Os Últimos Morgenstern escrita por Luna MM


Capítulo 18
Temer a Noite


Notas iniciais do capítulo

"Apesar de minha alma viver na escuridão, se erguerá em plena luz.
Amei demais as estrelas para temer a noite."
— Sarah Williams, "The Old Astronomer"



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Apenas alguns minutos após voltarem ao apartamento, Sebastian havia recebido uma ligação misteriosa que aparentemente decidira não compartilhar com Clary, aborrecendo um pouco a irmã. Ela estava prestes a perguntar o que havia acontecido quando ele, resmungando algo sobre como podia ser possível complicar coisas tão simples, murmurou um “volto daqui a pouco” e saiu com a espada preta e prateada desembainhada em mão.

Duas horas depois disso, Clary revirava-se no sofá pelo o que parecia ser a milésima vez. Já havia tentado se distrair de todas as formas possíveis, havia até mesmo tirado um cochilo, mas o “daqui a pouco” tornou-se uma eternidade. Suspirando, ela arrastou-se pelos poucos degraus da escada até o segundo andar, entrando no único quarto da casa, que dividia com Sebastian, e jogou-se na cama grande.

Com o pensamento distante, Clary pousou o olhar sob a escrivaninha de vidro e aço coberta de livros e papéis soltos, no canto do quarto. Algumas folhas rabiscadas e canetas estavam caídas no chão. Inconscientemente, Clary lembrou-se do quarto tão organizado de Jace no Instituto, com as roupas ordenadas por cor e tecido e os livros distribuídos nas prateleiras em ordem alfabética. Com a lembrança em mente, ela abriu um sorriso involuntário, não conseguindo deixar de sentir falta de todos esses pequenos detalhes sobre Jace, apesar de tudo. Detalhes que ela sempre amou observar nele.

Clary sabia que não deveria ficar pensando nessas coisas o tempo todo, porque só lhe trazia tristeza. E um vazio grande no peito. No entanto, era difícil viver ao lado de Sebastian e não notar o quanto ele e Jace eram parecidos, embora ao mesmo tempo tão diferentes. Tinham o mesmo apreço por armas e estratégias de guerra e tiveram a infância arruinada pelo mesmo pai, criados para serem guerreiros. Era quase como se fossem um só, mas enquanto Jace era vermelho e dourado, Sebastian era preto e branco. Jace era um anjo que servia no Céu, enquanto Sebastian era um demônio querendo trazer o Inferno à terra.

E ambos desejavam a mesma garota, uma voz sussurrou na mente de Clary. Ela balançou a cabeça para livrar-se dos pensamentos e levantou-se da cama, caminhando até a escrivaninha. Passou os dedos pelos papéis rabiscados e amontoados numa pilha, observando a letra caprichosa de Sebastian. Algumas palavras estavam escritas em latim, mas ela reconheceu feitiços e maldições ligadas à demônios e, algumas vezes, à Lilith. Também encontrou várias menções a Edom, que ela sabia ser outra palavra referente a Inferno.

Clary abaixou-se para pegar as folhas que estavam caídas no chão, mas sua mão congelou no ar, enquanto lia o que estava escrito na página acima das outras. Instituto de Los Angeles, Instituto de Moscou, Instituto de Berlim, Instituto de Londres, Instituto de Bancoc, e mais outras dezenas de Institutos espalhados pelo mundo. E no topo da lista: Instituto de Nova York.

Sentando-se no chão, ela leu e releu aquelas palavras o suficiente para decorá-las, tentando encontrar algum significado para aquilo. Por que Sebastian queria os nomes de todos os Institutos e suas famílias de Caçadores de Sombras que existiam ao redor do mundo? Para que precisava deles? Clary não queria chegar em nenhuma resposta que não lhe agradasse. Não suportava sequer pensar no fato de que seu irmão ainda era o mesmo vilão cruel que todos odiavam, mesmo depois de tanto tempo passado ao seu lado. Mesmo depois de todas aquelas palavras repletas de carinho e paixão que ele havia dito para ela mais cedo. E que, com o coração acelerado, ela havia acreditado.

