Pequenos grandes problemas

Kaline Bogard

Parte 04

Uma breve pausa

Naruto girou o pescoço dolorido de um lado para o outro e massageou a nuca. Os olhos azuis desviaram-se em direção ao companheiro de desventuras. Sasuke parecia melhor agora, mas a aparência ainda era péssima. Ele estava meio sentado, meio deitado no barranco, respirando pesado e com os olhos fechados.

O braço esquerdo estava devidamente protegido com dois gravetos servindo de tala, enrolados com uma parte de raiz, enquanto um bocado maior passava pelo braço e pelo pescoço do rapaz, mantendo a fratura imóvel.

A expressão indiferente voltara a face pálida, como se nada tivesse acontecido, mas espasmos quase imperceptíveis faziam seu corpo tremer, provando que a dor ainda não fora embora por completo.

O loiro pouco sabia sobre medicina, afinal essa chatice de primeiros socorros não era uma das suas aulas favoritas. Desse mínimo que conhecia, lembrava-se que o braço do companheiro começaria a latejar, enquanto o corpo trabalhava para conter prováveis infecções.

Ao lembrar-se disso, Naruto que estava sentado ao lado do parceiro, estendeu a mão e tocou-lhe a testa. Estava levemente febril, nada que assustasse, pois a reação era esperada de um corpo ao sofrer o trauma. Se estivessem em um hospital Sasuke teria recebido os medicamentos certos e ter o braço imobilizado da maneira correta.

Mas nas atuais condições era o melhor que podia oferecer.

– Maldição... – o loiro praguejou. O sol já não ia tão alto no céu, indicando que em breve a noite cairia, talvez a temperatura amainasse um pouco. O ideal era aproveitar cada minuto de claridade para continuar caminhando mais e ganhar terreno...

Exigir isso de Sasuke seria desumano. Precisava esperar pelo menos que a dor no braço abrandasse antes de fazer o rapaz andar debaixo do sol quente. Sem esquecer que não detectava o menor sinal de pelo menos água por perto.

Nesse momento a barriga de Naruto roncou alto, fazendo Sasuke rir baixinho, ainda com os olhos fechados.

– O que é engraçado, maldito?!! – o loiro explodiu.

– Eu to com fome também... – revelou simplista. Os lábios arderam um pouco, só agora dando-lhe consciência de que os ferira.

Isso desarmou o loiro e afastou a irritação para longe. Naruto abraçou as pernas e descansou o queixo sobre os joelhos.

– Não podemos comer grama.

– Aposto que você tentou!

Naruto fez um bico e não respondeu. Qual o problema de tentar comer grama? Estava desesperado de fome! Não comiam nada desde o dia anterior... e a grama parecia tão verdinha e apetitosa... mas tinha um gosto horrível!

– Tomara que engasgue com essa língua, maldito.

Sasuke não respondeu, porém o sorriso continuava delineando os lábios muito levemente. O loiro o observava de canto de olho, estranhando-lhe a expressão. Pelo menos ele parecia melhor.

– Quer sondar por aí? – Uchiha indagou – Ver se acha algo útil pra gente comer?

– Não.

– Tsc.

Naruto ignorou a exclamação descontente. Nem lhe passava pela cabeça deixar o companheiro sozinho e praticamente indefeso por ali. Estar do tamanho de um inseto já era preocupante, mas um inseto com a “patinha” quebrada pouco podia fazer para se defender caso algum perigo surgisse. Mesmo que se tratasse do aluno número um da turma.

– Precisamos de água também – o loiro comentou observando o céu que não podia estar mais límpido e azulado, com tons avermelhados surgindo junto com o poente. Nem uma nuvenzinha dava a indicação de que fosse chover. Uma garoinha seria mais que bem vinda.

– Pelo que me lembro da geografia desse lugar estamos longe de qualquer lago ou nascente – e terminou a frase com um suspiro.

O loiro nada disse. De alguma forma sentia que seu companheiro de aventura estava um tanto mais... qual seria a palavra para descrever? Suave, talvez? Menos na defensiva, quem sabe? Naruto não sabia explicar, mas sentia que algo parecia diferente. Talvez a dor tivesse deixado Sasuke de miolo mole, vai saber!

Em silêncio levantou-se e foi em direção à grama. Pegou a kunai e começou a cortar folhas do gramado o mais próximo da raiz que conseguiu. Quando tinha retirado uma boa quantidade a recolheu e foi em direção a Sasuke. Jogou o mato no chão ao lado do moreninho e ajeitou a grama de modo a formar um colchão improvisado.

– Ei, maldito, vem pra cá. Já que a gente vai passar a noite por aqui é melhor deixar confortável.

