Wings, Um Anjo Em Minha Vida escrita por Nynna Days


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Novo capítulo, para vocês conhecerem os outros personagens.



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 “Tédio”

Caliel se jogou ao meu lado na cama, com a intensão de atrapalhar a minha leitura. Adriel grunhiu olhando para a palma de suas mãos. Eu apenas me fingi concentrada na leitura, os ignorando. Faziam apenas dez minutos desde que tínhamos subido para o apartamento. Tudo o que tínhamos feito foi tirar aquelas roupas coloridas e voltar as normais roupas brancas.

Adriel suspirou, se deitando em um ângulo estranho na poltrona e fazendo inúmeras caretas. Caliel começou a rir de suas palhaçadas. Tentei me conter, mas quando percebi, um sorriso preguiçoso apareceu em meu rosto. Os dois anjos me olharam com expectativa. Fechei o livro, me levantando, seguida por Caliel e Adriel.

“O que vocês querem fazer?”, perguntei, olhando ao redor do minúsculo quarto.

Caliel começou a pular e bater palmas, como uma criança pequena. E pensar que ela era a mais velha entre nós três. Então, sem mais palavras, ela andou até a janela e com um pouco de dificuldade a abriu. Entendi o que ela queria, antes que dissesse. Pelo sorriso de Adriel, ele também havia entendido.

“Vamos voar e conhecer a cidade.”

“Você não acha que já conhecemos a cidade demais por uma noite?”, eu perguntei fazendo uma careta.

O que aconteceu na lanchonete não saia da minha cabeça, por mais que eu me esforçasse. Aqueles grandes olhos azuis escuros tão lindos. Engoli a seco, agradecida que Caliel e Adriel estavam olhando para o lado de fora e não para mim. Parei atrás deles, vendo as luzes das propagandas de filmes e produtos humanos.

“Não seja estraga prazeres, Aliel.”, Adriel reclamou já colocando um pé para fora de minha janela. “Apenas conhecemos aquela lanchonete em baixo desse quarto. Não conta.”, Caliel começou a rir. “Estou indo.”, ele fez uma continência. “Até, Senhoritas.”

Então, Adriel se equilibrou no parapeito da minha janela e se balançou um pouco, até que as suas asas começaram a sair. Uma outra curiosidade sobre os anjos era que conseguíamos saber a idade através das cores de suas asas. Quanto mais brancas ela fossem, mais velho o anjo era. Só tinha visto as asas de um arcanjo uma vez e foi a experiência mais linda de toda a minha vida. Eram de um branco vibrante, tão limpo que eram quase transparentes.

As asas de Adriel eram de um tom de bege e algumas penas brilhavam. Elas tinham a forma de asas de pombo e quando fechadas, pareciam um coração. Tive que me segurar para não tocar em alguma pena. Era quase um insulto tocar nas asas de um anjo sem a sua aprovação. Adriel bateu-as uma vez, só então deu um passo a frente e começou a voar. Ele foi para cima e depois para trás, possivelmente pousando no telhado.

“Minha vez.”, Caliel cantarolou.

Como ela era a mais velha dentre nós três, a coloração de suas asas eram mais claras. Ela se equilibrou no parapeito, igual a Adriel e começou a rir conforme suas asas começavam a sair. Elas tinham a cor de branco sujo, como se estivessem sujas. E tinham a forma de asas de borboletas. Na ponta de suas penas, o branco celestial começava a surgir, anunciando a mudando de cor.

Caliel se virou para mim, sorrindo e estendeu a mão. Eu hesitei. Ela balançou a mão em minha direção e bateu suas asas, impaciente. Eu não gostava de mostrar as minhas asas em público. As achava muito ofensivas. Adriel apareceu de braços cruzados um pouco atrás de Caliel.

“Vocês duas vão demorar muito?”

“Aliel não quer abrir suas asas.”, ela fez um bico.

“Não é que eu não queira.”, coloquei minhas mãos nas costas e arrastei meus pés no chão. “Suas asas são tão lindas e quase brancas. As minhas ainda estão prateadas.”

“Não acredito que você tem vergonha de suas asas.”, Caliel arfou.

“Não.”, respondi prontamente.

