Crônicas Do Olimpo - O Último Olimpiano escrita por Laís Bohrer


Capítulo 16
A Batalha na Ponte: O Escudo de Megan




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Eu não sei que consigo descrever o que eu sentia... Talvez, algo como raiva, decepção, tristeza, mágoa, ódio e uma extrema e anormal vontade de massacrar todos os monstros que eu via pela frente e desintegra-lo um por um, o mais assustador entre tudo isso é que eu já não tinha certeza se quem estava na minha frente era amigo ou inimigo. Eu estava me sentindo invencível e uma voz dentro de algum lugar no meu subconsciente me dizia:

"Mate-os... Mate todos!" era a minha voz...

Quer dizer, não a minha voz, mas a "minha" voz... E a vaga e familiar imagem de mim mesma, apenas os olhos, olhos cruéis e sem vida, cheios de ambição e sede de sangue.

Mas acho que isso não é importante.Enquanto eu falo com você, eu magicamente desviei de todas as armas, ou se elas me batiam não acabavam me ferindo. Honestamente, eu não me lembro. Tudo que eu sei era que eu não ia deixar aqueles monstros invadirem a minha cidade.

Eu cortava as armaduras como se fossem de papel. Mulheres serpente explodiram. Cães infernais derreteram nas sombras. Eu golpeava, apunhalava e girava... e devo ter gargalhado uma ou duas vezes – um riso louco que assustou tanto a mim quanto a meus inimigos. Eu estava ciente dos campistas de Apolo atrás de mim atirando flechas perturbando a cada tentativa do inimigo de se recuperar. Finalmente os monstros viraram e fugiram – cerca de vinte ficaram vivos de duzentos.

Eu segui com os campistas de Apolo sobre meus calcanhares.

- Era disso que eu estava falando! - gritou Michael Yew. - Vou faze-los pagar por Annie!

Nós nos dirigimos de volta pelo lado Brooklyn da ponte. O céu estava ficando pálido a leste. Eu podia ver a estação de transporte à minha frente.

Michael olhou para mim positivamente, mas depois sua expressão foi transformada pelo susto e confusão.

- Megan... O que houve com seus olhos?

Eu não tive tempo para responder, pois logo atrás de nós outro uma voz:

- Megan, chega! - gritou Jake. - Pronto, você já os fez debandar. Volte, agora! Está indo longe demais!

Uma parte de mim sabia que ele estava certo, de repente eu me senti um pouco cansada e voltando aos poucos para quem eu realmente era. Olhei para os vinte monstros restantes, eles estavam assustados, talvez não esperavam aquela reação de mim e nem eu mesma e nem ninguém deveria esperar aquilo.

Por um momento eu virei uma verdadeira psicopata, mas eu queria continuar, queria desintegrar até o último monstros, mas eu tinha que recuar e...

"Não... Você deve mata-los!" disse aquela voz de novo.

"Cala a boca" respondi.

Então com isso, a verdadeira bagunça começou, eu estava tremendo de ansiedade. Depois eu vi a multidão na base da ponte. Os monstros recuando em direção aos reforços. Era um grupo pequeno, uns trinta ou quarenta semideuses em armadura de batalha, mas não me surpreendi com o fato de Silena não estar entre esses, ela era um tipo de tenente para o exército de Cronos, ou simplesmente deveria estar presa em alguma cela ou quarto... Vai saber. Alguns dos semideuses estavam montados em cavalos esqueléticos. Um deles tinha uma faixa roxa sobre o desenho de uma foice em preto.

Eu recuperei a postura e forcei Anaklusmos em minha mão.

O cavaleiro que liderava trotou à frente. Ele tirou o seu elmo, e eu reconheci Cronos em pessoa, seus olhos como ouro derretido.

Jake e os campistas de Apolo vacilaram. Os monstros haviam alcançado a linha do Titã e foram absorvidos pela nova força. Cronos olhou em nossa direção. Ele estava a uns quatrocentos metros de distância, mas eu juro que vi seu sorriso.

