RACHEL CARELL'

" -Tome cuidado com o amor. Ele distorce suas ideias e faz você pensar que em cima é embaixo e que o certo é errado." –Percy Jackson e a Batalha do Labirinto.

Encarei o reflexo no espelho. A pele estava maquiada, os olhos realçados, as sobrancelhas mais grossas, os lábios mais rosados do que o normal e os cabelos devidamente penteados.

–Arrasou, Rach! –comentou Emily, aparecendo atrás de mim.

–Obrigada, Ems. Aprendi com você. –e pisquei.

Emily estava com os cabelos preso em seu típico rabo de cavalo alto. Sua roupa constituía-se basicamente de um short jeans, uma camisa branca lisa e um colete colorido por cima. Suas tatuagens compunham seu visual invejável.

–Vou dançar com a mulher mais bonita do mundo hoje! –Ems disse, animada.

–Oh, desculpe, Ems, mas pretendo dançar com um homem hoje. Contem-se com a segunda mulher mais bonita do mundo, a Kate.

Emily riu.

–Você anda convivendo demais comigo, Rach.

–Talvez. –dei de ombros. –E ai, o que você acha? Saia xadrez ou africana?

–Xadrez. Vai combinar mais com esse conjunto de cima, com toda certeza.

–Muito obrigada, Mary.

–Ei, só o Luke me chama assim.

–Eu sei... Roubei o apelido.

Ela riu, novamente.

–Vou lá ver como a primeira mulher mais bonita do mundo está.

–SEGUNDA! –gritei.

Depois de pronta, encontrei o casal no sofá pequeno, me aguardando.

–Como estou, Kat?

–Está linda, Rach.

–Vai arrasar corações. –Emily comentou.

–Igual você, provavelmente. –devolvi.

Emily então passou o braço por cima dos outros de Kate e olhou para a ruiva ao dizer:

–Outras podem até tentar, mas minha atenção pertence a apenas uma.

–Owwnn... –Kat esboçou, derretida.

–Gente, ainda estou aqui. –acenei para elas.

Elas riram.

–Vamos logo.

Eu fui dirigindo, para deixar o casal mais próximo.

Arrumei o retrovisor olhando para os bancos de trás. Kate, que usava um vestido mais justo azul claro de estampa africana, puxava o colete colorido da morena, para um beijo.

–Então, qual o nosso destino? –perguntei quando terminaram.

–Motorista linda, para a night! –Emily respondeu.

✶ ✵ ✴

O pub teria uma noite diferente. Era um teste. Ao invés da extensa pista de dança, mesas redondas foram distribuídas no local, com um foco principal no palco. Era uma espécie de noite cultural. A maioria das pessoas não eram meros adolescentes atrás de bebida. Não era algo sério e sofisticado como uma ópera, porém, atraiu um tipo de clientela diferente do costume.

Sentamos em uma mesa, mais ao fundo. O casal ficou mais próximo uma do outra e eu de frente para elas, mas não de costas para o palco.

O projeto que partiu de algum funcionário, tinha como objetivo entreter as pessoas das mais diversas formas. Pelo o que eu sabia, teria piadas, poetas, cantores locais e no fim, os clientes poderiam participar se assim o desejasse.

–Desejam alguma coisa, belezuras?

Eu conheceria aquela expressão até em plutão.

–Luke!

O moreno sorriu sedutoramente. Estava com um bloco de anotações em mãos, um smoking de garçom e cabelos arrumados. Surpreendentemente, havia caído muito bem nele.

–Você mora com a gente, por favor! Sabe muito bem nossos gostos. –Kate jogou as mãos para o alto.

–Certo. Então uma garrafa de cerveja para a Kate, um coquetel Blood Mary para uma Mary Emily e uma batida de frutas sem álcool para a loira anti-diversão aqui. Confere?

–Certíssimo, Homem Fogo! –Emily sorriu.

Luke bateu continência.

–Estarei de volta em alguns instantes. Não morram de saudades, ok? –e piscou para nós, saindo.

–Adoro esse cara. –Emily disse.

–Às vezes ele é suportável. –Kate admitiu.

–Ele é uma boa pessoa. No fundo. –completei.

–Percebemos que vocês andam mais próximos nos último mês, Rachel... –a conversa partiu de Kate.

–É. Pode-se dizer que sim. Andamos passando muito tempo juntos.

Então eu me lembrei. Daquela conversa sobre um problema sério, em que usamos frases do filme “Rei Leão” para nos expressarmos. Desde então passávamos algumas horas do dia juntos. Vendo série –A segunda temporada de The O.C que Luke havia comprado–, correndo no parque de manhã e lanchando algumas vezes no Mc’Donalds mais próximo. Brigávamos. Muito. Chegamos à conclusão que isso nunca mudaria, mas riamos bastante também. Fora, num geral, divertido compartilhar um pouco da minha vida com Luke.

“–LOIRA!

Olhei ao redor, achando ter ouvido a voz de Luke. Quando foquei meus olhos em um ser atlético que via correndo em minha direção, ficou óbvio que se tratava dele.

–Luke? O que faz aqui na faculdade?

–Vim buscar você, oras.

–Para quê, criatura?

–Para comermos! –ele disse, como se fosse óbvio.

–Mc’Donald? –perguntei, sorrindo.

–Oh, Mc’Donald sim, cabelo de capim.”

