Laura E Edgar - Um Novo Olhar escrita por Bia


Capítulo 41
Henrique Medeiros


Notas iniciais do capítulo

Olá meninas, tudo bem? Um capítulo novinho saído do forno... Espero que gostem... Teremos mais um pouco do Henrique... Sei que prometi para amanhã, mas achei melhor postar logo... Bjs não deixem de comentar, gosto de saber a opinião de vocês... Boa leitura...



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Henrique Medeiros (capítulo 41)

Ao acordar notei o espaço vazio ao meu lado, Edgar não estava. O relógio marcava 10h32min da manhã. Nunca havia acordado tão tarde e para piorar ainda estava bastante sonolenta. Fechei novamente os olhos e fiquei alguns minutos ainda deitada... Normalmente não faria isso. Talvez fosse o cansaço dos últimos dias, os últimos preparativos para a inauguração da escola estava ocupando meu tempo e na realidade não via a hora de ver, finalmente, nosso sonho concretizado. Levantei e fui fazer minha toalete, porém, ainda senti uma pequena tontura, nada como no outro dia que Edgar teve que me segurar para não cair. Arrumei e desci e para minha surpresa uma linda mesa de café da manhã me esperava...

– Bom dia, Matilde.

– Bom dia dona Laura, o Dr. Edgar deixou este bilhete para a senhora. – Entregou-me o papelzinho dobrado. – O café está ao seu gosto, ou quer que prepare mais alguma coisa?

– Não obrigada, tudo parece delicioso, não estou com muita fome... Nem sei se vou tomar café direito... Meu estômago nestes últimos dias não está muito bom... Eu vou comer um pouquinho afinal de contas saco vazio não para em pé. – Servi de café preto e uma fatia de bolo de milho.

– Se a senhora quiser posso fazer um chá de hortelã... Faz muito bem... Faço em um instante...

– Obrigada Matilde, não será necessário, qualquer coisa eu te peço...

– Com licença vou arrumar o escritório. – Matilde se retirou.

Desdobrei o bilhete e li...

Querida Laura,

Enquanto escrevo este bilhete a observo dormir, e ao vê-la deitada, assim, dormindo tão tranqüila... Cada vez me vejo mais apaixonado por você... Não consigo não olhar para você... E pensar que está agora no lugar de onde jamais deveria ter saído... Pensar nas tantas vezes que acordei de madrugada e não a vi ao meu lado... Na saudade... Na ausência... Passado agora!

Querida, desculpa sair assim, infelizmente, já tinha este compromisso e acabei não te falando por esquecimento. Tenho uma audiência fora da cidade, em Teresópolis, e passarei o dia fora... Farei de tudo para voltar ainda hoje, não quero ficar muito tempo longe de você... Já sinto saudades suas... Não imagina o quanto lamentei ter que sair e deixá-la dormindo... Não quis acordá-la, estava tão linda, eu não sei como consegue ficar cada vez mais linda e eu, como um bobo apaixonado não consigo não admirar... Por um momento pensei em desistir, porém, as responsabilidades me chamam e tive que atender seu chamado...

Cada vez mais apaixonado e apenas seu...

Que boba era eu por lê e relê o bilhete que o Edgar havia me deixado... Tomei meu café e me terminei de me arrumar... Agora, já que Edgar estava fora, tinha que me distrair para não senti tanta a sua ausência e nada melhor que trabalhar. Ir para a escola e ver como andava os últimos preparativos. Também tinha prometido a Sandra e a Isabel que iríamos passar pelas casas dos moradores e conversar com os pais da importância de ter os filhos na escola... Minha ansiedade apenas aumentava e cada vez mais não via a hora de ver tudo pronto e a nossa escola funcionando.

Fui até a casa de Sandra, queria falar com ela e a chamei para vim comigo até o Morro da Providência... Ela me contou que conheceu um jovem e havia encantado com a timidez do rapaz, Teodoro. Contei a ela que havia feito as pazes, mais uma vez, com Edgar, ao menos tentávamos ficar em bons termos. Enquanto andávamos pelas ruas em a caminho do bonde conversamos. Sandra estava muito animada com possibilidade de dá aulas... Ao pegarmos o bonde, apenas ouvi meu nome ser pronunciado por uma voz já conhecida e ao me virar... Por coincidência, lá estava Henrique sentado a duas fileiras atrás.