Como eu disse antes...

- Agora, recuamos. - eu disse.

Os homens do Lorde Titã ergueram suas espadas e avançaram. Os cascos dos seus cavalos esqueléticos batendo contra o pavimento. Os nossos arqueiros dispararam uma saraivada, trazendo baixas ao inimigo, mas eles continuavam avançando.

- Recuem! - gritei. - Eu seguro eles!

Em questão de segundos eles estavam ao meu lado.

Michael e seus arqueiros tentaram recuar, mas Jake continuava bem do meu lado, lutando com seu sabre de bronze celestial e seu escudo espelhado, lentamente voltamos ao topo da ponte.

Cronos e sua cavalaria giravam ao nosso redor, cortando e gritando insultos. O próprio Titã avançava vagarosamente, como se tivesse todo o tempo do mundo. - mas sendo ele o senhor do tempo, acho que ele tinha mesmo...

Tentei ferir seus homens, mas não matá-los, isso me retrasou. Mas estes não eram monstros, eram semideuses que caíram na magia de Cronos, mas acho que se eu estivesse no modo psicopata, eu não teria me preocupado com isso. Eu não podia ver seus rostos embaixo dos seus elmos de batalha, mas provavelmente eram alguns dos meus amigos. Eu cortei as pernas de seus cavalos esqueléticos, e fiz suas montarias esqueléticas desintegrarem. Depois dos primeiros semideuses darem o seu melhor desceram e me enfrentaram em pé.

Jake e eu agora estávamos ombro a ombro, em direções opostas. Ele tinha cortes no rosto e partes de sua pele estavam vagarosamente cinzentas de restos de monstros que deveriam ter explodido perto dele. 

Uma imagem sombria passou por mim, e ousou avançar. Blackjack e Porkpie estavam escoiceando os nossos inimigos nos seus elmos como pombos camicases gigantes.

Nós fizemos isso até a metade da ponte, até que algo estranho aconteceu. Eu senti um calafrio pela minha espinha, como se alguém velho avisasse sobre alguém caminhando pelo seu túmulo. Atrás de mim, Jake praguejava de dor, ele soltou um palavrão em grego antigo e acredite, eu não queria ter entendido aquilo.

Mas não era hora para me preocupar com isso.

- Jake... - Eu me virei a tempo de vê-lo cair, segurando seu braço e me olhando com dor.

Um semideus estava parado com uma faca ensanguentada sobre ela.

Em um flash eu entendi o que estava acontecendo. Ele havia tentado me acertar pelas costas. Julgando pela posição da sua lâmina ele teria me acertado – talvez por pura sorte – na base da minha coluna, o meu único ponto fraco.

Jake havia interceptado a faca com seu próprio corpo, como um escudo...

Eu estava de olhos arregalados, eu imaginei: Mas, por que?

Ele não sabia do meu ponto fraco. Ninguém sabia.

Eu fixei meu olhar no semideus inimigo. Ele usava um tapa-olho sob o seu elmo: Ethan Nakamura, o filho de Nêmesis. De alguma forma ele havia sobrevivido à explosão do Princesa Andrômeda. Eu pensei que talvez do mesmo modo que Silena.

Eu me ajoelhei ao lado de Jake que gemia, sem soltar seu braço. Então me voltei novamente para Ethan, e me ergui.

Eu bati tão forte no rosto dele com a minha espada que denteei o seu elmo.

- Para trás! - eu tremia. Eu cortei o ar com um amplo arco, mandando os outros semideuses para longe de Jake.

- Megan... - Jake chamou.

- Ninguém se aproxima dele. - eu disse de um jeito tão ameaçador que nem ao menos acreditei que aquela voz era a minha.

- Megan Jackson... Lutando bravamente como sempre, mas ainda falta mais ódio, mais raiva... - um arrepio me percorreu pela espinha, aquela voz... Cronos.