Sasuke abriu os olhos e observou o que Naruto tinha arrumado. A expressão foi puro desdém.

– Tsc. Por que passar a noite aqui? Está cansado, idiota?

Uzumaki arrepiou-se todinho. Cerrou os punhos e só a um custo ferrenho de auto controle conseguiu não ir até o outro e acertar-lhe um tapa bem dado na nuca. Maldito ingrato!

– Cala essa boca e vem pra cá logo! Antes que eu te pegue e jogue aqui!

O ferido ergueu as sobrancelhas e parecia pronto a provocar ainda mais. Todavia mudou de idéia e usou o braço direito para se levantar do chão e foi sentar-se sobre o colchão de grama improvisado. Até que não tinha ficado ruim, mas preferia quebrar o outro braço a admitir aquilo. Ou talvez não, já que fraturar algo era uma dor desgraçada, no fim das contas.

– É... nada mal para um idiota.

Por pouco... por muito pouco Naruto não cedeu a tentação de encaixar um tabefe na nuca daquele arrogante! O que seria um tapinha pra quem estava arrebentado mesmo? E Sasuke nem poderia revidar, com um braço a menos...

Remoendo esses pensamentos vingativos apenas se deixou cair ao lado do moreninho e deslizou para trás, deitando-se de costas na grama e cruzando as mãos embaixo da cabeça, improvisando um travesseiro.

– Sabe o que eu adoraria comer agora... ?

– Lamen.

A resposta veio sem hesitar um segundo e deixou Naruto emburrado.

– Eu ia dizer “cupcake”, maldito. Não pense que sabe tudo!

A frase mal educada fez o olho direito de Sasuke tremer e Naruto percebeu que conseguira irritar o outro igualmente. Tirara mais uma reação do rival!

Isso lhe deu alegria tal, que ele riu alto.

– Mentira! Era lamen mesmo! Eu quero um LAMENNNN!!

Acabou ganhando um chutinho irritado na canela, fato que não fez sua diversão diminuir ou a risada parar.

– Se vai ficar falando de comida na minha orelha é melhor sumir daqui! Idiota!

Naruto riu baixinho, sentindo-se vingado. Observou a face do outro em silêncio por alguns segundos. Notou as gotinhas de suor juntando bem ao redor da fronte. Ele ainda devia estar sentindo dores no braço. Se tivessem pelo menos um remédio para aliviar aquela sensação. Infelizmente não tinham nada que ajudasse.

Não querendo se abater pelo desanimo Naruto levantou-se e voltou ao ponto em que a grama recomeçava. Cortou mais uma braçada de grama, observado por um par de olhos negros e curiosos. Algum tempo depois voltou com o fruto de seu trabalho nos braços. Parou em frente a Sasuke e fez um gesto de cabeça.

– Deita aí, maldito.

– Por que? – Sasuke estranhou a ordem.

– Por que está anoitecendo e vai esfriar. Sempre cai uma geada nesse lugar.

– Tsc.

– Facilita aí! Se você piorar eu é que vou ter que te carregar nas costas.

– Eu não vou piorar! – Sasuke respondeu de mau modo – E eu não...

– “Pedi que fizesse nada”... – Naruto cortou a frase adivinhando o que o moreninho diria – To cansado de ouvir isso. Agora deita logo nessa droga, por que eu to com fome, com sede e tão cansado quanto você. Pará de fazer doce, que se você fizer isso logo eu vou poder dormir logo também!

A expressão de Sasuke se fechou enquanto ele cerrava o punho bom. Por breves segundos pareceu disposto a ir contra as instruções do companheiro, mas desistiu. Deitou-se de costas com cuidado, por que o menor movimento fazia o braço esquerdo doer e fechou os olhos.

– Faça o que quiser! Pouco me importa.

Naruto não respondeu. Usou a grama cortada para cobrir o moreninho. Pelo menos assim o rapaz não sentira frio. Tratou de deitar-se ao lado dele e respirar fundo. A noite não caira por completo, mas dissera uma verdade: ambos estavam exaustos. Tanto física quanto mentalmente.

Talvez por isso Uchiha tivesse se rendido ao sono tão facilmente, pois logo Naruto ouviu o ressonar tranqüilo do outro. Aproveitou-se disso para mover-se devagar e tocar-lhe a testa. A febre tinha quase desaparecido por completo.

Mais aliviado ajeitou-se embaixo da grama outra vez. No entanto, apesar de reclamar do cansaço, não conseguiu fechar os olhos. Sequer cochilar.

Tinha medo de adormecer e algo acontecer a eles.

Ou melhor: algo acontecer a Sasuke.

Continua...