Pétalas De Sangue escrita por Julia


Capítulo 3
Parte III


Notas iniciais do capítulo

I'm back!

Mais cedo do que da última vez, porque eu estou feliz!
Essa parte agora é a minha favorita e acho q vocês vão entender o porquê quando lerem.
Enfim é isso.
Ps: Não ainda não é o final Japa.



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O avião que trazia os corpos pousou em Washington às oito horas da manhã do dia nove de março de 1970. Assim que a escadaria se abriu, Alexander desceu com o caixão de Rob apoiado no ombro esquerdo. Seu olhar estava vazio e permanecia focado em um ponto distante recusando a encarar Daisy e a afilhada. Somente quando ela já estava a sua frente, ele fixou o olhar no dela e deixou que as lágrimas refletissem sua dor.

- Sinto muito Daisy.

Alex soltou o caixão e com a mão esquerda enxugou as lágrimas da mulher. Abaixando-se, ele viu pela primeira vez a afilhada; os cabelos loiros presos em um rabo de cavalo, os olhos azuis brilhando por causa das lágrimas, vestindo a jaqueta que ele havia enviado.

- Ei Charlie, você sabe quem eu sou?

- Você é o tio Alex.

Ele acenou e tirou do pescoço a placa de identificação de Rob e a cruz de prata deixando em seu pescoço apenas a própria identificação.

- Isso era do seu pai. Ele iria querer que você ficasse com ele. E essa cruz, bem ela vai te proteger. Ela não deixou que o tio Alex morresse também.

Charlie aceitou os dois presentes e abraçou Alex bem apertado deixando que suas lágrimas molhassem a farda de Alex.

- Tio Alex, eu vou sentir falta do meu pai.

- Eu também vou querida. Eu realmente o considerava um irmão.

- Mamãe vai ficar bem? - perguntou inocente.

- Pode demorar um pouco para ela acostumar com a falta do seu pai, mas ela vai ficar bem sim. Tio Alex não vai mais embora e vai fazer de tudo para vocês.

- Ela não está falando. - sussurrou em seu ouvido. - Ficou dias apenas sentada na cadeira da sala, olhando para a foto do casamento dos dois.

- Não pense nisso agora princesa. Venha comigo, deixe sua mãe se despedir de seu pai.

Alex caminhou ao lado de Charlotte em direção à outra família que chorava pela perda. Uma mulher morena com os cabelos curtos estava deitada em cima de um caixão. Ao seu lado, um homem matinha uma pose dura, olhando para a bandeira com certo orgulho. Outra mulher tinha a mão na bandeira e sussurrava palavras para o homem morto.

- Sr. e Sra. Monteith, eu sou Alexander Mason, o capitão de Cory. - disse polido. - Eu estava com o filho de vocês na hora do acidente. Eu vou sentir falta dele. Ele era um excelente soldado.

- Como ele morreu? - a mais jovem perguntou e ele pode reparar nela pela primeira vez. Ela usava um vestido preto simples, seu rosto estava marcado com profundas olheiras e seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo baixo.

- Ele pisou em uma mina terrestre. - respondeu e ouviu a mãe dele suspirar alto e se retirar sendo seguida pelo homem.

- Continue capitão, eu posso aguentar.

- Ele me mandou correr. Ele conseguiria ficar ali por horas para me dar a dianteira necessária para que nenhum estilhaço atingisse o comboio. Mas, aqueles comunistas não tiveram pena. Ele foi baleado no abdome. Eu estava a dez metros dele e consegui o ver murmurar um “Eu sinto muito” antes de cair no chão e a bomba explodir.

- Seu braço, está assim por causa dela? - perguntou sem se importar com as lágrimas.

- Estilhaços atingiram meu ombro. Antes disso, ele me pediu para dizer algo para a mãe.

- Claro, venha comigo. Essa mocinha linda é sua filha?

- Afilhada. O pai dela morreu nesse ataque.

- Sinto muito. Aliás, eu meu nome é Lea, Lea Michele.

Os três caminharam até a senhora que tomava um copo de água.

- Sinto muito por incomodá-la novamente minha senhora, mas eu não posso ir sem realizar o desejo do seu filho. Ele me pediu para te dizer que a senhora não fez nada de errado, que a culpa é dele por ter se envolvido com drogas e que ele te ama muito. Ele também disse que a melhor pena que ele poderia ter cumprido foi a de passar um tempo no exército, a nossa força o ajudou a superar os obstáculos.

- Obrigada capitão.

Os dois andaram lentamente de volta para o caixão de Rob. Era a hora de voltar a Graz e enterrá-lo com todas as honras que ele merecia.

- Tio, o seu ombro vai ficar assim para sempre? - perguntou apontando para o ombro imobilizado.

- Não para sempre, mas eu não vou poder mais atirar. O machucado foi muito grande e os médicos não conseguiram fazer com que ele fique completamente curado.

- É por isso que você vai ficar?

- É. Eu vou trabalhar na Academia, seu pai já te levou lá? - ela fez que sim com a cabeça. - Eu sou o responsável por todos aqueles soldados agora.

- Isso é uma coisa boa?

- Ainda tenho que descobrir.

- Eu não vou ir embora de Graz! Eu nasci aqui, essa é a minha casa. - a pequena gritou na sala de casa. Desde a morte do pai, ela só derramara as lágrimas mais uma vez. Nenhuma dor era superior àquela que sentiu quando o pai apareceu selado em um caixão de madeira. Pelo que o tio contara aquele ali nem era o seu pai, já que o corpo tinha incinerado. - Eu quero ficar perto do meu pai. Eu não consigo imaginar vê-lo apenas uma vez ao ano. - completou pondo a mão na placa de identificação que não tirava do pescoço. Ela estava queimada e mal conseguia se ver o nome do pai, mas ela sentia orgulho de dizer que o pai morrera lutando.

- Minha linda. - a avó paterna chamou chegando mais perto e passando a mão em seus cachos dourados. - Nós também achamos difícil nos separar do nosso filho, mas às vezes, nós temos que fazer coisas que não gostamos. Isso se chama crescer.

- Por favor, vovó. Eu já perdi minha mãe, não me faça perder papai também.

Duas semanas atrás, Daisy Jones tinha surtado de vez. Se Alex não tivesse chegado a tempo, a mulher estaria com muito mais do que algumas marcas de enforcamento.

- Oh querida, não diga isso. Você não perdeu sua mãe, ela só precisa aprender a conviver com a falta de Robert. Mas ela te ama florzinha.

- Ela pode ficar comigo. - Alex soltou. Ele não conseguia ver Charlie triste e não fazer alguma coisa. Nas últimas semanas ele vinha tentado distraí-la de todas as maneiras possíveis para que ela não ficasse se lembrando muito do pai. Foi após uma dessas saídas que ao deixar Charlotte em casa, ele encontrou Daisy pendurada em uma corda. Ele correu para salvá-la e mesmo sentindo sua pele rasgar pelo esforço feito no braço direito fez uma massagem de ressussitação enquanto Charlie ligava para a emergência. No final, ele também teve que ir para o hospital para refazer os pontos que tinham estourado, mas o que realmente foi pior foi ver a menina chorando Para ele, aquela cena era demasiada parecida com a que ele vivera há quase 30 anos. Só que no caso dele, a mãe não deixara chance de ser salva estourando a própria cabeça com uma arma velha de seu pai.

- Alex, você tem certeza? - Bill, o pai de Rob, perguntou. - É uma responsabilidade e tanto cuidar de uma criança.

- Nós vamos nos virar, certo Charlie? A não ser é claro que você não queira.

- Sério tio? Eu posso ficar com você?

