Seeking Shelter escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 13
O Truque É Tentar De Novo




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-O que você está fazendo? -Solto uma risada.

-Shhhhhhhhhhhhhhh. -Max me diz, botando um dedo nos meus lábios. -Vamos só ficar aqui.

-No telhado? Você sabe que isso não é um filme e a gente pode mesmo quebrar as telhas e cairmos, né? Seus pais vão matar a gente. -Respondo, mas eu não quero sair. Max está com o braço nos meus ombros, me esquentando do frio e estou encarando o céu estrelado de inverno, sóbria. Foi uma semana boa. Consegui duas notas altas em provas e meus pais até se esqueceram que eu vomitei no quarto do meu irmão semana passada.

-Não se você não fizer nenhum movimento brusco.

-O peso ainda é o mesmo.

-Shhhhhhhhhhhhh. -Max diz, novamente. Se eu não soubesse melhor, acharia que ele está drogado, mas Max odeia esse tipo de coisa, então sei que ele só está feliz. -Por que você está insistindo nisso? Olhe só pro céu. -Eu olho e ele está certo. Deslumbrante.

-As estrelas estão tão bonitas hoje. As vezes eu fico meio esquisita e começo a pensar nas estrelas que estão morrendo e se elas queriam estar aí no meio.

-No sentido figurado na teoria, acho que sim, mas se elas estão morrendo é porque já queimaram bastante.

-Você acha que é possível uma estrela quase morta brilhar desse jeito? -Aponto pro céu, e Max aproveita para pegar minha mão e enroscar os dedos nos meus.

-Até estrelas quase mortas brilham. Talvez nem tanto, mas elas ainda brilham.

-A senhora Gohn ficaria orgulhosa da gente. -Comento, me referindo a nossa professora de astronomia. Max beija minha bochecha, deixando ela quente pelo toque.

-Como se eu fosse contar pra ela.

-É. -Fecho os olhos. -Ei, Max?

-Que foi, querida?

-Você não me trouxe aqui só pra ver o céu, né? -Olho pra ele, abrindo um só olho. Meu namorado sorri.

E eu acordo. Fecho os olhos. Isso não foi um sonho, foi uma consequência do remédio, que revive umas memórias, o que deixa tudo um pouco pior. Geralmente, quando eu tinha flashbacks, eram dos meus pais.

Agora é do Max. Ótimo.

Hora de começar um novo dia, querida.

Saio da cama, e rápido assim, outro dia começa.

-Então um passarinho me contou que além de vadia você é drama queen.

-Ouviu errado. Drag queen. -Cyrus ri.

-Fala sério. -Ele revira os olhos, enquanto revira as páginas da revista de esportes espalhadas pela escola. Ainda me sinto desconfortável pensando nisso, no que aconteceu no auditório, mas estou mais desconfortável em saber que as pessoas já sabem disso. Deve ser por isso que, um dia antes, eu não percebi nenhum sussurro na hora do almoço.

-Não quero falar sobre isso, mas ele deve estar certo.

-Você tentou mesmo cortar sua orelha como Van Gogh? -Ele pergunta, chocado.

-O quê? Claro que não! -Então Cyrus abre um sorriso divertido.

-Te peguei, essa foi a história que eu espalhei.

-Muito obrigada, amigo.

-É melhor do que a história que você corta o braço com o metal do palco e grita dizendo estar mentalmente instável. -Olho de lado. Ele dá de ombros. -As pessoas até adicionaram que o seu rímel se espalhou pela sua bochecha e você virou negra. -Faço uma careta.

-Isso é tão idiota.

-O que realmente aconteceu? -Ele indaga. Mudo o peso dos pés, mordendo a bochecha.

-Tentei cantar. Não deu muito certo.

-Sua voz saiu feia ou tiraram sarro de você? -Ele pergunta, preocupado.

-Nenhum dos dois. Comecei a chorar. Sem perguntas.

-Não vou perguntar nada. -Cyrus responde. E cumpre sua promessa, pelo restos das aulas, ele e seus amigos me acolhem e ele não abre a boca uma só vez. Evito encarar Max durante as aulas. Não por ainda achar que ele me odeia, mas por vergonha por causa do flashback. Lembrar da intimidade que tínhamos me deixa um pouco... tímida.

Depois do almoço, engulo seco enquanto vou até o estacionamento, esperando meu irmão. Nos últimos três dias, tenho evitado completamente a senhorita Birkin e qualquer outra pessoa relacionada ao clube de música e está dando certo até agora. Meu irmão buzina e vejo se Ashley está vindo pelo corredor, mas estou sozinha. Porém, ao invés de me esperar, Connor sai do carro e vem até onde eu estou. Olho meio chocada e assustada.

-Oi?

-Vamos andando.

