POV RACHEL CARELL’

"Às vezes é mais difícil forçar-se a ficar parado do que sair correndo para longe." –Como ser um Pirata (Como treinar o seu dragão, II)

Eu estava sentada de frente para a bancada da cozinha, tomando meu café da manhã e olhando o céu pálido lá fora quando Mike apareceu no vão da porta.

–Onde você foi? –perguntei levando o biscoito a boca.

–Eu vou embora nessa madrugada e queria deixar algo que fizesse você se lembrar de mim. Eu procurei livros que se passassem na Califórnia ou houvesse um personagem parecido comigo, mas nem encontrei. Então optei por outra coisa... Acho que você vai gostar.

Na sua mão havia um embrulho azul retangular, mais ou menos do tamanho de um livro, mas sabíamos que não era um livro.

E então, Mike sentou-se ao meu lado e estendeu o embrulho a minha direção. Dentro estava um DVD.

–The O.C –Um Estranho no Paraíso... -li. -O que é isso? Uma série?

–Sim, passa na Califórnia. Já lançaram três temporadas até hoje. Eu gosto bastante... Você poderia ver e se gostar, comprar as outras. Assistir com a Kate, Emily ou quem sabe até com o Luke?

Arqueei uma sobrancelha. O dia estava bom, não precisava citar o Luke. Fleches da nossa conversa da noite anterior pairavam em minha mente.

“–Puta que te pariu! Como você me irrita! Você não é irresistível, vocêé apenas um ridículo com o ego cem vezes maior do que você merecia por ser quem é.”

Luke não estava em casa quando levantei da cama.

–Rachel?

–Ah, oi. Não acho que Luke seja uma boa companhia...

–Yeah. Ou veja sozinha, ou com seu gato que me odeia... Mas me promete uma coisa.

–Sim?

–Ao menos hoje, nesse último dia, tente ficar feliz.

Suspirei fundo. Mike nem havia ido e eu já sentia os efeitos colaterais da saudade.

–Certo. –assenti. –Quais os planos para hoje, então?

Mike sorriu.

✶✵✴

–Está frio. –balbuciei com os braços ao redor do meu corpo –Não há graça em vim para o Central Park assim.

–O parque é lindo independente da tonalidade do céu, Rachel. E nem eu estou com frio!

Ô droga, aquele então não era o frio “normal”. Não era o frio por conta do clima, era o frio provindo do medo, que congelava-me por dentro.

Estávamos sentados em um dos bancos, olhando a água, as pessoas correndo... Eu adorava ali, óbvio, mas naquele dia especifico, eu gostaria de estar em casa, na minha cama e com Mike ao meu lado para ser mais exata.

Mike suspirou e me trouxe para mais perto de si, beijando-me logo em seguida. Era difícil pensar que em questão de algumas horas isso acabaria. Nós tínhamos decidido que isso que tínhamos, seja lá o que fosse, iria acabar quando Mike voltasse. Continuaríamos conversando quando desse, pois ele era uma boa pessoa e eu gostava disso e quem sabe algum dia a sorte estaria ao nosso favor e nossos caminhos cruzassem de novo? A esperança é o último recurso dos desesperados.

De qualquer forma, a súbita aparição de Mike havia feito bem para mim. Percebi, depois de alguns anos, que eu poderia voltar a gostar de alguém, alguém em algum lugar poderia ainda estar guardado para mim, apenas me esperando. O pensamento era reconfortante, apesar de me causar frio interior.

Mike me encarava. Mas não o encarar de uma mãe aborrecida ou de uma professora com raiva, mas sim de um jeito bom, algo misto com admiração e liberdade, como se flutuasse.

–Vou sentir sua falta. –falei e desviei o olhar para as águas.

–Eu também, loirinha.

Passamos o resto do dia no parque, andando, conversando ou apenas nos beijando em algum banco. Depois passamos na livraria-café, a qual saímos juntos pela primeira vez e lá aproveitamos para lanchar. Mike também me mostrou aonde se encontrava as próximas temporadas do seriado que eu havia ganhado.

Logo em seguida fomos para seu hotel. A mala de Mike, estava ao meu lado na cama e seu interior logo foi ocupado por roupas perfeitamente dobradas. Nem eu conseguia deixar minhas malas tão arrumadas. Na verdade, achava-se de tudo dentro da minha bolsa e sumia-se a coisas mais improváveis também. Era quase assustador.

Após fechar o zíper da mala, ele me olhou novamente e apoiou as mãos em minhas coxas enquanto agachava para me beijar.

–Que tal uma última despedida?

Sorri maliciosamente, e em vez de responder com palavras, o puxei para a cama.

