Somos Pó E Sombras escrita por Lyllian Clarie


Capítulo 9
Capítulo IX - Seu... Vagabundo Orelhudo


Notas iniciais do capítulo

Will - Mas... O que eu estou fazendo aqui exatamente?
Lyllian - Você é meu escudo. Eles vão me apedrejar, mas se você ficar aqui, talvez eu não seja linchada. *se esconde atrás do pobre menino*
Will - E... O que eu faço?
Lyllian - Diga que eu sinto muito mesmo pela demora e peço desculpas! Ah! Diga também que eu estou no terceiro ano do EM, então não tenho tempo nem de respirar... *volta a se esconder*
Will - Você, por acaso, só por acaso, já disse isso.
Lyllian - Então diga que os ama e pronto.
Will - Amo p**** nenhuma. *vai embora*
Lyllian - Ei! Não me deixe só com eles! *foge*


Música do capítulo: Highway The Hell - AC/DC

BOA LEITURA! (E me desculpem...)



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Will adoraria morder alguém. Ele tinha uma teoria de que se era possível aliviar a tensão, ou emoção de alguns momentos fazendo algo que liberasse essa energia (isso não era uma teoria apenas dele, mas ele gostava de pensar que sim). E morder pessoas e coisas era sua forma preferida de fazer isso (logo atrás de uma boa matança de demônios, é claro).

Ele não mordia realmente forte. Não queria arrancar um pedaço de ninguém; até onde sabia não era nenhum canibal. Ele apenas mordia. Era o ato que lhe era agradável, quando sua arcada dentária se fechava em torno de algo palpável. E comida não resolvia, Jem já havia testado.

“Uma atitude de sanidade questionável.” Jem comentara certa vez com Charlotte.

Naquele momento Will estava sentindo aquela coisa. Aquela sensação que ansiava e sentia toda vez que estava prestes a fazer algo de muito errado ou prestes a entrar em combate. A adrenalina começando a percorrer suas veias, como que enfurecida por ter sido despertada. E era essa sensação que o fazia querer morder ou socar algo, o que viesse primeiro.

Sempre que a sentia, Will ficava energético e louco pra entrar em ação. Mas ali, sentado em um banco gelado de granito, só podia fechar as mãos em punho e ranger os dentes de frustração.

Pelo Anjo, ele esta demorando demais! E apertou mais as mãos.

Os galhos das árvores farfalharam pelo vento forte, e Will agradeceu mentalmente pela proteção do casaco e das luvas de couro pretas. Ele olhou em volta e novamente não encontrou ninguém. Não que estivesse esperando encontrar uma multidão no meio da madrugada em uma praça mal iluminada, mas sempre era bom checar.

Ele suspirou e disse a si mesmo que precisava se acalmar, afinal, ficar impaciente não ajudaria em nada. Talvez devesse relaxar, mas ele não iria conseguir, então nem tentou.

Will nunca relaxava. Esses dois anos como Caçador de Sombras haviam lhe ensinado isso muitas vezes. Que sempre que relaxasse, coisas ruins aconteceriam. Então, ele ajeitou-se no banco e cruzou as mãos entre as pernas. Mesmo que para quem observasse de longe, ele parecesse distraído com o céu, Will estava tenso como a corda de um arco; pronto para entrar em combate a qualquer momento.

Um homem meio manco surgiu da esquina de uma viela escura. Ele não era realmente deficiente das pernas, Will percebeu, apenas havia exagerado na dose de rum. O menino estreitou os olhos na direção dele, analisando se a nova figura representava algum perigo, e concluiu rapidamente que não. Em todos os aspectos era um mundano bêbado. De roupas esfarrapadas, um chapéu exageradamente grande e segurando uma garrafa. Um mundano bem estranho, mas mesmo assim um mundano. A bebida fazia loucuras com eles.

O homem olhou na direção de Will. Por um momento ele chegou a pensar que ele o tivesse visto. Mas logo tirou isso de mente. Era impossível. Estava usando a magia-esconde-caçador-de-sombras, como ele gostava de chamar. Provavelmente, ele estava decidindo se era uma boa ideia se arrastar até o banco para dormir. Torceu o rosto sujo e escorregou para o chão ali mesmo.

Will revirou os olhos e começou a pensar em algum tipo de tortura para utilizar em Jem se ele demorasse mais alguns minutos. Eles tinham combinado de se encontrar naquela praça ás 23 da noite, e já haviam se passado absurdos 8 minutos. Talvez Jem não fosse gostar de acordar careca. Will podia fazer isso, iria ser hilário.