-Quê? Connor. -Faço minha expressão de adulta.

-Sai dessa. Vamos pro auditório.

-De jeito nenhum. -Me viro, mas meu irmão me puxa. Ando como se cada passo doesse na alma, e então ele abre a porta grande e vermelha do auditório, revelando... nada.

Não tem ninguém.

-Cadê eles? Eles não desistiram, não é? -Não suportaria que tudo tivesse acabado por minha causa.

-Claro que não. Só estão em outro lugar hoje.

-Por que?

-Porque eu pedi. -Olho confusa para Connor, enquanto entramos mais afundo no auditório, nossos passos ecoando no espaço vazio.

-Por que você pediu? -Questiono quietamente. Connor não deveria estar no trabalho?

-Porque eu pensei em cantar com você hoje. -Congelo no lugar e olho para ele, estupefata. Connor, assim como eu, costumava cantar também, embora não em shows ou competições. Só de diversão. Tinha uma voz muito boa também, mas se recusava a aparecer nos holofotes -ele deixava a atenção para mim.

-Tá falando sério?

-Seríssimo. Que música você quer cantar? -Subimos no palco. Dou de ombros, mas por dentro, estou meio extasiada. Meu irmão cantando comigo. Isso acontecia o tempo todo antes, mas há dois anos parou de acontecer. Engulo seco, sobrepondo a animação com nervosismo, resultado da memória da última vez que cantei aqui e que não foi nada bonito. -Tá bom então. Vou começar uma música. -Ele senta no piano, e eu deixo ele fazer sua própria coisa.

Porém, ele começa a cantar What Does The Fox Say versão piano, o que, em primeira mão, é ridículo.

E música é algo muito sagrado para mim agora pra ser estragada por uma canção dessas.

-Para. -Ele me olha inocente. -Qual é, Connor. Qual. É. -Tiro ele do banquinho e começo a tocar algumas notas. Começo a tocar, hesitante, e começo a cantar, mais temerosa ainda. Com medo do resultado. Com tanto medo, que paro antes de soltar a primeira sílaba. Connor suspira.

-Tenho uma sugestão, quer ouvir?

-Manda.

-Então, você disse que sentia as memórias deles e... bem, você sentia eles depois que cantava, e que quando cantava, é como se não tivesse acontecido nada ruim?

-É. -Espero as próximas palavras, olhando para o piano.

-Então talvez você devesse concentrar todas as memórias deles enquanto canta, sabe? Uma forma de homenageá-los. Não tenta fugir disso, deixa as emoções te dominarem e passa isso pra sua voz. -Connor parece inquieto, esperando minha resposta, mas só balanço a cabeça.

-O.K. -Digo, com a voz trêmula e começo a cantar. Não escolho uma memória em particular para passar pela minha mente, enquanto canto. Apenas me concentro no que antes era minha realidade. Brincar com Chaz, cozinhar com a minha mãe, ir pescar com meu pai, coisas assim, do dia-a-dia, que antes eu não pensava muito, mas depois, comecei a enxergar.

A voz de Chaz. Os dinossauros de brinquedo dele, os brincos da minha mãe, o sorriso do meu pai, Connor apresentando Ashley a mamãe, Chaz brincando de se esconder comigo, as tempestades que faziam a gente ir pro mesmo quarto esperar o barulho acabar e ficar conversando até tarde, a comida da minha mãe, os sermões dos meus pais. Chaz e Connor. Chaz e mamãe, na festa de aniversário dele, Connor com o papai no dia da formatura, papai chorando. Mamãe o abraçando. Rindo.

Estou cantando For You, e não estou chorando, mas a sensação é de estar drogada. É algo divino. Canto e não quero mais parar, e não dou a mínima de Connor estar ali. Ele sente a atmosfera também, porque senta do meu lado e começa a tocar as notas da música e eu tiro minha mão. E aqui estou eu, estendendo meu coração cheio de memórias da nossa família, dando-o a meu irmão, fazendo-o escutar as batidas dolorosas, pesadas, confusas, repletas de cenas, visões, memórias, lembranças, e ali está Connor, do meu lado como ele sempre esteve, completando a música, e juntos é quase como se eu pudesse me transportar para outra época. Ali está meu irmão, minha única família, fazendo um dueto comigo e as coisas não doem mais.

Nem quando paro de cantar, ele de tocar e nos entreolhamos.

Ele espera que eu comece a chorar e faça uma cena, obviamente, mas só respira fundo.

Vou chorar?

Não.

Eu quero?

Talvez.

Mas não vou, porque dessa vez, não há nada pra ser chorado, derramado em lágrimas. Dessa vez, não foi como a outra, em que eu estava sozinha e assustado. Esse momento remendou, mesmo que por quatro minutos, meu coração. Não destruiu, como o outro.

