Eu Não Preciso De Amor escrita por Hanna Martins


Capítulo 19
Certezas que ruem


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado a Tay Silva. Muito obrigada pela recomendação, sua linda!
E desculpa pelos erros, não deu para revisar direito desta vez... Se encontrarem algum erro me avisem que arrumo. Lo siento!



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A febre está quase extinta, há apenas alguns vagos vestígios de febre. Começo a folhear um livro que encontro no criado mudo.

São quase nove horas da noite. Como dormi praticamente o dia todo, não sinto sono algum.

Escuto batidas na porta de meu quarto.

– Entre – digo.

Sou surpreendida com a figura de Gale.

– Ei – sorri para mim, enquanto entra no quarto. – Como você está?

– Melhor – respondo, fechando o livro que tenho nas mãos e fazendo sinal para que Gale sente-se ao meu lado na cama.

– Queria ter vindo antes... Mas seu tutor não permitiu, disse que você precisava descansar. Precisei praticamente subornar Mags para ela me deixar entrar – ri. – Aliás, seu tutor me odeia, ele quase me bateu, ontem...

– Por quê?

– Porque eu não queria deixá-lo levar você... Você estava queimando de febre, pensei que seria melhor deixar você em minha casa... Mas ele ficou louco e disse que era seu tutor.

Então, aquela discussão entre Peeta e Gale não foi um sonho.

– Peeta é... – o que falo sobre meu tutor? – Estava cumprindo com seu papel... Desculpa por ontem, eu não queria te acordar...

– Não importa – dá com os ombros. – Você sabe que pode contar comigo sempre! E eu estou falando sério sobre isso.

Balanço a cabeça.

– Obrigada, Gale – pouso a minha mão nas costas da sua.

Ele sorri.

– Você disse que teve um pesadelo... – Gale coloca uma mecha do meu cabelo atrás de minha orelha. – Que pesadelo foi este?

Olho para Gale hesitante. Nunca falei com ninguém sobre os motivos de meus pesadelos. Abraço minhas pernas como uma garotinha pequena e desprotegida.

– Quando eu tinha cinco anos fui sequestrada... – minha voz é baixa, quase um sussurro. – Não lembro muita coisa, quase nada, na verdade.

Gale me escuta de maneira compenetrada.

– Mas do sequestro ficaram estes pesadelos, em que um homem me persegue... A imagem de seu rosto é tão real em minha mente! Quando fecho os olhos, posso vê-lo nitidamente, com seus olhos de cobra, com seus lábios grossos que destoam de seu olhar de cobra, já que uma cobra não tem lábios...

Gale não faz nenhuma pergunta. E eu agradeço por isso, em lugar de perguntas, recebo um abraço forte.

– Já passou – sussurra em meu ouvido.

O abraço de Gale é reconfortante e dura alguns minutos.

– Ela precisa descansar – a voz de Peeta ressoa pelo quarto.

Saio dos braços de Gale e encaro Peeta, que parece irritado.

– Eu já estou melhor – digo de maneira firme, não deixando me intimidar pelo olhar irritado dele.

Ele nada diz, se aproxima de mim e coloca sua mão em minha testa. Peeta mantém sua mão por um tempo mais do que necessário para medir a febre de alguém.

– Você ainda tem febre – diz de maneira seca, retirando, por fim, sua mão de meu rosto.

– Acho melhor eu ir, Katniss – fala Gale, se levantando.

– Não! – impeço Gale de sair, retendo sua mão. – Fica aqui, por favor.

Peeta me lança um olhar furioso. O estranho é que este olhar foi furtivo, e quando olho novamente ele já não está mais lá. Peeta volta a ser um tutor preocupado com a saúde de sua pupila.

– Tudo bem, Gale pode ficar, mas apenas mais meia hora – diz, saindo do quarto.

– Seu tutor realmente me odeia, não há dúvidas! – ri baixinho. – Estou começando a acreditar que seu amor por você não é apenas de tutor – embora seu tom seja divertido, noto que está falando sério.

– Que ideia, Gale! – tento rir.

– Ele é apenas três anos mais velho que você... Não tem namorada e não demonstra sinal de querer uma. Está sempre atrás de você... E eu conheço o jeito que ele está atrás de você... porque lembra a maneira que um homem apaixonado age quando quer uma mulher...