Depois da saída deles da Casa Acolhedora de Catarina Loss, a feiticeira havia gritado um “Will!” apressado, segurado o menino pelo casaco, aproximado seu rosto do dele e dito ao pé de seu ouvido: “Existe certo bordel de vampiros chamado Red Bed, acho que você sabe onde. Soube recentemente que vários servos de quem você está procurando passam as noites de folga lá.” E se afastou deixando Will ainda sentindo o cheiro doce do seu hálito. O menino ficou com vontade de perguntar porque ela havia feito aquilo, mas, por algum motivo, mudou de ideia. Alguns olhos curiosos observaram Catarina Loss piscar para ele e atravessar as portas de pinho voltando para dentro. Will piscara para se recompor e havia corrido para onde Jem o esperava. “Já sei aonde vou amanhã à noite.” Dissera sorrindo.

Agora lá estava ele naquele banco frio esperando o amigo atrasado. Vou deixa-lo parecendo um poodle tosado. Will pensou raivosamente.

Dois minutos depois, Will escutou uma respiração. Já não era sem tempo, pensou irritado. Em seguida, o barulho de passos preencheu o silêncio da noite úmida.

Will não precisou se virar para saber que era Jem se aproximando. Conhecia-o tanto, que era quase como se sentisse que era ele.

“Parece que acabaram de lhe dar um soco na cara, Will.” O amigo sentou-se silenciosamente. “Nem se atreva a dar chiliques. Foi meio difícil sair sem que Church avisasse. Aquele gato daria um bom segurança. E, antes que fale alguma coisa, quem deveria estar irritado era eu.”

Will revirou os olhos, ia discursar sobre atrasos e pontualidade ser questão de responsabilidade, mas apenas para não dar essa satisfação a Jem, levantou-se dramaticamente apertando as luvas nas mãos.

“Não ia falar nada. E vamos logo, ou podemos perder o espetáculo.”

“Nada no lugar aonde vamos se encaixa no meu conceito de espetáculo.” Jem levantou-se e começou a seguir Will dando longas passadas.

“Ora, cada um tem seus gostos.” Will sorriu minimante. Sabia que o que eles iriam fazer deixava Jem em um profundo estado de vergonha, e ele se divertia só de imaginar. “E foi você quem quis vir comigo. Não o forcei a nada.”

“Nós dois sabemos que se você viesse só, não iria fazer o que tem que fazer. Iria...” Jem não terminou a frase, incapaz de falar. Will quase pode ver o rosto dele ficando um tom mais vermelho.

“Vamos deixar de conversa e apressar o passo, sim?” Will perguntou divertido. O bom humor havia voltado rapidamente.

“Mas eu já estou andando rápido!” Jem reclamara, mas apressou-se a seguir Will mesmo assim. Ele é que não queria ficar sozinho ali naquelas redondezas, era melhor ter Will por perto. Tanto para ficar de olho nele, quanto para ter alguém que conhecesse o local.

“E Jem?” Will parou bruscamente.

“O que?” Ele perguntou preocupado. Será que tinha esquecido algo?

“Você se atrasou.” Jem revirou os olhos e eles voltaram a andar. O garoto de olhos cinza com um leve sorriso; Will tinha que falar.

*

“Uma pergunta; por que temos que andar parecendo patos?”

Will bufou. O ar estava tão gelado que uma nuvem esbranquiçada apareceu.

“Não me compare a aqueles demoniozinhos, Jem. Eu nunca serei como um pato.” Ele atravessou a rua e foi para a outra calçada. Jem o seguiu logo depois de ter olhado de um lado para outro. Em instantes percebeu que àquela hora, não haveria nada que o atropelasse.

“E faz parte do disfarce. Os fidalgos andam assim. Como se estivesse com dor de barriga.” Ele respondeu segundos depois.

“Ah, isso me lembra de outra pergunta. Por que é que temos que usar esses disfarces ridículos? Não podemos apenas entrar normalmente, observar e depois segui-los?”

“Você está cheio de perguntas James, não me confunda com sua cartomante, por favor.” Will respondeu com um falso semblante de indignação.

Jem revirou os olhos, esforçando-se para ficar lado a lado com o outro. Will definitivamente estava de bom humor.

“Não tenho nenhuma cartomante!” Will fingiu cara de incrédulo, diante da resposta.

“Pensei que na nossa relação não existissem mentiras Jem!”

Jem socou o braço de Will, este caiu na risada.