 Ele avançou sobre mim no seu cavalo esquelético, sua foice em uma mão. Ele estudou a cena minuciosamente como se pudesse sentir que eu estava perto da morte, como um lobo que fareja o medo.

- Pelo visto, seu ponto fraco está nos outros... - disse o titã do tempo. - Renda-se, ou o garoto morre.

- Megan, não faça isso... - gemia Jake, sua camisa estava ensanguentada. Eu tinha que fazer alguma coisa...

– Blackjack! – Eu gritei.

Tão rápido como a luz ele mergulhou e apertou seus dentes nas tiras da armadura de Jake. Eles subiram e se afastaram do rio tão rápido que o inimigo nem pôde reagir.

Cronos resmungou:

– Eu ainda vou fazer sopa de pégaso. Mas nesse meio tempo...

Ele desmontou, a sua foice brilhando na luz do amanhecer.

– Eu me contento para que outro substituto seja morto.

Eu recebi seu primeiro ataque com Anaklusmos, o impacto abalou a ponte, mas não me afetou.

- Esse... - eu disse com um sorriso meio que... Bem, acredite, não era um sorriso de alegria. - .. vai ser você.

O seu sorriso oscilou.

Com um grito, chutei as suas pernas bem embaixo dele. Sua foice deslizou sobre o pavimento. Eu cortei para baixo, mas ele se recuperou e sua foice voltou para suas mãos.

– Então... – Ele me estudou, olhando levemente irritado. – Você teve a coragem de visitar o Estige. Eu tive que pressionar Luke de várias maneiras para convencê-lo. Se ao menos tivesse sido você a fornecer meu corpo hospedeiro, em vez de... Mas não importa. Eu sou ainda mais poderoso. Eu sou um TITÃ.

Eu parei um instante.

- Eu não sou filha de Atena, mas... Dã! 

Ele golpeou a ponte com a base da sua foice, e uma onda de puro vigor me jogou para trás. Carros foram carregados. Mesmo os homens de Luke foram jogados para longe ao longo da borda da ponte. Cordas de suspensão chicoteavam em volta, e eu escorreguei meio caminho de volta para Manhattan.

- Você precisa aprender a calar a boca, Jackson. - disse o titã. - Alguém nunca lhe disse para ser cautelosa enquanto fala?

Eu tinha uma base para meus pés. O restante dos campistas de Apolo tinha voltado para o começo da ponte, com exceção de Michael Yew, que estava agarrado a um dos fios de suspensão a alguns metros de mim. Colocou sua última flecha em seu arco.

- Michael! - eu gritei. - Recue!

- Megan, a ponte!  - ele apontou. - Ela está fraca!

Eu não entendi de primeira, então eu olhei para baixo e vi fissuras no pavimento. Pedaços da estrada estavam meio derretidos pelo fogo grego. A ponte tinha tomado uma surra de Cronos e de flechas explosivas.

- Derrube a ponte! - gritou ele. - Use seu poder!

Era uma ideia desesperada – de maneira alguma aquilo ia funcionar – mas eu cortei a ponte com Contracorrente. A lâmina mágica afundou até o cabo no asfalto. Água salgada jorrava da fissura, como se eu tivesse atingido um gêiser. Puxei a minha espada da fissura. A ponte tremeu e começou a desintegrar. Pedaços do tamanho de casas caiam no Rio East. Os semideuses de Cronos gritaram em alarme e correram de volta. Alguns batiam em seus próprios pés. Poucos segundos depois, havia um abismo de uns quinze metros aberto na Ponde de Williamsburg entre Cronos e eu.

As vibrações cessaram. Os homens de Cronos correram de volta e olharam os cento e trinta pés de queda até o rio.

No entanto, eu não me sentia segura. Os cabos de suspensão ainda estavam em chamas. Os homens que poderiam atravessar teriam que ter muita coragem. Ou talvez Cronos tivesse uma magia para concertar a lacuna.

O Lorde Titã estudou o problema. Olhou para trás ao sol nascente. Então sorriu do outro lado do abismo. Ele ergueu a sua foice e fez uma saudação de escárnio.

