Laura E Edgar - Um Novo Olhar escrita por Bia


Capítulo 40
Livraria Garnier


Notas iniciais do capítulo

Olá meninas, em primeiro lugar quero agradecer todos os comentários... Adoro ler a opinião de vocês sobre a fanfic... Por motivo de falta de tempo, terei que postar apenas um capítulo por semana e tentarei fazer isso sempre aos domingos... Agradeço a compreensão de vocês... Espero que gostem deste capítulo... Laura volta a se encontrar com Henrique e ainda vai conversar com Guerra... Espero que gostem... Bjs e boa leitura.



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Livraria Garnier (Capítulo 40)

Ainda estava como os olhos fechados... Sentia a luminosidade lá fora e ouvi um barulho de porta abrindo... Edgar trazia nosso café da manhã... Estava tão preguiçosa naquela manhã... Na realidade ainda bastante sonolenta... Recebi um leve beijo e ao abrir os olhos, meu querido marido recepcionava-me com seu sorriso...

– Bom dia, o dia está lindo hoje... Parece que fará um pouco de calor...

– Acho que é por isso que estou um pouco mole esta manhã... Ainda estou sonolenta... Se pudesse dormia um pouco mais...

– Por que não dorme então... Descansa mais um pouco, ainda é cedo...

– Nada disso, assim ficou muito mal acostumada... Uma xícara de café vai me despertar... Vou lavar meu rosto e já volto... – Dou um pulo da cama e me sinto um pouco tonta era como se fosse desmaiar. Sinto minhas pernas falharem e perco o equilíbrio... Edgar percebe e me ampara...

– Laura, você está bem? – Ele ainda me segura e volta comigo para a cama.

– Foi um mal-estar, levantei muito rápido... De repente tudo ficou escuro... Minhas pernas falharam... Já passou... Estou melhor agora...

– Pensei que fosse desmaiar... É melhor chamar seu pai... Vou telefonar agora mesmo...

– Não é necessário meu amor... Já estou melhor... Apenas levantei-me muito rápido... Se você fica mais tranquilo eu espero aqui mais dois minutinhos, quietinha, e depois vou fazer minha toalete... Está bem assim...

– Na realidade eu prefiro chamar o Dr. Assunção e acho melhor que nem saía de casa hoje... Tenho um cliente daqui a pouco, como ele vem aqui, posso atendê-lo rápido e voltar logo para cá e lhe fazer companhia...

– Não seja tão preocupado Edgar, foi só uma tonteira boba por ter pulado rápido da cama, estou bem... Acredita em mim... Sinto-me ótima.

– Eu ainda prefiro chamar seu pai... – Seu rosto estava com uma fisionomia preocupada.

– Meu amor, não se preocupa... Sei que tem seus compromissos, assim com eu tenho os meus... Estou bem, acredita. E estivesse sentido algo mais sério, não estaria nesta calma toda... Sabe que sempre fui cuidadosa com minha saúde... Foi só uma tonteirazinha sem importante e já me sinto ótima... Vou levantar agora e vai ver como estou bem. – Desta vez fui devagar e como havia dito a Edgar, eu não senti nada... O mal estar havia passado e fui ao quarto de banho onde fiz minha toalete.

– Então ao menos se alimente direito... Quem sabe a tonteira foi porque ainda não se alimentou ainda... Por isso se sentiu mal ao se levantar rápido...

– Pode ser... Não vou negar que estou faminta hoje... – Pego uma fatia de bolo de pão de ló recheado com geleia de morango e me sirvo com café com um pouco de leite. Edgar me acompanhou apesar de continuar a me observar com ar de preocupação.

– Tem certeza que se sente bem? – Todo preocupado comigo.

– Sim, sinto-me renovada... Vou comer mais este pedaço de mamão, assim estarei bem alimentada... Hoje quero ir a Garnier comprar um livro de presente.

– Um presente?

