Crônicas Do Olimpo - O Último Olimpiano escrita por Laís Bohrer


Capítulo 30
Olhos Negros


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo, esse ficou meio grandinho, mesmo assim, espero que gostem ^^



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– Faça um pedido, querida. – disse a mulher de cabelos castanhos e cacheados, com alguns fios grisalhos, mas eu nunca pensaria nela como uma mulher velha, até porque seu sorriso e o brilho em seus olhos castanhos afastavam sua idade.

Minha mãe era a melhor pessoa do mundo, pelo menos pra mim e eu acho que Percy não pensava muito diferente. Seu nome era Sally Jackson, e sua situação só prova minha teoria de que coisas ruins acontecem com as melhores pessoas. Quando ela era pequena seus pais morreram em um acidente de avião, ela passou um tempo morando com um tio que era seu único parente vivo e que não ligava muito para ela. Ela era escritora, e sempre colocava Percy e eu em seus livros como heróis, mas ela só chegou a escrever uma trilogia e mais dois outros livros antes de morrer e mais um romance que nunca fora publicado.

Era meu aniversário de cinco anos, um grande bolo azul – ela tinha essas manias, quando esse tio que cuidou ela veio nos visitar ele insistiu que comida azul não existia, então minha mãe fez tudo para provar ao contrário: Bolos azuis, waffles azuis, vitaminas azuis e qualquer outra coisa que você pudesse imaginar, e é claro, eu e Percy sempre adorávamos isso nela tanto que nossa cor preferida sempre fora azul. – e uma vela com o numero cinco no meio deste.

Tínhamos acabado de cantar parabéns para mim, eu estava entre Percy e minha mãe, eles esperavam eu fazer meu pedido e assoprar a vela. Eu tomei fôlego e fechei os olhos, não desejei nada, até porque eu reconhecia que eu tinha tudo o que eu poderia querer naquele tempo, eu deveria ter pedido para que aquilo durasse...

Assoprei a vela. Percy e minha mãe bateram palmas.

– Agora vamos comer! – Percy deu um soco no ar. Eu ri. – Ei, o que você pediu?

– Não posso contar, lembra? – eu disse.

Percy suspirou.

– Isso não é justo.

– Aria tem razão, Percy, se ela te contar não vai se realizar – disse minha mãe. – Agora vamos, me ajude com os copos.

– Sim, mamãe. – disse ele bagunçando meu cabelo enquanto passava por mim, no meio do caminho ele se voltou para mim. – E não coma o bolo todo sozinha.

Eu sorri e sacudi a cabeça.

– Nunca faria isso, eu não sou você – eu disse e ele me deu língua.

No tempo que eu fiquei sozinha tive a impressão de ter visto a cortina da nossa janela de mover, um forte brisa encheu a sala, algo como o cheiro do mar. Eu me virei e me deparei com a janela arreganhada, não me lembrando de alguém tê-la aberto. Naquele tempo eu não saberia de quem era aquela presença, mas hoje é diferente...

A cena mudou, agora eu tinha sete anos, eu estava sentada em um balanço da praça de frente ao nosso apartamento. Eu pude dizer que senti um frio na barriga ao ver a imagem, eu deveria estar em casa, não me lembro do porque eu não estava em casa... As crianças que passavam por ali apontavam para mim, e as mães as puxavam para longe, como se eu fosse um cão muito, muito perigoso.

– Ei... – disse uma voz atrás de mim, eu virei o rosto na direção da figura. – Porque você está sozinha ai?

Uma garota da minha idade, ou menos. Ela tinha grandes e perfeitamente arredondados olhos azuis e cabelos loiros em um rabo de cavalo de lado. Vestia um vestido florido até abaixo dos joelhos e tênis rosa bebê.

Eu não respondi.

– Qual o seu nome? – perguntou ela se colocando na minha frente.

– A... Aria. – eu gaguejei.

A garota riu.

– Você não está com medo de mim, está? – perguntou a garota.

Eu hesitei antes de negar com a cabeça.

– Que bom, seria difícil fazer amizade com alguém que tem medo de mim.

Você não faz nem ideia... Eu pensei.