“O disfarce é a emoção da coisa toda, meu caro colega de raciocínio menos ousado.”

“A emoção da coisa toda vai acabar estragando a coisa toda, meu caro colega de raciocínio inexistente.” Jem respondera para o nada, já que Will havia parado de prestar atenção.

Eles finalmente haviam chegado ao bendito local, o Red Bed. Tinha a aparência menos discreta que podia, e os sons de dentro agitavam qualquer um. Will sorriu em antecipação ao o que iriam fazer, e Jem fez careta. A ideia de adentrar em um legítimo bordel de vampiros era levada em diferentes aspectos para os dois.

Sem mais delongas, Will abriu a porta e segurou para que Jem entrasse, sorrindo descaradamente para o amigo.

“Você me paga.” Jem murmurou por detrás dos dentes, também sorrindo.

“E com juros.” Will respondeu, soltando a porta atrás de si.

Ele parou e aspirou o ar pesado observando o lugar.

Não era de si admirar que Jem estivesse tão incomodado. Além de ser menos intimo dessas coisas como Will, o bordel não tinha lá a aparência mais pura. Era escuro, iluminado apenas com alguns recipientes vermelhos com velas, que ficavam em cima das mesas e em algumas paredes. Não era um lugar pequeno, mas a quantidade de seres deixava-o abafado e claustrofóbico. O aroma que pairava era uma mistura de Vodca, suor e sal, além do cheiro de mais alguma coisa meio adocicada que Will não sabia identificar. Mesas redondas com várias cadeiras estofadas acomodavam os ocupantes do espaço.

Os ocupantes eram dignos de nota, na opinião de Will.

Ele achava que mesmo um mundano que não possuísse a Visão conseguiria ver que não eram humanos, mesmo que se vestissem como tais. Os modos e as extravagâncias denunciavam. A maioria deles eram vampiros, mas Will conseguia identificar alguns feiticeiros.

No fundo do lugar, um palco na forma de um semicírculo, era o centro das atenções. Dançarinas, também vampiras, mexiam seus corpos no ritmo da música, e outra cantava alguma coisa sobre dores da solidão e sangue.

Will adorava esses bordéis. Não era como se um garoto de 14 anos usasse e abusasse das mulheres dali, ele mesmo não tinha muito interesse nisso, mas se ele quisesse não ser incomodado ou notado era só se sentar em uma das mesas do fundo. Um bom lugar para apenas passar a noite.

Mas hoje não iria ser assim.

Ele seguiu para uma das únicas mesas que estavam desocupadas. Perto de uma das paredes laterais, e também perto do palco o suficiente para que Will pudesse aproveitar alguma coisa.

Quando se sentaram, Jem não pode deixar de se sentar de costas para o palco. Aquilo tudo era demais para os hábitos dele.

“Você é um monge.” Will murmurou depois de se acomodar na cadeira. “Aliás, como vai observar e achar os servos de Merlion se está de costas para eles?”

“Posso deixar esse trabalho para você, sei que vai adorar observar as coisas aqui.” Jem resmungou mal-humorado, Will finalmente havia conseguido deixa-lo irritado – coisa que deveria ser premiada.

“Relaxe Jem.” Will sorriu inocente. “Quer beber alguma coisa?”

“Você realmente me perguntou isso?” E se concentrou no recipiente vermelho a sua frente.

Will parou de sorrir assim que notou uma mesa que se diferenciava das outras. Na realidade eram os seus ocupantes que eram diferentes. Tinham as mesmas aparências, mas os modos... Faltava alguma coisa. Talvez faltasse a elegância que os vampiros teimavam em ter. Os gestos, já extravagantes, estavam ainda mais exaltados envolvidos no jogo de aposta com cartas.

Will franziu a testa. Não duvidava que fossem vampiros; tanto a pele branca, quanto os traços angulosos, combinados com as taças cheias de um liquido vermelho, que alguns bebiam, mostrava bem a natureza de Criança da Noite.

Ele decidiu que devia manter os olhos neles, e começou a dividir sua atenção entre o show do palco e eles.

Jem olhou discretamente para o mesmo lugar que Will observara há segundos atrás. Aqueles ali não eram nem de longe vampiros comuns. Ele ficou satisfeito que tivesse sido fácil encontra-los.

“Você acha que todos são servos de Mer...”

“Xiii!” Will repreendeu fazendo gestos. “Esses sanguessugas-lúdicos podem não ter muita coisa, mas ouvidos eles tem.”