– Daqui alguns dias é aniversário de Dona Eulália, quero comprar e mandar pelo correio, quem sabe chegue a tempo na casa dela... Ela adorava quando eu lia para ela, mesmo longe gosto de estimulá-la na literatura... Quero escolher uma estória bem interessante... Ainda estou na dúvida... Gosto muito de Machado de Assis, pensei em comprar Dom Casmurro... Também penso em Senhora, de Alencar...

– São ótimos livros... Desculpa Laura, minha cabeça está ainda no seu mal estar acho que devemos chamar seu pai...

– Edgar, isso pode acontecer com qualquer um, foi apenas um mal estar, nada de mais e já estou me sentindo ótima...

– Eu me sentiria mais tranquilo... – Seu semblante de preocupação...

– Eu sei, meu amor... Foi apenas um pequeno mal estar... Eu te prometo uma coisa, se eu me senti mal novamente, prometo que procuro pelo meu pai...

– Ontem você mal tocou no jantar... Ou acha que eu não reparei... – Estava com aquela ruguinha de preocupação no meio da testa.

– Eu sei... Apenas não senti muita fome...

– Não sei Laura, ainda estou preocupado... Por mim você nem saía de casa hoje...

– Pode parar... O quê é isso? Foi apenas um pequeno mal estar que já passou... Se eu estivesse me sentido mal, vá lá... Não é o caso, sinto-me ótima... Apenas sai rápido demais da cama...

– Desculpa, e que a ideia de que algo ruim pode acontecer com você... Ficar seriamente doente, eu nem quero pensar...

– E é bom o senhor não pensar mesmo... Edgar, eu me sinto bem, muito bem... Apenas sai muito rápido da cama e não foi nada de mais, já passou e sinto-me tão bem...

– Então prometa que vai procurar se pai se sentir mal novamente...

– Eu já disse que irei procurar caso seja necessário... Meu amor, eu fico muito feliz com este seu lado protetor... Acredite em mim, não é para tanto... – Acariciei seu rosto levemente, tentando fazê-lo ficar menos tenso.

– Se quiser posso acompanhar você... Apenas terá que esperar um pouquinho, este meu cliente que vai chegar daqui a pouco... Não posso desmarcar... Assim que ela se for...

– Você disse, ela?

– Disse... Na realidade é a Heloísa que está quase chegando...

– O senhor não me disse que seu encontro seria com ela...

– Se esqueceu que sou advogado da Heloísa por um tempo... É coisa rápida e sem importância...

– Se não fosse importante, ela, não viria pessoalmente...

– Eu sinto uma ponta de ciúmes em seu tom de voz... – Edgar segura a minha mão.

– Não seja tão pretensioso, meu caro... Foi necessário um pequeno mal estar para saber de quem se tratava a sua cliente...

– Se você está me cobrando o fato de não ter dito nada é por um motivo muito simples... – Agora segurava as minhas duas mãos...

– E qual seria o motivo muito simples. – Começava a ficar incomodada.

– Apenas não tem importância... É uma cliente como outra qualquer... Revisei alguns documentos, dei meu aval para assinar alguns contratos e nada de mais... Com vê é simples assim...

– Quer saber Edgar, agora mais do que nunca vou dá um belo passeio, sozinha, pela Rua do Ouvidor, afinal de contas, tenho um presente para comprar... – Sentei-me a penteadeira e arrumava meu cabelo...

– Está chateada comigo...

– Não o senhor está fazendo o seu trabalho...

– Está com ciúmes... – Ele quase insinuava um sorrisinho maroto.

– E se estiver? Posso? Afinal de contas o senhor é o meu marido...

– Pensei que fossemos divorciados...

– O senhor me entendeu perfeitamente... – Tentava prender o cabelo sem grande resultado.

– Sabe que eu adoro quando fala meu marido...

– E eu posso saber o por quê? – Finalmente conseguia colocar a mecha que tanto me incomodava no lugar.

– Por que isso prova que se sente minha esposa e isso me deixa muito feliz...

Começava a me senti um pouco derretida por ele.

– Eu já disse que sempre me senti a sua mulher... Nunca deixei de me sentir assim... – Eu me virei para o olhar melhor.

– E não imagina o quanto isso me deixa contente... – Mais uma vez aquele sorriso.