- Até a noite, Megan Jackson. - sorriu ele.

Ele montou no seu cavalo, fez meia volta e retornou ao Brooklyn a galope, seguido por seus guerreiros

Quando eles se foram, eu ri aliviada.

- Valeu, Michael... - eu gritei. - Você...

Quando me virei para dizer mais para ele, minha voz morreu subitamente. Michael Yew não estava mais lá, e tudo o que tinha no lugar aonde ele deveria estar, há seis metros dali, um arco caído no chão. Seu dono não estava à vista.

- Michael... - eu disse quase em um sussurro. - Não!

Eu vasculhei os destroços do meu lado da ponte. Olhei para baixo da ponte. Nada. Eu gritei de raiva e frustração. O som reverberou na quietude da manhã. Eu estava prestes a assoviar para vasculhar com Blackjack, quando o telefone da minha mãe tocou. A tela de LCD anunciou que eu tinha uma chamada de Finklestein & Associados – provavelmente um semideus ligando de um telefone emprestado.

Eu atendi esperando por boas noticias. Com certeza eu estava errada.

- Alô? - eu disse.

- Megan...

- Haley, por favor me dê boas notícias. - eu pedi.

- Hotel Plaza. É melhor você vir rápido e trazer um curandeiro do chalé de Apolo. É o Jake.

Depois de desligar o celular e taca-lo em algum lugar por ali, eu simplesmente e sem explicações, puxei Will Solace do chalé de Apolo e pedi que seus irmãos continuassem procurando por Michael. Nós pegamos emprestada uma Yamaha FZI de um motoqueiro adormecido e dirigimos para o Hotel Plaza em uma velocidade que teria causado um ataque cardíaco em minha mãe se ela estivesse viva. Eu nunca tinha dirigido uma moto e nem queria, Will fez isso. não era muito semelhante a experiência de voar em um pégaso pelos céus. E quando eu disse para Will ir depressa, ele não entendeu de outro jeito.

Ao longo do caminho, notei vários pedestais vazios que normalmente guardavam estátuas. O plano vinte e três parecia estar dando certo. Eu não sabia se isso era bom ou ruim.
Demorou apenas cinco minutos para que chegássemos ao Plaza – um hotel à moda antiga feito de pedras brancas com um teto empenado azul, situado no canto sudeste do Central Park.

Taticamente falando, o Plaza não era o melhor lugar para um quartel general. Não era o prédio mais alto da cidade, ou o mais centralizado. Mas tinha um estilo antiquado e atraíra muitos semideuses famosos ao longo dos anos, como os Beatles e Alfred Hitchcock, então pensei que estávamos em boa companhia.

Nós disparamos com a Yamaha por cima do meio-fio e junto à fonte do lado de fora do hotel.

Will e eu saltamos. A estátua no topo da fonte chamou:

– Oh, ótimo. Suponho que também queiram que eu vigie sua moto!

Tratava-se de uma estátua de bronze em tamanho natural, de pé no meio de uma tigela e granito. Vestia apenas um lençol de bronze em volta de suas pernas, e segurava uma cesta com frutas de metal. Eu nunca prestara muita atenção a ela. Mas ela também nunca tinha falado comigo antes.

- Você é Deméter? - eu ergui a sobrancelhas.

Uma maçã de bronze voou na minha direção, eu desviei. 

- Todo mundo pensa que eu sou Deméter! – ela reclamou. -Eu sou Pomona, a deusa romana da abundância, mas porque você iria se importar? Ninguém se importa com os deuses menores. Se vocês se importassem com os deuses menores, não estariam perdendo essa guerra! Três vivas para Morfeu e Hécate, eu digo!

- Vigie a moto, por gentileza. - eu disse.

Pomona esbravejou em latim e arremessou mais frutas enquanto Will e eu corríamos em direção ao hotel. Sério, aquilo estava parecendo aquele filme, "Uma noite no museu".