Jem piscou espantado com a besteira que iria fazer. Qualquer palavra em falso poderia estragar o que eles estavam fazendo. Sendo lá o que Will estivesse pensando.

“Bem, mas você acha?”

“Todos não, mas a maioria com certeza. Daquela mesa.”

“Mas, o que você vai fazer? Esperar eles irem embora e depois segui-los?” Jem perguntou. A conversa era mantida em tom de sussurro, não adiantava de muita coisa, mas eles se sentiam melhor assim.

“Basicamente! Você acabou de estragar minha apresentação teatral do meu plano magnifico.”

Jem revirou os olhos, e tentou manter-se calmo. Will parecia mais interessado no show do que em qualquer outra coisa. Como aquela noite iria terminar, ele não fazia ideia; mas tinha um forte palpite de que não seria com uma noite de sono tranquila.

“Você não tem paciência para ficar a noite toda aqui, sim porque nossos amiguinhos ali não parecem querer ir embora nem tão cedo.”

Will olhou para a mesa dos servos. Eles gargalhavam e bebiam sangue, realmente pareciam pretender virar a noite ali.

“Eu posso ter toda a paciência do mundo se quiser, Jem.” Ele cruzou os braços, parecendo mesmo determinado a esperar pelos vampiros a noite inteira. Mas no fundo o que queria mesmo era saltar na jugular de um, e arrasta-lo para fazê-lo falar onde Merlion estava.

“Vamos ver. Você sempre se cansa.” Jem sorriu convicto.

*

“Você deve ter batido a cabeça na parede. Não se mova, vou chamar um médico. O caso parece ser grave.”

“Cale a boca, Jem.” Will estava elétrico, a expectativa de finalmente entrar em ação era excitante.

“Esse é o atestado que faltava para eu lhe internar Willian.” Jem resmungou. O que Will iria fazer provavelmente iria mata-lo, só faltava Jem decidir qual seria o melhor jeito de mata-lo novamente quando o ressuscitasse. Talvez ele usasse um machado.

“Quando eu terminar, e nessa noite der tudo certo, você vai ter que dizer que seu amigo Will é o máximo.” Ele esfregou as mãos uma na outra e olhou ferozmente para a mesa que queria. Vai ser memorável.

“Quando isso acabar, eu vou ter que comprar uma roupa branca para o seu funeral, isso sim.” Jem rangeu os dentes. Como é que eu aceito fazer essas loucuras com ele? E seus dedos apertaram a porta.

“Sabe o que tem que fazer.” Will disse e correu, deixando Jem com uma sensação de que tinha acabado de levar um soco no diafragma.

No início ninguém notou um menino todo de preto correndo. Quando ele começou a derrubar copos de sangue nas cabeças de alguns vampiros e subir em cima de mesas fazendo questão de derrubar o maior número de coisas possível, é que começaram a vê-lo.

Jem se surpreendeu mais uma vez com a capacidade de Will ser inconveniente e esquecer que precisava da vida. Ele agia como louco, na realidade parecia estar realmente em um momento de loucura. Enquanto empurrava vampiros e feiticeiros, e chutava suas cadeiras fazendo-os cair com caras de surpresa, ria maniacamente parecendo embriagado com o que estava fazendo.

Mas isso durou pouco.

“Você enlouqueceu garoto?!” Um dos maiores ocupantes da mesa que os meninos estavam observando agarrou Will pelo colarinho de sua roupa e o sacudiu furiosamente. Seu rosto estava rubro e por seus cabelos escorria sangue.

Você estava adivinhando que eu queria chamar a sua atenção. Will riu divertido.

“Só estava querendo dar mais emoção a vocês. Pareciam tão abatidos e sem cor. Sabia que o vermelho fica bem no seu nariz?” O homem rosnou e suas presas brancas começaram a ficar mais proeminentes.

“Tá querendo morrer não é?!” Ele mudou a posição de sua mão e começou a segurar Will pelo pescoço agora. Isso vai ficar feio.

“Sempre. Apesar de que acho que você não conseguiria...” Ele tentou olhar para cima, mas os dedos do vampiro por pouco não entravam em sua pele. Will sorriu em deboche.

“Você quem pediu moleque.” Sua outra mão segurou com violência o queixo de Will. Agora Jem! Ele tentou encontrar os olhos do amigo, mas só conseguia ver as feições assassinas dos vampiros irritados a sua volta.

“Ele é um Caçador de Sombras!” Will ouviu a voz do outro garoto em algum lugar atrás da pequena multidão. O vampiro que o segurava olhou em volta tentando achar de onde teria vindo à voz, interrompendo o que planejava fazer um segundo antes.