“Então não tem problema em abrí-las.”, Adriel disse, encerrando o assunto.

Caliel começou a bater as suas asas de borboleta e parou ao lado de Adriel com uma sobrancelha levantada. Suspirei, sabendo que não poderia vencê-los e subi no parapeito, estendendo os braços para poder me equilibrar. Fechei meus olhos, tencionando as costas por um momento. As asas começaram a sair devagar, como se hesitassem. Doeu no início, mas logo ficou melhor quando as penas macias deslizaram por minha pele.

Minhas asas tinham um tom de prateado, mudando para o cinza. As pontas de minhas penas ainda brilhavam em prata. Alguns anjos, inclusive eu mesma, as achava um pouco ofensivas por terem as mesma forma das asas de uma águia. Então, envés de serem arredondadas nas pontas, eram afiadas e poderiam machucar. As bati uma vez, testando. Fazia um bom tempo que eu não as usava devidamente.

Adriel e Caliel sorriram para mim e subiram para o telhado. Demorei um pouco, mas eu fui logo atrás deles. Nos sentamos olhando a paisagem ao nosso redor. Caliel abraçou os joelhos e suspirou, sonhadora. Adriel pôs as mãos ao lado do corpo e se inclinou, sorrindo. Eu cruzei as pernas e fechei os olhos, sentindo o vento bater em meu rosto.

“Assim como o homem pode destruir, ele conseguiu criar coisas lindas.”, Adriel disse.

Seus olhos verdes presos na civilização abaixo de nós. Quem olhasse na nossa direção talvez pensasse que éramos pombos. Principalmente Adriel. Caliel começou a cantarolar uma música antiga que falava de anjos. E eu tentava ao máximo não pensar naqueles olhos azuis. Quem era aquele garoto? Será que era algum amigo próximo de Jason? Bufei, frustrada comigo mesma e me levantei. Os dois anjos me olharam confusos. Apenas abri as minhas asas.

“Nós viemos aqui para conhecer a cidade, certo?”

Em seguida, os dois sorriram e também levantaram, me seguindo em um voou de reconhecimento.

******

Fiquei no telhado até os primeiros raios de sol tocarem o horizonte. Caliel e Adriel foram embora mais cedo dizendo que tinham que trocar de roupas para mais tarde. Só os deixei ir depois que eles me prometeram que não iriam se matricular na minha escola ou entrariam como professores. Eles hesitaram um pouco, mas prometeram. Anjos nunca descumpriam suas promessas.

Desci cuidadosamente e entrei no quartinho, me jogando na cama, ainda cercada por minhas penas prateadas. Toquei-as, sentindo a sua macies e fechei os olhos, imaginando como seria se o misterioso garoto de olhos azuis tocasse-as também. Será que era uma sensação diferente para os humanos? Suas mãos pareciam tão firmes. Ele as tocaria com suavidade ou aspereza?

Abri meus olhos de súbito, percebendo a intenção dos meus pensamentos. Então me levantei, fechando minhas asas nas costas e fui tomar um banho frio. Anjos não deveriam sentir aquilo. Na verdade, anjos não deveriam sentir nada. Éramos sortudos de deixarem que tivéssemos emoções e pudéssemos demonstrá-las.

Caliel me contou uma vez da época em que os anjos tinham se ser perfeitos. Sem emoções, sem expectativas. Sem expressões. Assim como Rafael. Mas, com o tempo eles viram que nem tudo podia ser perfeito. E que, pelo menos os anjos menores, como eu, Caliel e Adriel, podiam demonstrar emoções e hábitos humanos.

Apenas arcanjos, como Rafael, Miguel e Anael tinham que ser perfeitos em tudo. Deve ser chato ser perfeito em tudo, mas eu achava tão lindo. E, sempre que eu pensava na possibilidade de ser perfeita, alguma coisa se agitava em meu peito. Um tipo de excitação. Eu queria ser perfeita, assim como os arcanjos. Queria poder receber ordens diretas do próprio Deus. Poder conhecer o meu Criador.