- Eu sou seu padrinho (Godfather, em inglês) lembra? Deus nos fez pai e filha. - A garota abriu um sorriso e se jogou nos braços de Alex. - Talvez seu pai não tivesse ideia quando me fez seu padrinho, mas eu estou aqui para te apoiar e ser um pai substituto.

- Você vai me mandar fazer o dever? - ela perguntou com uma careta.

- Apens se você não os tiver feito por livre e espontânea vontade.

O Sr. e a Sra. Jones pareceram relutar, mas por fim acabaram por aceitar. Charlotte parecia ter algo que fazia com que ninguém fosse capaz de lhe dizer não por muito tempo. As únicas regras estabelecidas pelos avós foram que Charlie os visitasse pelo menos uma vez ao mês e que ela não parasse de ir a igreja.

Todos os dias, Charlie ia para a escola com alguma poucas amigas enquanto Alex ia para a base. Se não fosse pela menina, ele teria aceitado a casa reservada ao comandante que ficava dentro da própria Academia. O ombro já estava melhor e ele conseguia mexe-lo sem o medo de estourar alguns pontos. Charlie havia se mostrado uma excelente enfermeira e fazia um novo curativo toda a noite.

- Todas as suas tatuagens têm um significado? - perguntou em uma noite.

- A grande maioria. - Alex olhou para o braço esquerdo onde um conjunto de tribais ocupava o lado esquerdo desde o pescoço até o pulso. - A primeira que eu fiz foi essa. - apontou para o desenho. Eu tinha um mês de Vietnã quando o primeiro integrante da minha equipe morreu. Em homenagem a ele, todos os outros tatuaram tribais no braço esquerdo. Eles preferiram uma pequena, mas eu exagerei um pouco. A segunda foi essa. - apontou para o coração onde os nomes de seu pai e mãe estavam escritos e Charlie entendeu sem precisar de explicações. - A terceira foi um ideograma chinês para liberdade. Tudo que se quer ter quando se está em guerra. Eu a fiz para esconder o primeiro tiro que eu tomei.

- E onde ela está?

Alex apontou para a cintura onde a ponta da tatuagem aparecia no cós da calça.

- A quarta eu fiz quando fui nomeado capitão. É uma arma. - apontou para a omoplata direita que estava coberta com a faixa. - Para ser mais específico, é a Claire, o meu rifle de longa distância. Eu sabia desde o momento em que a vi sair da caixa como um protótipo que ela tinha que ser minha. A quinta foi o dragão. - respondeu contornando o desenho que ocupava a lateral direita do seu corpo. - Ele não tem nenhum significado. Eu fiz porque eu achei bonito. E bom, a sexta eu ainda vou fazer. Eu só preciso que meu ombro melhore.

- E qual vai ser a sexta?

- O escudo do Capitão América.

- Porque?

- Quando eu conheci seu pai na fila do alistamento ele parecia exatamente como o Capitão. Fraco, quase transparente de tão branco, parecendo que ia quebrar a qualquer toque. Eu o apelidei de Capitão.

- Posso fazer também?

- Como? Você quer fazer uma tatuagem? - perguntou assustado. - Não fale isso perto de seus avós, só vai fazer com que eles me achem ainda mais incapaz. - a garota riu e ele continuou. - Eu adoraria poder te dizer sim, mas você ainda é muito nova.

- Quantos anos eu preciso ter? - perguntou decepcionada.

- 18. É a lei florzinha, sinto muito. Eu prometo que assim que for legalmente permitido eu te levo em um estúdio, mesmo que você já esteja na faculdade. Fechado? - cumprimentou-a com um toque que costumava usar com Rob.

- Fechado.

- Alô. - Ingrid Clark atendeu o telefone em uma terça feira à noite. Sua voz estava embargada por causa do sono, não porque estivesse tarde, mas porque ela sempre teve o costume de dormir cedo.

- Ei mamãe. Desculpe ligar tão tarde. Eu me esqueci que a senhora dorme cedo.

- Oh filha. Não se preocupe. Fico feliz que tenha ligado.

- Como estão as coisas aí em Graz?

- Não muito bem. - a mais velha falou com a voz pesarosa.

- O que houve? - Sam perguntou preocupada.

- O corpo daquele garoto Robert chegou mês passado.

- Mamãe! Porque você não me avisou? Eu teria ido. Oh meu Deus! Eu estou indo para aí. Como está Daisy?

- Não venha. Depois que enterrou o marido, ela enlouqueceu. Tentou se matar e os pais a colocaram em uma clínica. A cidade está em polvorosa.

- E Charlotte? - perguntou abismada.

- Está morando com o padrinho. Um amigo de guerra que assumiu o comando da Academia. Antes que você proteste foi escolha da garota. - respondeu.

Ingrid não tentou esconder da filha quem era o padrinho de Charlotte. A verdade é que ela não sabia quem era o rapaz. Ela só tinha o visto uma vez durante o enterro e Alex em nada parecia o garoto que namorara sua filha há 17 anos.

- Mas, me conte qual o motivo de sua ligação?

- Fui promovida. - respondeu calmamente e ouviu a mãe gritar do outro lado. - Agora eu sou uma jornalista e não apenas uma colunista. Estou começando a investigação da minha primeira matéria.

- Oh minha filha. Estou orgulhosa de você. Sobre o que você está escrevendo?

- Estou investigando cartéis de drogas.

- Tenha cuidado Sam. Você está mexendo com peixes grandes.

- Eu terei mãe.

- Como vai Noah? Eu não sei como ele ainda está com você. 11 anos Samantha. Eu não teria a paciência que ele tem.

- Mamãe! - exasperou-se. - Noah está tão ocupado quanto eu.

- Já está passando da hora de você começar a preparar o seu casamento. Você não é mais uma mocinha. Na sua idade eu já era mãe.

- Eu só estou noiva há dois anos. E eu definitivamente não vou me casar no meio da minha investigação.

- Você sabe o que faz.

Sam suspirou. Como explicar para a mãe que ela não estava certa sobre o casamento? Ela amava Noah, mas casar era para sempre e ela não tinha certeza se estava pronta para se ligar a alguém nesse sentido.

- Eu tenho que desligar mamãe. Beijo. Fica com Deus.

- Você também minha filha. E fique esperta Noah não vai esperar para sempre.

- Simplesmente perfeito Samantha! - Matthew Davis, o editor chefe do The New York Times exclamou segurando páginas datilografadas sobre cartéis de drogas.

Samantha passara quatro anos investigando Frank Lucas e Nicky Barnes e suas transações criminosas. O tráfico de heroína tinha atingido níveis assustadores desde que Lucas resolvera burlar o esquema e importar as drogas diretamente do Sudeste Asiático através dos caixões de soldados mortos na Guerra do Vietnã. Só que Barnes não aceitou o fato muito bem e desde então "O Conselho" entrara em guerra. Sam perdera as contas de quantas vezes fora ameaçada ou teve uma arma apontada para sua cabeça. Porém, foi enquanto escrevia a matéria que ela se sentiu completa, sabendo que aquele era o seu lugar no mundo.

- Obrigada, senhor Davis.

- Publicarei semana que vem. Talvez você queira mudar um pouco de ares. Isso vai causar um escândalo inimaginável. - Matthew disse animado.

Matthew Davis era completamente diferente do que se esperava para um editor chefe de um jornal de grande circulação. Ele era adepto da moda hippie e odiava os padrões impostos pela sociedade. Para trabalhar, ele abrira mão dos ternos de corte Armani e usava as combinações mais estranhas e esquisitas como ternos amarelos e camisas sociais em tie-die. Vários concorrentes tentavam desacreditá-lo por causa disso, mas sua índole era tão correta que todas as acusações caíam por terra. Muito além do visual, ele possuía uma mente aberta para qualquer reportagem que seus jornalistas propunham.

