Os Últimos Morgenstern escrita por Luna MM


Capítulo 7
O bem que procura


Notas iniciais do capítulo

"Nenhum homem escolhe o mal porque é mal. Ele apenas confunde com felicidade, o bem que procura."
— Mary Wollstonecraft



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/424253/chapter/7

Clary sentia falta do quarto extremamente arrumado de Jace.

Depois que Sebastian saiu, Clary esperou alguns minutos para finalmente se levantar e caminhar em direção ao quarto do irmão. Mas era tudo tão desorganizado que ela achou que não conseguiria encontrar a porta de volta à sala.

Ela não acreditava que havia dormido e acordado ali e não percebera toda a bagunça. A cama era um emaranhado de lençóis de seda preta e uma colcha e, ao lado, havia uma escrivaninha de vidro e aço que estava coberta de livros e papéis rabiscados. Provavelmente Sebastian acordava no meio da noite com novos planos de queimar o mundo e fazia anotações para não esquecer, Clary imaginou.

O chão estava coberto por roupas masculinas; jeans, camisetas, casacos e roupas de combate. Francamente, como ele conseguia dormir ali? Clary pretendia tentar descobrir algumas coisas antes que o irmão voltasse, mas não achava que conseguiria se organizar naquela bagunça.

Antes de pensar melhor no assunto, ela pegou algumas peças de roupa, pendurou em cabides e colocou no guarda-roupa. Depois de alguns minutos, já podia distinguir a cor do piso sem precisar se esforçar.

Finalmente, começou a revirar as coisas do irmão tomando o cuidado de deixar tudo onde encontrou. Os livros eram sobre demônios e cerimônias, algo que não a surpreendeu. Ela não esperava que Sebastian guardasse contos infantis.

A garota olhou embaixo da cama, nas gavetas da escrivaninha e até no banheiro mas não encontrou nada interessante. Estava começando a achar que Sebastian não seria tão estúpido de deixar algo pessoal onde ela pudesse achar.

Clary voltou ao guarda-roupa do irmão e afastou os cabides carregados de roupas pretas. Lentamente, ela bateu no fundo de madeira do guarda-roupa e escutou um barulho oco. Animada por finalmente conseguir algo, Clary jogou os cabelos para trás e se abaixou. Tentou tirar o fundo falso com as mãos, mas estava muito bem colocado. Ela pensou por uns instantes e voltou à cozinha.

De volta ao quarto, com uma pequena faca na mão, Clary a enfiou no canto da madeira. Quando conseguiu retirar o fundo, Clary jogou a faca e a madeira ao seu lado e examinou o que havia sido escondido por Sebastian.

Clary congelou quando colocou as mãos em uma pequena caixinha com as letras J.C gravadas.

Jonathan Christopher.

Aquela era a caixinha de sua mãe; que ela pegava todos os anos e chorava silenciosamente até as lágrimas atingirem o chão. Ela não precisou abri-la para saber o que havia dentro: um cacho de cabelo fino e quase branco e um sapatinho de neném. Pedaços de seu irmão, pedaços do bebê que Jocelyn sonhara em ter antes de Valentim destruí-lo.

Mesmo assim, Clary abriu a tampa da caixinha e remexeu no conteúdo com cuidado. Passou os dedos sob o cacho loiro de seu irmão, imaginando como teria sido crescer junto com ele, imaginando como seu irmão seria se não tivesse sangue de demônio nas veias.

O coração de Clary congelou quando ela percebeu que havia mais alguma coisa embaixo do sapatinho de bebê. Era uma foto dela criança.

Clary conhecia aquela foto: Jocelyn e Luke haviam levado Clary e Simon ao parque para passear, mas Clary havia caído e machucado o joelho. Então, para fazê-la parar de chorar, Jocelyn havia a colocado no balanço e brincado com ela, até que ela parasse de chorar e começasse a sorrir. Na foto, Clary está com os olhos verdes brilhando por causa das lágrimas, os cabelos ruivos voando junto com ela e um sorriso estampado no rosto.

Mas não havia Jocelyn, Luke ou Simon na foto, apenas Clary. Sebastian havia recortado a foto e guardado, mas ela não entendia o porquê. Há quanto tempo ele tinha aquela foto?

Clary escutou passos pesados no andar debaixo. Sebastian havia chegado. Ela se apressou em jogar a foto dentro da caixinha e escondê-la de volta no fundo do guarda-roupa. Arrumou os cabides carregados de roupas e fechou a porta. Virando-se, Clary se jogou na cama e bagunçou os lençóis de seda preta.

Alguns segundos depois, Sebastian abriu a porta mas permaneceu lá, os braços cruzados e as sobrancelhas erguidas.