Olho para Gale rindo. Sim, Peeta está atrás de mim, mas de outra maneira... E não envolve nada de romantismo. Ele só quer me usar para uma vingança sem qualquer fundamento. Peeta tentou me fazer acreditar em seu amor, porém, sei que este amor é uma farsa.

– Você inventa cada uma! – dou uma gargalhada.

Gale também ri.

– De qualquer forma, tenho que ir, antes que seu tutor apareça e me expulse daqui a vassouradas! – olha para a porta e faz uma careta engraçada.

Gale se despede de mim.

– Se você tiver outro pesadelo – diz em tom confidencial. – Não hesite em me ligar, certo?

Sorrio para Gale. Ele me dá um beijo suave em minha testa.

– Se cuida!

Ele sai do meu quarto, me deixando sozinha novamente. Pego o livro e começo a folheá-lo ao acaso.

Meus pensamentos voam para lá e para cá, sem encontrar um lugar de repouso. Tantas ideias passam por minha mente, tantas teorias, tantas explicações. No entanto, não chego a lugar algum, tenho a impressão que estou andando em círculos e que nunca vou sair deste labirinto.

–Está na hora de tomar seu remédio e de comer – diz Peeta, colocando uma bandeja sobre minha cama com um copo com água, um frasco de remédio e um prato de sopa.

O cheiro da sopa faz meu estômago reclamar por comida.

Tomo o remédio e começo a comer a sopa com uma fome voraz. Em poucos minutos não há sinal da sopa.

– Quer mais? – pergunta Peeta, um pouco surpreso com minha fome.

– Sim – respondo imediatamente.

Ele sai do meu quarto e logo retorna com outro prato de sopa, que termino com a mesma voracidade do anterior.

– Você está mesmo com fome! – diz, sorrindo, quando eu termino com o prato de sopa.

Olho para ele, que está sentado na minha cama. Seu belo sorriso aos poucos se apaga.

– Katniss, sei que você ficou doente por minha culpa... – seus olhos se fixam nos meus. – Você estava querendo fugir de mim... Eu te dou nojo, não?

Nada respondo.

– Meu passado de garoto... objeto, não é um dos mais bonitos. Sempre soube que se um dia você descobrisse sobre ele, você me odiaria. Eu não queria que fosse assim – sua voz possui um quê de tristeza. – Se talvez eu... tivesse te conhecido antes... talvez tivesse sido diferente.

Observo Peeta falar. Droga, por que ele precisa ser tão convincente?

– Eu não seria esta pessoa miserável que sou agora. E você não tentaria fugir de mim. Sabe, Katniss, às vezes quero que você fuja de mim, voei para bem longe, já em outras quero que você fique, que você fique ao meu lado sempre, mas há outras vezes em que eu...

Ele não termina a frase, apenas me olha fixamente.

Droga! Droga! Droga! Não ouça ele! Não se deixe levar por suas palavras! De seus lábios só saem mentiras.

– Eu estou falando a verdade, Katniss – fala como se estivesse lendo meus pensamentos. – Talvez, como nunca estive antes. Eu não sou um bom homem, pelo contrário, fiz coisas das quais nada me orgulho. Katniss... – sorri, porém, seu sorriso é o mais triste de todos. – Fuja.

Olho para ele confusa. O que significa tudo isto? Peeta Mellark quer levar toda a minha sanidade mental? Se continuar assim, aonde vou parar?

O que é verdadeiro, o que é falso nas palavras de Peeta?

Isto é real ou não real?

Katniss, não se deixe iludir por ele, não! Tudo isso é falso. Mas por que ainda tenho esta pequenina parte que luta para acreditar nas mentiras de Peeta? Tenho que exterminar esta parte!

– Meu amor é mau...

Ele levanta-se da minha cama e sai do quarto.

O quê foi isso?

Malditos pensamentos confusos. Preciso organizá-los.

Pego meu IPod, e escolho uma música aleatoriamente. A vida, deve amar ironias, já que começa a tocar “Behind Blue Eyes”. A música que sempre considerei como tema do Peeta. Alguns versos me chamam a atenção.