“Merlion vai quere-lo!” Jem gritou novamente em um lugar diferente dessa vez. Muito bem! Acho que não vou tosar você, Jem!

Os vampiros se movimentaram confusos sem saber de quem era a voz. O vampiro maior ainda mantinha as mãos na cabeça de Will, pronto para quebrar seu pescoço, mas, tinha parado por um momento e parecia pensar.

“Verdade. Talvez ele goste de ter um Nephilim nojento na coleção dele.” Alguns vampiros mais próximos balançaram a cabeça e soltaram resmungos, concordando.

Will por um momento ficou feliz que seu plano estivesse no caminho certo, e sorriu, esperando que Jem se lembrasse do que fazer depois disso.

“Vai dormir Caçadorzinho.” Então seu mundo foi escuridão.

Will Herondale não esperava ser nocauteado.

§

Sua cabeça latejava. Parecia que uma árvore do tamanho de uma casa o tinha acertado na nuca. Mas ele sabia que o exagero era só sua mente, no momento muito confusa, tentando achar uma explicação aceitável para uma dor tão forte e para a sensação de que ele estava em um carrossel desgovernado.

Na primeira tentativa de abrir os olhos, só viu escuridão e alguns pontos amarelos que dançavam em várias direções. Ele fechou os olhos com força e praguejou baixinho. Três segundos depois, abriu os olhos novamente. Dessa vez sua visão parecia estar voltando ao normal e ele conseguiu ver parcialmente onde estava.

A principio pensou que estivesse dentro de alguma caverna estranha e cheia de velas. Mas logo depois identificou uma janela e um sofá largo e cheio de almofadas e concluiu que estava na sala de alguma casa. Isso é ruim, Will pensou com o gosto da bílis na garganta.

Quando seus olhos decidiram voltar a funcionar de vez ele viu que não estava sozinho. O mesmo grupo que ele e Jem estavam observando antes no Red Bed, estava no mesmo jogo de cartas animado de antes. Ele reconheceu o vampiro grande que o segurara pelo pescoço e teve vontade de bater com um martelo na cabeça do infeliz.

Com esse pensamento Will tentou se mover e percebeu duas coisas; 1 – Ele estava amarrado. 2 – Jem não estava no local.

Mas... Onde em nome do Anjo ele podia estar? Will esperava sinceramente que Jem tivesse tido o bom senso de logo que ele tinha sido apagado sair dali o mais rápido possível para chamar ajuda, e não partido pra cima de um grupo de vampiros irritados. A segunda ideia parecia-se com algo que Will faria, mas Jem (Will rezava que sim) era o mais ajuizado dos dois, não iria fazer uma besteira como essa.

Se você saiu, é bom que já esteja voltando para me ajudar, seu grande imbecil. Se não, o tosamento já esta marcado. Assim que eu sair daqui. Ele suspirou com esse pensamento. Sair dali era o problema. Will resolveu que era melhor se acalmar e deixar sua cabeça pensar em uma solução.

Ele analisou a situação. Os vampiros que gritavam pareciam entretidos o suficiente para que não percebessem nada do que ele fizesse, desde que fosse rápido. Mas o que ele podia fazer? Os idiotas haviam sido inteligentes o suficiente para deixa-lo completamente desarmado e sentado no chão amarrado de tal forma que suas mãos encostavam-se a seus calcanhares, coisa que faria no mínimo ele sentir uma dor quase insuportável nas coxas pela volta repentina de sangue assim que se levantasse. Não havia por perto nada que pudesse ser usado como faca para cortar as cordas, ou como algum tipo de arma de emergência.

Ele estava sem opções? Não, sempre havia uma saída. Sempre.

Will fechou os olhos e algo estalou em sua cabeça. Bingo. O menino baixou a cabeça devagar e olhou para a mão esquerda próxima a bota direita.

“Ora, a bela adormecida acordou.” Uma voz risonha se sobrepôs aos gritos do jogo de cartas e silenciou a sala. Talvez tivessem visto ele se mover ou ele tivesse suspirado alto demais (Isso parecia absurdo até mesmo em sua cabeça).

Will olhou na direção de onde a voz tinha vindo e se deparou com a criatura sem cérebro que o nocauteara mais cedo.

“Pensei que ia dormir o resto da noite. O que houve? Acabaram os sonhos de pôneis coloridos?” Ele olhou para seus companheiros e eles riram estrondosamente.