- Na verdade, Sr. Davis eu queria permissão para começar outra investigação. - ele a olhou com a sobrancelha erguida e Sam continuou. - Como você pode ver, Lucas transporta a sua droga em caixões de soldados. Eu quero investigar a Guerra do Vietnã. Há coisas acontecendo ali que a sociedade merece saber.

- Por onde você pretende começar? - perguntou arrumando o corpo na cadeira visivelmente interessado.

- Há uma Academia Militar na minha cidade natal. Um dos meus amigos morreu na guerra. O comandante da Academia é padrinho da filha desse meu amigo e ex-combatente. Eu posso conseguir uma entrevista. Além disso, eu vou unir o útil ao agradável. Passo um tempo fora enquanto a reportagem causa um escândalo e trabalho em outra reportagem.

- Por que eu não te promovi antes senhorita Clark? - perguntou animado. - Sua cabecinha tem ideias maravilhosas.

Sam saiu da sala sorrindo e pronta para trabalhar. Andou por entre os corredores procurando por Noah. Apesar de ter uma sala era quase impossível encontrá-lo nela. Quando finalmente o viu, ele estava discutindo o mundo dos rodeios com um fissurado em futebol americano. Desde a morte de Paco, ele tinha se tornado mais engajado na defesa dos animais.

- Hey baby. Como foi a reunião com Davis? - perguntou e deu um selinho nela.

- Excelente. A matéria sai semana que vem.

- Ah é? Agora que você pode finalmente relaxar. - ele comentou e Sam fez uma careta. - Samantha... O que você aprontou?

- Eu estou indo a Graz. Davis acha melhor eu me desligar um pouco de NY, já que eu vou mexer com gente da alta. - Noah a olhou inquisidoramente tendo a certeza de que não era só isso. - Enquanto isso, eu vou aproveitar para começar a investigar minha próxima matéria.

- O que você vai investigar em Graz?

- O Exército.

- Samantha! - ele se exasperou. - Você perdeu o medo do perigo? Depois de traficantes de drogas, você quer investigar o governo?

- Noah... Eu nasci para investigar. É o que eu faço de melhor.

Noah passou a mão pelo cabelo, um gesto claro de nervosismo.

- Eu vou conseguir mudar sua opinião? - ela balançou a cabeça em negativa. - Quando você vai?

- No domingo.

Sam estacionou o carro na porta da casa dos pais e ficou sentada olhando para a pequena pracinha em frente. Já era fim de tarde e sabia que o pai estaria na igreja celebrando o culto. Segurou a vontade de aparecer de surpresa, o pai provavelmente correria para abraçá-la e a mãe iria chorar loucamente. Incrivelmente, ela sabia que a pessoa da qual sentia mais falta estaria sentado em casa comendo biscoitos e pouco se importando com o mundo. Dan estava aproveitando as férias de um jeito que ela sabia que nunca conseguiria: relaxando. Aos 26 anos, ele já era gerente de uma das mais importantes linhas de montagem dos Estados Unidos e era capaz de ganhar mais do que Sam jamais sonharia, mas ele não havia se importado em comprar uma casa e constituir uma família. Desde que Joanne tinha lhe dado um pé na bunda na adolescência, Daniel não arranjara mais nenhuma namorada. Casos de uma noite ele tinha vários, mas a palavra casamento estava fora de seu vocabulário.

Sabendo que a porta estaria aberta, Sam entrou em casa encontrando seu irmão na sala.

- Sam! O que faz aqui ruivinha?

- Estou de férias! - a garota exclamou fingindo um entusiasmo que fez Dan gargalhar.

- Sério, irmãzinha, ninguém vai acreditar que uma workaholic como você aceitou férias. Nós te conhecemos bem demais.

- Não são férias propriamente ditas. - explicou se jogando no sofá e pegando um biscoito da vasilha. - Minha matéria sobre os cartéis vai ser publicada amanhã e meu editor achou melhor eu sumir por uns tempos. Deixar a poeira abaixar.

- Me deixa adivinhar, você já arranjou algo pra fazer enquanto isso.

- Ah pentelho você me conhece bem demais. Vou aproveitar que estou em casa para trabalhar na minha nova reportagem investigativa sobre a Guerra do Vietnã. De acordo com mamãe o comandante da Academia é um ex-combatente. Eu preciso de uma entrevista.

- E você acha que ele vai querer falar alguma coisa? Ele provavelmente defende aquela guerra mais do que tudo.

- Eu não teria tanta certeza. Mamãe também disse que ele era amigo do Rob. Talvez, ele só precise de um incentivo para perder a pose de durão.

- Quanto tempo vai durar esse tempo de férias?

- Talvez um mês, talvez mais. Tudo depende de como o mundo vai reagir com a notícia de amanhã.

- Você brinca com o perigo Sam. E como Noah fica nessa história? Até eu tô com pena desse cara.

- Às vezes eu acho que deveria cancelar o noivado. Eu gosto dele Dan, eu juro que sim. Mas, amor? Aquilo que te faz suspirar e aceitar mergulhar em um mundo de emoções, isso eu não sinto por ele. Noah sempre foi um amigo. E eu fico péssima por perceber que eu o usei para sair da carência e que depois ficar com ele cômodo.

Sam olhou para o solitário em sua mão direita.

- Então resolva isso. Não precisa ser agora. Use esse tempo para pensar e se quando voltar à Nova York você ainda não ter certeza que o ama termine. Mas que tal mudarmos de assunto? Onde estão suas malas?

- No carro. Estava contando que o meu incrivelmente musculoso irmão se oferecesse para pegá-las.

- Enquanto eu pego suas coisas acho que deveria ir até a igreja.

- Por quê? - perguntou curiosa.

- Charlie frequenta a igreja. Se você quer ter a chance de entrevistar o padrinho, acho melhor começar a amansar a afilhada.

- Irmãozinho, eu te amo.

Samantha lhe deu um beijo estalado na bochecha e seguiu correndo até a porta. Se conseguisse chegar antes do culto acabar podia começar sua tática. Ela se lembrava de Charlotte como uma criancinha loira, mas tinha certeza que não seria difícil reconhecê-la. Pelo que sua mãe contava, ela era uma copia exata de Daisy. Atravessou a pracinha e entrou pela porta lateral tomando cuidado para que ninguém a visse. Observou cada banco e quando já estava quase desistindo, reparou em um bando de garotas sussurrando em um canto. Assim que elas abriram um pouco o espaço Samantha pode ver a garota que procurava. Loira, olhos azuis e uma expressão que conseguia hipnotizar.

Esperou até a hora do culto acabar e seguiu a garota de longe. Viu que ela se despediu das amigas na pracinha e foi andando sozinha. Aproximou-se e antes que conseguisse pensar em uma estratégia melhor, chamou-a:

- Charlotte.

A loira se virou deparando-se com uma estranha. Talvez não totalmente já que os cabelos ruivos lhe eram familiar e ela conhecia o seu nome.

- Desculpa, mas quem é você? - perguntou em alerta.

- Meu nome é Samantha. Clark. Eu te vi na igreja e não pude deixar de reparar em como você cresceu. Eu conhecia sua mãe e o seu pai. Sinto muito pelo que aconteceu com os dois.

Charlie abaixou a cabeça e pegou no cordão que pertencera a seu pai. Por opção, ela escolhera guardar a pesada de cruz de prata. Não que não a achasse bonita, mas sim porque ela queria que nada disputasse lugar com as lembranças do pai.