No one knows how to say

That they're sorry

And don't worry

I am not telling lies

(***tradução:

Ninguém sabe como falar

Que está arrependido

E não se preocupe

Não estou contando mentiras.).

Droga, até esta bendita música diz que ele está falando a verdade!

Com raiva, jogo meu IPod contra a parede. No entanto, ele não quebra, apenas cai no chão, solitário...

Cubro minha cabeça com o cobertor, em uma falha tentativa de me proteger contra o mundo.

Adormeço.

Como estou doente não vou para o colégio. Em função disso, durmo até mais tarde, apesar de ser uma segunda-feira, uma segunda-feira cinzenta e triste. Lá fora, cai uma chuva fininha, mas persistente.

Mags vem me trazer o café da manhã na cama. Ela abre as cortinas do meu quarto.

Mags, a velha governanta, deve conhecer os segredos de todos os Everdeen... Como eu não pensei nisto?

– Mags...

– Sim – se volta para mim.

– Você trabalha aqui faz muito tempo, não?

– Mas é claro, menina. Comecei a trabalhar aqui, quando tinha a sua idade. Seu avô ainda nem havia se casado com sua avó. Seu avô era um homem muito bonito, sabia? Louro, olhos azuis... Charmoso, sedutor. Não havia nenhuma moça que não se rendia aos encantos do jovem Everdeen – diz saudosa. – Acho que único rapaz que eu conheci até hoje que lembra o poder sedução de seu avô é Peeta – ri. – Acho que só ele poderia superar seu avô!

Esta Mags tem cada uma.

– Estava curiosa sobre uma coisa, meu pai...

Mags me lança um olhar como se eu não devesse falar nisto. Ela sempre foi assim, toda vez que eu falo de meu pai ou de minha mãe, Mags se retrai e desconversa.

– Seu pai era um homem... que sempre ia atrás do que queria... Foi assim com Effie, sua mãe.

Minha mãe... Ninguém quase nunca fala sobre ela. Apenas tenho vagas lembranças dela, sua tristeza, seu olhar perdido. No entanto, algo me intriga nas palavras de Mags, sempre pensei que minha mãe era assim, porque meu pai se casou com ela para esquecer outra mulher, seu verdadeiro amor, Maysillee. Nunca ninguém havia dito que meu pai foi o primeiro a ir atrás da minha mãe.

– Meu pai queria tanto a minha mãe?

– Queria... Mas vamos parar com esta conversa por aqui – diz Mags. – Tenho um monte de coisas para fazer...

– Mags!

Ela não atende o meu chamado e sai do quarto.

Mags sempre esquiva. Será que há algum segredo que envolva o passado da minha mãe e meu pai?

Não sei muita coisa a respeito de minha mãe. Ela não pertencia à alta sociedade como meu pai, era uma mulher comum. Não tinha família... Seus pais morreram quando ela era bem jovem. A pessoa mais próxima de minha era... Greasy Sae. Após a morte dos pais, Greasy cuidou de minha mãe. Vi a senhora Sae, pouquíssimas vezes. Uma foi no funeral da minha mãe, e a outra alguns anos depois, quando a encontrei, por acaso, na rua.

Impressionante como não sei nada sobre minha família. Todos são uns completos desconhecidos para mim.

Me levanto da cama. Tenho uma ideia em mente. Não sei se dará certo, mas... que mal tem em eu tentar?

Vou à biblioteca. Procuro pela velha agenda de meu pai. Com alguma dificuldade encontro o número que procuro. O número parece ser velho, torço para ainda existir.

O telefone toca várias vezes, e com os toques vai minha esperança. Por que eu pensei que isso iria dar certo?

– Alô – atende uma mulher.

– Greasy Sae? – pergunto temendo pela resposta.

– É ela.

Respiro aliviada.

Consigo marcar um encontro com a senhora Sae.

Assim que desligo o telefone, vou correndo pedir ao motorista que me leve até o endereço de Greasy Sae.

Mags protesta, afirmando que ainda estou doente e que Peeta não vai gostar nada de saber que eu sai por ai. Entretanto, consigo convencê-la a me deixar ir e não contar nada para Peeta sobre meu passeio. Apenas preciso voltar antes dele para a casa.

Greasy Sae mora em um pequeno apartamento em um velho prédio. Ela fica feliz em me ver.