Ela brincou com os próprios cabelos por um momento, meio indecisa, como se eu a intimidasse.

– Qual o seu nome? – tomei coragem e perguntei.

Seus olhos brilharam com o meu interesse, como se ela estivesse ansiosa para fazer novos amigos. Eu vi a esperança.

– Meu nome é...

– Alice! – uma mulher me olhou com ódio e desprezo antes de puxar a menina para longe, ela só pode dizer “Ah!” enquanto a mãe ralhava com ela. – Eu não lhe disse para ficar longe daquela garota?

Eu não pude ouvir a resposta dada, eu fechei os olhos.

Deixe-me... Mata-los, eu matarei todos... Todos eles.

Disse aquela voz, eu abri os olhos quando alguém colocou a mão no meu ombro. Havia lagrimas nos meus olhos.

– Você não deveria estar em casa? – eu ergui a cabeça, era apenas Percy.

Eu não respondi, ele se colocou a atrás de mim e começou a empurrar de leve o meu balanço.

– Não ligue para eles – disse ele – São idiotas.

– Por quê? – eu perguntei – Por que eu tenho que ser diferente deles? O que me faz diferente deles?

Percy respirou fundo, hesitando, como se tentasse responder com todo o cuidado possível.

– Você não é diferente deles, eles que são diferentes de você e isso os irrita – disse ele – Porque eles querem ser especiais como você.

Percy se agachou ao lado do meu balanço e colocou uma mecha de cabelo meu atrás da minha orelha. Ele sorriu para mim, eu não evitei e retribui seu sorriso.

– Vamos para casa, maninha – ele pegou a minha mão e junto fomos à direção do nosso pequeno apartamento em Nova York.

Foi naquele momento que eu arregalei os olhos e voltei para o presente, eu me lembrava... De tudo.

Eu e Cronos cruzamos nossas lâminas em um X no ar, foice contra espada, tempo contra água, como se fosse só isso que eu tinha. Nós atravessamos o braseiro lutando, chutando brasas e faíscas, nenhum de nós se queimara graças à maldição abençoada de Aquiles. Não era todo dia em que uma garota de quinze anos enfrentava o titã do tempo, porém eu ficava feliz por estar sendo suficiente para atrasar Cronos.

Então foi ai que ele arrancou o descaso de braço do trono de Ares, o que pra mim não havia muito lá importância, mas ai ele virou-se para o trono do meu pai.

– Oh sim... – disse o titã, seus olhos dourados brilhando de ambição. – Esse servirá uma ótima lenha para minha nova lareira.

Nossas lâminas fizeram uma chuva de faíscas.

– Como se... Eu fosse deixar. – eu gemi.

Ele era com toda certeza mais forte que eu, mas em um momento eu senti o poder do oceano em mim, apenas tentei não exagerar, eu sabia que a coisa dentro de mim observava tudo que estava acontecendo. Kinitrus esperava todos esses anos por uma chance de me destruir por dentro e por fora com seu poder, ele podia me oferecer ajuda ao emprestar seu poder, porém poderia oferecer também minha destruição. Então não, obrigada.

Eu empurrei Cronos para trás com Anaklusmos cortando com tanta força que arranquei um pedaço da couraça de sua armadura.

Ele bateu os pés de novo e o tempo abrandou. Eu tentei atacar, mas eu estava me movendo na velocidade de uma tartaruga em uma maratona. Cronos recuou calmamente, recuperando seu fôlego. Ele examinou o talho em sua armadura enquanto eu me debatia, amaldiçoando-o em silêncio. Ele poderia tomar todas as pausas que desejasse. Ele poderia me congelar no lugar conforme quisesse. Minha única esperança era que o esforço o drenasse. Se eu pudesse derrotá-lo ao menos...

– É o fim, Megan Jackson – disse ele – Renda-se.