– Henrique? Nossa! Que coincidência... Era a última pessoa quem eu pensava em encontrar por aqui. – Realmente não esperava encontrá-lo ali.

– Laura, como vai? Pois era em você em quem eu pensava...

– Nossa... – Apenas olhei para ele, por um momento quase me esqueci de Sandra. – Desculpa-me, Sandra este é Henrique Medeiros, amigo da minha família.

– Prazer senhorita.

– O prazer é todo meu senhor Medeiros.

– Henrique, por favor... E para onde vão as duas?

– Na realidade vamos ao Morro da Providência?

– Já ouvi falar, não é um pouco perigoso as duas irem sozinhas até lá? E o que as duas farão por aquelas bandas...

– Na realidade Henrique, nós vamos até a escola em que vamos trabalhar e que fica ao pé do morro.

– Trabalhar? – Surpreso.

– Somos professoras. Eu não te contei que dou aulas?

– Na realidade não... Então dão aulas em uma escola no morro? Nem sabia que havia uma por lá...

– É nova... Na realidade é um projeto que eu e a Isabel, minha querida amiga... Na realidade um antigo sonho, estamos desenvolvendo e já está nos últimos preparativos... Vamos até lá porque, mesmo, com a ajuda de comunidade, ainda há alguns pais que não querem deixar os filhos estudarem... Preferem que trabalhem.

– As crianças ajudam trazendo dinheiro para casa... – Concluiu.

– Exatamente. Há alguns pais que não entendem que para um futuro melhor é necessário que os filhos vão para a escola.

– Entendo... Embora não seja tão simples assim... Acredito Laura, que eles até compreendam isso... Porém o pouco de dinheiro que aquelas crianças trazem ajuda a manterem a casa... Eles pensam nas necessidades imediatas e deixam de lado as de longo prazo e Educação é algo de longo prazo... A realidade deles é o agora, não fazem por mal, apenas por dificuldades financeiras mesmo.

– Compreendo... E eu e a Sandra vamos tentar conversar com eles... Tentar fazê-los entender que precisam pensar no futuro dos filhos em longo prazo. E isso requer um pouquinho de sacrifício por partes deles.

– Olha, eu estava indo até a Ouvidor, porém não tinha nada de interessante por fazer por lá... Será que não querem companhia. Quero conhecer a escola de você e seria interessante conhecer o Morro da Providência... Ou minha presença atrapalha vocês?

Eu e Sandra nos olhamos...

– Tem certeza que não tinha nada importante para fazer?

– Eu iria até a Rua do Ouvidor apenas para ver o movimento... Amélia fez uma pequena viagem com um casal amigo nosso para Vassouras, vai passar esta semana por lá... Agora achei algo mais interessante para fazer... Quero muito conhecer o Morro e a escola... Será interessante ver as condições de vida daquelas pessoas... Sou engenheiro e me interesso muito como as pessoas vivem, principalmente, aquelas que foram praticamente expulsas de suas casas e não tiveram outra alternativa a não ser subir os morros ou se mudar para regiões mais distantes do centro. Depois da política de urbanização praticada pelo Prefeito Pereira Passos.

– Por que não acompanhou sua irmã?

– Uma viagem dessas para a Amélia pode ser interessante, para mim é tediosa. Prefiro ficar por aqui. O Rio de Janeiro é bem mais interessante que Vassouras... Na realidade tinha que até ir a uma das fazendas, farei isso daqui a dois dias.

– Se não for de atrapalhar? – Perguntei.

– De nenhuma maneira, sem contar que estarei em ótima companhia. – Henrique lança-me um sorriso.

– Por mim, não tem problema... – Sandra respondeu.

– Por mim também não... Então vamos.

– Então são professoras. Não imaginava que trabalhasse...

– Pareço uma senhora que apenas vivem em casa em função de marido?

– Definitivamente isso nunca me ocorreu Laura.

– Então o quê pensou?

– Nem nada específico... Por que professora?

– Sempre fui fascinada por aprender e por ensinar também... Adoro ver os rostinhos das crianças quando estão aprendendo. Tenho muito prazer em ensinar...