— O que estava fazendo? — ele perguntou.

Clary pensou rápido.

— Nada — ela gaguejou, a lembrança da foto ainda na mente — Estava apenas descansando.

Sebastian não pareceu convencido. Ele avançou alguns passos e se abaixou, pegando algo brilhante do chão. Uma faca.

Clary teve vontade de se bater. Como conseguira ser tão estúpida ao ponto de esquecer a faca ali? Ela não achava que conseguiria explicar isso.

— Estava tentando se matar ou algo assim? — ele perguntou, cauteloso. Sebastian girava a faca na mão direita, como se estivesse pronto para cravá-la em alguém. Clary se afastou um pouco.

— Não seja ridículo, eu não sei como essa faca foi parar aí.

Sebastian deu de ombros e se aproximou de Clary, sentando na cama.

— Nós vamos sair hoje à noite — murmurou ele, colocando o braço sob o encosto da cama. Clary se afastou mais um pouco.

— Para onde?

— Para uma festa — respondeu ele, sorrindo satisfeito.

Clary abriu a boca para protestar e dizer que não iria à lugar nenhum com ele. Mas ela realmente estava afim de sair daquele apartamento, mesmo que fosse na companhia do irmão.

— Não tenho roupa adequada para isso — ela argumentou.

— Já cuidei disso, irmãzinha. Agora vá tomar um banho e não demore, ou eu irei atrás de você.

Clary não precisou encarar o irmão para saber que ele tinha um sorriso malicioso no rosto. Apenas se levantou depressa e entrou no banheiro, desejando que a água do chuveiro levasse embora aquela foto de sua mente.

◌◌◌

Clary apertou a toalha em torno de si. O vestido que Sebastian comprara era bonito, pensou ela, impressionada com o bom gosto do irmão. Era todo preto, justo na parte de cima e um pouco mais solto à medida que se aproximava da cintura, terminando um pouco acima dos joelhos.

Ela calçou as longas botas pretas de salto alto, do tipo que Isabelle aprovaria, e se olhou no espelho. Ela não se reconheceu, parecia ser outra pessoa. Mas Clary sabia que não era apenas sua aparência que estava diferente; ela sabia que algo dentro de si havia mudado, que agora um novo sentimento tomava conta de seu interior, ela só não sabia explicar o que era aquilo.

Sebastian estava parado na porta do quarto. Ele vestia uma calça preta e uma camisa de botões branca, o que deixava seus olhos mais escuros. Ele a encarava com curiosidade, como se estivesse perdido em pensamentos.

— O que foi? — perguntou Clary, assustada.

— Eu achava que você não conseguiria ficar mais bonita — sussurrou Sebastian, quase inaudível.

Clary achou que ele estava sendo irônico, mas sua expressão mostrava sinceridade. Sebastian a elogiando? Sem qualquer interesse oculto? Sem sorriso malicioso? Aquilo era difícil de acreditar.

— Está falando sério?

Por um momento, ele a continuou observando. Mas, em seguida, ele balançou a cabeça como se tivesse acabado de acordar e encarou o chão.

— Apenas vamos embora.

◌◌◌

Clary e Sebastian estavam caminhando por ruas cheias de turistas com câmeras fotográficas que diziam coisas que ela não entendia. Sebastian caminhava depressa e Clary precisava se apressar para acompanhá-lo, segurando em seu braço para se equilibrar nos saltos altos. Pelo menos estava mais alta que o habitual, ela pensou.

— Onde estamos? — ela perguntou, olhando ao redor.

— Em Paris.

Clary sorriu ao ouvir a resposta do irmão. Ela sempre quis ir para Paris, a Cidade Luz. Desde pequena, sonhava em encontrar o amor de sua vida e viver feliz na cidade mais romântica do mundo. Mas lá estava ela, com o irmão, enquanto Jace estava à quilômetros de distância.

A menina afastou o pensamento da mente. Ela estava indo para uma festa na cidade que ela sempre quis conhecer, e simplesmente não podia ficar lamentando as próprias decisões. Não naquela noite.

Sebastian colocou a mão na cintura da irmã quando chegaram na festa. O lugar era enorme e todo iluminado com luzes coloridas que dançavam no teto, ao som da música animada que explodia no último volume.

Clary não pôde deixar de lembrar da festa de Magnus Bane, quando ela conheceu o feiticeiro e Simon se transformou em um rato. Parecia uma lembrança tão antiga.

— O que fazemos agora? — perguntou Clary, um pouco perdida.

— Nos divertimos, é claro — respondeu ele, como se fosse óbvio.