Cronos apontou na direção da lareira, as brasas se extinguiram em um brilho maior. Uma nuvem de fumaça cinzenta surgiu das chamas, me mostrando imagens como uma mensagem de íris. Eu via Nico, Thalia e Hansel na quinta Avenida, lutando uma batalha desesperada, cercado por inimigos. Mais para o fundo, Hades – tio suquinho – lutava em sua carruagem negra, conjurando onda atrás de onda de zumbis do submundo, mas as forças do Titã pareciam intermináveis. Manhattan estava sendo destruída, eu estremeci ao ver os mortais completamente acordados, correndo e gritando em terror. Carros voavam, derrapavam e batiam.

A cena mudou e eu vi algo ainda mais perturbador.

Uma coluna de tempestades se aproximava do Rio Hudson, se movendo através da costa de Jersey. Carruagens circundavam-na, envolvidas em combate com a criatura na nuvem.

Os deuses lutavam até suas últimas forças. Relâmpagos apareceram. Flechas de ouro e prata eram arremessadas na direção da nuvem na velocidade de foguetes e em seguida explodiam. Lentamente, a nuvem se dispersou e finalmente eu vi Tifão pela primeira vez.

Acredite, não era simplesmente um humano gigante, era um monstro gigante.

Os deuses atacaram. Relâmpagos apareceram. Flechas de ouro e prata foram arremessadas na direção da nuvem como se fossem foguetes e explodiram. Devagar, a nuvem se dispersou e eu vi Tifão claramente pela primeira vez.

Eu nunca seria capaz de esquecer a aparência do gigante. A cabeça de Tifão mudava de forma freneticamente, de um monstro horrível para um pior ainda seguindo esse mesmo ciclo de horror. Olhar para o seu rosto me deixava tonta, senti estar enlouquecendo então olhei para seu corpo que aparentemente não era muito melhor. Ele era humanoide, contudo sua pele me lembrava de um sanduiche de carne de mais de mil anos – e essa comparação me fez querer vomitar -, ele era verde malhado com bolhas do tamanho dos prédios, e marcas e cicatrizes por ter ficado séculos sendo trancafiado em um vulcão. As mãos dele eram humanas, mas com garras, como as de uma águia. Suas pernas eram escamosas e reptilianas. Tifão era a coisa mais feia que eu já tinha visto, se você me perguntar quem era mais bonito: Equidna ou Tifão? Eu responderia que Equidna ganharia o concurso de Miss Olimpo.

– Os deuses dando seu último esforço... – riu Cronos debochado. – Que patético.

Foi naquele momento que Zeus lançara um raio de sua carruagem. A explosão ergueu uma cortina de poeira, eu podia sentir o choque do Olimpo, porém quando a poeira assentou. Tifão ainda estava lá, de pé e muito zangado. Ele rugiu e cambaleou, uma cratera fumarenta no topo de sua cabeça sem forma, mas ele rosnou de raiva e continuou avançando.

Eu senti que podia me mexer novamente, Cronos estava concentrado em sua vitória final, não parecera notar. Ele estava distraído demais olhando para as imagens. Desejei que eu pudesse me manter ali por mais alguns segundos... Se meu pai mantivesse sua promessa ao menos teríamos uma chance...

Tifão pisou no Rio Hudson e mal afundou seu tornozelo.

Agora, por favor... Eu pensei, implorando mentalmente. Tem que ser agora.

E pelo menos eu voltei a acreditar que talvez eu pudesse ter ao menos um pouquinho de sorte, mesmo sendo uma meio-sangue. Uma trombeta de concha soou direto da figura nevoenta. Eu reconheci o chamado do oceano. O chamado de Poseidon.

Foi então que ao redor de Tifão, o mar se inquietou, o Rio Hudson entrou em erupção, erguendo-se em ondas de treze metros. Fora da coluna de água, uma nova carruagem apareceu. Sendo arrastada por imensos cavalos-marinhos que nadavam no ar com a mesma facilidade do que na água.

Meu pai, brilhando com uma aura azulada de poder, fez um círculo ao redor das pernas do gigante. Poseidon não era mais um homem velho. Ele parecia consigo mesmo novamente – bronzeado e forte com uma barba escura. No que ele balançou seu tridente, o rio respondeu, formando um funil de nuvens ao redor do monstro.

– Não! – Cronos berrou depois de um momento de silêncio chocado. – Maldito seja...