Mas, uma regra primordial que servia tanto para anjos menores e arcanjos era de nunca se envolver demais com os humanos. Fazíamos nossas missões e saímos de sua vida. Deixávamos um ou dois corações partidos por nossa beleza, mas nada que o tempo não pudesse curar. Os arcanjos sempre diziam a mesma coisa. Se fosse para vocês ficarem com os humanos, não teriam nascido com asas.

E, ele tinha razão. Deus nunca errava. Se nascíamos com asas, éramos anjos. Se nascíamos com o desejo de pecar, éramos humanos. Eu não sabia como seria minha vida sem minhas asas. Mesmo que em alguns momentos eu tivesse vergonha por elas serem tão ofensivas , Deus tinha me criado com elas. E eu as amava.

Para o meu primeiro dia de aula, Caliel escolheu uma blusa branca de manga curta e uma calça jeans simples para mim. Terminei de calçar os All Star e penteei meus cabelos. Nunca gostei de usar maquiagem, mesmo sendo a moda entre as adolescentes. Eu era contra. Assim como tatuagens, percing e cirurgias. Peguei a minha mochila e desci com um mapa na mão. Antes de ir em direção a St. Loise, parei na igreja.

Estava no horário da missa da manhã, então fui bem discreta ao entrar. Mas não discreta o suficiente já que o padre teve seu olhar direcionado diretamente para mim e sorriu. Outra coisa que eu havia aprendido. Padres sempre conseguiam identificar os anjos. Seus olhos castanhos se demoraram em mim, como se ele estivesse vendo alguma coisa diferente, então se estreitaram, como se me reconhecesse. Por fim, se arregalaram tendo a confirmação em sua mente.

Eu sorri de volta. Sabia que esse padre não era corrompido e seguia as leis de Deus. Me sentei em um dos banco e rezei. Os arcanjos sempre colocavam meus horários para coincidir com os horários das missas. Eles sabiam que eu não conseguia fazer uma missão sem rezar. Seja qual fosse a igreja. Eu não tinha religião. Só queria poder rezar. Isso me fazia sentir mais perto de Deus.

Ao final da missa, todos estavam cumprimentando o padre e eu fui fazer o mesmo. Assim que ele apertou minha mão, seus olhos se arregalaram novamente. Intencionalmente, deixei que uma pena de minha asa caísse. Mas fui discreta o bastante para apenas o padre poder ver. Ele me olhou de cima a baixo, confuso. Apostava que ele nunca tinha imaginado ver uma anja mulata de All Star. Se ele encontrasse com Adriel ou com Caliel, talvez acreditasse mais em seus olhos.

“Você é um bom homem, padre.”, eu disse. “Bom o suficiente para me reconhecer.”

“Você é um anjo?”, ele sussurrou.

Pobre homem. Estava tão assustado que suas mãos estava começando a suar. Eu assenti, ainda sorrindo. Ele começou a respirar com rapidez. Ainda era tão novo para uma aparição. Mas, eu preferia deixar os padres cientes de minha presença, caso me vissem voando ou precisasse de algum conselho. Ele deu um passo para trás, pronto para se ajoelhar, mas eu segurei seus ombros, o impedindo.

“Não se ajoelhe para mim.”, eu disse calmamente. “Sou apenas um ser menor, comparado com nosso enorme Deus.”, fiz o sinal da cruz e ele fez o mesmo. Pendi a cabeça para o lado. “Qual seu nome, padre?”

“Klaus. Padre Joseph Klaus.”, ele beijou minhas mãos, nervoso. “É uma honra ver o anjo a minha frente. De tantos padres, eu fui honrado com a sua presença. Posso ter outra honra? Gostaria de saber o nome desse belo anjo.”

“Aliel”, eu respondi. O homem não precisava saber que eu tinha um sobrenome. Além disso, ele poderia me procurar depois.

“Anjo Aliel.”, ele fez o sinal da cruz novamente.

“Padre Joseph, me ouça com atenção.”, pedi séria. Joseph assentiu. Ele parecia estar beirando seus quarenta anos, mas suas ações eram de um rapaz de vinte. “Estou em uma missão importante. Nada que precise se preocupar. Apenas estou aqui para que esteja ciente de minha presença. Mas, eu o peço. Não me siga. O que eu precisar, virei até você. Apenas me espere.”

“Sim, Senhora.”, ele assentiu.