– Vou acabar de me arrumar agora... Não quero atrapalhar seu compromisso com a Heloísa...

– Eu tenho apenas um compromisso na vida e ele é com você e com a Melissa... E deste eu não abro mão... O restante é apenas trabalho, nada, além disso... – Ele me abraçou por trás e beijou o meu pescoço. Achei tão doce o que disse para mim. Eu não disse nada, apenas o admirei...

– Ao menos podemos almoçar juntos... Eu a encontro mais tarde, que tal na Colonial...

– Ainda tem coragem de ir lá depois daquela celeuma com a Gisele Laranjeiras... – Brinquei com ele.

– É claro que tenho e também não tenho motivo para me envergonhar, fiz o que achava certo... Quem estava errada era ela ao tentar me abordar e ainda por cima falar de você na minha frente... Não tenho medo de voltar lá, ao contrário, entro de cabeça erguida e com a senhora ao meu lado de braços dados... Não me importa o que digam... O que importa é que estou com você e isso para mim já é o suficiente... Assim que eu terminar a reunião com a Heloísa, eu irei ao seu encontro, pode ser?

– Adoraria... Apenas eu e você... Tenho que terminar de me arrumar...

Despedi-me de Edgar e peguei o bonde a caminho da Rua do Ouvidor... Apreciava o caminho e observava as pessoas... Uma menina com uniforme de escola, um senhor tocando uma carroça puxada por bois, dois garotos com caixa de engraxate procurando fregueses... Senhoras desfilando a elegância da sociedade, a impressão que se dava é que estavam passeando pelas ruas de Paris... Irônico... Apenas observava o fluxo das pessoas...

Finalmente a Rua do Ouvidor, e ali fica um dos meus lugares favoritos na cidade, a Livraria Garnier... Sempre gostei de vim aqui, desde que era um pouco mais que uma menina. Era capaz de ficar horas aqui, olhando, pesquisando, procurando livros novos para minha biblioteca. Adora o aroma do lugar, uma das coisas que senti falta enquanto vivi no interior, foi esta livraria. Quando minha mãe doou meus livros, pouco antes de eu casar, foi aqui que Edgar comprou a leva de livros em substituição aos que minha mãe havia doado à Biblioteca Pública. É incrível, até este lugar me lembra o Edgar. Sempre o Edgar.

Desta vez estava atrás de um novo livro, queria compra Dom Casmurro, já tinha lido no passado, mas queria mandar de presente para D. Eulália, seria um belo presente, peguei um exemplar, e ouvi a voz de um homem que me chamou atenção, ele se dirigia a mim.

– Uma das coisas que me fazem adorar a escrita de Machado de Assis, é o seu senso de humor, é interessante a sutileza que utiliza para mostrar o humor em seus textos.

Estava distraída, me virei e um homem, de pouco menos de trinta anos, alto, bonito, de cabelos e olhos castanhos escuros e bem trajado. O filho do amigo de meu pai, Henrique Medeiros que me lançou um belo sorriso.

– Como vai Henrique?

– Bem, agora melhor já que eu a encontrei aqui... E você Laura como está? – Henrique sorria para mim.

– Bem também. Obrigada. – Respondi.

– Coincidência encontrá-la aqui. Vejo que gosta de Machado de Assis.

– Muito... Sempre fui uma grande admirada dos textos do Machado... Porém, este não é para mim, e sim para uma querida amiga que mora no interior. Quero apresentar a ela o universo machadiano... Espero que goste... Talvez compre Senhora, de Alencar. Ainda estou em dúvida... Os dois são maravilhosos...

– Bela escolha para um presente, sua conhecida vai adorar os livros. Eu gosto muito de ganhar livros de presente, aliás, tenho uma ótima biblioteca particular. Gosto muito quando vejo que Amélia, também, tem interesse por leitura. Sempre carrega um pela casa, quando penso que ainda está lendo um livro, este já fora terminado há muito e já está em outro há muito tempo... Ela tem paixão por livros... Ainda bem... – Um sorriso.

– Então sua irmã é uma leitora assídua?