- Eu só quero que saiba que se precisar de alguém para conversar ou simplesmente chorar, você pode contar comigo. Eu estou passando um tempo com os meus pais. Acho que você sabe onde o pastor Clark mora. Você está linda. Igual a sua mãe exceto pelo sorriso. Você tem...

- O sorriso do meu pai. Já me disseram. - completou a garota interrompendo-a. - Olha eu não quero ser rude, mas eu tenho que ir. Meu tio é meio panóico.

- Tudo bem. Te vejo por aí.

Sam deu meia volta e seguiu para casa. Ela não sabia dizer se tinha feito uma boa estratégia ao se aproximar de Charlotte daquele jeito, mas agora era esperar para ver se as sementes que ela havia lançado produziriam frutos.

Era uma sexta feira do ano de 1974. Samantha já estava em casa há uma semana e por um milagre tinha conseguido uma entrevista com o comandante Mason para aquele dia. Tentou reprimir todas as lembranças do que passara naquela base há 20 anos. Percebeu que parecia outra vida. Ela não era a mesma garotinha inocente e não fazia ideia de onde estava Alex. Agora que não havia mais Rob para lhe dar noticias era impossível saber como ou onde ele estava.

Assim que estacionou o carro na vaga para visitantes foi como se tivesse voltado no tempo. Tudo estava exatamente igual. Os prédios pintados em cinza, o refeitório com as mesas de madeira, a piscina coberta e até mesmo a mata atrás do escritório. Precisou usar toda a sua força de vontade para não sair correndo para lá e se esquecer da entrevista. Sentou em uma cadeira na sala de espera e encarou um jovem que parecia ter acabado de se alistar.

- Meu nome é Anna Kallister. Tenho uma entrevista marcada com o comandante. - avisou para o garoto que se levantou e entrou na sala do comandante.

- Senhor. - avisou após bater continência. - A Srta. Kallister chegou.

- Pode mandar entrar. - Alex respondeu entediado virando a cadeira para a janela e o garoto saiu.

A verdade é que ele não estava nenhum pouco a fim de ser entrevistado. Quando o convidaram para o cargo não disseram que ele teria que fingir ser agradável. Pelo que a garota havia informado quando pediu uma entrevista, ela estava começando uma investigação sobre a Guerra do Vietnã. Só isso já seria motivo para recusar, mas ordens vindas diretamente do governo pediram para que ele aceitasse. A opinião publica estava a muito reclamando da guerra e impedir uma jornalista de investigar só iria causar mais suspeitas. Alex ouviu o barulho da porta se abrindo, mas não fez questão de se virar. Aquela voz atingiu seus ouvidos e ele congelou em seu lugar.

- Boa tarde comandante. Meu nome é Anna Kallister e...

- Você não precisa mentir para mim Samantha. - disse sem realmente perceber o que tinha dito até que já fosse tarde de mais e voltou a cadeira para a posição correta e encarando aquela garota que o fizera amar pela primeira vez. Porém, ela não era mais uma garota e sim uma linda mulher.

Os anos analisando o comportamento dos inimigos fez com que ele percebesse as mudanças em seu comportamento com mais detalhes do que uma pessoa normal. Em um primeiro momento, o sorriso que ela tinha no rosto congelou. Todos os seus músculos travaram e ela olhava para ele como se estivesse vendo um fantasma.

- A-Alex?

- Por que não se senta Sam? - perguntou educado tentando ao máximo não deixar que ela ouvisse o barulho que seu coração fazia.

Ela obedeceu ainda em choque e mumurrou em seguida:

- Achei que estivesse morto.

- Não posso dizer que estou vivo, se isso te deixa melhor. - Sam esboçou um sorriso e ele conseguiu perceber outra emoção, pena. - Não precisa sentir pena, Samantha.

- Como sabe que... - começou atrapalhada. Aparentemente, ela não estava acostumada a ser lida daquele jeito. Nenhuma pessoa normal está seu idiota, repreendeu a si mesmo. Pode perceber outra emoção nela agora: raiva. Merda! Foi o único pensamento que conseguiu ter antes dela se levantar e começar a discursar. - Que porra você fez com a nossa promessa Alex? Qual parte de “eu vou te procurar apenas para você saber que eu estou bem” você esqueceu? Ela toda pelo visto. Eu passei quatro anos da minha vida sem saber nada de você, até que Rob me disse que você tinha virado capitão. Depois mais dezesseis anos até te encontrar por acaso. Eu sofri tanto seu idiota! Por sua causa. Eu segui com a promessa, eu tentei viver a minha vida, fui pra faculdade conheci um cara, mas sempre faltou a merda de uma coisa. Por que a cada esquina que eu virava, eu esperava te encontrar. Qual o seu problema comandante?

Ela estava incrivelmente perto agora. A mão na cintura e o dedo apontado para ele. Alex conseguia sentir o mesmo perfume floral de 20 anos. Sem conseguir se segurar, ele levantou da cadeira e caminhou até ficar de frente para ela. Seus músculos encostavam-se a ela, o primeiro contato depois de anos de separação e ela não pareceu se importar.

- Eu pensei em você em cada momento no Vietnã, garota. - disse rosnando baixo. - E eu estava disposto a manter a promessa, mas quando Rob chegou, ele me disse que você tinha um namorado. Noah alguma coisa. Eu não precisava sofrer mais. E agora você já sabe que eu estou bem, ou tão bem quanto um sniper que não pode nunca mais pegar em uma arma pode estar. Tão bem quanto uma pessoa que já viu mais gente morrer do que disparou balas. Ao contrário de você. Esse seu anel anuncia sua chegada antes mesmo que você esteja perto. Realmente é um diamante?

Alex se afastou indo para o outro lado da sala. Tudo estava do mesmo jeito que comandante Jackson havia deixado. Exceto pelas fotos que haviam sido substituídas por suas com Charlotte e de seus amigos. Ele pegou uma delas e a entregou.

- Você quer saber como é o Vietnã? Eu vou te contar. Esses ao meu lado são Cory, Josh e Andrew. Eles compunham a equipe Clark. - Samantha engoliu em seco ao ouvir a homenagem que ele havia feito a ela. - Cory era um garoto que foi preso por posse ilegal de droga e como pena alternativa foi enviado ao Vietnã. Pisou em uma mina terrestre. Josh era o cara mais inocente que podia existir, estávamos precisando de soldados então ele foi enviado sem ter tido nem o treinamento básico, a primeira vez que ele pegou em uma arma ele se assustou tanto que fez xixi nas próprias calças. - os olhos dela estavam fechados e lágrimas escapavam deles. - Andrew era o que mais se parecia comigo. Enviado com honras, melhor atirador da sua academia, mas a única coisa que ele já havia visto morrer eram moscas. Os dois morreram ao lado de Rob por causa de uma bomba atirada no carro. Lembra-se da mina terrestre que matou Cory? - Sam acenou. - Os estilhaços dela acertaram meu ombro direito e cortaram meu nervo. Demorei dois anos para conseguir poder mexer o braço e mesmo assim, não é como antes. Isso é o que acontece em qualquer guerra, quem não volta em um caixão, volta marcado. Não me repreenda por não querer jogar essa merda em cima de você.

Sam colocou a foto no lugar em que ela estava antes e sentou na cadeira em frente à mesa. Ela havia aberto os olhos, mas olhava para qualquer lugar menos para o homem que a encarava. Talvez realmente fosse egoísmo seu exigir o porquê dele não a ter procurado. Ela sabia agora que era ele que estava cuidando de Charlie e imaginou ele tendo que aprender a conviver com uma menina que acabara de perder o pai e a mãe. Ela estava com vergonha. Vergonha por se importar tanto com ela mesma e nunca pensar no outro lado.