“Obrigada pela atenção.”, olhei para o relógio, vendo que se não corresse, chegaria atrasada. “Deus lhe abençoe.”

“O mesmo para a Senhora.”

Saí da igreja escutando as rezas de agradecimento de Joseph e sorrindo. Meu sorriso durou o caminho inteiro até a escola. Mas, assim que pisei ali, meu sorriso se dissolveu. Tinha sido tanto tempo sem entrar em uma missão com adolescente que tinha me esquecido que a escola era o lugar onde eles extravasavam tudo o que sentiam. Isso significava, luxúria, xingamento e muitas outras coisas.

Ignorei os olhares exagerados na minha direção e caminhei até a primeira aula. Inglês. Eu tinha sido criada muitos antes das regras gramaticais. Entrei, sabendo quem eu tinha que encontrar e fiquei satisfeita quando vi Sarah sentada no fundo da sala, abraçada a sua mochila. Quando arrumavam meus horários na escola, sempre pedia para me colocarem nos primeiros tempos iguais aos da garota e o restante iguais aos do garoto. Assim eu conseguia me aproximar o suficiente.

Me sentei ao lado de Sarah, a observando pelo canto do olho. Ao nosso redor, os alunos caçoavam do professor, jogavam bolinha de papel e riam estridentes, esperando a aula começar. Quando vi a foto de Sarah na ficha, tinha imaginado que o flash da câmera realçava seus cabelos, os deixando mais vermelhos. Mas eu estava enganada. Os cabelos dela eram realmente vermelhos cor de fogo. E os cachos eram tão grandes que rivalizavam com os meus.

Seus olhos verdes eram tão claros que quase pareciam cinzas. Ela escorregou-os na minha direção por um segundo, e quando viu que eu a estava encarando, corou e se encolheu mais ainda. Suas bochechas cobertas de sardas ficaram vermelhas lentamente. E sua pele pálida ficou chamativa para o restante da sala. Vendo que essa era a garota que estava procurando, estendi minha mão na sua direção e sorri.

“Olá, sou Aliel Sky.”, a cumprimentei.

Sarah olhou para minha mão como se fosse um bicho de sete cabeças. A estendi mais para perto, incentivando para que a pegasse. Depois de hesitar um pouco, ela a apertou, mas rapidamente e a soltou. Nota mental: Realmente tímida. Ela abriu a boca para dizer algo, mas foi tão baixo que eu tive que me aproximar para escutá-la.

“Sou Sarah Burke.”

Dei outro sorriso, mas dizendo: É , eu meio que já sabia disso. Ela se mexeu na cadeira, desconfortável e voltou a sussurrar mais alguma coisa. Novamente me aproximei.

“Você não deveria se sentar perto de mim.”, ela sussurrou. Sua voz era tão doce que me lembrava chiclete. “Você é bonita, Aliel. Eu não sou. Aqui eles te julgam não pelo que você é , e sim com quem você anda.”

Levantei minha sobrancelha com esse último comentário. Se ela estivesse certa, então seria um pouco difícil me aproximar de Jason. Fiz uma careta. Deveria ter começado com Jason e depois ter ido para Sarah. Ela parece ser mais fácil. Sarah interpretou minha careta errado e assentiu para mim. Ela achou que eu estava dando razão as suas palavras.

“Eu não ligo para isso.”, eu sussurrei de volta. Seus olhos se arregalaram. “Não julgo ninguém e não ligo se os outros me julgarem. Serei sua amiga e ponto final. Se quiser que eu me afaste, é só me dizer.”

Cruzei os braços, vendo sua expressão surpresa. Caliel teria orgulho de mim. Adriel estaria rindo, como sempre. Não queria mostrar, mas estava apreensiva. A resposta de Sarah poderia dificultar a realização de minha missão. Mas, ela apenas deu um pequeno sorriso. Era tão bonita quando sorria que era quase impossível não sorrir de volta. Quando o fiz, ela corou mais uma vez e desviou os olhos dos meus.

“Me desculpe.”, ela disse um pouco mais alto, ainda com os olhos baixos. “É que toda garota nova que tenta ser minha amiga, acaba me chamando de estranha e se afastando.”

“Não julgo as pessoas.”, repeti.