-Você tem que fazer isso, Carter. Não percebe? -Connor sussurra. -Você tem um dom. Você brilha quando está emergida no que quer que seja enquanto canta. Por favor, faça isso.

-Não consigo fazer sozinha.

-Mana, você não está sozinha. Tem vinte alunos esperando pra você guiá-los em uma sala, todos prontos pra te acompanhar.

-Mas...

-Tá na hora de acordar pra vida, C. Sério. -Ele diz, desesperado. Respiro fundo e respondo.

-Tá bom. Cadê a senhorita Birkin? -Connor me abraça, então me leva até uma sala no corredor.

A banda está do lado de fora, e me olha hesitante quando chego perto. Clark tenta fechar a porta quando chego perto da sala e vejo os alunos com a senhorita Birkin, mas eu paro. E escuto.

Então entendo porque ele quis fechar a porta.

-...Vocês precisam respeitá-la. E pegarem leve com ela. Ela não tem um passado fácil.

-Mas o que diabos aconteceu com ela? -Uma voz que eu nunca ouvi antes pergunta. Olho para Naomi.

-Pode fechar a porta. -Ela diz, mas nego com a cabeça. Vou para o lado, encostando na parede, para que não me vejam, mas ainda consigo ouvir a voz alta de Birkin.

Todo mundo consegue.

-Oh... bem... aconteceu um acidente. -E assim começa. Não me mexo, escutando o que vai dizer. -Bem, Carter sempre foi meio... problemática. Ela tinha um problema com bebidas e acho que drogas também. -Olho para meu irmão, que mantém o olhar neutro e sinto o olhar de Max me queimando. Ele não sabe das drogas. -Ela não era um exemplo, como ninguém é, mas ela também não era uma pessoa má. Ela era maravilhosa, e amava sua família e seus amigos, apesar de infringir as regras constantemente. Então não a julguem por isso. Mas então o acidente aconteceu. Matou seus pais e seu irmão mais novo. Ela se sente culpada.

-Por quê?

-Ela estava no carro quando o acidente aconteceu. Ela ligou para irem buscá-la também, o que foi o motivo por terem saído pela estrada. Foi a única que sobreviveu. -Eles ficam em silêncio. -Depois disso, ela e o irmão foram para outro estado, e eu soube mais tarde que ela havia entrado em uma clínica. Por depressão. -Me sinto horrorizada e envergonhada demais pra levantar o olhar. -Ela ficou lá até algumas semanas atrás, então seu irmão acolheu ela, virou seu guardião e eles estão de volta. Preciso que vocês entendam que isso é muito difícil pra ela. Toda essa situação, e ela nem sempre vai reagir da maneira que vocês reagiriam. Nem sempre vai ser legal, mas ela vai ajudar, desde que vocês ajudem, também. -Alguém deve ter feito um comentário baixinho sobre alguma coisa, porque ela retruca: -Não, ela nunca tentou se matar. E não quero piadinhas sobre isso. Nem sobre seus pais. Ou sobre seu namorado, ou sobre os irmãos. Muito menos os problemas que ela tinha antes disso. Estamos entendidos?

-Sim. -Eles falam em uma voz monótona.

-Ela tem namorado? -Alguém pergunta. É o babaca.

-Ela tinha. -Birkin responde, cautelosa. Bom pra ela. Estou morrendo de vergonha agora.

-Quem? Eu já ouvi um monte de gente falar do casalzinho na escola mas ninguém me conta quem é.

-Era o meu irmão. -Jill responde, e eu engasgo. Ela fala tranquila, mas estou tudo menos tranquila agora.

-Max? -Alguém pergunta. Olho pra cima, mas Max não está olhando pra mim.

-Deu desse assunto. Sem especulações.

-Ela está melhor agora? -Outra pessoa pergunta.

-Melhor do que antes, espero. Ela os amava bastante, então é natural que demore. Ela chorou bastante no hospital, quando fui visitá-la e tiveram que sedá...-Fecho a porta. Isso foi o suficiente. Volto a encostar na parede, respirando muito fundo mesmo, para não chorar ou gritar ou sair correndo, e não dou a mínima pra quem esteja me vendo. Desde que eu não tenha um ataque, tudo bem.

A porta se abre, e eu tento agir normalmente quando a senhorita Birkin me chama, contente. Aviso ela que vou voltar, e ela abre um sorriso maior ainda, dizendo para a sala, que agora me olha de um jeito diferente:

-O.K, então pessoal, essa aqui é a Carter. -Ela me reintroduz. Dessa vez, ela não diz sobre as competições que eu ganhei, sobre minha voz, meu dom, minha atitude ou minhas habilidades. Dessa vez sou só a Carter. Porque a única coisa que eu possuo agora realmente é só a mim mesma.


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