Levantou-se de súbito e saiu correndo porta a fora, direto para o carro. Trancou-se lá dentro e deixou que as lágrimas tomassem conta e expressassem tudo que ela sentia. Toda a dor de anos de separação finalmente sendo libertada, a sensação de perda, o desejo de poder ter volta aquele garoto por quem ela se apaixonou. Chorava também por aquelas pessoas que não conhecia, mas que foram tragicamente mortas em uma guerra que não era delas. Chorou por tanto tempo que quando percebeu a lua já estava no céu. Ainda meio desnorteada ligou o carro e foi para casa. Estava mais determinada do que nunca em escrever aquela reportagem. Quanto mais horrores desenterrasse, talvez a guerra acabasse mais cedo e mais famílias podiam ver seus filhos crescerem.

Domingo chegou e Sam resolveu ajudar o pai com a escola dominical. Ela viu um grupo de adolescentes conversando na porta da igreja e pode reconhecer Charlie mesmo de longe. Seu pai apressou o passo ao ver o grupo reunido.

- Atenção garotos. Essa é a minha filha Sam. Ela vai nos ajudar hoje, então se precisar de alguma coisa, qualquer coisa pode pedir a ela. - Sam acenou em cumprimento e recebeu outros em resposta.

James Clark abriu o salão anexo à igreja onde as reuniões aconteciam e todos entraram acomodando-se em cadeiras já organizadas em roda. Depois de uma breve oração, o pastor começou a ler uma passagem bíblica.

- Então Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: "Senhor, quantas vezes deverei perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?". Jesus respondeu: "Eu digo a você: Não até sete, mas até setenta vezes sete.”. Essa passagem está escrita em Mateus capitulo 18, versículos 21 e 22. Sabem por que eu escolhi o perdão como tema de hoje? - os jovens fizeram que não com a cabeça. - Porque muitas vezes nós nos vemos obrigados a perdoar alguém apenas por culpa, quando o perdão tem que vir de dentro, tem que ser espontâneo. Quando somos feridos, abusados, ou insultados a reação da "carne" (a natureza caída) é revidar. Nós maquinamos revanche, ou nos afundamos em amargura. Isto é "humano". Mas Deus requer perdão, senão Ele não nos perdoará. Se não quisermos - ou não pudermos - perdoar, então não há razão para orarmos por perdão, porque Deus nos disse claramente que não o receberemos. Também não adianta evitarmos o assunto nos distraindo com obras religiosos, ou louvores a Deus quando nossos corações estão cheios de pecado. E é isso que muitas vezes eu vejo em vocês. Vocês pedem e dão perdão como se fosse uma bala. Arrependimento é a palavra chave.

Seu pai continuou falando, mas Sam já estava longe. Arrependimento. Ela se arrependia de algo? Sim, ela se arrependia verdadeiramente por ter aceitado o pedido de casamento de Noah. Arrependia-se por ter julgado Alex sem saber pelo que ele havia passado. Arrependia-se por ter aceitado cumprir uma promessa que só a fez sofrer e também por ter feito uma que fez Alex sofrer. Pensando melhor, arrependimento era a palavra que melhor definia sua vida no momento. Talvez fosse a hora de começar a pedir perdão para algumas pessoas e começar a arrumar sua vida. A primeira coisa que faria quando chegasse em casa seria ligar para Noah. Terminar por telefone não seria muito digno da parte dela, mas esperar mais tempo só protelaria o inevitável.

- Vocês me dão licença por um momento? - Charlie perguntou levantando-se e o pastor concordou com a garota que foi em direção ao banheiro.

Samantha a seguiu, preocupada. Seria a palavra? Ou ela estaria doente?

- Charlie, está tudo bem? - perguntou baixinho para a porta do banheiro esperando que ninguém ouvisse.

- Minha barriga está doendo. Não precisa se preocupar Samantha. - a garota se calou, mas logo em seguida Sam conseguiu ouvir um ofegar alto.

- Charlie, eu estou aqui pra ajudar lembra? - ela estava realmente preocupada agora.

- Eu... Eu estou sangrando. Por aquele lugar. Oh meu Deus! Eu estou doente? - sua voz saía estrangulada.

Samantha riu baixinho da preocupação da garota.

- Você tem quantos anos Charlie? 15?

- Isso.

- Então isso é perfeitamente normal. Saia daí, vou te levar pra minha casa e lá conversamos melhor tudo bem?

- Eu tenho que avisar ao meu tio.

- Você pode ligar para o Alex lá de casa. Ele conhece o caminho.

Depois de uns minutos a garota saiu do banheiro abrindo a porta rapidamente o que assustou Sam.

- De onde você conhece o meu tio? - perguntou com a voz brava.

- Ciúmes? - Sam perguntou tentando brincar, mas a garota virou o rosto e a ruiva suspirou. - Eu te conto quando chegarmos lá casa.

As duas andaram juntas, mas Sam podia sentir um certo distanciamento. Antes que pudesse evitar começou a contar tudo. Contou sobre como Alex a salvara na praia, do reencontro no bar, do beijo em baixo da janela do seu quarto. Contou sobre como Alex juntou Rob e Daisy e pode perceber que ela não sabia da parte da história. Contou sobre como eles começaram a namorar e as promessas.

- Vocês dois são burros? Não se promete coisas desse tipo. É garantia que vai dar errado. - a garota comentou enquanto atravessava a porta para a casa de Sam.

- Depois eu termino de te contar. Agora é a hora de explicar o que está acontecendo com você. Toda menina quando chega a uma idade fica pronta para engravidar. E o corpo tem que avisar pra essa menina que a partir daquele momento, se ela fizer sexo, - nesse momento os olhos de Charlotte se arregalaram e Sam deu um pequeno riso. - bom, ela vai poder engravidar.

- Achei que o sexo fosse só depois do casamento.

- Bom, isso é o certo a se fazer, mas muita gente acha isso ultrapassado. Acho que mesmo que eu não vá fazer sexo até me casar, eu pelo menos preciso saber como funciona.

- Mas e o que eu sangrar tem a ver com isso?

- O sangue é o sinal que o corpo dá. O corpo da mulher se prepara durante um mês para receber o bebê que ele acha que está vindo. O útero, que é o órgão que recebe o bebê, se enche de sangue, para ficar mais fácil para quando o bebê estiver dentro dele. Em um certo dia do mês, seu corpo libera uma célula, o óvulo, que deveria se juntar ao espermatozóide do homem e formar uma criança, mas se não há a fecundação, o óvulo se degenera e o corpo precisa eliminar esse sangue que ele acumulou a mais, entendeu? - a garota fez que sim. - Isso se chama menstruação e vai vir todo o mês até quando você já estiver mais velha. Nos primeiros meses não se preocupe se ela não vier todo mês. Tudo isso ainda é muito novo para o seu corpo e ele precisa se adaptar. - Sam abriu o guarda-roupa e tirou lá de dentro um pacote de absorventes e uma calcinha. - Isso é um presente para você, seu primeiro absorvente.

Samantha ensinou como colocava na calcinha e mostrou para ela o banheiro.

- Tome um banho e pode usar essa calcinha. Devo ter uma roupa aqui que caiba em você.

- Porque eu preciso trocar de roupa?

- Seu vestido está sujo, mas não se preocupe nenhum de seus amigos viu.

O rosto dela ficou vermelho e ela fechou a porta rapidamente. Sam procurou por algo, mas todas as suas calças ficariam grandes para ela. Abriu uma gaveta antiga e percebeu que havia algumas roupas de quando era adolescente. Pegou uma blusa e uma calça sem reparar em qual e bateu na porta.