“Eu realmente espero.”, ela me olhou pelo canto do olho e deu um meio sorriso. “Eu estava precisando de uma amiga.”

Eu iria dizer que ela tinha acabado de conseguir, mas o professor entrou iniciando a aula. Pelo menos, parte da minha missão já estava cumprida. Aproximação.

******

“Nossa, você realmente já morou no Canadá, França, Itália...?”

“Brasil, também.”, eu acrescentei.

Sarah e eu estávamos andando pelo corredor depois da última aula. Ela estava surpresa pelos inúmeros ligares que eu já havia morado. Se ela soubesse que não era nem a metade. Eram 400 anos mudando de lugar e de hábito. Além de idioma. Ah, se ela soubesse de pelo menos metade. Que eu tinha conhecido gente importante. Presidentes, príncipes, reis.

Sarah tinha me contado mais sobre a sua vida. Coisas que não estavam na ficha dela. Por exemplo, o divórcio turbulento dos pais, após mais uma traição do pai. De como ela sempre foi o ponto de equilíbrio entre seu irmão do meio e sua mãe. Eles sempre viviam discutindo, já que Simon, seu irmão, acusava a sua mãe de ser a culpada pela separação dos pais.

Sidney, a mais velha, raramente ia visitá-los. Sarah achava que era por conta das discussões. Todos os finais de semana era a mesma coisa. Alguma coisa em mim suspeitou que parte do motivo da isolação de Sarah, era por conta dessa confusão em sua casa. Ela também contou que seu pai vivia bebendo, o que me fez fazer uma careta. Odiava bebida, de todos os tipos. Se eu fosse obrigada a beber algo, era, no máximo meia taça de vinho.

Eu via, nos olhos de Sarah que ela estava aliviada por poder dividir aqueles problemas com alguém. Um amigo, pelo menos. Eu sorri. Logo ela teria um namorado para dividir isso. Ela deixou escapar depois de um suspiro cansado que achava que seus pais ainda se amavam. Só eram orgulhosos demais para admitirem isso e se darem mais uma chance.

Nota Mental: Pedir para mandarem outro anjo cuidar desse caso.

“Mas, e você, Aliel?”, ela perguntou quando alcançamos o armário. A surpreendendo, abri o armário ao lado do seu e coloquei alguns dos livros. “Parece que Deus mandou uma amiga realmente boa para mim.”, ela riu.

“Tenha certeza disso.”, eu concordei procurando os livros das próximas aulas.

“Mas, me conte sobre a sua família.”, ela se encostou no seu armário e piscou os grandes olhos verdes na minha direção. “Com certeza não é tão confusa quanto a minha.”

“Na verdade, nem tanto.”, mantive meus olhos dentro do armário, enquanto mentia. Era como se passassem um ferro quente lentamente por minha pele. Ardia e doía. “Meus pais viajam muito, quase não os vejo. Convivo mais com meus primos, Caliel e Adriel.”

“Sua família também tem essa mania de combinar nomes.”, ela riu.

Assenti, sentindo a dor se dissipando aos poucos. Essa combinação dos nomes dos anjos era escolha de cada um. Muitos gostavam de se basear nos grandes arcanjos. Eu quis inovar, mas continuando com a homenagem aos anjos maiores. Essa parte da família que era um pouco complicado. O modo que somos criados é bastante diferente do jeito que os humanos nascem.

Enquanto os humanos se procriam entre si, nós somos pensamentos. Criados a partir do nada e a partir do tudo. Cada gota de esperança que enchia o mundo humano, criava um novo anjo. Cada riso de uma criança, criava um novo anjo. Cada fé cega em Deus, criava um novo anjo. Éramos apenas pensamentos. Sem os humanos, não existiríamos. Apenas Rafael, Miguel e outros poucos arcanjos, foram criados sem a ajuda humana. O que fazia mais fácil o fato deles quererem distância.

Mas anjos menores, como eu, que foram criados com a ajuda de humanos, gostam de ficar perto deles. Esse era um dos motivos de eu querer ser um anjo da guarda. De algum jeito, gostaria de retribuir o favor aos humanos.