– Seus olhos brilham enquanto fala... Isto é tão bonito de se ver.

– Gosto de ensinar...

– E o seu marido... Aceita que você dê aulas...

– Aceita... Neste aspecto ele sempre me apoiou... É isso é uma das muitas características que mais em encantam no Edgar... Sabe que vocês dois são muitos parecidos... A maneira como pensam... Seriam bons amigos... E você, teria algum problema em deixar sua esposa trabalhar?

– Não... Sabe que seria interessante... Bem que ainda não tenho uma esposa... Não teria problema algum com isso... Provavelmente seria mais interessante que alguém que fica o dia inteiro em casa... Saber como foi seu dia... Eu, por exemplo, venho de uma família de muitas posses... E com o falecimento do meu pai tive que assumir o controle dos negócios... E ainda sinto falta de trabalhar com que me formei... Administrar os negócios é até fácil... Não há outra pessoa para fazer isso por mim, não alguém de minha confiança... Se tivesse, certamente eu estaria trabalhando com engenharia.

– Então tem interesse em voltar a trabalhar com engenharia.

– Foi à profissão que escolhi. Quando o Rio de Janeiro estava um verdadeiro canteiro de obras... Cheguei a ser convidado para trabalhar, porém como meu pai havia morrido há pouco tempo e minha irmã tinha apenas doze anos, não pude aceitar... Na época ainda estava em São Paulo... Agora que resolvi vim para cá definitivamente... Quem sabe possa voltar e finalmente exercer minha profissão. É o que quero. Agora com Amélia maiorzinha, eu já posso me dedicar mais... É claro que nada que me afaste por muito tempo da cidade... A cidade está crescendo e acho que há lugar para mais um engenheiro.

– Faz muito bem... Será muito bom para você voltar a trabalhar.

– Começo a conversar com algumas pessoas da área e acho que logo já terei uma colocação... Também quero aprender, afinal de contas, faz tempo que não trabalho com isso e sempre surge algo novo para aprender...

– É verdade... – Disse.

– Acho que chegamos...

– Chegamos sim, vamos descer?

– Henrique, aquela casa amarela ali é a nossa escola, é pequena, mas nossa.

– Errado Laura, ela é do tamanho certo dos seus sonhos... Você não disse que era um antigo sonho. E na realidade nem é tão pequena assim, tem um bom tamanho.

– Não disse não.

– Então? E o que estamos esperando para ir até lá?

Caminhamos um pouco até chegar à casa. Mostramos tudo ao Henrique e ele parecia satisfeito com tudo que via. Comentou que a sala estava em ótimas condições e elogiou o acabamento feito. Mostramos onde seria a cozinha e generosamente ele nos disse que poderia doar alguns materiais que por ventura ainda faltasse. Aceitei a ajuda e agradeci de bom grato tamanha generosidade. Em seguida fomos até a casa de tia Jurema que nos recepcionou com sempre com deliciosas guloseimas. Expliquei para Henrique a importância de nossa querida tia para aquela gente e ninguém melhor do que ela para nos levar até aos outros moradores ainda resistentes a colocarem os filhos na escola. Depois subimos um pouco mais o morro e começamos a percorrer as primeiras casas. Realmente foi um trabalho difícil, nem todos os pais estavam dispostos a aceitar que os filhos perdessem parte do dia na escola, isso significava uma perda na renda, e para quem já tem tão pouco por menor que fosse a perda, sempre faria falta. Henrique, como sempre tentava ser conciliador e tentava argumentar com eles que a perda de fato viria, porém o ganho há longo prazo, provavelmente, valesse o sacrifício inicial... Era bonito ver o empenho dele em convencer aqueles pais mais arredios... Com alguns obtemos algum êxito, com outros o resultado não foi dos melhores... E como bom negociador que parecia ser Henrique não se deixava abater pela negativa inicial e tentava arranjar outros argumentos... No final do dia, tínhamos mais quatorze crianças em nossa escola e isso me deixava muito feliz, se não teríamos tido este resultado sem a colaboração do engenheiro... Voltamos à casa de tia Jurema e, depois de passar boa parte do dia percorrendo os caminhos do Morro da Providência estávamos famintos e mais uma vez a recepção da tia de Isabel foi impecável...