Semideuses tinham tomado completamente os últimos andares. Campistas e Caçadoras estavam jogados nos sofás, lavando-se nos banheiros, e servindo-se de lanches e refrigerantes dos frigobares. Um casal de lobos cinzentos estava bebendo água das privadas. Estava aliviado ao ver que muitos dos meus amigos tinham sobrevivido durante a noite, mas todo mundo parecia abatido.

Beckendorf correu até a mim.

- Megan. - cumprimentou ele. - Nós estamos recebendo relatórios...

- Depois discutimos isso - eu o cortei. - Onde está Jake?

- Terraço, ele está vivo ainda...

Eu o empurrei do caminho, e passei por ele. 

Em outras circunstâncias eu teria amado a vista do terraço. Dava para o Central Park. A manhã estava clara e brilhante – perfeita para um piquenique ou uma caminhada, ou praticamente qualquer coisa, exceto combater monstros.

Jake estava jogado em uma espreguiçadeira. Seu rosto estava pálido e ensopado de suor. Ainda que ele estivesse coberto com lençóis, ele tremia. Will Solace vinha logo atrás de mim. Ridley e  Haley estavam ao lado de Jake.

- Relaxa, sua namorada está vindo... - disse Ridley. - Você é um homem ou não?! 

- Ridley. - Haley a repreendeu. 

- O que? Eu só... - então eles me viram. - Viu, Turner? Não precisa mais fazer drama, ela está aqui.

- Cala a boca, pirralha. - murmurou Jake com a voz rouca, mesmo estando todo ferrado, ele ainda conseguia se irritar.

Ridley riu sapeca enquanto Haley revirava os olhos.

Will desamarrou as ataduras de Jake para examinar a lesão, e eu quis desmaiar. O sangramento havia parado, mas o golpe parecia profundo. 

- Deuses... Está horrível! - disse Ridley para Jake, em um tom de horror. - Acho que eu vou vomitar, e isso não é nada charmoso.

- Ridley... Você não está ajudando. - disse Haley.

- Mas está verde! Verde! - insistia ela.

- Ridley, cala a boca. - eu disse. - Como eu deixei isso acontecer? - murmurei para mim mesma olhando para Jake que me encarava. - Droga...

Ele havia levado a facada por mim.

Jake me chamou com a mão, eu me aproximei.

- Veneno na lâmina. - disse para mim. - Acho que a bênção chegou na validade.

- Cale a boca... - eu murmurei. - Will?

Will Solace expirou de alívio.

– Não é tão ruim. Alguns minutos a mais e nós estaríamos com problemas, mas o veneno ainda não passou do ombro. Apenas fique parado. Alguém me passe um pouco de néctar.

Eu peguei um cantil. Will limpou a ferida com a bebida divina enquanto eu segurava a mão de Jake.

O Filho de Ares xingava em grego antigo enquanto eu segurava sua mão, ele parecia tentar não aperta-la muito forte, mas isso não deu muito certo.

Ele apertou meus dedos tão forte que eles ficaram roxos, mas ela ficou parado.

- Vai ficar tudo bem... - eu lhe dei um sorriso confiante.

- Dã... - ele gemeu.

Haley murmurava palavras de incentivo enquanto Ridley murmurava e olhava com nojo para a ferida esverdeada. Will pôs um pouco de pasta prateada sobre a ferida e cantarolou palavras em grego antigo – um hino para Apolo.

Então ele aplicou bandagens frescas e levantou-se trêmulo. A cura deve ter tirado muito de sua energia. Ele parecia quase tão pálido quanto Jake.

– Isso deve bastar – ele disse. – Mas nós vamos precisar de alguns suprimentos mortais.

Ele pegou uma parte dos artigos de papelaria do hotel, rabiscou algumas anotações, e entregou para Malcoml do chalé de Atena que também permanecia ali. 

- Há uma Duane Reade na Quinta Avenida. Normalmente eu nunca roubaria...

– Eu roubaria – Travis se voluntariou.

Will olhou fixamente para ele.