– Sim, na realidade gosto de estimular isso nela. Ela é tão sozinha, tem poucas amigas, não é muito de sair de casa e um bom livro é sempre um bom companheiro.

– É verdade, na minha juventude passava horas lendo sem parar. Minha mãe sempre me pedia para tirar a cara dos livros, eu adorava ficava horas em meu quarto lendo. Muitas mães acham uma distração de moças solteiras, pensamento igual ao da minha mãe...

– Realmente é uma ótima distração... Isso não depende do estado civil de ninguém. Uma boa leitura sempre será uma boa leitura. Não sou casado, mas se fosse estimularia isso em minha esposa. Acho tão interessante quando vejo uma mulher que se interessa por outros assuntos além de cuidar da casa ou ficar bajulando o marido.

– Você pensa isso mesmo? – Estava admirada com o pensamento de Henrique sobre mulheres que cuidavam apenas da casa e não tinha outros interesses na vida, além de cuidar da casa, do marido e dos filhos...

– Eu penso que a mulher deve ter um papel maior na nossa sociedade. Vejo que algumas trabalham fora, e não vejo mal nisso, ao contrário, uma mulher que consegue aumentar seu espaço, que busca crescer só pode ter algo de especial. Eu morei alguns anos em Londres e viajava muito pela Europa, e via que algumas mulheres trabalhavam fora, algumas que não tiveram a sorte de um casamento rico, ajudavam seus maridos colaborando com dinheiro em casa, sei que pode parecer moderno demais, acredito que a mulher tem muito o quê oferecer. É claro, que mesmo lá fora o número ainda não é tão grande, porém, aumenta a cada dia e acho que isso seja irreversível.

Eu ouvia as palavras de Henrique e não parecia acreditar no que ouvia. A maneira de pensar do jovem engenheiro me deixava fascinada. Nunca via um homem pronunciar nada parecido, nem mesmo Edgar que tinha um pensamento bastante avançado sobre o papel da mulher na sociedade.

– Henrique, desculpe, eu estou impressionada com sua forma de pensar. Não imaginei que tivesse ideias tão arrojadas... – Cada vez mais surpreendida por Henrique...

– Desculpe se a assustei. Não foi minha intenção.

– Não, não é isso, é que apenas não imaginei nada parecido. Você tem um pensamento bastante avançado.

– Desculpe mais uma vez, não foi minha intenção. Apenas acredito que a mulher tem condições de ter um espaço maior na sociedade. Por exemplo, não entendo que somente nós, homens, podemos votar. O que tem de mal em uma mulher votar. Será que vocês não têm condições suficientes de saber fazer uma escolha? São vocês mulheres que nos criam que passam a maior parte dos valores que recebemos, e mesmo assim lhes são negado o direito de escolher...

– Mesmo países, como Estados Unidos, por exemplo, ainda não tem o voto feminino. – Disse a Henrique.

– Exatamente, todavia muitas mulheres começam a se mobilizar para ter tal conquista. E acredito que isso seja válido. É claro que são ainda pequenos grupos... Quem sabe um dia estas vozes serão finalmente ouvidas... Um dia alguém há de escutar...

Quando mais eu conversava com Henrique, mas encantada ficava com seus pensamentos liberais em relação às mulheres. Henrique, definitivamente não tinha o pensamento retrógrado que acompanhava muitos homens até hoje, sua visão de mundo era diferente.

– Como lhe disse, morei um tempo em Londres, lá, também, vi o movimento que muitas mulheres buscavam o direito ao voto feminino.

– Meu caro, eu acredito, lamentavelmente, que isso ainda será um longo caminho. – Comentei com ele.

– Será sim, entretanto todo caminho precisa começar pelo primeiro passo, e vejo que algumas mulheres estão dispostas a dá este primeiro passo.

– Muitas ainda sofrem preconceito ainda, uma mulher que busca seu seguir seu caminho, muitas vezes, acabam sofrendo preconceito, não só de homens, mas de muitas mulheres também.