Descemos o morro e finalmente conseguimos pegar um bonde de volta e como bom cavalheiro que era, Henrique ainda continuou a nos acompanhar, primeiro deixamos Sandra em sua casa e depois pegamos um coche de aluguel e fomos até o Cosme Velho... E meu querido amigo parecia muito entusiasmado com o dia de hoje...

– Chegamos. É aqui que eu moro.

– Bela casa... Sua casa é muito bonita. – Henrique admirava o lugar.

– É bonita sim, mas não é minha...

– Como não... Não é sua e de seu marido...

– A casa é de Isabel, uma grande amiga e meu marido não mora aqui...

– Não? – Não parecia entender nada.

– Não.

Henrique parecia mais confuso ainda...

– Você mora aqui e seu marido em outra casa, foi o que eu entendi?

– Foi sim... Eu e o Edgar não moramos na mesma casa...

– Eu sempre pensei que casais morassem na mesma casa...

– Longa história já te disse...

– Laura, definitivamente você sempre me surpreende... Então tem a ver com seu estado civil?

– Quem sabe um dia eu te conto esta história...

– E o dia não poderia ser hoje?

– Eu confesso que estou um pouco cansada...

– E eu não tenho muito que fazer agora... E sou um bom ouvinte...

Confesso que enquanto Henrique falava senti um leve mal estar que me fez perder um pouco o equilíbrio e se não fosse por ele, talvez tivesse caído no chão.

– Laura, algum problema? – Henrique ainda me segurava.

– Desculpa por um momento fiquei tonta... Foi um leve mal estar... Não se preocupe eu vou ficar bem, assim que entrar irei descansar um pouco...

– Eu vou acompanhá-la até lá dentro... Será que sua amiga está em casa?

– A esta hora, acho difícil, Isabel provavelmente esta no teatro... Não se preocupe eu vou ficar bem...

– Não senhora, ficarei aqui até ela chegar e não adianta reclamar... Acho que terá que me contar àquela história que insiste em não me contar...

Henrique continuou ao meu lado e subimos a escadaria da casa de Isabel... Como desconfiava, estávamos sozinhos na casa e me sentei no sofá vermelho e Henrique foi até a cozinha buscar um copo de água para mim e aproveitou para fazer um chá... Falei a ele onde ficava os deliciosos sequilhos que minha querida amiga fazia vez ou outra. Enquanto Henrique se servia com os biscoitos, eu apenas bebia o chá... Não quis comer, meu estômago já parecia por demais revirado...

– Então Laura, quer ou não me contar sua história?

– É uma história longa... Sem contar que acho que não vai achar tão interessante assim...

– É aí que a senhora se engana... Estou bastante curioso... A senhora diz que é casada, porém, não mora com seu marido... Só isso já faz a sua história bastante interessante.

– Nem sei por onde começar...

– O começo é um bom ponto de partida...

– Você realmente insiste nisso...

– Pelo pouco que sei parece ser bastante interessante...

– Não sei se é tão interessante assim...

– Pelo que sei pai disse aquele dia, você não é, de fato, casada... É divorciada.

– É verdade...

– E diz que é casada...

– Na realidade Henrique, eu me sinto casada...

– Se sente casada? E não vive com seu marido... Confuso...

– Para você ter uma ideia... Imagine a gente...

– Eu gostaria muito de entender...

– De uma maneira bastante reduzida... Seria algo assim... Nós nos conhecemos... Casamos... E depois divorciamos... Ficamos longe um do outro por seis anos e depois nos reencontramos... E agora estamos tentando... Basicamente é isso...

– E eu que pensei que fosse moderno... Laura você é a mulher mais moderna que já conheci na vida... Eu já conheci muitas mulheres e você é a mais revolucionária de todas elas...

– Eu não me vejo assim não... Apenas tento levar minha vida da maneira mais simples possível...

– Honestamente, sua vida é tudo menos simples... E isso porque a senhora ainda se recusa a me contar sua história toda...