–Sabe, eu gosto de vocês juntos... Eu já disse isso? –Kate perguntou, se fingindo de inocente.

–Não me lembro. Porém, isso não vai acontecer. Seria desastroso.

–Bom, você já parou para pensar que talvez não?

–Já. Na verdade, já sim. E essa possibilidade não existe. Estaríamos propensos ao desastre completo. E convenhamos, não combinamos em nada. Além do mais, eu sou de ficar com um só, enquanto ele, deseja um arem.

–As coisas mudam. As pessoas também. –Emily completou.

–Mas o passado não. –respondi.

Talvez apenas eu tenha entendido minha resposta. As pessoas mudavam, claro, mas seus passados, por piores que tenham sido, continuaria imutável. Nem todos conseguem deixá-lo distante. Algumas pessoas o trazem de volta periodicamente nos piores momentos. Nossa amizade já era complicada, instável como um barbante. Um relacionamento sério, então...

–Mas seja franca, vamos. Você gosta dele.

–Isso não foi uma pergunta?

–Talvez sim. Talvez não. –Kate disse, cruzando os braços. –Não precisa nos responder. Sabemos como essa seria a missão mais impossível do mundo.

–Só estamos lhe perguntando, ou melhor, lhe advertindo, que pode mentir para todos... Para sua mãe, seu pai, sua prima brasileira, para nós, para a Missy, para o próprio Luke, mas não minta para si mesma, Rachel. Essa é a pior mentira. –Emily disse.

A conversa tomou um rumo sério que eu não pretendia acompanhar.

–Eu vou ao banheiro, ok? –disse a elas.

–Por favor, Rachel, tenha classe! O jeito correto é toilette. –Emily me reprimiu, fazendo um biquinho no fim da frase.

–Não enche o saco dela, baby! –Kate a cutucou.

–Eu estava brincando, Zeus! Ela sabe, ruivinha.

Dei de costas para o casal e fui em direção ao banheiro feminino.

Então encarei o espelho, retoquei o gloss e respirei fundo.

“-Luke, o Fumaça está expulsando até a alma pela boca. O que você deu para ele ficar assim?

–Não lembro. –ele deu de ombros.

–Luke, eu decidi confiar em você. Porém, só mais uma vez.

–Decisão horrorosa.”

Quando voltei, deparei-me com Richard, meu amigo de corridas e compositor, sentado na mesa com Kate e Emily.

–Ei, o que faz aqui?

Ele riu, exageradamente.

–Onde tem música, tem eu.

–Como não pensei nisso antes?

O abracei.

–Você andou sumido.

–Verdade. O trabalho anda apertado. Esse foi o primeiro dia em meses que consegui sair de casa para me divertir.

–Entendo perfeitamente. Tive duas semanas de provas horrorosas.

–Ainda bem que Luke te salvou. –Emily comentou, baixinho.

–Oh! Vocês estão se dando melhor, agora? –Richard perguntou.

–De certa forma sim.

Sorri, sem graça.

✶ ✵ ✴

Minha bebida já estava no fim quando cantores locais subiram ao palco para nos entreter. A música da primeira banda era boa, contagiante. Emily exercendo a promessa de horas antes, estava dançando perto do palco –havia um espaço proposital ali– com a primeira mulher mais bonita do mundo, segundo ela.

Richard conversava comigo e Luke sempre aparecia para perguntar se estávamos gostando ou se queríamos mais alguma coisa. As meninas pediram uma entrada de aperitivos antes de dançar e eu as beliscava.

–Me dê licença, Rich, mas preciso ir ao... Toilette.

–Oui, mademoiselle.

Andava descontraída pelo caminho até o banheiro feminino, quando fui puxada para dentro de um cômodo escuro, abafado e incrivelmente apertado.

Respirei fundo.

Ô merda...

E então ouvi alguém rir baixinho, se divertindo com a situação.

–Luke?

Ele riu novamente.

–Está se divertindo, Rachel?

Ele estava perto. Bem perto. Eu podia sentir seu hálito de hortelã misturado com bebida.

–Pensei que funcionários não podiam beber em horário de trabalho. –rebati.

–E eles também não podem trazer companhia para o banheiro de funcionários. Essa foi uma regra que a própria Miranda me impôs.

Agora eu sabia onde estava.

–E então estou aqui por algum motivo especifico? –arqueei uma sobrancelha, entrando em um jogo que minutos antes não pretendia estar.

–Porque... Eu queria conversar com você. –ele chegou mais perto. –Você está se divertindo?

–Sim, Roach.

–Certo.

Eu não o enxergava completamente. Luke era apenas uma sombra negra se esgueirando em minha direção, mas eu o vi colocar as duas mãos na parede, acima dos meus ombros.

Estava encurralada. Novamente. Igual no dia do jogo contra Jets e Giants.

–Você está bonita hoje, loira.

–Obrigada, Sapo...

E então, Luke passou uma de suas mãos em meu rosto.

Um gesto carinhoso.

Só podia estar dormindo.

Logo em seguida, aproximou-se um pouco mais e inspirou o ar na região do meu pescoço.

–Nos vemos mais tarde, Cacau.

E riu baixinho, saindo do cômodo escuro.

Eu respirei fundo.

E inspirei.

E repeti o processo dezenas de vezes.

Estava atordoada.