– É verdade, Laura. Porém, por algum lugar tem que começar. Faz mais de vinte anos que os negros foram libertados e muitos acham que eles são pessoas de segunda classe, se lembra quando houve o Bota Baixo, a política de abertura de novas avenidas aqui na cidade, a tentativa de transformar o Rio de Janeiro em uma cidade com ares de europeia, como Paris, o que aconteceu com as pessoas que tiveram suas casas destruídas, os cortiços demolidos, para onde foram? Algumas subiram os morros, outras se mudaram para regiões longe do centro da cidade. Como engenheiro, vejo que houve benefícios para a cidade, mas a que preço. É fácil deslocar os menos favorecidos... E o pior não é apenas levá-los para mais longe e sim deixá-los a própria sorte... A princípio parece que estamos resolvendo um problema, não estamos, ao contrário... Fico imaginando como será o futuro... Como viverão os descendentes deles... Ignorar é muito fácil, o sentimento que tenho é que estamos colocando os problemas para debaixo do tapete e não é assim que se resolve... O fato de não vermos não significa que não exista... Haverá um momento que isso tudo irá eclodir... E aí, como vamos lidar com tudo isso? Somos um país de mestiços, queremos ser europeus, mas somos apenas um país de mestiços.

– Henrique, eu não posso negar estou impressionada com sua visão de mundo. Não é todo dia que conheço alguém que tem um pensamento tão crítico e realista da nossa sociedade e da maneira como lidamos com nossos problemas sociais.

– Não quer tomar um café comigo, podemos ir a Colonial, assim podemos continuar a conversar em um lugar onde podemos saborear um pedaço de torta de limão.

– Adoraria. Quem sabe outro dia, tenho outro compromisso, vou me encontrar com Edgar, meu marido... Sem contar que preciso providenciar uma embalagem para postar este livro ainda hoje.

– Confesso que fiquei confuso com isso... Seu pai disse que é divorciada... E você disse que é casada... Eu fiquei sem entender direito... Afinal de contas é casada... Divorciada... Viúva eu sei que não é... – Ele sorriu.

– Henrique... Esta é uma longa história... E acredite em mim, até eu não a entendo direito... Quem sabe um dia lhe conte... Por hora, o que importa é que me sinto casada e daqui a pouco vou me encontrar com meu marido...

– Nem tudo é perfeito...

– Como se a vida fosse perfeita... Eu preciso ir, foi um prazer conversar com você... Quem sabe podemos conversar mais em outro momento... – Eu quase me despedia dele quando...

– Não quer que eu acompanhe ao correio, sei de uma papelaria que fica aqui perto, lá, certamente, encontrará alguma embalagem para o livro e até cartões para mandar à aniversariante.

– Não quero incomodar, talvez tenha algum assunto importante e estou tirando você do seu caminho. – Disse.

– De maneira alguma, ao contrário, estava passeando quando vi a Garnier, pensei que poderia adquirir algum livro novo e para minha grata surpresa você estava lá. Não posso negar Laura, gostei muito de encontrá-la novamente. – Henrique parecia mais amável ainda.

– Eu também gostei muito de encontrá-lo também.

– Então posso ou não acompanhá-la a papelaria e depois ao correio, por favor, deixe-me tem mais um pouco o prazer de sua companhia.

Não respondei de imediato, gostei da ideia de conversar um pouco com Henrique, não faria mal algum deixá-lo me acompanhar até a papelaria e depois até o correio. Henrique se ofereceu para pagar o livro, obviamente que recusei, afinal de contas, não tinha sentido algum Henrique fazer isso, aceitei a sua companhia. Henrique aproveitou e comprou um exemplar de “O Cortiço” de Aluísio Azevedo. Paguei pelo livro e finalmente saímos da livraria Garnier. Durante o percurso até a papelaria, Henrique se mostrou atencioso e gentil, falava da época que morou em Londres, do tempo da cidade, das escapadas à Paris, para acompanhar as peças de teatro ou ir aos museus da cidade Luz. Eu observava o rapaz, ficou encantada com a maneira que falava da irmã. Parecia ser um irmão bastante carinhoso e atencioso. Enquanto caminhávamos, a conversa acontecia de maneira natural, eu me senti a vontade com a companhia do engenheiro. Ao chegarmos à papelaria, o jovem quis me ajudar a encontrar uma bela embalagem para o presente, eu preferi escolher sozinha, enquanto Henrique aproveitava e adquiria nanquim para usar em penas e papel. Fiz uma bela embalagem e depois coloquei que uma pequena caixa e escrevi no cartão uma linda mensagem para D. Eulália e enderecei a para minha querida amiga. Ainda em companhia de Henrique, fomos até aos correios e eu finalmente postei o presente para o interior. Quando me dei conta já era quase hora do almoço...