– Sabe Henrique... A minha história... Há ainda tantos sentimentos envolvidos... E não são apenas meus... São do Edgar também... Nós ainda tentamos entender... Quem sabe, um dia eu possa de contar... Sem tantos sentimentos envolvidos... O que eu posso dizer basicamente é que nem tudo ainda foi resolvido e eu preciso ainda de um tempo... Não é uma história qualquer... Há muita coisa aqui dentro... Talvez um dia... No futuro, quem sabe... Agora não... Desculpa por não falar... Eu prefiro assim...

– Laura, não tem porque se desculpar... Eu é que peço desculpa por ser tão curioso, não deveria... Apenas pensei que fosse algo mais simples para você agora vejo que não é... É claro que fico curioso, e vou respeitar isso... Quer saber... Não vamos mais tocar no assunto... Como se sente agora... Melhorou um pouco mais...

– Melhorei sim, acho que é cansaço... Tenho andado tanto de um lado para o outro que acabo me alimentando mal... Agora até para ficar mais sonolenta dei para ficar... Acho que assim que a escola for inaugurada e tudo estive funcionando, acho que me sentirei melhor.

– Talvez seja cansaço mesmo, apesar de que eu sugiro a você procurar um médico e pelo que me consta tem um ótimo na família... Por que não procura seu pai? Quem sabe ele pode de receitar algo que lhe faça bem?

– Talvez eu faça isso, por enquanto não acho necessário... Se os sintomas persistirem, aí eu procuro o Dr. Assunção, eu prometo.

– Vou cobrar esta promessa...

Apenas ficamos nos fitando... O silêncio por um momento começou a imperar entre nós... Confesso que fiquei incomodada, pois Henrique apenas me olhava e comecei a me sentir um pouco tímida... Gosto da presença e companhia dele... Havia algo que me deixava desconfortável. E a única maneira de sair daquele silêncio incômodo...

– Então Henrique o senhor queria saber de minha vida, agora sou eu quem quer saber um pouco da sua...

– Sobre mim?

– Sim, sobre o senhor? Sei que morou muito tempo em Londres... Teve ter visto muito coisa interessante durante sua estadia na Europa.

– Foi uma época muito rica em minha vida, sou muito grato ao meu pai por ter me proporcionado isso...

– Tenho certeza que é muito mais interessante que a minha história...

– Fui criado em fazenda, no interior de São Paulo e depois me mudei para a cidade para estudar, quando terminei a escola, meu pai achou por bem eu fazer faculdade fora, e quanto me vi estava a caminho da Lisboa, estudei lá durante um tempo, porém, achei mais interessante terminar meus estudos em Londres e assim o fiz... Neste meio tempo deu para viajar um pouco pela Europa, não toda é claro... Conheci, Paris, Lion, algumas cidades de Espanha e Portugal, eu tive a chance de ir a Itália, em Roma, mais exatamente para ver como viviam os antigos... Há um Coliseu, dentro de Roma, o lugar é tão antigo, tão grande e ainda está lá... Tem séculos e mais séculos que está lá, em pé ainda... E imaginar que ainda irá durar tantos outros... Muitas gerações depois das nossas... Conheci muita gente e vi o quanto o mundo é grande e mesmo assim ainda é muito maior que imagino ser...

– Então o senhor é um cidadão do Mundo...

– Não, certamente que não... Apesar de que durante as minhas andanças pela Europa eu conheci e vi muita coisa... Eu tive a chance de viajar, apenas isso e é claro que isso muda uma pessoa... Você começa a perceber que vivemos em uma aldeia, não falo apenas geograficamente... Viajar me deu a oportunidade de ver tantas pessoas diferentes... Vi chineses, vi árabes, indianos, vi protestantes e vi mulçumanos, outras religiões tão diferentes do nosso Catolicismo... vi ciganos... Nômades... Monges Budistas... E até pessoas que não acreditam em nada... Pessoas tão diferentes entre si... Histórias tão diferentes... Pessoas muito ricas e miseráveis também... Pessoas de tons de pele diferentes... Com olhos puxados, olhos claros, cabelos amarelos como o sol e pretos também... Senti os cheiros, provar algumas comidas estranhas para nós... Ouvi tantos idiomas, um mais diferente do outro...

– Interessante, e como foi conviver com tanta diversidade?