– Ah, Katniss! Como Effie ficaria feliz em te ver! Mas me diga, você queria falar comigo sobre sua mãe?

– Sim, é que... eu não sei muita coisa da minha mãe eu... bem... gostaria de saber mais sobre ela...

– Effie era uma mulher muito animada – fala, enquanto me serve uma xícara de chá com biscoitos.

– Animada? – isso não era exatamente o que eu esperava ouvir.

– Cheia de vida, alegre como um pássaro – acrescenta. – Não é à toa que Haymitch se encantou por ela desde a primeira vez que a viu.

– Como eles se conheceram exatamente?

– Effie estava se preparando para entrar na faculdade e ela precisava de um emprego. Mags disse que seu patrão, Haymitch, precisava de uma secretária.

– Mags conhecia minha mãe antes de ela se casar com meu pai? – pergunto surpresa.

– Sim, Mags gostava muito de Effie. Nós fomos vizinhas por um longo tempo, e Mags considerava Effie como uma filha.

Tomo um gole de chá, digerindo cada nova informação sobre minha mãe. Como eu nunca soube nada disso?

– Haymitch ficou louco por Effie e fez de tudo para conquistá-la. Mas ela era dura na queda... e seu coração – ela sorri saudosa. – Já tinha um dono. Effie estava perdidamente apaixonada pelo motorista dos Everdeen. Ele era um moço muito gentil, bondoso...

Minha mãe amava outro homem?

– Mas Haymitch estava determinado a conquistar o coração de Effie e ele não desistiu nem por um segundo. E ele conseguiu se casar com ela no final.

– E o que aconteceu com o motorista pelo qual minha mãe era apaixonada?

– Morreu... – responde olhando para sua xícara de chá. – Depois da sua morte, Effie nunca mais foi a mesma... – suspira. – Ela entrou em uma terrível depressão. Apesar de ter se casado com Haymitch, era o outro que ela amava. Haymitch podia tratá-la como uma rainha, mas... ela nunca conseguiria amá-lo realmente.

Deixo as casa da senhora Sae com muitos pensamentos em minha mente e com um velho diário. Greasy me contou que alguns meses antes de morrer, minha mãe deu este diário para ela. Mamãe encontrou na escrita uma espécie de refúgio e no diário ela abria sua alma.

Olho para o diário de capa negra. Não tenho coragem suficiente para ler seu conteúdo. Não sei se estou preparada para ler isso.

Minha mãe amava outra pessoa, mas terminou se casando com meu pai. Ele deveria amá-la muito. A senhora Sae me contou das loucuras que ele fez para conquistá-la. Embora ela tivesse se casado com meu pai, ela continuo amando este outro homem. Ele morreu alguns meses após o casamento de minha mãe com meu pai. Effie entrou em uma terrível depressão após isso, da qual nunca mais conseguiu se recuperar.

Mags nunca quer falar de Effie ou de Haymitch, porque se sente culpada pelo o que aconteceu. Mags considerava minha mãe como uma filha e foi ela que conseguiu o emprego para Effie como secretária de Haymitch.

Embora eu tenha conseguido algumas respostas, diversas perguntas ainda pedem para serem respondidas.

Meu pai, no final de tudo, não era alguém mau. Ele deve ter ficado arrasado com a morte da minha mãe. Greasy me contou como era imenso o amor que ele sentia por ela.

Isso é irônico. Não era minha mãe que sofria por um amor não correspondido, era meu pai. Era ele que sofreu por nunca ter o amor da mulher que amava. Apesar de ter se casado com ele, Effie continuava a amar outro homem. E este tempo todo eu pensei que era justamente o contrário.

O que falta eu descobrir? Seja lá o que for, sinto que minhas certezas estão ruindo.


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Notas finais do capítulo

Odiaram? Gostaram?
O próximo capítulo será narrado pelo Peeta! E um grande segredo será revelado, tão terrível que abalara as estruturas!
Para não ficarem apavorados com o segredo vou dar uma pequena dica: prestem atenção na história da Effie! Porque se vocês prestarem atenção, irão compreender direitinho o que vai acontecer no próximo capítulo e não vão querer me matar... Autora fugindo para as colinas...