– Henrique, lamento, a hora passou muito rápido... Tenho um almoço com Edgar e prometi a ele que o encontraria na Colonial... Eu preciso ir... Foi um imenso prazer conversar com você...

– Que pena, nem vi a hora passar... Vou ter com a minha irmã, amanhã de manhã ela vai viajar para o interior com um casal de amigos nossos... Se não tivesse nenhum compromisso eu a convidaria para almoçar conosco...

– Obrigada, quem sabe outro dia... Meu marido já me espera... Com licença... Até mais ver...

– Até mais... Lembranças minhas ao Doutor Assunção...

– Eu darei... Tenha uma boa tarde... – E o deixei ali. Minha preocupação agora era encontrar com outro cavalheiro... No horário marcado, cheguei à Colonial e Edgar já esperava por mim na parte superior da Confeitaria... E como sempre fui recepcionada pelo seu mais belo sorriso e um beijo.

– Então como foi sua reunião com a Hel... – Quem disse que eu conseguia terminar de falar o nome.

– Heloísa? – Provocador.

– O senhor me entendeu...

– Foi bem... Nada além de trabalho... Não via a hora de terminar e vim logo para cá... Então comprou o presente para Dona Eulália?

– No final acabei comprando Senhora... Também me encontrei com um conhecido do meu pai...

– E quem é?

– Henrique Medeiros, ele foi filho de um grande amigo da época de faculdade de meu pai... Foi um encontro muito agradável, estava na livraria e ele veio falar comigo...

– Não conheço nenhum Henrique... Então é filho de amigo de seu pai...

– Isto mesmo... E foi muito agradável conversar com ele... Você teria gostado muito de ter conversado com ele... Ele tem ideias bastantes liberais... Viveu muitos anos fora do Brasil e voltou para cuidar da irmã menor quando o pai morreu... Ao menos foi isso que meu pai me falou...

– E vocês conversaram...

– Muito, foi muito bom...

– E este cavalheiro não faz nada da vida, além de flanar por Livrarias por aí...

– Sinto uma pontinha de ciúmes vindo do senhor ou é impressão minha... – Eu fitava Edgar e via que ficara incomodado com o teor da conversar...

– A senhora parece bem animada em falar este tal...

– Henrique, o nome dele é Henrique Medeiros... – Eu o provocava assim como havia feito comigo minutos antes.

– E eu que pensei que tivesse problemas com o Ferreira... – Falou baixinho.

– Desculpa disse alguma coisa? – Fingi que não o escutara.

– Nada, apenas conversei com meus botões... – Fazendo-se de desentendido.

– Meu amor, não tem motivos para ter ciúmes... Eu não vou negar que adorei muito conversar com ele... Porém, é em você em quem pensava... Em correr logo para cá e ter o prazer de ter um agradável almoço como quem eu amo... O senhor meu marido... – Segurei carinhosamente a sua mão... – Que tal pedimos... Hoje estou faminta... Andei a manhã inteira...

– Nem sei se ainda tenho apetite... – Manhoso.

– É claro que está... E o senhor vai me acompanhar...

– Vou chamar o garçom... – Edgar sinalizou para um rapaz que trouxe o Menu...

Fizemos nossos pedidos e enquanto esperava tentava animar meu acompanhante que parecia amuado depois que soube do Henrique... Porém nada que um pouco que atenção e afeto o faça esquecer logo e dediquei-me a ele naquele momento... Almoçamos animadamente e depois passeamos um pouco... Confesso que a almoço me caiu um pouco mal, senti-me levemente indisposta, não disse nada ao Edgar, apenas o pedi que me deixasse na casa de Isabel... Depois, ao chegar em casa, tomei um chá de hortelã e a indisposição passou pouco depois.