– É claro que há o choque cultural... Porém, se você tiver um olhar mais atento verá que apesar das diferenças iniciais, no fundo somos praticamente todos iguais... Não há diferença... Você percebe que os anseios, os medos, os sonhos são quase iguais aos nossos... As pessoas, as culturas mudam, e mesmo assim, a grande maioria dos sentimentos é universal...

– Isto tudo é muito interessante... A gente lê nos livros, vê imagens... E mesmo assim não dá para dimensionar o que você viu e vivenciou...

– É sim, eu fiquei mais de dez anos morando fora do Brasil e possibilidade de ver tudo isso mudou muito a minha visão de mundo. É claro que você vê coisas boas e outras terríveis e tudo isso faz parte de quem somos... Depois que me formei, trabalhei durante um tempo e tive a chance de ir alguns lugares que jamais imaginaria ir... E lidar com pessoas tão diferentes, com culturas tão diferentes... O que me faz lembrar aquela passagem bíblica da Torre de Babel, quando o homem quer desafiar o poder de Deus e como lição pela ousadia cada homem começa a falar uma língua diferente e eles não se entendiam mais... Ver tudo isso foi muito revelador para mim... Percebi que somos muito pequenos e o mundo é muito grande... E é o tipo de lição que se aprende quando está diante do mundo...

– Agora começo a entender porque você tem uma visão da vida tão diferenciada, ampla mesmo... E como você que me surpreende Henrique...

– Não sei se é por aí... Apenas eu me deixei observar o outro... Ao menos eu tentei, nem sei se consegui direito... Somos muitos, somos diferentes e ao mesmo tempo somos iguais... Pode parecer contraditório e mesmo assim não é... Ah Laura, como somos pequenos...

– Você viu muita coisa... Sou eu quem está impressionada... Quem me dera ter visto apenas uma pequena porção do que você viu...

– Vejo que você não precisou viajar tanto para ver muita coisa também... Você tem uma noção de mundo muito mais ampla que muita gente por aí... Ao menos é a impressão que tenho...

– Minha viagem sempre foi através dos livros... Desde pequena, gostei de ler e meu pai sempre comprava para mim... Mas nem chega aos pés do que você vivenciou... Nunca sai do país, morei fora do Rio, no interior por seis anos e mesmo assim, não tinha o alcance de mundo que você teve... Não tem comparação... Por mais pessoas que você conheça... A sua experiência é de uma riqueza que poucas pessoas na vida terão a possibilidade de fazer algo assim...

– Tem muita gente que passa pelo que passei... Provavelmente até muito mais... Talvez tivesse visto mais se não precisasse ter voltado ao Brasil, foi por um bom motivo, tinha meu pai muito adoentado e estava com medo de voltar de não o encontrar mais... Tive meu momento de ver o mundo, e na hora que meu pai precisou, fiz apenas o que poderia fazer, voltar e cuidar de meu pai e de minha irmã... Sou muito grato, como já disse antes, pela possibilidade de ter tido a chance de viver o que vivi, presenciar o que presenciei e conhecer o que conheci... Neste aspecto fui um privilegiado...

– Não pensa em voltar para a Europa e continuar sua vida lá...

– Não, neste aspecto tenho a consciência tranquila... O que tinha que fazer já fiz... Agora vou me dedicar a minha irmã caçula e nossas propriedades...

– Acho isso tão bonito em você... Abrir mão de uma vida tão rica e cuidar da sua irmã...

– Não sei se a minha vida foi tão rica assim, apenas vi e observei, tentei aprender com que via, e nada, além disso... Fui um privilegiado e agora tenho o privilégio de conviver com minha irmã...

– Ela deve adorar ouvir suas histórias...

– Eu gosto de contar a ela... De mostrar que o mundo é muito além do que vemos e do que somos e acho que ela entende... Do jeito dela, ao menos nunca reclamou do irmão falastrão...

– É como reclamar... Eu mesmo estou aqui ouvindo e estou fascinada como tudo que disse... Você falava e eu tentava imaginar como seria... E isso enriquece a gente só de ouvir, imagine de presenciar... A vontade que tive agora foi pegar o primeiro navio e embarcar para algum lugar interessante...