AGORA, MEUS IRMÃOS! – A voz de Poseidon estava tão alta que eu não tinha certeza que a ouvia pela imagem de fumaça ou se ela cruzara toda a cidade. – PELO OLIMPO!

Guerreiros surgiram do rio, guiando, nas ondas, tubarões gigantes, dragões e cavalos marinhos. Era uma legião de ciclopes, e liderando-os batalha adentro estava...

– Tyler! – eu gritei com animação mesmo sabendo que ele não poderia me ouvir, porém eu o olhei com admiração. Ele havia crescido, tinha que ter pelo menos nove metros, tão grande quanto seus primos mais velhos. Ele vestia uma armadura completa. Galopando atrás dele estava Briareu, o centímano.

Uma onda de orgulho me atingiu, acho que deve ser coisa de irmã mais velha: Manda ver... Tyler.

Todos os ciclopes seguravam imensas extensões de correntes de ferro negras – grandes o suficiente para ancorar um navio de batalha – com ganchos no final. Eles as giraram como cordas e começaram a aprisionar Tifão, arremessando cordas ao redor das pernas e braços da criatura, usando a maré para continuarem circundando-o, prendendo o monstro. Tifão chacoalhou, rosnou e atacou as correntes, empurrando alguns ciclopes para fora de suas montarias, mas havia correntes demais. O grande peso do batalhão de ciclopes começou a trazer Tifão para baixo. Poseidon jogou seu tridente e atingiu o monstro na garganta. O icor dourado imortal jorrou do ferimento, criando uma cachoeira maior do que um arranha-céu. O tridente voou de volta para a mão de Poseidon.

Os outros deuses investiram com força completamente renovada. Ares se levantou e atingiu Tifão no nariz. Ártemis atirou no monstro uma dúzia de flechas prateadas direto no olho. Apolo atirou uma saraivada de flechas em chamas no monstro. E Zeus continuou acertando Tifão com raios, até que finalmente, devagar, a água se ergueu, envolvendo Tifão como se fosse um casulo, e ele começou a afundar com o peso das correntes. Tifão gritou em agonia, batendo com tanta força que as ondas varreram a costa de Jersey, alagando prédios de cinco andares e derrubando a Ponte George Washington – mas abaixaram conforme meu pai abriu um túnel especial para ele – um redemoinho de água sem fim que o levaria diretamente ao Tártaro. A cabeça do gigante afundou num espiral fervente, e ele fora embora.

Eu suspirei de alivio, mas não poderia dizer que Cronos sentira a mesma coisa. Ele rosnou um xingamento em grego antigo e atravessou a imagem com sua foice.

– Acabou – eu disse para ele. – Você perdeu. Logo os deuses estarão aqui, e você vai estar perdido.

O titã virou-se para mim lentamente, com um sorriso debochado nos lábios, isso fez eu duvidar de minhas próprias esperanças.

Perdido?– repetiu. – Eu ainda nem comecei.

O titã avançou para mim na velocidade da luz. Eu apertei Anaklusmos na minha mão. Pisei de lado, o chão tremulou como um mini-terremoto – o que não foi minha intenção, mas aquilo pareceu dar um efeito legal.

Eu corri na direção de Cronos – algo estupidamente corajoso. – então o ataquei de lado, para o meu azar, ele atacou do meu outro lado. Quer dizer... Seria realmente problemático se eu não tivesse previsto isso e mudado Anaklusmos de direção e interceptado a foice do titã. Ai sim, eu estaria em apuros. Eu senti uma vaga dor aguda no braço no momento em que nossas lâminas se encontraram em um estalo. Chegava a ser engraçado, pois eu era tão baixinha comparada a Cronos. Eu sentia a maldição de Ares pesando sobre mim quando Anaklusmos parecera mais pesada em minha mão. Eu sentia uma enorme vontade de cair ali mesmo aos pés de Cronos e dormir. Então eu finalmente entendi o que Quiron quisera-me dizer sobre Aquiles, quando ele não estava lutando, estava dormindo. Não era a hora perfeita para me arrepender de não ter ouvido Quiron, mais uma vez.