Havia prometido a mim mesma que naquele mesmo dia iria à redação do Correio da República, queira conversar com Guerra. Ao chegar lá vi o jornalista conversando com outro senhor, quem sabe aquele senhor fosse o Antônio Ferreira... Fui até lá e os cumprimentei...

– Laura, há quanto tempo... Que bom que veio... E o Edgar, veio com você?

– Não... Ele não vei... Então Guerra, quero te pedi um favor...

– Claro, deixe apenas terminar com este senhor e converso com você logo em seguida, pode me esperar no meu escritório...

– Claro... Com licença... – Fui até o escritório. Vi Guerra se despedir e o senhor sair em seguida.

– Desculpa Laura, assunto de trabalho...

– Aquele senhor era o Antônio Ferreira... Se fosse eu adoraria ter conhecido...

– Ferreira? Não, não... O assunto que o trouxe aqui era relacionado a outro trabalho... Ele tenta consegui anunciantes para o jornal.

– Que pena... E é isso que me traz aqui Guerra, eu gostaria muito que você me apresentasse o Ferreira...

– Por que quer conhecer o Ferreira... – Guerra parecia desconfiado.

– Sei que faz muito tempo, é sobre a matéria sobre a violência contra a mulher... Gostei muito da reportagem... Ele teve um olhar que poucos teriam... A maneira como fez a matéria me sensibilizou muito... O sentimento que tinha era que ele falava comigo, sei que é pretensão de minha parte... O Ferreira teve um olhar bastante apurado para poder falar dos dissabores que algumas mulheres passam por terem que trabalhar fora... Ele compreendeu o que sentimos e gostaria muito de agradecer e conversar um pouco com o Ferreira e ficaria imensamente grata se você me ajudasse a encontrá-lo... Então Guerra, você pode, ou não, marcar um encontro meu com Ferreira...

O amigo de Edgar, nada falava, apenas me observava. Parecia pensar em alguma coisa...

– Então Guerra, posso contar com a sua ajuda.

– Laura eu... Nem sei bem o que dizer...

– Como assim?

– O Edgar sabe deste seu interesse em conhecer o Ferreira?

– Sabe, claro que sabe... Eu não estaria aqui se não tivesse conversado com ele... Você conhece seu amigo e sabe que ele não ficou nada satisfeito na minha vontade de conversar co o Ferreira... Porém o Edgar é meu marido e não meu dono... Ele pode até não gostar, entretanto tem que aceita... O Edgar sabe que viria aqui, eu até demorei demais... Agora estou aqui e quero muito que você me ajude a conhecer o Antônio Ferreira.

– Claro, eu entendo... Eu posso tentar conversar com o Ferreira... O problema é que agora ele está no meio de outra matéria, talvez não tenha tanto tempo para poder se encontrar com ele...

– Outra matéria? Sobre o quê?

– Você provavelmente está acompanhando à revolta que ocorre este momento na Marinha... Os marinheiros delatam casos de maus tratos nos navios. Alguns chegaram a ser presos... Alguns navios estão portados na Baía da Guanabara e apontando canhões para a cidade... O clima está muito complicado... E eu mandei o Ferreira acompanhar tudo de perto... A opinião pública está contra os marinheiros... Quero saber a opinião dos marinheiros... O ponto de vista deles... A maioria da impressa está contra, algo me diz que há mais coisa aí... E o Ferreira está apurando os fatos...

– Soube por alto... O governo não quer negociar com os revoltosos, meu pai me falou outro dia...

– Então como você pode vê... A orla da cidade está pegando fogo... Lamento Laura, acho que terá que espera um pouco mais...

– Entendo... Pena... Mesmo assim, ainda quero muito conhecer o Ferreira, assim que ele puder... Por favor, Guerra converse com ele.

– Eu vou conversar... Eu não prometo nada... Eu vou tentar...

