Jude

Depois que Lizzie seguiu a Inspetora Murphy, eu subi os degraus que levavam à enorme porta da biblioteca e a adentrei com passos silenciosos.

– Boa tarde, Jude! Tudo bem? – Molly, a bibliotecária da tarde me cumprimentou.

As moças da biblioteca já me conheciam de nome, pois eu costumava passar a maior parte do meu tempo livre em meio aos tantos milhares de livros existentes ali.

– Boa tarde, Molly. Eu estou bem. E a senhora, como vai hoje? – Sorri polidamente, me aproximando da mesa onde a mulher quase idosa de cabelos marrom-acinzentados e óculos de armação fina estava.

– Estou bem, Jude. Muito obrigada por perguntar. Sabe, as garotas daqui deveriam ser igual a você. Que exemplo de educação e polidez! – Ela exclamou e eu senti meu rosto esquentar violentamente, como sempre acontecia quando alguém me elogiava. – As suas amigas estão aqui, sim? A morena que parece com você, Lucia, não é? E a loira, qual é o nome dela? Eu sempre me esqueço.

– Anne. – Sorri. – Bom, obrigada, Molly. Vou procurá-las. Até mais.

– Até. – A senhora sorriu em resposta e eu segui para as mesas de estudo.

Antes que eu tivesse dado mais de cinco passos, Anne levantou-se e acenou para mim. Sorri e segui em direção ao canto da enorme mesa de ébano polido em que elas estavam.

– E aí, Jude? Onde estava? Dessa vez você nem veio para a biblioteca direto.

Eu ri.

– Estava apresentando a escola para a minha nova colega de quarto. Sabem, ela chegou hoje e…

– Meninas! – A voz de Rebecca me interrompeu, ecoando pelas paredes alta o suficiente para atrair alguns olhares de reprovação.

– O que houve, Becca? – Lucy perguntou, franzindo as sobrancelhas. Rebecca estava ofegante e tinha nos olhos aquele brilho que se mostrava sempre que ela queria compartilhar alguma novidade ou fofoca.

– Vocês não sabem o que eu acabei de ver enquanto estava vindo do salão principal para cá! – Ela disse, tirando o suéter azul e amarrando as mangas ao redor dos ombros enquanto se sentava no banco, ao lado de Anne.

– E o que foi? Um papagaio amarelo? – Anne sugeriu, irônica, masse calou com o olhar feio que a morena lhe lançou.

– Não. Foi uma garota. Ou pelo menos eu acho que era uma. Sei lá. Parecia uma aberração, vocês não imaginam. A coisa estava parecendo uma pseudo-punk da época errada, ridícula. Tinha o cabelo quase todo raspado com uma franja caindo na cara e uns brincos no nariz e na boca. Estava com a roupa toda desarrumada e uns tênis nojentos que pareciam ter saído dos pés de um mendigo. Isso sem falar do…

– Rebecca, cala a boca! – Exclamei em um tom bravo e alto. A voz de Rebecca possuía um desprezo tão profundo que fez meu estômago revirar, e a raiva me subir à cabeça. Eu simplesmente não conseguia deixá-la falar assim de Lizzie.

Logo que eu terminei de falar, o silêncio imperou e eu mordi o lábio, voltando a me sentar. Não era do meu feitio gritar no meio de um lugar público, e muito menos mandar alguém calar a boca daquele jeito.

– Você está me mandando calar a boca, Jude? – Rebecca perguntou, arqueando as sobrancelhas com o mesmo tom de desprezo. – Só por que eu falei dessa…

– Não termine essa frase se você preza a minha amizade, Rebecca. – Meu tom de voz era tão frio quanto um iceberg.

– Que bicho te mordeu, Jude? Está defendendo a esquisita agora?

– Sim, estou, e a Lizzie não é esquisita, nem nada disso do que você disse.

– Lizzie? Como você sabe o nome dela? Por acaso está conversando com esse tipo de gente agora?

Balancei a cabeça, com raiva.

– Ela é a minha nova colega de quarto.

– O quê?! – Os olhos dela se arregalaram. – Você vai mesmo dividir um quarto com… ela?

– Eu não sou obrigada a ouvir isso. Com licença.

Me levantei e saí dali, andando com passos rápidos até a saída.