Lentamente, Clary levantou-se do chão carregando as folhas consigo e depositando-as em cima da mesa, junto com o resto. Subiu na cama novamente e deitou-se, abraçando os travesseiros e permitindo-se fechar os olhos, desejando que os sonhos viessem para apagar seus pensamentos.

Uma lágrima solitária escorreu pelo seu rosto, embora Clary nem ao menos soubesse pelo o que choraria.

◌◌◌

Clary sentiu seus pés descalços tocarem o chão frio e áspero e abriu os olhos. Diante dela, estava Alicante, a Cidade de Vidro. Ela ainda se lembrava do céu vasto acima, da água reluzente nos canais, dos edifícios antigos entalhados com cenas de lendas e, principalmente, das torres demoníacas transparentes estendendo-se até um ponto onde o sol as fazia cintilar. Quando estava em Alicante, Clary sempre teve a sensação de estar dentro de um sonho; um conto de fadas.

Mas dessa vez sentia-se estar dentro de um pesadelo, um filme de terror. Os edifícios antigos e o Salão dos Acordos, onde eram realizadas as reuniões do Conselho, estavam queimando em chamas. Sangue corria como água pelas ruas, misturando-se aos canais. Corpos de Caçadores de Sombras mortos estavam espalhados por todo o chão da cidade, todos que estavam refugiados em Idris, assustados demais para permanecerem nos Institutos. As torres demoníacas haviam tido seus bloqueios quebrados.

Clary finalmente baixou os olhos para si. Sua roupa de combate estava rasgada e suja aqui e ali e, em sua mão, carregava uma grande espada parecida com a de seu irmão que estava ensanguentada até o cabo, assim como suas mãos.

Ao seu lado, Sebastian sussurrou em seu ouvido, o hálito frio contra sua pele causando-lhe arrepios. “Nós conseguimos, irmãzinha. Você e eu. Juntos, vamos governar um novo mundo. Não é maravilhoso? ”.

Quando ele entrelaçou sua mão na dela, ela sentiu o sangue Nephilim escorrer entre seus dedos, até cair no chão.

◌◌◌

Quando Clary acordou ofegando e suando, barulho de água caindo ecoava pelo quarto silencioso. A escuridão já havia caído, fazendo com que o brilho forte da Lua cheia fosse a única luz a iluminar o cômodo. Por um instante, ela olhou para a janela procurando por chuva, mas ao passar os olhos pela porta aberta do banheiro e a luz acesa, percebeu que Sebastian havia finalmente voltado. Sentou-se na cama, disposta a agir normalmente, tentando esquecer aquela cena que irrompia por trás de suas pálpebras toda vez que fechava os olhos.

Alguns minutos depois, Sebastian saiu do banheiro vestindo apenas uma calça jeans preta, com uma toalha na mão enquanto secava os cabelos molhados. Sua feição dura mostrava que ele pensava em alguma coisa séria, mas parou no lugar quando notou que Clary estava o encarando.

— Achei que iria dormir para sempre, irmãzinha — disse ele e Clary engoliu em seco. Seu tom de voz estava frio, assim como seus olhos negros, fixos como de um predador encarando a presa. Não se parecia em nada com o garoto que havia se declarado algumas horas atrás, prometendo que faria qualquer coisa por ela.

— Onde você estava? — Ela perguntou, mostrando certa preocupação. Apesar de sua mudança repentina de humor, ela esperava que pelo menos já tivesse conquistado sua confiança o suficiente para que ele lhe contasse o que estava acontecendo.

Ele largou a toalha no chão, antes de direcionar-se a janela e encostar-se na parede. Por um instante, Clary se viu observando o irmão em silêncio. Sua pele parecia ter sido entalhada no gelo, assim como as maçãs do rosto pálidas. Seu cabelo branco ainda pouco molhado caía na testa, rebelde. Ali, diante da luz, ele parecia ainda mais belo.