– Desista agora mesmo, Jackson – ele disse – Você já não tem mais chances.

Eu forcei os dentes, por mais que eu quisesse responder com algo do tipo: Erre es Korakas. Eu não conseguia. Ou eu falava ou eu evitava a morte.

– O ódio é a chave para a verdadeira força – disse o titã. – Você não me odeia o suficiente.

Ele empurrou minha espada, eu recuei em um pulo. Uma parede de força se chocou contra mim e eu realmente devo dizer que odeio, odeio e odeio mesmo quando os Titãs fazem isso. Eu fui jogada contra um pilar e com certeza teria quebrado alguma coisa se não fosse invulnerável. Mesmo assim, não deixou de doer.

A névoa ainda tinha a mesma intensidade ao nosso redor, ela já não parecia tão ameaçadora, apenas urgente, como se tentasse apressar algo... Sussurros conturbavam minha mente, sendo que eu não sabia se era algo que vinha da névoa ou da minha própria consciência.

Eu acredito em você...

– Eu não tenho um nome...

– Feliz aniversário, querida...

– Porque não me deixa em paz?

Ecoavam todas ao mesmo tempo, como se fossem uma só, quase me isolando da realidade. Eu estava tremendo, Anaklusmos ficando cada vez mais pesada em minha mão, mas eu não a largava por nada, fechando minha mão firmemente em um punho ao redor do cabo até meus dedos ficarem brancos e eu ainda sentia uma imensa vontade de deitar ali mesmo e dormir.

Eu tossi.

– Não te odeio o suficiente, não é? – eu repeti em um murmuro, então elevei a voz. – Por sua causa meu irmão está morto, por sua causa meus amigos estão morrendo lá fora, maior parte já está morta... Não venha me dizer que eu não te odeio o suficiente!

Eu ouvi uma risada em responda, isso me deixou irritada. Eu me forcei a me erguer, olhei para os lados, esperando um ataque. Quando eu vi uma sombra humana eu ataquei diretamente nela. Uma sequencia de ataques e defesas, então eu investi de baixo da guarda de Cronos, era um bom truque, mas Luke já o conhecia. Ele amorteceu o impacto e me desarmou usando um dos primeiros movimentos que me ensinara. Minha espada deslizou pelo chão e caiu diretamente na fissura aberta. Eu recuei, evitando o golpe do titã.

– Cara... – eu tomei fôlego, olhando para a fissura lamentando pela minha espada. – Isso não foi legal.

Cronos não se importou, ele investiu novamente em mim, no momento em que ele o fez eu andei mais para trás e por instinto eu ergui a mão como se dissesse “Pare!”, e uma parede de água cintilando em esverdeado surgiu como um tipo de escudo, assim que a foice de Cronos atacou, a parede se desfez em uma poça simples. Senti uma parte da minha força se esvaindo, então eu senti apenas mais sono.

A lâmina de Cronos apontava diretamente para o meu pescoço e saiba que isso não era lá muito tranquilizador.

– Soube que sente falta do seu irmãozinho – disse ele – Que tal se juntar a ele agora?

Eu prendi a respiração. A imagem fantasmagórica do Percy na minha mente retorna: “Te espero no Elísio...”.

– Percy está esperando há um ano por isso – eu disse – Acredito que ele queira esperar muito mais.

Foi nesse momento que Cronos ergueu sua foice na tentativa de me dividir em duas atacando por cima, eu me agachei e ergui as mãos em um gesto de proteção, um escudo de água surgiu acima de mim, caindo sobre mim no momento em que Cronos o acerta. Eu rolo para o lado e me levanto. Anaklusmos ainda não voltara ao meu bolso e eu já sentia que estava prestes a desmaiar, não havia tido treino quanto a usar aquele tipo de proteção.

– Morra... Jackson! - rosnou o titã vindo mais uma vez em minha direção, eu me apoiava em meus próprios joelhos.