– Todos os lugares são interessantes... Inclusive o Rio de Janeiro... Hoje, mesmo você me deu a oportunidade de conversar com os moradores do Morro da Providência e foi uma experiência maravilhosa, pude vê como aquelas pessoas vivem, como foi sair das casas que moravam e ter que subir o morro... Olhar para elas e descobrir suas dificuldades, saber que elas não têm culpa quando não querem permitir que seu filho, ou filha, vá para a escola, porém foi bonito ver como você, a Sandra e tia Jurema se dedicaram em mostrar que a Educação pode ser um diferencial no futuro daquelas crianças... É claro que nem todos os pais entenderam a proposta, sabemos como deve ser difícil para eles manter tantas crianças, sem que estas os ajudem.

– Henrique, sua visão da vida é maravilhosa... Cada vez fico mais impressionada com você...

– Assim eu fico sem graça, Laura... – Henrique realmente ficou envergonhado com que eu havia dito a ele...

– Não é para você ficar sem graça, é a verdade... Você tem uma visão muito ampla do mundo... E eu fico encantada com a maneira que você, pensar, de falar... Você consegue enxergar o outro como ele é e não como se apresenta... Você mesmo disse que é tudo tão diferente e ao mesmo tempo é muito parecido... Pessoas diferentes e como sentimentos universais... Quantas pessoas conseguem ter tanta sensibilidade, eu conheço algumas pessoas que tem uma visão bem ampla do mundo, da vida... E são poucas que conseguem ter uma visão tão sensível da vida... Agora mesmo, há uma pessoa que gostaria muito de conhecer... Um jornalista, eu li uma matéria que ele fez sobre a violência contra a mulher... Antônio Ferreira é o seu nome... Acho que ele é como você... Tem este olhar apurado para vida, para as pessoas, conseguem enxergar além do que vêem... É como se vocês conseguissem ver o outro na sua quase plenitude... Eu quero tanto conhecer o Ferreira, poder falar com ele como estou fazendo com você agora... Ontem mesmo fui conversar com Carlos Guerra, o redator do Correio da República para vê se consigo um encontro com o Ferreira... Ele me disse que o Antônio está no meio de uma nova matéria... Pelo que me falou é sobre os maus tratos aos marinhos, parece que está investigando... Você soube que há alguns navios portados na Baía da Guanabara, com canhões apontados para a cidade... Os marinheiros chegaram acionar duas vezes os canhões e duas crianças morreram no Morro do Castelo, o Governo e a imprensa em geral estão contra os revoltosos... Guerra mandou o Ferreira apurar o que está acontecendo... Quando ele me falou, confesso que fiquei eufórica e agora estou na expectativa para ler a matéria...

– Eu cheguei a ler a matéria sobre a violência contra a mulher, foi excelente, gostei muito da maneira como retratou as dificuldades que muitas mulheres passam... Realmente gostei muito... Cheguei mostrar para a Amélia, ela ficou impressionada... Nem imaginava que nada parecido ocorria... Soube dos revoltosos na Marinha... Parece que há maus tratos mesmo nos navios... Se confirmar, então há motivos para ficarem revoltosos sim... Qual é mesmo o nome de jornalista?

– Antônio Ferreira, ele apareceu há pouco tempo... Porém para mim... Eu o acho tão bom quanto o João do Rio, é claro que cada um tem uma maneira de mostrar as mazelas ao seu modo, a forma como colocam, nos faz pensar, questionar... Eu gosto muito e me encantaria se tivesse a chance de poder falar com o Ferreira... Para mim ele é como você... Agora a única coisa a fazer é esperar que ele termine logo esta nova matéria e quem sabe, finalmente, poder conhecê-lo...

– Você ficou muito entusiasmada com o Ferreira... Assim, até eu fico curioso em conhecê-lo...

– Olha, eu ainda não conheço o Ferreira... Algo me diz que ainda terei uma grata surpresa como ele

Henrique apenas me olhava e sorria do meu entusiasmo...


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado... Laura cada vez mais encantada com Medeiros e ele por ela... Ela por sua vez o comece um pouco melhor, já que Edgar não está na cidade, ao menos é o que ela pensa... Comentem sobre o que acharam... Bjs e até o próximo capítulo, domingo que vem...