– Deixem dinheiro ou dracmas para pagar, o que quer que vocês peguem, mas isso é uma emergência. Tenho a sensação que teremos muito mais pessoas para tratar.

Ninguém discordou. Não havia quase nenhum semideus que já não tivesse sido machucado... exceto eu.

– Vamos lá, pessoal – Travis Stoll disse. – Vamos dar algum espaço para Jake. Temos uma farmácia para saquear... Quer dizer, visitar!

Os semideuses se misturaram de volta para dentro. Beckendorf pousou a mão no meu ombro antes de sair.

- Vamos conversar mais tarde, mas está tudo sob controle. Estou usando o escudo de Jake para ficar de olho nas coisas. O inimigo recuou ao nascer do sol, não tenho certeza por que. Nós temos um vigia em cada ponte e túnel.

- Certo, obrigada. - eu disse. 

Ele concordou com a cabeça.

– Descanse um pouco.

Ele fechou as portas do terraço atrás de si, estávamos então: Eu, Jake, Ridley e Haley sozinhos.

Haley pressionou um pano gelado na testa de Jake.

- Isso é culpa minha... - murmurou ele.

- Deixe de ser mané - disse Ridley segurando o ombro de Haley. - Como pode isso ter sido culpa sua? Di Immortales! Você nem estava lá no momento...

- Eu sou um inútil. - disse Haley. - Eu nunca servi para nada no acampamento...

- Haley, as coisas não são bem assim... - eu comecei.

- Não sou você, Megan e nem o Jake. Se eu fosse uma lutador melhor...

- Qual é, Haley. - eu disse. - Anime-se, você é ótimo com os pégasos e com facas e acredite, é muito difícil encontrar um carinha de doze anos que é bom com facas.

Mas ele não parecia me ouvir. 

- Acho que se Clarisse tivesse colaborado com a gente... - eu comecei, mas Haley me cortou.

- É isso! - ele sorriu. - Nós precisamos do chalé de Ares. Eu posso falar com Clarisse. Euseique posso convencê-la a nos ajudar. Deixe-me tentar.

- Haley, eu realmente não sei se posso deixar você ir, Clarisse não iria te ouvir.

- Eu vou dar um jeito! - ele insistiu. 

- Clarisse é muito teimosa. Quando está zangada...

– Posso pegar um pégaso. Eu sei que consigo voltar ao acampamento. Deixe-me tentar. Acredite em mim...

Eu olhei em seus olhos grandes e azuis... Eu não gostava da ideia. Eu não acreditava que Haley tinha chances de convencer a Clarisse a lutar. Eu hesitei, Haley me olhava com tanta ansiedade e eu sabia que não aceitaria um "não" como resposta. Eu tinha que confiar nele.

- Ok. - eu concordei. - Tudo bem, mas...

Então Haley jogou seus braços em volta de mim.

- Obrigado, obrigado! - animou-se. - Juro que não vou te decepcionar, Megan!

Então ele se afastou e se foi saltitando de alegria e animação, bem, eu acho que se eu fosse ele não ficaria tão animado ao faze ruma visitinha aos filhos de Ares.

Olhei para Ridley e revirei os olhos, ela riu.

- Ele vai se sair bem... Acredito que ele não vai morrer.

- Isso tranquiliza você? - eu perguntei e ela corou.

- Bem, Haley é meu amigo, não é? - disse ela.  - em, vou deixar vocês sozinhos, acho que seu namorado vai querer isso, mas não exagerem na pegação.

Eu franzi as sobrancelhas confusa.

- O que?

Ela deu uma risadinha.

- Nada, eu vou indo. - então ela se foi.

Assim que ela saiu, me ajoelhei perto de Jake e toquei sua testa. Ele parecia melhor, mas ainda estava queimando.

- Você... é uma idiota. - disse ele. - Mas fica bonita quando está preocupada. Suas sobrancelhas ficam dobradas juntinhas.

Eu segurei sua mão nem ao menos o respondendo.