- Charlie, eu vou deixar umas roupas na cama. Provavelmente estarão fora de moda já eu tinha a sua idade quando usava. Quando acabar, estarei lá embaixo pronta para terminar de te contar a história.

A garota não respondeu e Sam desceu. Para não ficar a toa resolveu preparar alguma coisa para comer. Depois de 10 minutos Charlie apareceu ainda sem graça.

- Não se preocupe, todas as meninas passam por isso, é a coisa mais normal do mundo. - tentou tranquilizá-la e reparou pela primeira vez na roupa querendo elogiá-la, mas tudo que saiu foi um sonoro oh.

- Samantha, algum problema?

- Não, é só que eu acabei de me lembrar que eu usei essa roupa no dia que Alex foi embora.

- E isso me lembra que você tem que continuar a história.

- Alex foi embora e eu fui para a faculdade. Foram quatro anos sem noticias dele. Foi lá que eu conheci o Noah. Nós éramos amigos, mas um dia ele me encontrou chorando por causa do seu tio e nós acabamos nos beijando. Somos namorados desde lá. - apontou para o anel de noivado e os olhos de Charlotte brilharam com o diamante. - O problema é que descobri que não o amo como deveria e pretendo terminar esse noivado assim que eu puder.

- Que seria?

- Seria agora mesmo, mas eu acabei começando a conversar com você.

- Então faça isso agora! O que você está esperando? Eu não deveria empacar sua vida assim.

Sam levantou relutante e pegou o telefone. O barulho da chamada sendo completada parecia insuportável e estava quase desistindo quando Noah atendeu.

- Alô.

- Noah, é a Sam.

- Ei amor, como vão as coisas aí em Graz? Tenho que te dizer, nunca vi o jornal tão movimentado. Sua matéria parece ter sido o furo do século porque já vi um cara de uma emissora de TV querendo transformá-la em uma série.

- Jura? - perguntou animada. Com toda a confusão que Alex causou na vida dela tinha esquecido de ligar para Nova York para saber qual tinha sido a repercussão.

- O departamento de relações públicas já perdeu a conta de quantas ameaças você já recebeu.

- Isso é uma parte do trabalho. Mas, Noah não foi por isso que eu te liguei.

- Não? - ele pareceu surpreso.

- Não. Eu quero te dizer algo muito importante que vem me deixando doida.

- Pode falar amor.

- De uns tempos pra cá, nossa vidas tem tomado rumos diferentes. Eu não esperava que a reportagem dos cartéis demorasse tanto tempo e isso fez com que eu me afastasse. Esse tempo aqui em Graz só me fez perceber que as coisas não são como há 16 anos. Eu descobri que por mais que eu goste muito de você, eu não te amo. Pelo menos não como eu deveria te amar para ter certeza de que eu quero entrar em uma igreja e te dizer sim.

- Meio tarde para isso não? - questionou com a voz ácida. - Não posso dizer que não esperava por isso. Afinal 20 anos convivendo com você me fez entender um pouco de Samantha Clark.

- Assim que eu chegar a Nova York, eu te devolvo o anel. Ele merece ser colocado em um dedo que o mereça.

- Tudo bem Sam. A gente se vê. Tchau.

Sam pôs o telefone no gancho e olhou para a garota a sua frente.

- Pronto. Eu oficialmente, não estou mais noiva. - tirou o anel do dedo e o colocou na mesinha de centro.

- Como é a sensação?

- Libertadora. - respondeu e deitou no sofá.

- Você ainda não acabou a história.

- Ah sim. Quando eu voltei para o casamento dos seus pais, Rob me contou que ele havia sido nomeado capitão e que o nome da equipe dele era Equipe Clark.

- Ele não fez isso, fez? - Charlie perguntou. - É romântico. Da maneira Alexander de ser romântico.

- Eu sei. - a mais velha riu. - Depois disso eu nunca mais tive notícias dele até sexta-feira passada quando eu fui entrevistar o Comandante Mason para minha nova matéria. Parece estúpido, mas eu não fiz a conexão do sobrenome.

- Então, você não sabia que o comandante era ele, mas nada justifica o contrário.

- Eu uso nomes falsos. Na minha área de trabalho eles são necessários.

- Isso explica porque ele chegou tão bravo em casa. Tio Alex odeia surpresas.

- A história acabou.

- Sam, você ainda gosta dele?

A pergunta a pegou surpresa. Se ela ainda gostava dele? Talvez.

- Bom. Quando eu fiquei frente a frente com ele de novo, tudo que eu conseguia pensar era que ele estava muito sexy.

- Isso porque você ainda não viu as tatuagens. São seis ao todo. - Samantha engoliu seco. Merda, eu quero ver essas tatuagens!, pensou.

- À medida que fui percebendo o quão machucado ele estava, percebi que eu queria poder segurá-lo em meus braços e fazer com que ele esquecesse de todos os problemas, eu queria poder curá-lo. Quando ele chegou perto de mim e sua respiração tocou meu pescoço eu queria que ele tivesse me beijado. Senti tudo que ele me provocava quando eu tinha 15 anos. O perfume dele ainda é o mesmo, o mesmo cheiro que me fazia ter desejos que eu não podia ter.

- Você ainda é apaixonada pelo tio Alex. - a garota concluiu e Sam afundou a cabeça nas almofadas.

- Sim, eu ainda sou apaixonada por aquele soldado.

Charlotte riu e Sam a acompanhou logo em seguida.

- É bom? Estar apaixonada por alguém?

- Pode ser a melhor sensação do mundo. Mas também vai te fazer chorar, vai te fazer querer gritar. O melhor é que se você for correspondida, o mundo vai parecer um lugar melhor. Tudo vai se encaixar. Literalmente você será capaz de ver em cor de rosa.

- Parece ser bom.

- É maravilhoso.

As duas caíram na gargalhada novamente. Ficaram um bom tempo apenas olhando uma para a outra até que ouviram uma voz conhecida gritar.

- Charlotte!

- Merda! Tio Alex está com muita raiva, eu esqueci completamente de avisá-lo.

- Deixa essa parte comigo tá bom? Venha, vamos encarar a fera.

As duas levantaram e foram até a porta. Assim que viu Sam, seus olhos relaxaram um pouco, mas ainda era possível ver a raiva. Sam encarava o homem a sua frente forçando para não suspirar. A regata branca que ele usava deixava a mostra todos os músculos e revelava algumas tatuagens.

- Hey Alex. Quer entrar?

- Não, obrigado Sam. Posso saber o que você faz aqui Charlie?

A garota abaixou a cabeça envergonhada. Ela não queria falar desses assuntos com o padrinho.

- Charlie e eu estávamos conversando sobre coisas de menina Alex. Tenho certeza que você não quer saber.

- Você provavelmente está certa. - respondeu e olhou para a afilhada. Ele sabia que essa hora iria chegar, mas não estava pronto para isso. Falar de namorados, consolar um coração partido por um garoto exatamente como ele era quando jovem. - Charlie que roupas são essas? - perguntou reparando que ela não estava mais com a roupa que usava quando saiu de casa.

- São minhas, a dela tinha sujado.

Novamente, o instinto de combate o fez perceber que o assunto de mulher não era garotos e sim algo mais íntimo. No mesmo instante, o rosto dele ficou vermelho.

- Tudo bem, sem mais perguntas já entendi.

- Obrigada Sam, por tudo. - Charlie disse enquanto ia na direção do padrinho.

- É Sam, obrigado. Eu não saberia o que fazer.