— Resolvendo problemas — respondeu, num tom que deu a entender que Clary não deveria fazer mais perguntas. — É uma bela noite, uma pena que teremos que sair daqui.

— Por quê? — Ela perguntou, enquanto o irmão virava-se de costas para a Lua e sentava-se na cama. Clary viu de relance as cicatrizes antigas marcadas pelo chicote em suas costas e sentiu uma súbita vontade de tocá-las.

— Um grupo estúpido de Caçadores de Sombras cometeu a burrice de tentar me atacar — resmungou, quase rindo. — Eu os matei, mas suponho que a essa hora, a Clave já deve saber nossa localização. Então, algum país que deseja conhecer?

Ela balançou a cabeça, quieta. No fundo de sua mente, ela quase pôde ver sua família e seus amigos sendo avisados sobre onde ela estava com Sebastian. Será que, depois de tudo o que aconteceu, eles ainda iriam atrás dela? Clary sentiu um vazio familiar no peito.

— Deveríamos terminar o que começamos mais cedo — murmurou Sebastian ao seu lado, afastando seu cabelo para depositar beijos em seu pescoço, puxando-a para seu colo. De início, Clary correspondeu aos beijos, mas sabia que não iria conseguir seguir adiante; não enquanto sua cabeça estava em outro lugar.

— Sebastian, pare — sussurrou, saindo de seu colo e levantando-se. Suas pernas estavam fracas. Mas apesar do tom de voz seco e olhar frio que ele carregava naquele momento, ela já não sentia mais medo. Todos aqueles meses ao lado do irmão mostraram-lhe o suficiente para que ela tivesse a certeza de que ele não representava mais uma ameaça, pelo menos não para ela. — Preciso te perguntar algo.

Ele suspirou, claramente entediado. Encostou-se no travesseiro, colocando as mãos atrás da cabeça e esperando que ela continuasse.

— Você ainda está seguindo com seu plano de vingança? — Ela perguntou, não conseguindo deixar de notar o quanto aquelas palavras soaram bobas ditas em voz alta. Sebastian segurou o riso.

— Está perguntando se ainda estou tentando dominar o mundo dos mocinhos e transformar tudo em caos e trevas? — Disse, colocando a mão no queixo em um ar pensativo e erguendo as sobrancelhas.

Clary suspirou, revirando os olhos. Apesar da ironia, ela ficou feliz em receber uma resposta consideravelmente digna de um bom humor. Voltou para a cama e jogou seu travesseiro nele, que o pegou num movimento rápido.

— Você me entendeu, Sebastian. Você ainda pretende machucar mais alguém? Meus amigos... — ela ergueu as sobrancelhas, de modo sério, mas não conseguiu terminar a frase, embora nem mesmo soubesse o que iria dizer.

Ele a encarou por alguns instantes e Clary teve a impressão de que, se ele tivesse tal poder, poderia estar lendo seus pensamentos naquele momento. Ela sentiu calafrios. Depois dos segundos mais longos que Clary já havia visto, ele abriu um sorriso torto e acariciou o rosto da irmã, fazendo-a estremecer com o toque gélido dele contra sua pele quente.

— É claro que não, irmãzinha. Eu prometi que não iria tocar em seus preciosos amigos, então não tocarei. — Ele respondeu e seus olhos escuros brilharam, mesmo na escuridão daquela noite. — Não preciso de mais nada, agora que tenho você ao meu lado. Sabe disso, não é?

E então, puxou a garota para seu abraço, encerrando o assunto. Embora ainda tivesse a forte impressão de que aquela conversa ainda não tinha terminado, Clary encostou a cabeça em seu ombro e, sob a luz do luar, seu olhar foi atraído para uma imensa espada preta e prateada, cujo metal era gravado com estrelas pretas, simbolizando a arma como Morgenstern. A lâmina ainda carregava sangue fresco, a tinta escarlate escorrendo pelo metal até pingar no carpete.

— Sim, eu sei — ela sussurrou e o vazio no seu peito pareceu aumentar.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! c: