Lizzie

Depois de um sábado tedioso, a minha tarde de domingo foi tomada pelas histórias da minha avó, as quais eu ouvia desde pequena e mesmo assim não me cansava. Deitar em sua cama e ouvir-lhe contar os acontecimentos da sua juventude era uma parte feliz da minha infância que eu gostava de relembrar.

Quando o dia escurecia, esse momento foi interrompido por uma ligação para mim. Era April, minha amiga que me chamava para ir a um pub onde tocaria uma banda iniciante de rock.

Não hesitei em concordar, pois gostava do local e gostava de April, por mais que seu namorado não nutrisse os melhores sentimentos por mim – o que era compreensível, já que eu havia ficado com April uma vez, num passado não muito distante e com uma quantidade maior que a aconselhável de álcool no sangue.

Pouco depois de desligar o telefone, eu já estava no banheiro, me despindo para um banho. E então, como que por reflexo, lembrei-me de Jude. Pensei em como ela ficaria surpresa com o tamanho diminuto dos cômodos da casa, incluindo o banheiro. E então, voltei a pensar nela, mas não dessa forma.

Com um suspiro, senti o desejo que vinha sendo reprimido em mim chegar à tona. Eu não sabia naquele momento, mas a minha fuga com Carrie, naquele dia, não havia sido resultado do meu desejo por ela, especificamente.

No entanto, eu desejava Jude. Assim como me encantara com seus sorrisos e a sua doçura, havia algo nela que me despertava muito mais que o simples carinho. Algo na sua inexperiência, na timidez, na sua facilidade em corar me atraía, algo além da perfeitamente óbvia atração a que seu corpo me levava, e a sua beleza.

E, mesmo tão perto, eu não podia tocá-la como desejava. E isso me atraía.

Meu banho foi gelado e rápido, e me vesti com roupas simples; jeans, uma camisa listrada de mangas compridas, um par de tênis. Arrumei o meu cabelo de um jeito displicente, percebendo que logo seria preciso voltar a raspar.

Ás seis e quarenta, eu estava pronta. E às sete em ponto, ouvia as batidas de April na porta.

Depois de despedir-me da Senhora Bennet, deixei a casa.

– Lizzie, que saudades! – April exclamou, sorrindo, ao me ver. – Achei que você nem teria mais tempo para nós, depois de entrar naquele colégio chique.

Sorri de lado.

– Claro que não. – Respondi, soltando-me do abraço dela e me voltando para cumprimentar Mary, uma das melhores amigas de April.

Cumprimentei Jimmy com um toque de mãos e John, o namorado de April, com um aceno de cabeça.

– Vamos? – A minha amiga abriu seu brilhante sorriso branco, que destacava-se na pele negra, tomando a mão do namorado num tilintar de pulseiras e liderando o grupo pela rua.

– Então, Lizzie? Novidades no colégio chique? – Ela perguntou enquanto andávamos.

Foi Jude a dona do primeiro pensamento que me veio à cabeça, mas preferi não dizer nada.

– Acho que não. E no mundo real?

April deu risada.

– Nada relevante. Mas meu Deus, Lizzie! Nada de garotas bonitas, fugas ocasionais?

Eu ri, dando um sorriso de lado.

– Talvez.

– Lizzie! – April riu. – Pode parar com o mistério.

Voltei a rir baixo, quando chegamos a uma avenida movimentada.

– E você, Mary? Tão caladinha. Não vai falar nada? – Mudei de assunto, me voltando para a tímida garota de pele muito clara e cabelos castanhos de franja, que riu.

– Sei lá, não tenho o que dizer.

– Mas eu tenho. – Jimmy, o loiro de cabelos curtos espetados para todos os lados e uma touca cinza sorriu. – Que você fica linda quando cora.

– Jimmy! – Mary bateu no peito do rapaz, que passava o braço sobre seus ombros.

Com um sorriso pequeno, eu só conseguia pensar em Jude.

Não demoramos muito mais tempo para chegar no pub com cara de retrô, cuja fachada era a de uma casa antiga.

Do lado de dentro, o ambiente era iluminado de forma irregular, com luzes amareladas e cálidas. Tocava uma música baixa, que se misturava ás inúmeras conversas, e a decoração era composta de pôsteres de Pink Floyd, Jimmy Hendrix, The Beatles e Elvis.

Escolhemos para sentar uma mesa no canto, parcialmente escondida pela pouca luz mas suficientemente perto do palco para que pudéssemos ver o show confortavelmente.

John, o mais velho de nós, logo voltou do balcão com cinco copos: quatro de uma bebida que eu sabia ser a mistura de Wray com Coca-Cola e limão e um único, para Mary, que possuía apenas o refrigerante.

– Isso, John! – Jimmy comemorou, batendo na mesa, e eu dei risada.

– Também pedi fritas. – Ele disse, colocando os copos na mesa.

Sem hesitar, peguei o meu e bebi um gole grande, sorrindo de lado ao sentir a sensação que o líquido causava ao descer.

– Aposto que não tem Wray no colégio chique. – April sorriu e eu dei risada, concordando.

Logo uma garçonete num vestido curto e um avental amarrado na cintura nos trouxe nossas fritas, com três diferentes potinhos de molho, e eu fui a escolhida para pegar a segunda rodada de Wray, Coca e limão.

Apoiada no balcão, eu aguardava que a garçonete se desocupasse, para eu fazer meu pedido, quando vi, próxima de mim, uma garota num vestido simples, lilás, e longos cabelos castanhos caindo pelas costas.

– Jude! – Exclamei e ela se virou, sorrindo ao me ver.

– Lizzie!

Jude andou até mim ainda sorrindo e, antes que eu percebesse, nos abraçávamos.

Eu ainda sentia o gosto de rum e Coca-Cola na minha língua, e hesitei, receosa de que Jude sentisse aquele cheiro.

– Sim? – A garçonete do vestido curto se voltou para nós, e eu vi Jude desviando os olhos para ela e voltando a me olhar.

– Cinco copos de Wray e Coca. – Pedi rapidamente, vendo-a assentir e sair.

E eu corei. Surpreendentemente, estava enrubescida, com medo do que a minha colega de quarto poderia pensar de mim ali, pedindo cinco copos de bebida e com um leve hálito de álcool.

No entanto, ela nada disse.

– Que coincidência te ver aqui. – Falou, em vez disso.

– Eu diria surpresa. – Sorri de lado, olhando-a. – Nunca imaginaria você frequentando pubs num domingo a noite.

Jude deu um sorriso lindo, tímido, e eu vi-me a admirá-la.

– Eu vim com o meu irmão. É a banda dele que vai tocar. E você, Lizzie?

– Vim com meus amigos. – Indiquei a nossa mesa. – Que, por acaso, estão reclamando da demora. Quer sentar conosco?

Ela sorriu timidamente.

– Não, Lizzie. Vou ficar com James. Obrigada.

Dei um sorriso de lado e me aproximei um passo.

– Eu preciso ir. – Revirei os olhos, voltando a olhar para a mesa. – Foi bom te encontrar aqui. Já estava com saudades.

Ela riu e enrubesceu, olhando para baixo.

–Eu também. Estava.

Me aproximei um pouco mais e afastei do rosto o cabelo de Jude, pressionando os lábios contra o seu rosto enquanto minha mão lhe tocava a nuca.

Ela deu um sorriso tímido e lindo, o rosto apenas levemente corado.

–Até amanhã, Lizzie. – Disse, colocando o cabelo atrás da orelha.

– Até amanhã, Jude. – Eu disse. – Você está linda com essa roupa.

Ela voltou a corar, sorindo e murmurou um “obrigada” sutil antes de voltar para a mesa do irmão.

Com um malabarismo, peguei os copos no balcão e me dirigi até a minha mesa com um sorriso bobo nos lábios.