✶✵✴

Minha parte favorita do aeroporto, era esperar na sala de embarque, maioria das vezes com um bom livro na mão ou com a cabeça cheia de expectativas para a viagem.

Uma vez, quando uma tempestade me fez permanecer oito horas a mais do que o esperado, eu havia me dedicado a prestar atenção nas pessoas. Algumas reunidas eram famílias, felizes por finalmente estarem tirando as férias merecidas e apesar das crianças darem muito trabalho e chorarem o tempo todo, todos sorriam. Algumas amigas também viajavam juntas, todas contentes e extasiadas. Um homem solitário com uma pasta deixava óbvio que a viagem era rápida, apenas de negócios. Mas o que mais me chamou a atenção foi um homem com roupas camufladas que encarava uma foto tirada da carteira e olhava para a escuridão além do portão de embarque e horas antes eu o havia visto se despedindo de uma mulher e duas crianças. Fiquei imaginando o que acontecera com todas essas pessoas depois, principalmente com o homem de camuflagem.

Mas dessa vez, eu não estava lá por mim, estava aproveitando cada segundo que tinha ao lado de Mike. Me sentia quase como a mulher do soldado. Mike já tinha feito e check-in e esperávamos apenas que fosse chamado para a sala de embarque.

–Me avise quando chegar. –falei em tom baixo.

–Yeah. Pode deixar comigo. Rach, fique bem viu? Não importa que vai acabar, você fez essas férias em Nova Iorque, a melhor de todas. Muito obrigada.

–O prazer foi todo meu. –sorri.

E então, mais rápido do que eu imaginava, a voz robótica dos altos falantes anunciou o voo de Mike.

Meus olhos encheram d’água o mais rápido que pude escondê-lo.

Mike aproximou-se lentamente e depositou um beijo em minha testa.

–Até algum dia, Rachel.

E sussurrou um “-Você é especial, não se esqueça disso.” em meu ouvido. Lágrimas rolavam na minha face.

–Até, Mike.

E antes que eu percebesse, ele já estava passando pelo detector de metais, olhou uma última vez em minha direção e piscou.

Logo um braço passava ao redor de mim.

–Vamos para casa, moça.

Luke.

Assenti sem me importar com o porquê dele estar ali. Ao me virar dei de cara com Kate e Emily, que vieram me abraçar também.

–Vai passar. –Kate disse do meu lado direito. –Estamos aqui para ajudar.

–Finalmente ele foi embora! –Luke disse ao meu lado esquerdo e nem o repreendi, estava triste demais para isso.

–Luke! Shiu! –Emily disse enquanto caminhávamos em direção ao estacionamento.

–Eu detesto admitir, mas eu concordo com o Luke. –Kate disse. –Nunca odiei tanto alguém!

–O ódio de vocês pelo pobre garoto não está ajudando a Rach, gente! –Emily interveio novamente.

–Ah, sim. Desculpa, Rach. –Kate disse apertando um pouco meu braço.

–Certo.

Chegamos ao estacionamento, estávamos em frente ao carro de Kate.

–Luke, você vai atrás com a Rachel. Cuide dela, ok? Ou eu te arrebento. –a ruiva disse encarando o cafajeste seriamente.

Emily riu e entrou no banco do passageiro.

Minutos depois estávamos todos no carro.

–Miau! –meu pequeno gatinho pulou no colo de Luke.

–Que...? QUE DROGA É ESSA, LUKE? VOCÊ TROUXE O FUMAÇA? –Kate esbravejou olhando para trás enquanto tentava se concentrar com a direção.

–Ué, eu deixaria o pobre gatinho sozinho em casa? Deanzinho não gosta de solidão, ruiva egoísta.

–Se ele defecar ou urinar nesse carro, fique sabendo que é o senhor quem vai limpar! E com a língua!

Emily meio ria, meio ficava séria. Aparentemente tentando ficar do lado de Kate, mas não obtendo muito êxito, já que a risada por ora a dominava.

–Certo, certo. Ô TPM desgraçada hein? Emily, dê um jeito nessa sua mulher! –Luke dizia enquanto coçava as costas de Fumaça.

–Seu... Seu... –Kate tentava achar uma ofensa. Aposto que as opções eram tantas que ela nem sabia qual delas escolher.

–Parem de brigar vocês dois! –Emily gritou. –Kate, ignora ele. Luke, cuide da Rachel, sim?

Era bom ter gente para contar, com toda certeza.

Luke assentiu e colocou o braço por cima do meu ombro.

–Logo chegaremos em casa, cabelo-de-capim.

Olhei em teus olhos que adquiririam um tom divertido.

Luke olhou para mim e simplesmente...

Sorriu.