- O que foi? Você não retrucou. - disse ele com a voz rouca.

- Eu estou lhe devendo vários favores, você não pode morrer ainda. - eu disse.

- Você é tão dramática, Megan... - suspirou. - Você teria feito o mesmo por mim, sabe disso.

É, eu sabia. Acho que nós dois sabíamos disso. Ainda assim, eu sentia como se alguém estivesse espetando meu coração com uma fria vara de metal.

- Eu acho que ele tem razão. - eu disse.

- Quem?

- Cronos. - respondi. - Meu ponto fraco está nos outros.

Ficamos um longo tempo em silêncio, silencio demais, o adormecer de Nova York ainda me deixava irritada, como se não fosse Nova York.

- Eu sinto muito por Annie... - ele disse brincando com os meus dedos.

Eu não respondi, continuava olhando para o nada. Quando a menção do nome "Annie" chegou aos meus ouvidos eu estremeci lembrando da expressão da filha de Apolo antes de ter sido engolida pelo mar.

– Como você sabia?

– Sabia o quê?

Eu olhei ao redor para ver se estávamos realmente sozinhos, me aproximei dele.

- Meu calcanhar de Aquiles... Como sabia? Se você não tivesse levado aquela facada, eu teria morrido.

Ele ficou com um olhar distante. Sua respiração tinha cheiro de uvas, talvez por causa do néctar.

- Eu apenas tive essa sensação de que você estava em perigo, eu não queria proteger seu calcanhar de Aquiles, queria proteger você. - ele disse.

Eu o encarei e dei um meio sorriso.

- Onde é?

- O que? - perguntei.

- Onde é o seu ponto fraco?

Eu não deveria contar a ninguém. Mas era Jake e se eu não pudesse contar com ele, não poderia contar com mais ninguém.

– Na base da minha coluna.

Ele levantou a mão.

–  Aqui?

Ele pôs a mão na minha coluna, e minha pele formigou. Eu movi os dedos dele até o único ponto que me ligava à minha vida mortal. Mil volts de eletricidade pareceram percorrer meu corpo.

- Obrigada. - eu disse.

Ele removeu sua mão, mas eu continuei segurando-a.

– Então você me deve – ele disse fracamente. – Conte-me uma novidade.

Eu ri.

- Tenho que parar de deixar você me salvar... Na boa, tenho mais dívidas com você do que poderia ter em cinco vidas.  - eu disse.

Nós observamos o sol se elevar sobre a cidade. O trânsito deveria estar pesado à essa hora, mas não havia carros buzinando, nem multidões se alvoroçando pelas calçadas. Bem longe, eu podia ouvir o eco de um alarme de carro pelas ruas. Uma pluma de fumaça negra ondulou no céu em algum lugar sobre o Harlem. Eu imaginei quantos fogões tinham sido deixados acesos quando o encanto de Morfeu sobreveio; quantas pessoas tinham pegado no sono no meio da preparação do jantar. Logo, logo haveria mais incêndios. Todos em Nova York estavam em perigo – e todas aquelas vidas dependiam de nós.

- Mesmo eu sendo filho do deus da guerra, eu quero que essa guerra acabe logo. - disse ele, então me encarou. - O que aconteceu com você na hora que Annie caiu da ponte?

Eu prendi a respiração. Ele falava do meu momento de pura loucura, enquanto eu saia matando todos os monstros na minha frente, quer dizer, era aquilo que eu tinha que fazer não é? Então não foi tipo, errado, foi?

- Resultado do mergulho no Estige? - sugeri.

Jake sacudiu a cabeça fracamente.

- Não é disso que...

Antes que ele terminasse de falar, a porta do terraço se abriu. Connor Stoll passou para dentro.

- Megan. - ofegou ele. Então olhou para Jake como se não quisesse falar nada ruim na frente dele, mas eu podia dizer que ele não estava trazendo notícias boas. – Sra. O’Leary acabou de chegar com Hansel. Acho que você vai querer falar com ele.


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