“É, acabaram. Mas tenho vários pôneis coloridos aqui para me deixar feliz.” Ele encarou o maior com um sorriso enviesado. Demorou algum tempo até que eles percebessem que Will acabara de insulta-los. Idiotas.

“O que você disse Caçadorzinho?!” O maior se levantou enfurecido e saiu de sua cadeira, vindo rapidamente na direção de Will. O garoto sentiu sua visão embaçar quando um soco do vampiro atingiu em cheio sua mandíbula.

A dor foi aguda e Will pensou que fosse desmaiar novamente, mas respirou fundo e abriu os olhos, sentindo o gosto de sangue nos lábios.

“Não o machuque no rosto, Luke, a face é sempre o mais importante em uma mercadoria.”

Algo naquelas palavras ou no tom de voz, fez Will perceber que o dono dela era Merlion. A cabeça do menino recusava-se a ficar um pouco menos tonta mas ele ergueu os olhos para a figura que descia uma escada que ele não tinha notado.

Os olhos dele eram roxos e sem duvida era um feiticeiro que ficava entre Rangor Fell e Magnus Bane no quesito espalhafatosidade. Não muito purpurinante ou muito sério, um meio termo bizarro. Suas roupas eram arrumadas e comportadas, um perfeito cavalheiro, para quem olhasse de longe e fosse no mínimo míope. Colocando por água a baixo o visual, um cabelo roxo destoava tudo.

Ele desceu as escadas a passos lentos e girando uma bengala negra. Parecia pronto para uma apresentação de sapateado ou para acertar a madeira em qualquer um que atravessasse seu caminho. Prevendo isso, Luke, saiu rapidamente da frente do mestre enquanto ele se dirigia para Will.

“Perdão senhor, é que ele...”

“Sim, sim. Os pôneis, eu ouvi.” Merlion cortou a frase do vampiro com um aceno distraído. Seus olhos escuros fixos em Will pareciam analisar o garoto como um pedaço de carne, suculento e pronto para ser vendido.

“Espero que não esteja muito machucado.” Por um momento Will pensou que a pergunta havia sido para ele, até que Luke respondeu com um resmungo inteligível. Ele realmente estava tratando-o como um tipo de mercadoria.

Que tratem. Ele pensou enquanto discretamente alcançava uma minúscula lâmina de metal humano com símbolos que ficava dentro de sua bota. Era um costume que tinha adquirido desde a última vez que ficara amarrado em um cômodo escuro.

“Como você se chama, pequeno anjo?” Merlion que não tinha tirado os olhos dele, parecia não perceber que Will começara a cerrar vagarosamente as cordas que prendiam suas mãos.

“Will.” Ele respondeu encarando o feiticeiro, os tendões de seu pulso reclamaram de dor pelo esforço de contorcer a mão daquela maneira, mas ele tentou ignorar esse incomodo.

“Will. Hum... Gostei desse nome.” Ele fechou os olhos como se estivesse saboreando uma ideia. “E me diga Luke.”

“Hã?” O vampiro assustou-se com a repentina atenção de seu mestre nele.

“Você desarmou nosso amigo Will?” Ele perguntou calmamente. O menino prendeu a respiração e parou de mover a lâmina.

“Er, sim. Digo, sim, senhor.”

“Totalmente?” Ele tornou a perguntar e encarou o servo gelidamente. Will teve vontade de praguejar; havia sido descoberto. Talvez o Merlion não fosse tão idiota quanto os outros.

“Sim, senhor. Totalmente.” Luke respondeu olhando para os outros vampiros da mesa, incerto.

“Pois eu acho que não.” Então virou-se para o garoto e sorriu. “Não é Will?” Então com três passos largos aproximou-se de Will. Com a bengala deu uma pancada nas mãos dele fazendo-o soltar um gemido de dor. A lâmina de ferro caiu no chão de madeira com um tinido metálico. “Levem ele daqui e dessa vez certifiquem-se que ele está realmente desarmado.”

Will bufou enquanto os capangas de Merlion corriam apressadamente para cumprir as ordens de seu mestre. Ele pelo visto teria que pensar em outra coisa. E rápido. Seus instintos diziam que se ele fosse levado (onde quer que fosse isso), suas chances de fuga seriam significativamente reduzidas.

O menino contorceu o rosto em uma careta quando dois vampiros o fizeram ficar de pé. O sangue voltou para as pernas numa velocidade absurda fazendo com que ele visse pontos amarelos mais uma vez. Sua cabeça girou e ele quis se deixar entregar aos capangas que o levavam, talvez fosse melhor pensar em como fugir quando estivesse amarrado de novo, e com as pernas em plena capacidade de locomoção.