- Sam, agora que você está livre, será que podia me levar-em alguma festa? Eu tenho identidade falsa. - a garota disse piscando o olho. Ela conhecia o tio bem o suficiente para saber que a mente dele não registrara nenhuma palavra depois da revelação do fim do noivado. Prova disso foi a ausência de gritos depois da fala dela e o olhar penetrante que ele dirigia a agora livre mão direita como se a qualquer momento o anel fosse brotar ali.

- Se o seu tio deixar, por que não? - a mais velha brincou percebendo o jogo da loira. Ela definitivamente era filha de quem era. - Tchau Alex. Até mais Charlie. - ela se despediu entrando em casa.

Os dias que se seguiram serviram apenas para aproximar Sam e Charlotte. As duas conversavam sobre tudo e foi aí que a mais nova percebeu o quanto ela sentia falta de uma figura materna. Alex parecia aceitar bem o convívio das duas apesar de não ficar muito a vontade na frente da ex e Sam parecia sentir a mesma coisa. Charlie, porém, estava elaborando um plano para fazê-los ficarem juntos de novo. Para ela, apesar de não dizer Alex ainda era apaixonado por Sam e ela faria de tudo para corrigir a situação entre os dois.

Levou dias para pensar em algo que realmente funcionasse. Nada parecia bom o bastante e quanto mais impaciente ficava, mais improváveis os planos pareciam. E isso a deixava irritada.

A oportunidade perfeita apareceu quando ela menos esperava. Era um sábado à tarde e ela estava deitada com Sam no quarto lendo a matéria que a fizera ter que passar uns tempos na cidade natal.

- Isso está muito bom Sam. Se eu fosse um desses caras que você denunciou eu estaria querendo te matar.

- Não é como se eles não tivessem tentado antes. - a garota respondeu.

- Samantha! - chamou o pai e a mulher andou calmamente até o corredor.

- Sim papai.

- Você poderia ir até a igreja pegar uns documentos para mim? Eu realmente preciso deles.

- Claro. - a garota respondeu e voltou para o quarto. - Estou indo a igreja. Quer vir?

- Claro. - respondeu começando a traçar um plano. - Depois você me deixa em casa? - Sam acenou concordando e Charlie continuou. - Só preciso ligar para Alex e avisar.

- Claro. Te espero lá embaixo.

Charlie sorriu e assim que a ruiva fechou a porta, ela ligou para o tio. Usando os anos de experiência fingindo que estava doente para faltar a aula, ela discou o número de casa.

- Alô.

- Tio? Você está muito ocupado? - conseguiu enfraquecer a voz o máximo que conseguiu.

- Charlie, está tudo bem?

- Na verdade, não.

- O que aconteceu? - perguntou preocupado e Charlie quase fraquejou.

- E-eu estou me sentindo mal.

- Onde você está? Estou indo aí. - perguntou e a garota pode ouví-lo começar a arrumar.

- Na igreja. A porta lateral vai estar aberta. É só você seguir que eu vou estar te esperando na sala onde acontecem as reuniões.

- Tudo bem.

Charlie desligou o telefone e correu para fora da casa atrás de Sam. Para que tudo desse certo, Samantha já deveria estar dentro do escritório quando Alex chegasse.

- Você pode me esperar aqui. Eu pego o documento em cinco minutos. - comentou enquanto destrancava a porta e deixava a bolsa em uma mesa do lado de dentro.

Charlie concordou e assim que a mulher entrou no escritório, ela pegou as chaves e se escondeu atrás de uma pilastra esperando pelo tio. Alguns minutos mais tarde, Alex apareceu correndo com uma expressão preocupada. Assim que ele cruzou a porta, Charlie correu e a trancou. Consegui ouví-lo chamando seu nome. Sentindo um pouco de culpa, ela deu as costas e foi para casa. No dia seguinte, ela acordaria bem cedo e os destrancaria. Sua única dúvida era se estaria fazendo mal ou bem para os dois.

Alex percorria a igreja e as salas anexas sem saber o que fazer. Onde aquela garota tinha se enfiado?

- Charlie! Onde você está? - gritou preocupado.

- Charlie não está aqui. - Samantha comentou. - Ela ficou do lado de fora enquanto eu vim pegar esse documento.

- Ela me disse que estava passando mal. - Alex comentou sem entender.

- Não. Ela estava bem. Charlie ficou comigo a tarde toda e depois de virmos aqui, eu iria deixá-la na sua casa. - agora era a vez de Sam ficar confusa. - Ela te ligou avisando.

- Ela realmente me ligou, mas para falar que estava passando mal.

- Acho que ela te enganou Capitão. - Sam comentou brincalhona. - Bom, eu tenho que ir. Até mais.

Samantha caminhou até a porta e tentou abrí-la. Colocou toda a força que conseguiu achando que a porta tinha imperrado, mas a verdade é que ela estava trancada.

- Alex, a porta está trancada. - comentou. - Se você passou por essa porta alguém a trancou. - supôs mesmo sabendo que o "alguém" estava mais do que claro. - Mas não importa, porque eu deixei a chave bem aqui. - olhou para a mesa onde a bolsa estava na esperança de encontrar o volumoso chaveiro ao lado dela, mas não havia nada além da mala que ela chamava de bolsa. - Merda!

- Charlotte Rose Jones, se você está atrás dessa porta, eu exijo que você a abra.

O silêncio que se seguiu parecia quase sepulcral. Podia-se quase ouvir os passáros cantando. Alex recusava-se a acreditar que a afilhada tinha feito aquilo. Samantha, ao contrário, parecia mais tranquila.

- Alex relaxa. Quando eu não voltar, meu pai vai vir me procurar. Ele precisa desse documento.

- Eu não teria tanta certeza. Não me surpreenderia se aquela peste loira falasse alguma coisa para o seu pai.

- Alex! Ela não é uma peste.

- Charlotte não é nada parecida com Robert. Onde está a inocência quando se precisa dela? - perguntou já percebendo o plano que ela tinha traçado.

- Porque ela nos trancaria aqui?

- Você é inocente assim ou só está fingindo porque eu pedi? - perguntou irônico.

- Você não precisa ser grosso. - a mulher levantou e saiu andando até o escritório do pai.

- Samantha, me desculpa, tá bom? Eu juro que eu não sei como me comportar perto de você mais. Eu nunca soube na verdade, mas agora parece que eu tenho que pisar em ovos.

- Não use a guerra para justificar todos os seus erros. - respondeu magoada.

- Charlotte acha que pode nos juntar novamente. - começou ignorando a pequena discussão que tiveram antes e respondendo a pergunta inicial. Um pequeno "o" se formou na boca da garota. - Já faz algumas semanas que ela vem me perguntando sobre você. Eu não sei como a ideia surgiu, mas ela está levando muito a sério.

Bom, eu sei de onde ela tirou essa ideia, os dois pensaram ao mesmo tempo.

A verdade é que Alex já confessara a Charlie que ainda era louco por Sam, mas ele nunca admitiria isso para ela. Pelo menos não daquele jeito. Aquela confissão para Sam era difícil. Dizer que ainda o queria depois de sofrer anos de sua vida por causa dele.

- Posso te dar um abraço? - Alex perguntou. Tudo que ele queria era poder tocá-la como há vinte anos. Fazer cafuné em seu cabelo e sentir a respiração dela em seu pescoço.

Meio relutante, ela andou até ele e se aconchegou em seus braços. Era impressionante como nada parecia ter mudado. Ali, com ele, vinte anos atrás poderia ter sido ontem. Talvez aquilo fosse o destino ou Deus dizendo que não importava quanto tempo passasse Alexander ainda seria de Samantha, e Samantha ainda seria de Alexander.