– Ei, Jude. Espera! – A voz de Lucy ecoou, junto aos seus passos rápidos atrás de mim.

Me virei e vi que ela e Anne me seguiam.

– Hey, Jude. Relaxa. A Becca não disse o que disse por mal. Você sabe como ela é. – Anne disse em seu tom conciliador, como sempre fazia.

Cruzei os braços.

– Eu sei, mas o que ela disse foi absurdo! Ela estava julgando a Lizzie pela aparência, e vocês sabem como isso é ruim. Você gostaria que disessem que você é patricinha ou burra só por ser loira e bonita, Anne?

– Claro que não, mas deixa isso para lá. Não vamos discutir por causa disso. Pelo visto é a sua amiga ali, não?

Voltei meu olhar para onde Anne indicava e vi Lizzie andando despreocupadamente em direção à biblioteca, com os olhos baixos e as mãos na nuca.

Lizzie

– Lizzie! – A voz de Jude ecoou enquanto eu caminhava.

Desviei o olhar para a porta da biblioteca, onde Jude estava ao lado de duas garotas. Ela sorria, e acenou para que eu me aproximasse.

Sorri de canto e subi os degraus que nos separavam.

– Hey, Jude.

Ela sorriu novamente.

– Ei, Lizzie. Eu queria te apresentar para duas amigas minhas, tudo bem? – Ela perguntou e eu assenti.– Essa é a Anne. Anne Campbell.

– Prazer em lhe conhecer, Anne. – Eu respondi com um sorriso de canto, vendo a bela garota de olhos azuis, cabelos loiros e lábios vermelhos diante de mim. Com um rápido olhar, pude ver que ela possuía um corpo curvilíneo, que era bem delineado pela camisa branca e a saia que batia um palmo antes dos joelhos. – Elizabeth Bennet. Mas pode me chamar de Lizzie.

– Prazer, Lizzie. – Ela sorriu, um sorriso de dentes brancos perfeitos, e ao mesmo tempo um tanto simpático e delicado. Não havia a menor arrogância ou prepotência na voz dela, e isso não deixou de me surpreender, já que a família Campbell era quase ou tão influente quanto a Ward na elite de Londres.

– E essa é a Lucy. Lucy Kirshbaum. – Jude disse, apresentando a garota que tinha uma grande semelhança com ela, graças aos cabelos castanhos e ondulados e o rosto redondo em forma de coração, além da altura diminuta. Nenhuma das duas devia passar de um metro e cinquenta.

– Muito prazer, Lucy. – Sorri de canto, mirando seus olhos verdes e as sardas discretas e quase invisíveis que lhe cobriam as bochechas. Assim como as duas outras amigas, ela tinha grande beleza.

– É bom te conhecer, Lizzie. – Ela deu um sorriso grande, me respondendo com um levíssimo sotaque alemão, que me deixou clara a origem daquele sobrenome diferente.

Antes que eu soltasse a mão dela do breve aperto que trocamos, pude ver as três garotas adquirirem uma postura tensa, olhando para um ponto próximo à porta da biblioteca. Jude franzia a testa bem levemente, com um olhar sério nos olhos castanho-claros. A loira, Anne, parecia prestar mais atenção na minha colega de quarto, como se estivesse preocupada que ela saísse dali. Lucy mordia o lábio inferior, observando a cena toda reservadamente.

Desviei o olhar para a porta da biblioteca e vi todos os olhos pousados sobre uma garota alta e magra, de longos cabelos negros e pele olivácea. Ela também desviou o olhar em nossa direção mas, ao me ver, fez uma expressão que parecia desprezo e saiu a passos longos dali, descendo as escadas no lado oposto ao nosso.

– Bom…

– Então…

Lucy e Jude pareciam um pouco constrangidas quando a garota saiu dali, como se estivessem com vergonha por ela, mas Anne acabou resolvendo a situação.

– Acho que já está quase na hora do jantar. É melhor irmos para nossos dormitórios para trocar de roupa, já está esfriando e não é bom atrasar. – Ela disse, sorrindo de um modo complacente.

– É, é melhor. – Jude concordou e eu e Lucy assentimos com a cabeça, seguindo a loira pelos degraus da biblioteca.