Ele estava quase fazendo isso quando avistou um pequeno vulto claro passar ligeiramente pela janela. Tinha sido rápido, e ele podia ter pensado que era apenas obra de sua imaginação se não tivesse certeza de que era Jem. Ver o amigo ali, mesmo que de relance acendeu uma descarga de energia dentro de Will, e ele tentou pensar em algo para ganhar tempo.

“Seu... Vagabundo...” Will murmurou irritado com toda aquela situação.

Merlion parou de caminhar para uma cadeira e virou-se para encarar Will. “O que disse?”

Will gostou do feiticeiro finalmente estar prestando atenção nele e sorriu diabolicamente.

“Seu...” Parou por um segundo, tentando achar uma palavra depreciativa o suficiente. “Vagabundo orelhudo.”

O feiticeiro piscou. Inclinou a cabeça para um lado e franziu a testa.

“Você disse vagabundo orelhudo?”

A sala se encontrava em absoluto silêncio.

“Disse. Mas achava que com orelhas tão grandes uma pessoa fosse capaz de escutar claramente, mas acho que precisa de maiores.”

Merlion continuou com a testa franzida, e parecia tentar decidir se Will estava brincando ou era realmente louco. Ele olhou para os vampiros.

“Vocês... Deram álcool para ele?” Perguntou parecendo estar realmente curioso.

“Não senhor.” Luke respondeu apressadamente.

Merlion encarou Will e por um momento ele pensou que não fosse acontecer nada. Até que um brilho de raiva faiscou nos olhos do feiticeiro e no segundo seguinte ele estava segurando Will pelo colarinho.

"Me chame de vagabundo orelhudo novamente e eu arranco seus dentes, ouviu Nephilim?" Will o encarou de volta dignamente, ou tão digno que alguém podia ser enquanto se estava sendo segurado pelos braços e pelo colarinho. “Levem-no.” Em seguida soltou-o e foi para sua cadeira murmurando algo para si mesmo.

Os vampiros recomeçaram a andar e Will tomou uma decisão, precisava de qualquer maneira ganhar tempo, mesmo que essa maneira fosse nojenta. Então fez a única coisa que seu corpo momentaneamente inútil permitia.

Mordeu o vampiro mais próximo.

A pobre vítima fez a única coisa plausível depois desse ataque; gritou enquanto sua carne era rasgada pelos dentes de alguma coisa. Em seguida ele fez o que Will pretendia, soltou o que estava segurando e virou-se furioso para a coisa que o mordera.

Seu companheiro espantado com o repentino grito olhou para o outro sem saber o que fazer. Aproveitando o momento de confusão, Will ignorou a dor aguda de suas coxas e chutou a perna do outro vampiro que ainda o segurava. A Criança da Noite ficou se perguntando o que diabos tinha acontecido enquanto seu corpo girava e caia no chão com um barulho alto.

Por algum milagre Will conseguiu se manter de pé enquanto a cena se desenrolava. Todos no recinto olhavam para os dois vampiros que outrora levavam o prisioneiro. Um segurava o braço encarando o pedaço de carne que fora arrancado dele no chão, parecendo não acreditar que tivesse sido mordido por um Caçador de Sombras; já o outro começava a se levantar do tombo que levara quando alguma coisa chutara sua perna.

Outros vampiros começaram a se mover para recapturar o prisioneiro que agora se encontrava de pé no meio da sala, mas não tiveram tempo para fazer algo útil. Um estrondo quase ensurdecedor fez um Will sorrir e a porta da frente explodir em estilhaços de madeira e vidro para todos os lados.

Na porta, Jem, Charlotte, Henry e Jessamine pareciam realmente anjos das sombras. O sorriso de Will aumentou quando seu olhar se encontrou com o do amigo.

“A cavalaria.” Will anunciou abrindo os braços.

*

O menino não soube como continuou de pé depois de ter falado, provavelmente foi porque Jem correu até ele e o segurou por um braço.

“Consegue lutar?” Perguntou preocupado, Will estava com o rosto coberto de sangue e poeira mais os cabelos encharcados de suor, e Jem temeu que outros machucados estivessem espalhados por seu corpo.

“Claro, está pensando que sou de vidro?” Ele desvencilhou-se dos braços dele e agarrou uma das lâminas serafins que Jem trazia. “Vamos acabar com eles.”

