo Virtiniai. Um prato típico do meu país, a Lituânia.

— E isso seria exatamente...

— Outa palavra para Ravioli. – completou o psiquiatra.

— Eu queria muito ficar aqui e papear, mas prefiro esperar a comida ficar pronta em outro cômodo da casa. Em um onde um homem não segure uma faca com tanta destreza, por exemplo.

— À vontade, afinal, a casa é sua.

House andou de volta até a sala e sentou-se a frente do piano. Dedilhou algumas teclas com a ponta dos dedos, sem tocar nada específico. Apenas sentindo no instrumento como cada nota, mesmo individual, ganha vida.

Lecter pegou o queijo branco e o fatiou, meticulosamente, medindo com perfeição cada parte. Após isso, em cubos bem pequenos, cortou a linguiça calabresa feita por ele. Era isso que ele gostava na culinária, ele era capaz de fazer tudo da forma como bem queria. E sentia um prazer enorme ao fatiar de forma perfeita qualquer coisa que quisesse.

Na sala os toques desconexos começaram a ganhar vida e o psiquiatra reconheceu Paganini Etudes nº6 sendo tocada com uma precisão quase cirúrgica. Cada toque nas teclas do piano transportavam Hannibal para outros tempos, tempos mais simples.

Da cozinha os aromas que a preenchiam chegaram até a sala e invadiam não apenas as narinas de House, como todo o seu interior. Ele não queria admitir, mas estava realmente faminto.

House ignorou seu estômago e continuou a tocar, agora mudando drasticamente para Summer Time, do grupo Modern Jazz Quartet.

— Agora sim, faz sentido. — House constatou, falando consigo mesmo.

— De fato. — Hannibal disse, colocando-se ao lado do piano, de frente para House. Quando o médico ameaçou interromper a canção, o psiquiatra fez sinal para que ele não parasse, mas que seguisse em frente.

House então continuou a tocar a melodia simples da canção. Era uma música perfeita para se ouvir durante um jantar, acompanhado de uma boa dose de whisky e excelente conversa. E os dois ali presentes naquela sala sabiam que era exatamente isso que aconteceria.

O médico terminaria de tocar a canção e ambos iriam para a mesa, que estava posta. Jantariam e conversariam sobre todos os assuntos cabíveis. Nenhum dos dois revelaria grandes detalhes sobre si mesmo, mas aí é que está a graça. Eles não precisavam dessas ninharias das convenções sociais, ambos estavam além de tudo isso.

No fim do jantar, o médico voltaria para o piano e tocaria mais alguma coisa, agora acompanhado por um copo de whisky com gelo que repousaria à sua frente sobre o piano e tendo como ouvinte um psiquiatra, que antes fora médico e que agora sabia cozinhar divinamente.

Nenhum dos dois confiava um no outro.

Mas isso era apenas um detalhe, eles não confiavam em ninguém, a priori.

Uma hora a música terminaria e o psiquiatra iria perceber que estaria na hora de ir embora. E talvez não fosse. Talvez ficasse para desafiar a frase dita por House quando se encontraram no auditório:

“Está me convidado para sair, Hanni? Devo informar que não vou para a cama no primeiro encontro.”

Ou Hannibal ficasse para preparar outra iguaria, esta para ser apreciada na solidão.

Mas agora o que eles tinham era Summer Time, que House dedilhou com esmero e um instante depois, encerrou a música. E ambos saíram de seus lugares e foram em direção à mesa experimentar o jantar preparado por Hannibal.

Que estava divino, por sinal.


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Notas finais do capítulo

Olá pessoas.
Conversando com a Milla me veio a ideia de escrever um drabble, só que virou outra coisa D:
Amo os dois personagens, eles são lindos, que os dois pra mim. *__*
Obrigada por lerem minhas fics.
Bjo =*