Eu não sabia se era a névoa agindo na minha mente ou apenas lembranças... A visão do titã vindo até a mim ficou turva por um instante sendo substituída pela imagem de um garoto de cabelos negros e olhos verdes na mesa do pavilhão do acampamento meio-sangue, ele estava junto com uma garotinha com as mesmas características, eles riam enquanto bebiam coca-cola azul. Então do mesmo modo que ela pareceu, desapareceu na mesma velocidade mudando para a cena do mesmo garoto lutando com uma benevolente, logo em seguida percebo quem são aqueles dois, claro... A cena muda de novo, e dessa vez me vejo no lago de canoagem, com nove anos, conversando com Annabeth Chase... Outra cena, Jake e eu treinando com adagas na arena de esgrima. Todas aquelas cenas, por um momento eu não sabia dizer se elas eram reais, mas quanto mais delas vinham, mais familiares elas se tornavam, até eu me dar conta.

Eu lembrava... De tudo.

Quando voltei a mim, duas esferas de água flutuavam acima de minhas mãos e eu soube o que fazer.

– Meu nome... – eu murmurei.

Pressão... pensei. Mais pressão... Mais... Mais...

– A partir de hoje... – eu tossi. – Meu nome é Megan Ariana Jackson, eu normalmente evito me estressar... Mas hoje, eu estou de pavio curto.

Cronos estava mais perto agora, eu soube que estava apenas adiando a morte, mas se e ainda podia tentar era melhor valer a pena.

Agora!

As esferas de água cintilaram em um tom verde mar, e explodiram aos pés de Cronos. Uma cortina de fumaça se ergueu, e eu não podia mais ver o titã. A contra gosto eu cai de joelhos no chão, respirando pesadamente. Minha visão dobrava, minha cabeça dava a impressão de que ia explodir. Eu sabia que não aguentaria mais segurar Cronos por mais tempo ali até que os deuses chegassem. Rezei silenciosamente para que alguém, milagrosamente chegasse até a mim, algum reforço... Talvez Jake conseguisse a tempo... Ou eu morreria.

Foi quando eu senti que estava levitando, e novamente uma parede de força me atingiu me jogando para o outro lado, contra outro pilar, eu cai deitada, limpando o sangue que escorria do meu lábio. Cronos estava na minha frente. Ele atacou, por muito pouco ele me acertaria, porém eu rolei um pouco, desviando de modo que sua lâmina apenas fizesse um mínimo corte na minha orelha. Eu convoquei toda a minha força. Eu tentei me levantar, mas era como segurar o peso do céu.

– Eu... Te odeio. – eu consegui dizer.

Cronos sorriu.

– Morra, agora. Megan Jackson.

Nesse momento eu fechei os olhos, aguardando pelo golpe final. Mordi o lábio, pensando nos meus amigos lá embaixo, naquela guerra contra o exército de Cronos, tudo seria em vão se eu morresse. Sem mais profecias para mim e não havia nada que eu pudesse fazer. Eu sabia que Kinitrus, de certa forma, observava tudo aquilo, talvez esperando pelo momento que eu me lembraria dele e cedesse aos seus poderes. Eu prometi que não faria isso, eu sabia das consequências... Ou não. Talvez eu não tivesse mesmo escolha, era morrer ou arriscar perder controle da minha própria mente e... Acabar matando meus próprios aliados talvez. Não, eu não poderia...

– Você estava certa... Megan – eu estremeci. – Talvez seja melhor ser a maior idiota do mundo do que desistir de um amigo.

No momento em que eu abri meus olhos quis fechá-los imediatamente, porque a cena diante de mim, não fazia nenhum sentido. Mas eu estava aflita demais para me preocupar com isso, confusa demais. Fixando meu olhar na afiadíssima lâmina da foice de Cronos, atravessando o corpo de Silena Beauregard. O sangue dela pingava de modo macabro, como uma contagem regressiva para a morte. Silena sorria para mim, mas uma lagrima escorria de seu rosto.

Eu não consegui dizer nada, mal percebi que não eu estava respirando, eu apenas permanecia de olhos arregalados, encarando o rosto da filha de Afrodite.

– Me perdoe... – ela sussurrou. – Eu...

Ela não pode terminar, quando a foice foi puxada para trás, Silena também foi, ela foi brutamente jogada para longe, eu tentei agarrar sua mão, mas eu não consegui alcançá-la... Ah, sim... Eu já havia tentado isso várias vezes. Alcançá-la. E ela sempre era puxada de volta... Sempre.