Assim que falou percebeu que logo não teria muito com o que acabar, Charlotte e Henry se engalfinhavam com três deles e Jessamine se enrolava com quatro.

Will sorriu e correu de onde estava, finalmente se sentindo satisfeito. Com um salto, girou e cravou a lâmina nas costas de um dos vampiros que atacava a loira. A criatura virou-se surpresa com o ataque e tentou agarrar o pescoço de Will com as duas mãos. O menino abaixou-se num segundo e girou no chão com uma perna esticada, fazendo com que o vampiro desabasse no chão pesadamente. Ele olhou para Jem que, como que se tivesse lido seus pensamentos, lançou uma adaga marcada. Will pulou no peito do que estava no chão e com um arco abriu sua jugular.

Sem olhar para o resultado, o menino saltou sobre o próximo vampiro desavisado. Agarrando-o pelos cabelos, Will puxou a cabeça deste para baixo até que seu joelho fosse de encontro com a mandíbula da criatura deslocando todo o maxilar e deixando-o desacordado.

Will virou-se pronto para atacar sua próxima vitima, quando viu que seu pequeno campo de batalha já estava vazio de inimigos.

“O quê?!” Ele gritou. Olhou para todos os lados e viu Jem terminando com um, Charlotte e Henry desferindo um último golpe e Jessamine parada a seu lado meio ofegante. “Como assim já acabou?! Argh!” E atirou a adaga cravando-a na parede a sua frente.

“Deixe de escândalo, Herondale.” Jessamine resmungou ajeitando uma mexa de cabelo solta, e de repente ela parecia estar meio inclinada.

“Isso não é justo...” Sua cabeça começou a rodar. Ele piscou tentando focalizar a visão e a última coisa que Will ouviu antes que tudo ficasse escuro foi Jem gritando seu nome.

§

“Quer saber de uma coisa?” Ele ouvia a voz de Jem como se ele estivesse a quilômetros de distancia embaixo d’água.

“Não, mas duvido que isso vá importar, você vai falar de todo jeito.” Will murmurou mal-humorado, sua voz saindo abafada por seu rosto estar contra o chão.

“Dá próxima vez que você morder alguma coisa, eu vou trancá-lo dentro de uma sala almofadada com uma focinheira.” Jem concluiu satisfeito.

Will esforçou-se para mover o rosto e olhar para o amigo sentado em uma cadeira simples de madeira. Ele parecia esta falando assustadoramente sério.

O menino gemeu e jogou o resto do balde de água benta na cabeça, deixando a água entrar por sua boca para que ele em seguida a engolisse. Maldito vampiro.

Depois de acordar, Charlotte imediatamente o colocara naquela sala vazia para se purificar pela burrada que fizera; iria ser dolorosamente incomodo, ela avisara, mas seria bom para que Will talvez pensasse duas vezes da próxima vez que fosse morder um vampiro.

Will reclamara mas a mulher estava irredutível, então tudo que pode fazer fora aceitar calado, e lá estava ele.

“Da próxima vez que você falar mais alguma coisa, eu atiro sua cabeça idiota pela janela.” Falou cansado; estava congelando e tinha que continuar jogando água pela cabeça e engolindo metade dela. Vou passar um bom tempo no urinol. E com esse pensamento quase sorriu, mas seu corpo tremeu em um calafrio e ele suspirou.

“Atira nada, esta sem forças pra isso. E por quê? Porque mordeu um vampiro.” Jem sorriu e Will gemeu mais uma vez.

“Você não presta. Sério, como as pessoas conseguem acreditar que de nós dois você é o mais santo?”

“Porque eu sou. Agora, tome mais esse.” Levantou-se e entregou outro balde de água a Will.

O garoto reuniu todas as forças e sentou-se. Suas roupas estavam encharcadas e ele tremia de frio, mas aquilo era necessário se quisesse se livrar da toxina do vampiro idiota. Will quis bater em si mesmo pela brilhante ideia, mas estava sem forças para isso.

“Sabe o que eu quero?” Falou olhando para Jem. O amigo se levantou e colocou a mão em sua testa.

“O quê? Você ainda está muito quente.”

Will derramou uma grande quantidade da água na cabeça, tomando um grande gole. A febre era normal, na verdade ele saberia que estaria bem quando a febre passasse.

“Torta de geléia.” E desabou no chão, sem energias, com Jem rindo a seu lado.


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Notas finais do capítulo

Lyllian - Gostaram? Se me perdoarem, coloco Will para responder os comentários ^^ (Se ainda há alguém lendo isso aqui)