Nenhum dos dois queria desfazer o abraço, mas uma batida na porta e um grito do seu nome fez com que a mulher pulasse de susto.

- Papai. - ela respondeu. - O senhor está com a chave?

- Não Samantha. - admitiu surpreso. - Você a trouxe, lembra? E porque a demora?

- Alguém nos trancou aqui dentro. Não há uma chave reserva?

- Porque eu teria uma chave reserva? E quem está aí dentro com você?

- Alex está aqui. Papai, não tem como a gente sair daqui ainda hoje?

- Sinto muito, mas não. - ele pareceu pensar por um momento e continuou. - Tem como você me passar o documento por baixo? Eu realmente preciso dele.

Inconformada, ela passou o documento pela greta da porta.

- Tchau filha. Eu volto amanhã com um chaveiro.

- Você tinha razão. Ele realmente precisava do documento. - comentou brincando.

- Alex, não provoque. - comentou realmente estressada e sentou-se no chão. - Eu não acredito que ele fez isso.

- Nós temos a noite inteira. Podemos conversar e fazer o tempo passar mais depressa ou podemos virar cada um para um canto e fingir que estamos sozinhos. O que você prefere? - respondeu e sentou ao lado dela.

- Eu odeio ficar sozinha. Na verdade, acho que depois que você foi embora, eu passei a ter medo disso. Então, eu escolho conversar.

Sam colocou a mão na boca no mesmo instante. As palavras saíram sem intenção antes que ela pudesse controlar deixando Alex meio desconfortável com a revelação.

- Podemos fazer disso um jogo da verdade então. Eu tenho pesadelos na maioria das noites. Algumas vezes, eu apenas revivo a morte do Rob, em outras minha mente cria as situações mais absurdas.

- Eles começaram quando?

- Quando eu ainda estava no Vietnã. Nas noites que eu não tenho pesadelo, eu não sonho. Agora é a sua vez. Você e o seu noivo... Chegaram a fazer sexo?

- Não. - ela respondeu corada.

- Você enrolou o cara por 16 anos? Ou ele é santo ou é gay.

- Noah não é gay. Ele só respeita as minhas crenças.

- Tudo bem, mas você ainda não mudou a minha opinião.

- E você? Como você fazia? - perguntou ainda vermelha.

- Bom, algumas garotas locais, elas se ofereciam para os soldados. Algumas eram prostitutas profissionais, outras eram garotas que tentavam arranjar um marido. Você deve estar me achando repulsivo. - comentou depois antecipando a reação dela.

- Na verdade não. Eu acho que já esperava a resposta. Quantas tatuagens?

- Seis. Momento mais feliz dos últimos vinte anos?

- Exatamente um mês atrás quando minha reportagem saiu. - o sorriso de Alex se abriu involuntariamente. Ela não respondera nada que envolvia o ex-noivo. - Qual delas é a mais importante? Ou qual delas você gosta mais?

- Mais importante eu acho que foi a primeira. - respondeu e apontou o braço esquerdo. - Foi uma homenagem a um companheiro que morreu na guerra. Não que ele tenha sido alguém que me marcou muito, mas foi com ela que eu percebi que podia expressar o que eu queria no meu corpo. A que eu mais gosto é um dragão que eu tenho aqui. - apontou para a lateral direita. - Eu fiz porque eu sonhei com ele. O único sonho bom que eu me lembro de ter tido.

- O que esse sonho bom falava? - perguntou realmente curiosa. Alex engoliu em seco, ato que não passou despercebido pela garota. - Apenas a verdade capitão, esse é o nosso acordo.

Suspirando, Alex começou:

- Eu já estava no Vietnã há algum tempo, acho que uns dez anos. Os pesadelos estavam se tornando piores e eu não dormia há dois meses. Por causa disso, comecei a ter alucinações. Minha única solução para isso foi fazer sexo, já que com sorte, eu ficaria tão exausto que iria desmaiar. É estranho confessar isso, mas eu te vi naquela garota. Eu sei que ela era morena com os olhos puxados, mas eu só conseguia te ver. Nesse dia, eu realmente dormi e sonhei com você. Eu não me lembro muito bem do sonho, mas de alguma forma você estava ao lado de um dragão, você parecia domá-lo e o seu cabelo se unia ao fogo que ele soltava. Loucura, eu sei, mas eu resolvi desenhá-lo como um lembrete de que nos piores momentos, se eu apenas me lembrar de você as coisas podem melhorar.

Alex falou tudo isso sem olhar para o rosto de Sam. Era difícil admitir tudo de uma vez principalmente para ela. Depois de um tempo em silêncio, ele levantou a cabeça e percebeu que a mulher chorava, um choro baixo, mas que transmitia uma emoção que ele não conseguia explicar.

- Hey baby, não chora. Eu não queria te deixar triste.

- Posso ver? - perguntou ainda chorando.

Sem exitar, Alex levantou a blusa preta deixando a mostra o tronco tatuado. Virando de lado, ele chegou mais perto dela de modo que se quisesse Sam podia tocar na tatuagem. Durante alguns minutos, ela apenas olhou para a figura do imponente dragão negro soltando uma chama vermelha. Sem conseguir se conter, ela pôs a mão no rapaz e começou a contornar o desenho.

- É lindo. Alex, eu estou lisongeada. - as lágrimas caíam com mais intensidade agora.

- Por favor, não chora. - ele pediu sem saber o que fazer. - Vem aqui. - pediu depois de um tempo, puxando-a para perto dele de forma que a cabeça dela estivesse deitada em seu peito. Durante algum tempo, eles apenas ficaram deitados enquanto Alex enxugava as lágrimas dela. - Minha vez. Em vinte anos, do que você sentiu mais falta em mim? - perguntou continuando o jogo.

- Eu senti falta de tudo em você. - respondeu sincera sem ter medo da reação dele. Mesmo que ele não a amasse mais, ele merecia saber de tudo. Caramba ele tinha uma homenagem para ela tatuado no corpo. - Eu senti falta da sua honestidade comigo, mesmo não concordando com as minhas crenças você nunda escondeu isso ou tentou fingir. Senti falta dos seus abraços, do jeito como você fala meu nome, do meu apelido, na única vez que Noah me chamou de baby eu odiei porque não era você, eu odiei tanto que o fiz prometer que nunca mais me chamaria assim. Eu senti falta das nossas conversas, do nosso tempo juntos. Mas, principalmente eu senti falta do seu beijo. Era injusto comparar o Noah a você, mas eu fiz isso por 16 anos. E a verdade é que por mais que ele seja perfeito, ele não é perfeito para mim. Porque meu coração insistia em dizer para minha mente que ele só bateria mais rápido por uma pessoa, por um soldado que resolveu levá-lo para o Vietnã. - Samantha levantou a cabeça olhando diretamente para Alex que estava sem reação. - Eu não disse isso esperando que você sentisse o mesmo. É que você foi tão honesto em relação a tatuagem que eu quis ser também.

Antes que Sam pudesse perceber o que estava acontecendo, a boca de Alex já estava na sua, beijando-a de uma forma que ela nunca havia visto. Tinha saudade, desejo, amor. Tinha também algo que há vinte anos não estava muito claro, mas que a maturidade trouxera: a certeza de que o que os dois sentiam seria para sempre.

- Eu tenho que confessar uma coisa. - Alex disse depois de quebrar o beijo. - Meus piores pesadelos envolviam te perder.

- Você não precisa mais ter esse medo. Eu não vou embora. Nunca mais.


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Notas finais do capítulo

E então? Reviews e recomendações são sempre bem vindas!