– Traição... – disse Cronos. – Isso é o que acontece quando entram no caminho do Senhor do Tempo!

– Sua... – eu sussurrei com a voz rouca, ainda olhando para o corpo de Silena, ela ainda respirava. – Sua... IDIOTA! – eu berrei. – IDIOTA!

Algo aconteceu. Eu pude sentir o Olimpo todo estremecer. Rajadas de água surgiram do chão ao meu redor, formando um circulo. Cronos foi empurrado para trás, lagrimas escorriam pelo meu rosto, uma atrás da outra. Eu berrava como uma criança que teve seu brinquedo quebrado por um valentão. A névoa sumira aos poucos e dentro de minha mente, uma última lembrança cuja eu nunca pude esquecer...

Em frente ao Orfanato Dixon, naquela pequena praça, pela primeira vez, eu já não me via sozinha. A garota ruiva chamada Silena, sentava no balanço ao lado do meu. Seus pés mal alcançavam o chão – o que não era diferente comigo.

Algumas nuvens pairavam sob o céu daquela tarde. Uma leve brisa sacudia as folhas das árvores ali perto. O clima estava agradável, o sol não estava muito forte e nem muito fraco. Eu não me sentia triste dessa vez, eu me sentia em paz.

– Você deveria tirar essa franja do olho – disse Silena de repente. – Podia tentar erguer a cabeça também.

Eu olhei para ela semicerrando os olhos.

Ela levantou e riu.

– Estou falando sério... Vamos ver... – ela fez cara de pensativa, analisando meu rosto. Ela ergueu minha cabeça segurando-a pelos lados e logo em seguida jogou minha franja para trás. – Pronto, muito melhor.

Ela voltou-se a sentar em seu balanço, fazia poucos dias desde que eu tinha conhecido aquela estranha garota. Ela sorria radiante para mim, mesmo às vezes parecendo tão frágil e sensível, parecia o tipo de pessoa cujo sorriso iluminaria até o coração mais escurecido.

– Seus olhos são muito bonitos, até mais que os meus – disse ela – Não deveria escondê-los.

Eu não pude evitar, eu ri, mas quando vi que ela permanecia séria, eu me calei.

– Está brincando? O seu olho é azul. – eu enfatizei.

Ela suspirou olhando para os próprios pés.

– Não é a cor que os torna bonitos, Meg – ela sacudiu um pouco o seu balanço. – Já ouviu falar que “Os olhos são a janela da alma”?

Eu neguei com a cabeça.

– Bem... – ela hesitou. – Eu posso ver em suas janelas, você tem uma alma clara e bonita, sabia? Mas as pessoas não vão poder vê-la se você fechar as cortinas.

Demorou um pouco até eu entender o que ela queria dizer.

A cena mudou, e eu me vi novamente naquela sala onde Kinitrus estava selado. A água agora tocava o teto, e eu flutuava lentamente em direção à gaiola do monstro que arregalava os olhos negros no formato de folhas para mim. Grandes garras e presas, gigantes asas de morcego, a estrutura de uma gárgula gigante, orelhas que poderiam ser chifres e longas dez caudas que se agitavam ansiosamente.

Eu não lutei contra a correnteza que me levava para dentro do refugio do monstro, eu simplesmente me deixei levar, até o momento em que Kinitrus fechara as garras ao meu redor.

Meu corpo queimava, eu podia ver meu próprio reflexo na água, meus olhos completamente negros, minhas unhas cresceram um pouco como pequenas garras, mínimas presas brotaram dos meus caninos e uma áurea negra me cercava, parte do meu consciente ainda consciente sabia que eu estava descontrolada, e por mais que eu soubesse disso, eu não lutava contra isso. As rajadas de água formaram-se atrás de mim em uma espécie de Kinitrus gigante feito de água.

Pela primeira vez, eu e o monstro concordamos em uma coisa: Ambos queríamos a cabeça de Cronos em uma bandeja.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo!

Beijos azuis ♥



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