Sebastian começou a cumprimentar pessoas que Clary não tinha a mínima ideia de quem eram. Então finalmente, ela largou o braço do irmão dizendo que iria beber algo, e foi em direção à pista de dança.

No bar ao lado da pista, garçons serviam bebidas de todas as cores; azul, rosa, vermelho, amarelo e laranja. Clary sabia que não era seguro beber bebidas das fadas, que elas podiam deixá-la louca ou transformá-la num rato. Mas tudo o que Clary queria naquela noite era se divertir. Ela queria esquecer que estava longe de seus amigos e que estava na companhia de seu irmão assassino que pretendia incendiar o mundo.

Sendo assim, ela pegou a taça com o líquido vermelho e bebeu até a última gota. Não aconteceu nada. Clary continuou a mesma pessoa, mas com muita vontade de dançar.

Ela se encaminhou para o centro da pista de dança e fechou os olhos, sentindo a música dentro dela. Assim que a música chegou ao refrão, Clary já estava dançando livremente. Ela fazia movimentos enquanto acompanhava o ritmo animado, às vezes se juntando com mais garotas para dançar uma coreografia igual.

Depois do que pareceram três ou quatro músicas, Clary sentiu alguém a puxando pelo braço. Primeiro, ela achou que fosse Sebastian mas, quando virou-se para olhar, viu uma mulher. A mulher era jovem — talvez uns 20 anos — cabelos castanhos e olhos azuis. As runas expostas no pescoço e nos braços deixavam claro que ela era uma Caçadora de Sombras, mas Clary não a reconheceu.

— Quem é você? — ela perguntou.

— Você é Clarissa Morgenstern, certo? — a mulher perguntou. Clary assentiu, percebendo que ela não respondera sua pergunta.

— O que você quer?

A mulher olhou ao redor, como se procurasse por alguém e, em seguida, encarou Clary. Parecia que a mulher olhava através de Clary.

— Eu soube que você abandonou sua família e seus amigos para ficar com Jonathan — ela murmurou, pensativa — Por que fez isso?

Clary se surpreendeu com a pergunta. Aparentemente, todo o mundo já sabia do que ela fizera. Ela sabia que não deveria ficar conversando com aquela moça que ela nem sabia o nome, mas ela não achava que teria problemas com isso. A mulher não parecia ser do mal.

— Eu só quis proteger minha família e meus amigos.

— Então, você não vai voltar para eles? Digo, pretende ficar com Jonathan para sempre? — ela perguntou, lentamente.

— Não posso voltar. A única maneira de fazer com que Jonathan deixe-os em paz é ficando com ele, então sim, ficarei.

A Caçadora de Sombras colocou a mão no queixo, pensativa. Depois de alguns minutos, ela voltou a olhar para Clary.

— Você é corajosa, Clarissa — ela observou — Mas é uma pena que, mesmo que você tenha o poder de salvar o mundo, você não se importa.

Clary arregalou os olhos. Como aquela mulher podia falar aquilo? Depois de tudo que Clary fez para ajudar as pessoas que ela amava!

— Do que está falando? É claro que eu me importo! — Clary gritou, se esforçando para falar mais alto que a música.

— Não precisa gritar, queridinha — a mulher chegou mais perto de Clary — Estou dizendo que você é a única que pode mudar Jonathan Christopher Morgenstern, porque você é a única pessoa que ele se importa. Só você pode salvar Jonathan, mas você nem ao menos tenta, não é?

Clary quase caiu para trás. Ela se lembrou da foto que Sebastian guardava na caixinha dourada, de como ele havia falado com ela mais cedo, de Peter dizendo que ela era a fraqueza de Sebastian, de como ele havia cuidado dela depois que ela quase morreu. Milhares de imagens invadiram a mente de Clary, que perdeu o equilíbrio e teve que se apoiar na parede.

Lentamente, Clary começou a enxergar a realidade. Sebastian agia como um monstro perto de todos, machucando e matando sem piedade; mas quando ele estava com ela, ele até parecia ser outra pessoa. Ele realmente tinha uma chance de mudar, e só Clary era capaz de fazer isso.

Clary se virou para procurar pela mulher, mas ela já havia ido embora. A menina se encostou na parede e colocou as mãos no rosto, fechando os olhos e se desligando da música e da festa. Então, ela sentiu alguém a puxando pela cintura. Gritou, assustada, e abriu os olhos para ver o irmão sorrindo.

— Calma, irmãzinha — ele levantou as mãos, dando um passo para trás.

— Você me assustou.

— Desculpe. É que há pouco tempo você estava dançando tão bem e depois não te vi mais. O que aconteceu?