– Guerra... Por acaso o Edgar falou para você do meu interesse em conhecer o Ferreira?

– O Edgar? – Parecia espantado.

– É, o Edgar. Ele te pediu para você não me apresentar o Ferreira?

– Honestamente Laura... O Edgar comentou comigo o seu desejo de conhecer o Ferreira... Ele não parecia nada contente, e mesmo assim, em nenhum momento, ele pediu para que não apresentasse o Antônio para você...

– Ainda bem... Eu compreendo que ele sinta ciúmes... Eu ficaria muito chateada com ele se tentasse impedir que eu conhecesse o Ferreira, ficaria muito decepcionada mesmo...

– Laura, você conhece o Edgar tanto quanto eu e sabemos que ele pode ficar irritado com isso, porém, jamais pediria algo do tipo para mim... De fato não estimulou e também não disse que não fizesse isso.

– É melhor assim... Não quero me decepcionar novamente com Edgar... Logo agora que tudo caminha bem entre nós... Ficaria muito triste se isso acontecesse.

– E ele quer que tudo fique bem entre vocês... Mesmo este caso do Ferreira... Ele sente ciúmes, e mesmo assim não quer se meter... Eu vou conversar com o Ferreira... Se ele aceitar eu marco um encontro entre os dois... Se isso acontecer e o Edgar perguntar o que devo dizer...

– A verdade, não se preocupe, não será necessário... Eu mesma falo com Edgar... Se puder quero que ele venha comigo para conversar com o Ferreira. – Guerra apenas fitou-me.

– Não vou negar Laura, seria um encontro interessante. – Guerra deu um leve sorriso...

– Por que interessante? – Se o Guerra fez uma piada, ou não, eu não soube dizer.

– Por nada... E Edgar se sente inseguro... Você sabe Laura... Estamos falando do Edgar...

– Eu sei... Vou conversar com ele hoje ainda... Quero que saiba por mim que já conversei com você.

– Não tem nenhum problema... Verei o que posso fazer...

– Eu tenho que ir... Já esta ficando tarde... Vou esperar sua resposta e a nova matéria do Ferreira.

– Assim que eu tiver uma resposta e mando te avisar...

– Obrigada...

Já era noite quando cheguei a nossa casa em Botafogo... Edgar estava no quarto de banho e esperei por ele no nosso quarto...

– Que bom que chegou... Por um momento pensei que tivesse desistido de vim para cá... Pensei em até ir à casa de Isabel. – Ganhei um beijo. O perfume da espuma de banho ainda estava em sua pele.

– Eu fui a outro lugar...

– E não me diga que encontrou o tal Henrique... Qual é mesmo o sobrenome dele?

– Medeiros. – Como se ele realmente tivesse esquecido.

– Medeiros... Henrique Medeiros... O filho do amigo de seu pai... – Quase um ar de deboche na sua fala.

– Ainda com ciúmes... – Achando graça da expressão no rosto de Edgar.

– Por que a pergunta? - Ele passa a toalha no cabelo molhado enquanto olha no espelho da penteadeira.

– Por nada... Quero que saiba de uma coisa? – Quase me fazendo de desentendida.

– O quê foi?

– Estive agora a pouco com seu amigo, Guerra.

Edgar parou de esfregar a toalha no cabelo e olhou para mim através do espelho. Passou a mão nos fios ainda molhados tentando deixá-los alinhados.

– Eu já entendi o recado... Você ainda quer conhecer o Ferreira... Foi sobre isso que foi falar com o Guerra... – Um semblante levemente tristonho.

– Sabe Edgar, está ficando tarde... Por que você não se deita aqui, ao meu lado, para conversarmos melhor... – Sorri para ele...

Edgar apenas lançou-me um lindo sorriso através do espelho...


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Notas finais do capítulo

Então meninas o que acharam... Espero que tenham gostado... Edgar, Henrique e Antônio Ferreira... Acho que nossa professora não tem do que reclamar... Quero muito saber a opinião de vocês... Se gostaram ou não... Bjs e até o próximo capítulo...