Olhando para Sarah, parada sorrindo para mim, me perguntei quem seria o sortudo que tinha sido designado para ele. Poderia ser um aluno dali, sempre de olho. Poderia ser um professor. Ele só precisava ficar por perto, não importando o disfarce. Fiquei tentada a perguntar se algum dos seus irmãos era adotados, mas com a situação de sua família, duvidava muito que seu anjo fossem algum deles.

Nós, anjos, somos seres calmos. Raramente ficamos bravos de verdade. Não conseguimos dizer nenhuma palavra de baixo calão, ou muito menos, ofender alguém. Brincadeira, em parte. O maior pecado que poderíamos cometer, era o de tentar algum humano ou nos deixar tentar. Fomos programados a não mentir. Fomos programados para voar. Fomos programados para proteger e ajudar os humanos.

Mas não fomos programados para resistir a tentação. Isso era uma função que cada anjo tinha que aprender sozinho. Na verdade, era como um teste. Caliel me contou uma vez que quase foi tentada por um príncipe a uns anos atrás, mas conseguiu resistir. As vezes, quando ela está quieta, olhando para o nada pensativa, ou como ontem, suspirando sonhadora no telhado, fico imaginando se ela estaria pensando no tal príncipe.

Adriel era uma tentação que andava e respirava. Se ele fosse humano, poderia ter a mulher que quisesse aos seus pés com um estalar de dedos. Enquanto Caliel era a tentada, Adriel era a tentação. E eu? Bem, até ali nunca tinha sofrido nenhum acidente com tentações. Sou modesta o suficiente para arriscar que, talvez tenha deixado alguns corações feridos por onde passei. Mas era apenas uma suposição.

“Deve ser difícil ficar longe dos pais, não é?”, Sarah perguntou. Ela deve ter interpretado meu silêncio como saudade dos meus pais inexistentes. Fechei o armário, a encarando enquanto ela continuava tentando ser solidária. “Eu não sei o que faria sem minha mãe comigo. Mesmo com todos os problemas em casa, ela sempre esteve do meu lado.”, então, seus olhos brilharam com uma ideia. “Você não quer ir a minha casa hoje? Sabe ainda é meio de semana, então você não terá que ver meu irmão e minha mãe brigando.”, ela fez uma careta.

“Eu adoraria.”, disse realmente feliz.

Tanto por mim, por estar conseguindo progredir tanto na missão como planejava, quanto por Sarah, que, com certeza, não tinha uma amiga para conversar durante um bom tempo. Mas, ela ainda não tinha chego ao ponto que eu queria. Jason. Não tinha dito uma palavra, sequer sobre ele. Geralmente quando eu trabalhava com adolescente e conseguia me aproximar das garotas, elas não conseguiam parar de falar de suas paixões.

Mas Sarah era diferente. Ela só queria algum para poder desabafar tudo o que estava guar dado dentro dela. Se pudesse, talvez ela gritasse. Esperava que ela não fizesse isso. Sua voz era muito bonita para ser desperdiçada com gritos de agonia. O segundo sinal do intervalo tocou, fazendo Sarah dá um pulo e eu rir.

“Melhor irmos rápido.”, ela disse se ajeitando e suspirando. Ela parecia um pouco apreensiva e ansiosa. Segurei um sorriso. Ela queria ver Jason, era óbvio.

“O que tem na cantina?”, eu perguntei.

Sarah me encarou com os olhos arregalados. Então, balançou a cabeça, fazendo com que alguns dos seus cachos se enrolassem nos outros. Ela pensou que eu estava falando sobre o seu estado ansioso. Eu cruzei os braços, esperando. Ela soltou um riso nervoso.

“Acho que Tacos.”, ela respondeu passando a mão pelas madeixas ruivas

“Adoro Tacos.”, eu disse tentando acalmá-la.

Me virei, pronta para ir para o refeitório, e sem querer, trombando com alguém que estava no armário ao lado do meu. Dei um passo para trás, perdendo o equilíbrio e senti dedos quentes se fechando ao redor de meu antebraço, impedindo minha queda. Abri meus olhos, lentamente e quase perdi o ar quando me vi de frente com aqueles olhos azuis perfeitos.

“Você”, ele sorriu. 


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Notas finais do capítulo

Espero que você estejam gostando *---*