Clary balançou a cabeça, querendo sair daquela festa o mais rápido possível. A bebida vermelha ainda ardia em sua garganta.

— Eu só preciso de um pouco de ar.

Sebastian assentiu, preocupado.

— Tudo bem, eu já estava cansado dessa festa mesmo. Vamos dar um passeio — ele passou uma mão ao redor de Clary e, juntos, caminharam em direção às ruas de Paris.

◌◌◌

— Clary, você não falou nada durante o caminho inteiro.

Eles estavam sentados em um dos bancos que encontraram. As ruas estavam vazias e silenciosas, além de iluminadas pela Torre Eiffel que brilhava mais que qualquer estrela do céu. Clary não entendia o porquê de os turistas estarem dormindo, já que Paris era ainda mais linda à noite.

— Eu achei que estava com saudade de casa, mas olhando para esse lugar... — Clary sussurrou, seus olhos verdes brilhando. — Estou exatamente onde eu deveria estar.

Sebastian a encarava com curiosidade. Lentamente, ele se levantou e avançou uns passos, parando à alguns metros. Clary o seguiu.

— Eu também — ele suspirou.

Dessa vez, Clary o encarou. De repente, uma pergunta apareceu em sua mente.

— Por que quer destruir o mundo, Sebastian? É tão bonito.

— Não quero destruir o mundo por causa dos lugares. Pelo contrário, eu até gosto — ele murmurou, admirando a paisagem — Eu quero destruir o mundo por causa das pessoas.

— Mas nem todas as pessoas são ruins.

Sebastian riu sem humor.

— Para mim todas são — ele balançou a cabeça — Todas sempre irão me ver como um monstro.

Ela não disse nada, apenas olhou para os próprios pés.

— Incluindo você — Sebastian sussurrou.

Clary sentiu a culpa preenchendo seu peito e, rapidamente, sentiu a necessidade de se explicar para o irmão.

— Mas você não tem culpa de ser assim — Clary olhou para ele. Seu irmão parecia tão diferente, iluminado pelo brilho de Paris — A culpa é de Valentim. Pelo o que ele fez com você, pelo modo de como ele o criou.

Clary estava sendo sincera. Ela tinha ódio do pai pelo o que tinha feito à Jonathan, o transformando em parte-demônio. Naquilo que todos os Caçadores de Sombras sempre se esforçaram para deter.

— Quando você é criança e se machuca, seus pais te ajudam a levantar e cuidam de você. E depois brincam com você para que você sorria e esqueça da dor — Sebastian falou, o olhar distante — Valentim fazia com que, todos os dias, eu me lembrasse da dor.

Clary se lembrou das marcas de chicote nas costas do irmão, as cicatrizes que nunca desapareceriam. E da foto escondida na caixinha, do dia que Clary se machucou e Jocelyn a ajudou, fazendo-a sorrir.

Os dois eram irmãos, mas tinham passados completamente diferentes. Clary fora criada com amor e carinho, enquanto Jonathan fora criado com dor; Clary fora criada como uma criança mundana, com uma vida normal, enquanto Jonathan teve sua infância perdida para se tornar um guerreiro de Valentim. Era tão injusto.

— Valentim não está aqui — Clary sussurrou — Está tudo bem agora.

Sebastian levantou a cabeça para olhar para a irmã, mas ela o puxou para um abraço. Ela não soube exatamente porque fez aquilo, apenas não pensou antes de fazê-lo. Clary sentia que o irmão precisava daquilo e, quando sentiu Sebastian retribuir o abraço, ela percebeu que também precisava.

Quando, lentamente, Clary começou a se afastar, Sebastian segurou seu rosto próximo ao dele. Por um momento, ele apenas observou os olhos verdes da menina e, depois, puxou sua boca para a dele. Clary não se afastou. Ela sabia que aquilo não era certo, mas não havia motivos para continuar resistindo. Só ela podia salvá-lo e, naquele momento, só ele poderia fazê-la voltar a ser feliz.

Sebastian abriu um sorriso na boca da irmã, e a puxou para si. Clary fechou os olhos e colocou os braços ao redor do pescoço dele, sem se preocupar com o que aconteceria amanhã. E naquele momento, a Cidade Luz brilhava apenas para eles.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Pelo Anjo, me perdoem pela demora! Eu sei que eu demorei quase um mês para atualizar, mas eu realmente não tive muito tempo para escrever por conta das provas (agora já estou de férias, heheh).
Quero agradecer aos meus leitores maravilhosos que sentiram a minha falta; os que comentaram aqui, mandaram mensagens ou até me chamaram no twitter. Muito obrigada também pelas recomendações, fiquei tão feliz que nem sei como expressar! Vocês são os melhores.